Paixões Gregas - Amor sem fronteiras(Degustação) escrita por moni


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas lindas. Primeiro de tudo o elenco principal que sempre me esqueço de colocar nas sinopse, mas vou agora mesmo fazer isso em todas por que a Thaty sempre me diz para fazer e nunca lembro. Dylan O'Brian como Ryan e Zendaya como Aysha.
Agora quero dizer que amo vocês. E ja tenho mais duas recomendações. acho que vocês realmente colocam muita fé em mim. Espero que ao longo da história continue a merece-las. JUSSARA STEFANOS. Repararam né no nome da pessoa? Stefanos. Como que posso não amar loucamente essa pessoa? Obrigada JÚ. Te adoro. Obrigada pelo carinho de recomendar e ser você. Que já é demais. Te adoro.
LEXA sua linda. Amei sua recomendação. Também amo Ulisses e tenho certeza que vai ser muito divertido escrever sobre Gigi. Vamos rir muito com certeza. Obrigada mesmo pelo carinho. Adoro vocês.
Agora sobre o capitulo. Era para ser Ryan, mas precisava escrever esse capítulo sobre Aysha. Precisam entender que ela chega muito antes dele no Sudão, então eu precisa escrever esse e nos próximos acho que vão entender. Amanhã se tudo der certo tem mais.



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   Pov – Aysha

   Nancy me sorri complacente quando entrego a ela os papéis preenchidos. Confere as folhas. Respira longamente.

   ―Tem certeza? Sabe onde está se metendo?

   ―Nancy sou uma médica como você. Sua assistente na obstetrícia. Estou indo bem? – Ela afirma. – Então envie. Quero muito isso.

   ―Tem algo a ver com o doutor Steve? – Levo um pequeno baque. Não fui discreta o bastante.

   ―Não.

   ―Eu notei seu pequeno transtorno. Não sabia que existia algo entre vocês.

   ―Ele parece que também não sabia. – Nancy sorri. – Estou bem. No fundo ele não foi assim tão desonesto. Eu é que fui bem cega. Não vai se repetir.

   ―Vou enviar isso. Vamos ver. Você é jovem. Bem jovem. Não temos certeza se vão te chamar para o processo seletivo, mas vou fazer uma recomendação. – Abraço Nancy. Ando tão sozinha que um simples abraço em minha mentora me emociona.

   ―Obrigada.

   Começo meu trabalho. De dia as coisas são mais tranquilas. Ainda mais na obstetrícia, é no plantão noturno que costumamos pegar os trabalhos de parto mais graves e inesperados.

   Meu próximo plantão noturno leva uma longa semana. Uma semana em que me sinto bastante sozinha. Me faz pensar na verdadeira razão por que não vi como Steve era meu oposto. Eu apenas não queria ficar sozinha. Simplesmente isso.

   Quando chego esgotada na manhã do plantão noturno, depois de um parto às pressas de gêmeos que terminou com a morte de um dos bebês meu coração está abalado. Meu corpo esgotado. Nem sempre são lágrimas de alegria e emoção. Nem sempre tem pais zelos a segurarem a mão de mães assustadas prometendo amor eterno. Muito mais comum é termos mulheres sozinhas. Adolescentes acompanhadas de suas mães ou nem isso.

   Essa noite foi a vez de uma adolescente que chegou sozinha, assustada e esperando dois bebês. Ela nem mesmo sabia que eram dois, não tinha ninguém com ela. Não tinha ninguém para quem ligar. Solidão é algo devastador e penso que comigo é um pouco assim. Ninguém para me oferecer uma xicara de café quente, para ouvir meus lamentos depois de uma noite difícil de plantão. Sinto falta do olhar perdido de Steve, dele com os olhos cravados no celular fingindo que me ouvia antes de me levar para cama.

   Era só mesmo isso que o interessava e da tristeza surge a raiva e mesmo esgotada eu decido que está mesmo na hora de dar fim ao relacionamento que só existia em minha mente distraída. Pego uma caixa de papelão, começo a correr a casa em busca de seus pertences.

   Um pijama, um par de chilenos, dois livros de cirurgia plástica, uma droga de romance policial mal escrito, o carregador de celular, sua escova de dentes, o creme de barbear de sua marca preferida que me custava um bom dinheiro e me sinto ridícula por comprar aquilo todos os meses apenas para agrada-lo. Sua geleia de pêssego sem açúcar por que o imbecil tinha medo de engordar, dessa vez sorrio, nenhuma foto nossa, nenhum presente dele que precisa ser devolvido. Como eu pude ser idiota por tanto tempo?

