Paixões Gregas - Amor sem fronteiras(Degustação) escrita por moni


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Oiiieeee
Mais um. Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/709720/chapter/7

   Pov – Ryan

   Os médicos estão envolvidos em todo tipo de atendimentos quando finalmente coloco a mulher sobre uma cama improvisada. Tudo aqui é improviso.

   ―Gary começa o atendimento ao bebê. – Peço enquanto eu mesmo vou colocando a mulher no soro e medindo sua pressão, batimentos. – Como ele está? – A adrenalina dos primeiros procedimentos sempre me deixam completamente desperto. Mil coisas acontecem na cabeça de um médico nesse momento, desde as primeiras aulas de biologia no colégio até as difíceis primeiras semanas de residência. Decisões precisam ser tomadas. Tem todas as possibilidades que precisam ser descartadas e as precauções e tudo em segundos.

   ―Ele está estável. Apenas fraco. – Continua minha luta. Aparentemente não é nada além da fraqueza e suas consequências. Ideal seria um exame de sangue ao menos para um diagnóstico mais preciso.

   ―Ryan. – David entra na sala. – Precisamos de você na outra sala. Ferido a bala. Região do abdômen. Continuo daqui.

   Olho para a mulher um longo momento, depois para o bebê. Quero ficar, quero terminar isso. Mesmo assim preciso me colocar como um dos poucos cirurgiões e deixo a sala.

   Perder é sempre difícil. Retiro as luvas e a máscara depois de anunciar a hora da morte. A bala perfurou muitos órgãos, fez um grande estrago e mesmo que estivesse em uma sala de cirurgia com tudo que fosse necessário ainda assim não teríamos vencido.

   ―Vou avisar o grupo dele. Soldados. Eles odeiam essas notícias. – Richard é o chefe de todo nosso trabalho aqui como médicos sem fronteiras. Vez por outra tem que administrar esse tipo de estresse, soldados que eles acham que temos que salvar seja lá como. Dos dois lados. Milicianos vez por outra exigem o mesmo. Soube de histórias de médicos que tiveram que fazer cirurgias com armas apontadas para eles ou seus pacientes.

   Dou a volta no prédio pequeno. Uma antiga construção caindo aos pedaços que foi adaptada. Vou até meu pequeno alojamento, troco o avental ensanguentado, lavo o rosto e me sento um longo momento.

   O rosto da mulher e seu bebê me voltam a mente. Penso que ela poderia estar morta assim como o bebê se eu não tivesse insistido em continuar as buscas.

   Passo pela nossa pequena cozinha. Tomo uma xicara de café forte e depois vou saber da minha paciente e seu bebê. Quando entro na sala ela dormia. O bebê também. Sinto seu pulso. Confiro o soro. Faço o mesmo com o bebê.

   ―Eles estão bem. – Tracy me sorri. Os rostos dos dois perecem mesmo mais tranquilos. Ele usa fraldas descartáveis e ela um avental limpo. – banhamos os dois. Ele acordou, respondeu aos estímulos básicos, ela ainda dormindo. Esgotamento. Demos sedativos para descansar, estão se hidratando. Amanhã devem estar mais despertos.

   ―Que bom. Ela não acordou nenhuma vez? – Não consigo me desprender deles. Uma coisa me aproxima e não sei o que é. Talvez o modo como os encontrei, ou o fato de ser um bebê e sua mãe.

   ―Não. – Tracy me comunica talvez achando meu interesse desmedido. Olho um longo momento para a mulher. Os dois pés estão enfaixados.

   ―O que tem os pés?

   ―Feridos. Um deles completamente aberto. O outro com bolhas. Vai demorar uns dias para poder pisar.

   ―Feridos? – Aquilo intriga um pouco. – Estranho.

   ―Por que? – Ela questiona e dou de ombros. ― Imagino que ela caminhou muito.

   ―Todos eles Tracy. Todos que estão aqui. Já viu isso? – Ela pensa um momento e depois nega. – Por que o que vemos são calos de uma vida disso. – Tracy fica mais um momento em silencio.

   ― Os sinais estão bons Ryan. Não se preocupa. Passou três horas na cirurgia. Vai descansar. – Balanço a cabeça concordando e deixo a sala. Dormir não é fácil.