   Mando mensagem para que ele passe em meu apartamento quando sair do hospital. Depois me atiro na cama e durmo até a noite chegar.

   Steve não tem a elegância de tocar a campainha, usa sua chave para entrar depois das oito, quando eu remexia as panelas no fogão preparando meu jantar. Ele me sorri despreocupado. Bonito, nem tanto olhando bem.

   ―Preparando nosso jantar gata? – Não acho que o molho esteja quente o bastante para causar queimaduras de terceiro grau e apenas por isso não atiro a panela em sua cara de pau.

   ―Perda de memória com pouca idade pode ser um tanto grave.

   ―Aysha. Aquilo...

   ―Aquilo foi você sendo um canalha. – Passo por ele indo para sala. Paro diante da caixa com seus pertences. – Quero minhas chaves e quero que pegue essa caixa, vá embora e fique longe de mim.

   ―Meu Deus! Quanto drama. Aysha nos damos bem. Você e eu na cama somos bons.

   ―Nem tanto Steve. Não é isso que busco.

   ―Você sabe dos meus planos de crescimento, não é nada pessoal, mas se assumisse você...

   ―O que? O que aconteceria?

   ―Quero ser médico chefe, quem sabe diretor, são compromissos e mais compromissos, você sabe, festas com gente importante, e bom... não é nada pessoas, mas...

   ―Isso é sobre eu ser negra? – Dou dois passos para trás chocada. É muito mais grave do que pensei. Queimaduras mesmo de segundo grau parecem aceitáveis agora.

   ―Não tenho preconceito, mas...

   ―A maldita frase. Sabe quantas vezes já ouvi isso? Sou boa para sua cama, mas nunca para seu sofá? Você é um canalha racista.

   ―Que absurdo! Está descontrolada. Histérica.

   ―Continue Steve. Isso está um espetáculo de preconceito e desrespeito. – Ele me olha surpreso. – Eu sei, me achava dócil e está surpreso. Pode me devolver a chave e sair? Agora. Leve suas tralhas.

   Steve me olha um longo momento decidindo se vale o esforço tentar me convencer do contrário. Depois pega as chaves no bolso da calça social, deixa sobre a mesinha e ergue a caixa, passa por mim em silencio e me apresso em abrir a porta. Não divertido descobrir que ele não tem qualquer interesse em lutar.

   Devia estar feliz por me livrar do cara mais babaca e preconceituoso que já conheci, mas não estou. Essa certeza me irrita. Me sentir assim me magoa. Queria ser mais dona de minhas emoções.

   As primeiras entrevistas para o emprego como médica sem fronteiras começam duas semanas depois. Quando Steve não frequenta mais meus pensamentos. Foi bem rápido tira-lo da minha vida, muito mais rápido do que devia para alguém com quem me relacionei por quase dois anos.

   Sempre saio do processo de seleção esperançosa e animada. Um mês depois sou chamada para uma entrevista final. Saio da sala cheia de orgulho de mim mesma.

   Sou oficialmente uma médica sem fronteiras e vou viajar para o Sudão do sul para ficar a princípio seis meses. Podendo ser mais tempo, ou menos.

   São muitos conflitos, entendi que algumas vezes temos que abandonar uma região e partir antes do prazo por conta de ataques. Quando a equipe médica fica em risco eminente somos retirados, ou para casa ou para regiões mais seguras.

   Deve ser bem difícil para os médicos que deixam suas famílias, pais, filhos, mas para mim que não tenho nem mesmo de quem me despedir além de alguns poucos colegas de trabalho não é tão difícil.

   Tenho quinze dias para organizar minhas coisas. Seis meses é bastante tempo e decido entregar meu apartamento. Deixar Connecticut para sempre. Quando voltar do Sudão vou procurar um novo lugar para viver.

   Encaixoto umas poucas coisas das quais não quero me livras. Livros e fotos de família. Algumas antigas bonecas, a caixinha de música que já pertenceu a minha avó materna e herdei da minha mãe já sem funcionar. Documentos antigos dos meus pais, recibos, contas pagar. Bobagens que a gente sempre acha que precisa guardar, mas que no fundo sabe que nunca mais vai usar.

   Guardo tudo num deposito na cidade. Pago adiantado por seis meses. Fico sem dinheiro nenhum depois disso, mas para onde vou ele não será necessário e na volta vou ter o salário de médica sem fronteiras para recomeçar. Quem sabe ir para outra parte qualquer do mundo que precisem de mim, ou retornar para África. Não importa. Quem sabe nesse período eu não encontro meu caminho?

   Nancy não é chamada. Me diz com todas as letras que seu amor pela filha de três anos foi o empecilho, ficou claro em suas entrevistas, para ela e seu entrevistador que ela não estava pronta para deixa-la por tanto tempo.

   Se eu tivesse uma filha de três anos, eu nem mesmo cogitaria me afastar dela. A mala começa a ser arrumada e a cada dia que a viagem se aproxima mais e mais coisas vão saindo dela. Quanto mais estudo sobre a situação do lugar menos coisas decido levar e no dia de minha partida cabe tudo numa mochila cargueira.

   Uma equipe de quatro profissionais viaja comigo. Todos eles se surpreendem com minha pouca idade quando nos conhecemos no aeroporto de Juba. Capital do Sudão do sul. O lugar é sem qualquer infraestrutura e não lembra em nada um aeroporto.

   Nos reunimos numa rodinha com mochilas e malas a espera do veículo que vai nos levar até o acampamento.

   ―Que acham de nos apresentarmos? – Um homem de cabelos brancos e um sorriso grande diz com sua mala de mão. – Sou Caleb. Clinico Geral. Estados Unidos.

   ―Amália. Portugal, pediatra.

   ―Simão. Brasileiro. Epidemiologista. Minha segunda viagem. – Sorrimos para seu orgulho em nos contar.

   ―Ekon. Nigéria, cirurgião geral.

   ―Aysha, Americana, Obstetra.

   ―Desculpe perguntar, mas quantos anos você tem? – Ekon me pergunta sorrindo, ele sorri o tempo todo.

   ―Vinte e três anos. Me formei um pouco antes do comum. Entrei na universidade muito cedo. Acima da médica. – Tento explicar. – Tenho experiência. – Continuo com medo de ser considerada inapropriada.

   ―Passou na entrevista como todos nós. Então tem todo direito de estar aqui. – Amália me garante e sorrio aliviada. Ela é alta, muito magra, olhos muito azuis e cabelos escuros, parece gentil. Simão é moreno, olhos escuros e o tipo que parece ser bom estar perto. Nenhum deles aparenta ter menos que trinta anos. Me sinto jovem demais. Sempre me sinto assim quando estou entre profissionais da minha área. Como se não estivesse no lugar certo.

   Entramos num jipe quase uma hora depois. Dirigido por um local, ele se apresenta de modo tranquilo, gentil nos ajuda com as malas e mochilas, depois pega a estrada.

   O jipe chacoalha por longas duas horas. Meus ossos já moídos pela longa viagem cheia de conexões parecem se soltar dos músculos. A estrada as vezes é ruim. Outras é péssima e por todo o caminho o que vejo é o mais completo abandono.

   Chegamos a um acampamento num terreno acidentado, seco de terra batida por onde desprende um calor descomunal. O dia está terminando e o céu começa a escurecer. Tem barracas espalhadas por todos os cantos, crianças desnutridas brincam sob poças de esgoto, mulheres e homens nos olham curiosos, o cheiro é confuso. Entre o esgoto e suor, misturado a cheiro de terra.

   Passamos por homens armados também. Me assusta um pouco, em uma grande tenda vejo alguns médicos agitados fazendo um atendimento, seguimos mais uns metros por entre a mais completa devastação até um pequeno grupo de quatro tendas.

   Elas parecem diferentes de todas as outras. Estão organizadas e limpas. Ao lado um caminhão baú.

   ―Homens na primeira, mulheres na segunda. – Nosso guia comunica no seu inglês cheio de sotaque nativo. Inglês é a língua oficial, mas descobri que são pelo menos mais uns dez tipos de línguas tribais que se fala na região. Às vezes o contato entre médico e paciente é bem complicado.