   Pela manhã faço a ronda entre meus pacientes. Um deles recebe alta médica e vai poder ir embora. Parte com a família para Etiópia. Conseguiu uma chance e tem até um emprego. David conseguiu isso. Ele tem seus contatos depois de tantos anos trabalhando com refugiados e países em conflito pelo mundo.

   Deixo para ir ver mãe e filho por último. Apenas por vontade de esperar que acorde. Ou quem sabe ela já esteja acordada.

   Só tem os dois na sala quando chego. Um paciente teve alta, um morreu e outro foi transferido. Só restaram os dois ali. Onde devem ficar até que estejam prontos para seguir seu caminho seja ele qual for. No fim dá sempre em outro posto de ajuda.

   Ela dorme. Agora seu rosto parece mais suave. Uma mulher bonita. Jovem. Os pés enfaixados ainda. O bebê resmunga. Me aproximo. Ele está sem soro. Ergo o bebê no colo. Tão leve.

   Penso nos gêmeos. Eros e Theo. Eram tão saudáveis. São garotinhos fortes e cheios de vida agora. É difícil conviver com os dois extremos. Tudo que se pode ter e a falta de absolutamente tudo que se podia conseguir.

   ―Oi. Daren não é? Está se sentindo bem? – Caminho em direção a janela. – Quer dar uma voltinha? Eu sei não é uma grande vista. – É péssima. Apenas a degradação humana. Ao mesmo tempo é bonito, vejo Tracy e Gary brincando com algumas crianças, elas riem com alguns brinquedos improvisados que David produz todas as noites em seu tempo livre. Reciclagem. – Logo vai estar forte e quem sabe poder brincar com brinquedos como aqueles. O que acha?

   O bebê desvia os olhos e me encara. Lindos olhos escuros. Os dedinhos finos seguram meu dedo indicador em busca de segurança. Ele passa a língua nos lábios e produz um ruído baixo, um leve resmungo que me traz um sorriso.

   Me faz lembrar Bárbara e meu amor por minha irmãzinha. Como eu ficava perdido assistindo cada pequena novidade de seus gestos.

   ―Você é mesmo lindo pequeno. Tivemos muita sorte não é? – Ele me olha atento. Escuta bem. Isso é bom. – Gary queria desistir, mas fui em frente. Agora estamos aqui. Foi por pouco. Muito pouco. Você tem cara de lutador. É isso? Em Daren? Um guerreiro? – Beijo sua testa. Não paro de embalar o pequeno, desvio meus olhos para a janela, o dia frio de outono, o céu sem seu azul costumeiro. Como será que estão todos? Quem sabe juntos na Grécia. Em torno de uma longa mesa, cheia de tudo que o dinheiro pode comprar. Meu estômago embrulha. Não sei como vou voltar a viver daquele jeito.

   Achava que o máximo de sofrimento que existia era aqueles problemas comuns ao mundo capitalista em que cresci. Mexicanos com dificuldade para conseguir cidadania, atrasos no pagamento do aluguel, dores de dente e a falta de dinheiro para ir ao dentista. Gangues.

   Agora quando penso na milícia e seus rifles de longo alcance as gangues do Harlem viram piada.

   Balanço a cabeça para afastar meus medos, não vou ficar para sempre aqui e não posso viver comparando. Minha família não conseguiu tudo que tem de modo ilegal, eu não tenho que me envergonhar. Além disso eles não deixam de ajudar.

   Daren espirra e me faz sorrir. Olho para o rostinho bonito, sua mão ainda prendendo meu dedo.

   ―Você é mesmo um lindo bebê Daren. Está gostando do colo? – Ando pela sala. Ele deve estar faminto.

   ―Daren. – A voz soa fraca e me volto para a cama. A mulher abre os olhos. Ela é mesmo bonita, mesmo assim abatida, mas nem é mesmo isso que me faz ficar pensando sobre ela e seu bebê. Não saberia dizer o que me atrai, é como um imã. – Daren. – Ela parece tão assustada. Me aproximo com ele nos braços.

   ―Ele está bem. Sou o doutor Ryan. Como se sente? – Solto meu dedo preso a mão do pequeno para tomar seu pulso, ela olha de mim para o bebê.