   A barraca tem pequenas camas de abrir e fechar. Tipica de campanhas. Uma ao lado da outra. Cinco camas, ao lado de cada uma, um pequeno móvel com cadeado. Apenas isso. Sinto o calor me dominar. O jeans começa a incomodar. Tenho sede e alguma fome, eu e

   Eu e Amália trocamos um olhar e não tem nenhum sorriso agora. A verdade nos atinge de modo duro. As duas camas dos cantos estão claramente vazias e me dirijo a uma enquanto ela segue para a outra.

   Uma senhora de meia idade e cabelos curtos e grisalhos invade a tenda.

   ―Boa noite. Sou Carol. Enfermeira, sejam bem-vindas. Já escolheram as camas. Ótimo. – Ela sorri. – Não tem muito o que mostrar. – Ela faz um gesto amplo. – O armário ao lado é de vocês. Suas coisas devem ficar aí. Assim como remédios pessoais, álcool para esterilização e uma garrafa de água.

   Fico surpresa. Ela balança a cabeça. Solta o ar com força, me entrega um pacote e outro a Amália.

   ―Chocolates, não é um agrado, da energia nos dias ruins. Água e barras de cereal. Só podemos ajudar se estamos bem. Doar nossa água e nossa comida não os salva e nos deteriora, se não compreenderem isso não podem ficar muito tempo.

   ―Isso é...

   ―Deprimente. Vergonhoso e real. O tempo vai mostrar. – Ela diz com um toque de frieza. – Algumas vezes vão perder, não, muitas vezes, mais do que ganhar, vão ter que fazer escolhas, e outras vezes vão ter que aceitar que não tem nada a ser feito e desistir. Comam, durmam, amanhã um grupo de refugiados deve chegar, não sei se vamos ter condições de aceita-los, nossos recursos estão acabando e um pequeno carregamento de suprimentos médicos e alimentos foi roubado na estrada. – Sem mais conversa ela nos dá as costas.

    O silencio é assustador recai sobre nós. A fome e a sede vão embora quando encaro meus suprimentos e penso nas pessoas do lado de fora da tenda. Tomo uns goles de água e me deito. O cansaço me domina de um modo completo e mergulho num sono profundo e sem sonhos.

   Só pela manhã, depois de um banho de balde com o auxílio de uma caneca é que deixo a barraca para junto com Amália me reunir com os médicos.

   Ao contrário da fechada enfermeira Carol, o grupo é gentil, nos explica como funciona nosso trabalho, mostra as duas tendas usadas para o atendimento. Simão nos põe a par dos casos epidêmicos e nos ensina a maneira de nos resguardarmos.

   Depois começo meu trabalho. Tem pelo que sei, três semanas que apenas o clinico cuida dos casos de mulheres grávidas, então passo todo o dia tentando diagnosticar sem grandes exames.

   Vamos ser transferidos em oito semanas para um lugar com mais recursos. Pelo que sei alguns confrontos criaram um clima tenso e refugiados começaram a migrar em direção ao leste. Apenas por isso estamos nesse acampamento improvisado.

   Malai é a última mulher que atendo, sua barriga está rígida, ela está completamente desnutrida, talvez com hepatite e sem mais exames conclusivos descubro que tudo que tenho é a pouca experiência e minha intuição.

   Malai fala pouco inglês, entende um pouco e descubro que sua língua é o dinka. É seu terceiro filho, os dois primeiros morreram, uma menina no parto e um menino com seis meses. Ela conta com os olhos marejados que seu marido morreu há dois meses num ataque ao bairro onde vivia, desde então está perambulando em busca de ajuda.

   Sonha chegar a Etiópia e quem sabe começar uma vida segura. Acha que pode aguentar e ter o bebê lá, mas sei que não é possível. A criança deve nascer nas próximas semanas e se tivermos sorte ela pode ter uma chance de seguir depois com o bebê.

   ―E o resto da sua família Malai? – Pergunto enquanto ela se arruma para deixar minha tenda.

   ―Só eu, e ele. – Ela toca a barriga. – Menino. – Ela diz firme.

   ―Acha que é um menino? – Me emociona esse carinho. Sempre me emociona e Malai balança a cabeça afirmando.

   ―É. – Garante. Suspiro. Que tenha sorte.

   ―Tome essas vitaminas Malai. E coma bem, descanse. Bastante água. – Ela me olha chocada. Ainda tenho muito que aprender. Do bolso do avental tiro três barras de cereal. Que Carol não me veja fazendo isso. Estendo a ela. – Me procure amanhã. Encho um copo com minha água e ofereço a ela que bebe de um único gole. – Se cuida.

   Malai deixa a tenda e depois é apenas silencio em minha alma. Ando pela tenda higienizando tudo e depois esfrego minhas costas. Duas crianças descalças e sem camina me olham curiosas da porta. Sorrio para elas. Me aproximo e eles se juntam um tanto tímidas.

   ―Oi. – Me abaixo para ficar mais perto e acessível. Vejo a curiosidade em seus olhos.

   ―Você é médica? – O mais alto pergunta. Não é nunca muito fácil garantir a idade aproximada dessas crianças. Às vezes são muito mais velhas do que aparentam por conta da completa falta de recursos.

   ―Sou.

   O menino toca a pele do meu braço, surpreso por ver sua cor representada na forma de alguém que eles admiram. Ele não diz, não precisa, mas eu sei que é confuso para ele entender.

   ―Um dia quem sabe você mesmo pode ser médico.

   Os dois se olham. Depois me olham surpresos com a informação. Esperança é algo que eles buscam com todas as forças, mesmo que seja raro, ainda se pode sonhar. Acaricio os dois, só um leve toque nos rostos infantis e depois eles já estão em meus braços. Gosto do afeto. Um mundo de perguntas vem depois disso, eles querem saber tudo, respondo paciente. Consigo sorrir, conversar e quando me dou conta está escuro e os levo para suas barracas.

   As duas primeiras semanas são de adapção. Malai passa a ir a minha tenda de atendimento todos os dias. Fica com minhas barras de cereais e metade da minha água. Dormir com fome se torna rotina.

   Uma parte do grupo de nômades parte para a aventura de tentar chegar a Etiópia na terceira semana. Malai quer ir, mas insisto que fique e ela aceita. Gosto dela. Do amor que tem por aquela criança que carrega.

   Seu corpo começa a fraquejar dois dias depois. A pressão subindo, a fraqueza deteriorando suas forças e Amalia como eu acha que o bebê não tem muita chance. Malai talvez não tenha. Faço um parto em uma manhã quente. A mãe fica bem. O bebê. Uma menina pesando um quilo não sobrevive mais do que umas horas.

   Não me lembro de ter tido um dia pior em meu trabalho. Malai quer falar comigo, me procura no fim da tarde. Estou sentada na tenda de trabalho, discutindo a situação de algumas mulheres com o cirurgião e a enfermeira Carol.

   Peço licença para ir falar com ela. O dia escurecendo. Se a falta de luz natural é um grande problema para nós médicos já que não temos outro tipo de luz, ao menos o calor diminui de forma considerável.

   ―Malai eu disse que iria vê-la. Não pode mais ficar caminhando. – reclamo para a mulher a minha frente. Ela não tem mais que vinte e cinco anos, mas aparenta o dobro, ela aperta minha mão. As suas estão frias.

   ―Bebê tem que viver. Eu não preciso. Bebê precisa.

   ―Não quero que fique pensando nessas coisas. Está se sentindo bem? – Toco a barriga. Está dura como pedra. Malai treme um pouco.

   ―Sonho com bebê. Menino. No colo da doutora. Bonito. Bebê tem que viver. – Sinto um nó na garganta. Não sei se posso não me envolver. É tudo que tenho feito desde que cheguei. Como menos da metade da minha comida, bebo metade do meu suprimento de água. Doo meus analgésicos, a única coisa que levo a sério é a preocupação com epidemias. Tenho que ficar saudável. Ou pelo menos não posso ficar doente. – Promete. Bebê. Salvar bebê.

   ―Malai...

   ―A doutora com ele. Menino. No colo. Sonho.

   ―Eu entendi Malai. Sonhou que era um menino e que ele estava em meus braços. – Ela afirma.

   ―Vou te acompanhar. – Tento fazê-la andar, mas ela para, aperta minha mão decidida a me arrancar uma promessa e tem tanta força e certeza em seus olhos. Tanta verdade que só me resta decidir e num impulso eu balanço a cabeça.