   ―Posso... – Ela estica os braços. Claro. Que tolice, é mãe, deve estar louca por ele.

   ―Ele ainda mama? – Pergunto arrumando o pequeno em seus braços finos. Ela afirma. – Pode alimenta-lo. – Digo de modo claro e lento. Os dialetos da região variam muito e nem sei se ela fala bem o inglês. – Como se chama?

   Pergunto enquanto ela coloca o pequeno para mamar. Isso é sempre um momento lindo. No começo cheguei a pensar em obstetrícia, mas achei que passaria a vida trabalhando para os Stefanos e decidi ser cirurgião geral.

  ―Aysha. – Ela observa o bebê sugando faminto, com a mão livre seca as lagrimas que rolam livres. Deve ter um mundo de coisas acontecendo dentro dela agora. As emoções humanas são sempre tão intensas e variadas.

   ―Aysha. Você e ele estão bem. Se recuperando. Encontrei vocês no caminho. Uma mulher disse que tinha ficado caída e fui encontrar você com o doutor Gary. – Falo lentamente para ela compreender, seus olhos estão fixos em mim. Atentos, ela só escuta. Enquanto amamenta o pequeno e acaricia seus cabelos. – Seus pés estavam feridos, você deve tomar mais algumas bolsas de soro e vou começar a introduzir uma alimentação leve. Nos primeiros dias não vai ser fácil, ficou muito tempo sem comer?

   ―Uma semana. Acho. – Ela responde para apenas fazer meu coração se contorcer. Balanço a cabeça confirmando. Depois olho para Daren em seus braços.

   ―Tem um garotinho muito forte Aysha. Parabéns. – Ela sorri. Primeiro um sorriso escondido, fraco, depois ele se amplia e ilumina. – Quantos anos você tem?

   ―Vinte três. Não, vinte e quatro no caminho. – Ela fecha os olhos se lembrando de algo. Talvez a luta no caminho. Daren adormece.

   ―Vou troca-lo e coloca-lo ao seu lado. Tudo bem? – Ela concorda. – Está sentindo alguma coisa? Pode olhar ele? – Ela concorda. Não temos pessoas o bastante para isso, não é um hospital, não tem botão para chamar um médico, aqui mães realmente cuidam de seus pequenos doentes e não tem como evitar isso.

   ―Três meses. – Ela diz quando devolvo o garotinho a ela. Seus olhos pesam.

   ―Então ele venceu o mais difícil. Vocês vão ficar bem. Tente dormir. Vou trocar seu curativo. Logo vai poder comer.

   Enquanto vou soltando as ataduras dos pés ela adormece. Aysha. Nome bonito. Rosto bonito, dentes bonitos. Isso é bem estranho. As vezes parece que ela não se encaixa muito no padrão da região.

   Olhar para os ferimentos dos pés me tiram qualquer pensamento. Estão mesmo destruídos. Refaço os curativos, nenhum dos dois acorda, fico ali olhando para eles um longo momento.

   ―Algo me dizia que estaria aqui. – Gary surge e desperto. – Eles estão bem?

   ―Sim. Aysha. Ela se chama Aysha. – Ele só olha para ela e depois me encara atencioso. – Não falou muito, na próxima vez que acordar pergunto mais. O pequeno é bem bonzinho. Se alimentou bem. Eu fiquei observando. É bom ela ainda ter leite, mas vamos ter que complementar a alimentação dele.

   ―Você está...

   ―Gary eu sei o que vai dizer, não estou me envolvendo com eles. Talvez um pouco, mas cara você não está? – Ele continua calado a me olhar. – Achamos os dois uns minutos antes de tudo acabar. Como um milagre, como... – Seu silencio me desestimula. – Ok. Olha, manter uma distância segura para não prejudicar meu trabalho de médico é algo que exercito desde antes do Sudão. Só que eu também aprendi a ser um médico menos mecânico, sabe que quanto melhor for nossa relação com os pacientes, quanto mais próximo, mais confiança e melhores resultados. Tem pesquisas provando isso.

   ―Você fala demais. Não sei o que tanto se explica. Está tudo bem Ryan.

   Deixamos a sala juntos, eu depois de um último longo olhar aquela mãe abraçada ao filho. Sem conseguir calcular o quão difícil tem sido seus dias.

   ―Richard quer nos reunir. – Ele avisa me puxando de leve. – Vamos. Sobrou um tempinho, está tudo relativamente calmo.

   Quando entramos na sala onde possivelmente todos os médicos estão reunidos eu me preocupo. Richard está de pé, na frente do grupo que se espalha, alguns de avental, outros retirados de sua hora de folga.

   ―Pronto. Estamos todos aqui finalmente. – Me sento ao lado de David que tem um ar compenetrado. – Noticias ruins. – Richard avisa.

   ―Já tivemos alguma boa? – Uma médica Alemã pergunta em um sotaque forte que me faz pensar em tia Liv e em como ela adoraria falar com gente do mundo todo num único ambiente.

   ―Depende do ponto de vista. – David rebate.

   ―Pessoal. As questões existenciais ficam para outro momento. – Richard corta o pequeno debate sobre otimismo e realismo que começava a despontar e que está sempre nos cercando. – Um médico sem fronteira foi morto numa aldeia a alguns quilômetros daqui. Eles sabiam que nosso grupo estava lá, mesmo assim atacaram. Uma bomba que destruiu o prédio e matou um dos nossos, os outros estão bem e voltando para casa.

   Um silencio ensurdecedor recai sobre todos nós. Demora um tempo até que Richard decida continuar.

   ―Foi assim que acabamos nos retirando por completo da Somália há uns anos. David esteve lá. – Todos olhamos para ele. David parece perdido em memórias. – O fato é que se continuarem a atacar mesmo os grupos de ajuda humanitária então seremos obrigados a deixar a região. Isso é um aviso. Não estamos mais protegidos como achamos.

   ―Voltar para casa? Com essa gente toda em risco? – A médica Alemã fica surpresa. Todos ficamos.

   ―Estamos aqui para ajudar. Não temos um lado, somos neutros e isso é algo que os dois lados devem respeitar. Se nos atacam então só nos resta nos retirar. Infelizmente.

   ―Como vamos saber se estamos ou não em risco? – Um médico questiona.

   ―Um diplomata especializado nesses conflitos está tentando contato com os rebeldes, tentando garantir que isso não vai mais acontecer, se ele não conseguir uma promessa então vamos partir. Até lá o trabalho continua como está.

   ―Se tivermos que partir... – Gary questiona. – O que acontece com esse lugar? Com essas pessoas.

   ―O que acontece sempre, o que acontecia antes de chegarmos. Ficam a própria sorte.

   Mais silêncio. De novo só escutamos os barulhos vindos de fora da sala. Todos aqui sabem o que acontece, todos aqui estão desenvolvendo seus trabalhos buscando o melhor para todos, partir é desumano.

   ―Quem quiser pode se inscrever para outros lugares, tem muito espaço na Etiópia também. Recebendo essas pessoas do lado de lá. Adianto desde já que o trabalho é tão precário quanto aqui e que a paz que as pessoas parecem acreditar existir por lá agora é só superficial. Vão correr tanto risco quanto aqui.

   ―Essa morte saiu no noticiário? – Só penso em minha família descobrindo algo assim.

   ―Jack noticiou. Enviou fotos e tudo. – Jack é um correspondente que chegou uma semana depois de mim. Aqui é sua base, mas ele tenta viajar por todo Sudão e já conseguiu até mesmo uma entrevista exclusiva com o chefe de um dos grupos mais radicais.

   ―Bom pessoal. Estão dispensados para seguir com seu trabalho. Se alguém quiser conversar estou aqui. – Vamos nos dispersando. Gary ao meu lado silencioso.

   ―Acha que vamos ter que ir?

   ―Acho Ryan. Talvez por um tempo. Os conflitos se intensificaram nos últimos meses. O governo está prestes a cair. Mais uma vez.

   ―Mais um. – Desdenho um tanto esgotado. Minha mente vai mais uma vez em direção a mulher e seu garotinho. Aysha e Daren. O que acontece com eles agora? Para onde vão? Quais as chances deles?

   Faço mais uma ronda, examino mais gente. Atendo uma nova emergência. Me reúno com mais alguns médicos ainda nos decidindo sobre o melhor meio de resolver um problema com uma garotinha de três anos com problemas cardíacos.