   ―Prometo Malai. Vou salvar seu bebê. – Ela me abraça. O céu agora escuro e estrelado. Seu abraço começa forte, vai aos poucos enfraquecendo, suas pernas vão se dobrando e de abraça-la passo a tentar mantê-la de pé. – Socorro. Ekon, Carol! – Os dois surgem correndo da tenda. Ekon ergue Malai desfalecendo em seus braços e corremos para a tenda.

   Carol começa a me higienizar, me ajuda com as luvas e a máscara enquanto Ekon ajeita Malai na maca. Carol me deixa para ajudar a preparar Malai. Ekon mede a pressão, o pulso enquanto fico pronta juntando instrumentos.

   Malai abre os olhos. A visão está desfocada, ela não vai aguentar um parto natural, mas já perdeu muito liquido amniótico e não resta escolha. Precisamos abrir e retira-lo.

   ―Anestesia Ekon. Vou fazer uma cesariana. – Ele aceita minha decisão. Sou a obstetra e nesse caso é minha escolha. Carol o ajuda a preparar a anestesia enquanto faço a ascepcia no local do futuro corte. – Malai. Vamos retirar seu bebê.

   Ela oscila entre a consciência e a falta dela, quando a anestesia surte efeito eu faço o corte, é o primeiro parto cesariana que faço sob circunstancias tão precárias. Carol coloca soro, prepara um respirador e depois vai preparar um espaço para os primeiros atendimentos ao bebê. Sua postura fechada faz sentido agora.

   O bebê é pequeno, fraco e desnutrido mesmo ao nascer. Ekon o segura levando para a maca ao lado.

   ―Ekon. Como ele está? – Digo investigando o estado de Malai e começando a fechar. – Ekon. – Insisto.

   ―Ele está vivo. – Não é muito promissor. As palavras de Malai vem a minha mente e meu coração dispara.

   ―Vai ficar tudo bem Malai. – Digo em minha concentrada tentativa de deixa-la bem. Uma hemorragia começa a ganhar força. Tento procurar de onde vem. Não temos sangue disponível para repor e preciso conter isso antes que seja tarde.

   ―Daren. – Malai diz num fio de voz, olho um segundo para ela. – Filho da noite. Daren, bebê Daren. – Ela vai perdendo as forças mais uma vez.

   ―Ekon! – Ele deixa Daren com Carol e corre para me ajudar. Depois de um rápido exame toca meu braço.

   ―Acabou Aysha. – Ignoro seus pedidos. Continuo à procura de parar a hemorragia. – Aysha ela se foi. Tem que aceitar.

   ―Massagem cardíaca Ekon. Me ajuda. Malai.

   ―Ela se foi. Malai está morta. Acabou Aysha. – Ele me segura. Tira minhas mãos de dentro do ventre agora infértil, minhas mãos cheias do sangue de Malai ficar erguidas enquanto Ekon segura meus pulsos e me fa olhar para ele. – Mali está morta. Precisa parar. Aceitar. – Balanço a cabeça concordando. Quero chorar, me debruçar sobre o corpo de Malai e chorar pedindo perdão. – O bebê precisa de seus cuidados. Eu termino aqui.

   Afirmo me soltando dele. Sou uma obstetra. É meu trabalho cuidar dos recém-nascidos e enquanto caminho para ele vou soltando as luvas e Carol me oferecendo outro par. Me ajuda a calça-las e depois se afasta para que possa finalmente olhar para ele.

   Daren. Um choque de algo que não conheço me invade quando meus olhos recaem sobre ele agora com mais cuidado. É frágil, delicado e lindo, perfeito em cada pequeno detalhe. Sinto uma ternura até então desconhecida. Nada que já tenha sentido nas muitas vezes em que estive diante de um recém-nascido.

   ―Soro Carol, um respirador para ajuda-lo, ele vai conseguir. – Ela me atende. Começo a examinar suas vias respiratórias, está fraco. – Temos fórmula para alimenta-lo?

   ―Podemos tentar por um tempo Aysha, mas é pouco provável que ele resista. – Carol já ficou tempo demais aqui ou eu fiquei tempo de menos, nunca vamos saber. O que sei é que nada, nem ninguém vai me fazer desistir dele.

   ―Vai sobreviver. – Aviso, depois volto meus olhos para o pequeno bebê diante de mim. Que tem na pele e no DNA as mesmas origens que eu, que podia ser meu. – Lute Daren.


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Notas finais do capítulo

Beijossssssssssssss
Sim vai ter o casamento do Harry. Prometo.