   Ela não tem muito tempo, mas sabemos que um caminhão com mais suprimentos médicos está vindo de Juba e decidimos esperar para quem sabe conseguirmos melhores condições para uma cirurgia.

   Anoitece e toda a luz que temos vem de lampiões espalhados pelo prédio. Depois de tomar banho e jantar eu decido ir ver Aysha e Daren. Não são mais meus pacientes, mesmo assim quero vê-los.

   Tracy está no corredor com um prato de sopa numa bandeja, para diante de mim.

   ―Vai vê-los? – Ela pergunta e balanço a cabeça confirmando. Ela me sorri. – Então dê a sopa a Aysha é sua primeira refeição. Fique para ver como ela responde e depois... – Ela me entrega o prontuário. – Vá em frente. Cuide deles para mim. Preciso mesmo de um pouco de descanso.

   ―Gary está de folga. – Brinco com ela. Mesmo na pouca luz vejo que cora. – São um bonito casal. – Ela ri mais largamente. – Sim ele me contou.

   ―Eu sabia. Obrigada Ryan. Antes de dormir eu volto aqui para dar uma olhada no prontuário deles.

   Ela me deixa e entro na sala com a bandeja. Aysha está encostada na cama, sentada e com seu bebê deitado ao seu lado. Não me acostumo com essas camas. Tudo tão precário e o que mais me incomoda é não ter camas hospitalares. Me sinto um garoto mimado toda vez que penso nisso.

   ―Boa noite Aysha. – Ela me olha em silencio. – Trouxe comida. Vai parecer pouco, mas você precisa reeducar seu organismo, se comer muito de uma só vez pode se sentir mal.

   ―Ryan? – Ela pergunta quando me aproximo. – É você?

   ―Sim. – Aysha tateia quando me aproximo com a bandeja. – A bandeja. Vou colocar... não está me vendo?

   ―Conheço sua voz. Me lembrei que foi você a me encontrar, ouvi sua voz e tudo retornou, veio mais cedo.

   Ajeito a bandeja em seu colo. Ela tateia mais uma vez e encontra a colher. Seu inglês é como o meu. Parece ridículo pensar, mas não sei o que está acontecendo, sei que tem mais nessa história.

   ―Quando começou a ter problemas de visão? – Pergunto a ela. Sem pensar muito levo sua mão com a colher em direção ao prato com a sopa. – Aqui. Quer ajuda?

   ―Não. Estou bem.  Eu enxergo. Só que... muito pouco, é por conta da pouca luz. Cegueira noturna. Começou tem um mês eu acho.

   ―Quem diagnosticou? – Minha pergunta a deixa muda. Ela parece relutar um pouco. Os olhos seguem para seu pequeno bebê. Ele ressona.

   ―Dormir alimentado. – Ela diz com a voz embargada. – Ele nunca tinha experimentado isso. Desculpe. – Ela seca uma lágrima. Respira fundo e leva a colher a boca, são apenas meia dúzia de colheradas. O soro ainda corre em suas veias com vitaminas. Deixo a bandeja sobre a cômoda.

   Aysha não me respondeu. Ela se encosta mais. Fica em silencio.

   ―Acho que o estômago não vai rejeitar a alimentação. – Ela diz depois de um momento calada. – Se fosse uma atrofia eu teria sentido. Não acho que corra o risco de um colapso.

   ―Quem é você Aysha? – Pergunto ao me dar conta que sem nenhum conhecimento de medicina ela não poderia fazer dois diagnósticos como acabo de assistir. Além disso seu inglês é muito diferente dos nativos. – Já ouviu falar em ética médica. Nada que disser saí dessa sala.

   Ela fica me estudando calada. Sinto sua tensão. Os olhos escuros irem ganhando lágrimas. Me aproximo. É instintivo. Aquela coisa que me faz sempre próximo dela e desse bebê. Aysha procura minha mão.

   ―Ouvi você com ele. Conversando na janela. – Sinto o calor de sua mão presa a minha pedindo socorro. Não são as mãos calejadas de quem nasceu sem nada, são as mãos feridas de quem por algum motivo acabou perdendo tudo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Beijosssssssssssssssssssssssssss