Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 9
Capítulo V - A floresta


Notas iniciais do capítulo

Oie, td bem?
Sei q demorei, mas trouxe um capítulo grande para compensar. É importante ter lido o capítulo dois e o último bônus para entende-lo. Antes que eu me esqueça, tenho alguns pedidos:

1. Me mandem no minimo cinco opções pratos: almoço, jantar e lanche que cada campista gostaria de comer e o que não comeria nem que pagassem.

2. Aqueles que optaram como atividades música e/ou dança, por favor especifiquem que tipo de dança e/ou qual instrumento.

Acho q é isso.
Boa leitura ^.^



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Kenai Nimble, K

A floresta: primeiro passo da Iniciação.

(Julho – Segunda-feira, tarde).

Encarei aquele homem apenas alguns centímetros mais baixo que eu enquanto o mesmo ficava se balançando na ponta dos pés numa espécie de mania irritante. Seu cabelo castanho cacheado e arrepiado ficava ainda mais bagunçado graças à brisa que vinha ocasionalmente da floresta de coníferas. Seus olhos castanhos escuros passavam pela Arena, floresta e voltavam para o meu rosto repetidas vezes, como se ele estivesse inquieto e o fato de apertar inconsciente o bolso de sua calça de moletom preta comprovava minha suposição.

Lucian fez uma pequena pausa enquanto contava porque tinha vindo ao Acampamento, três anos atrás, após me informar como Manson havia se tornado Líder. Reparei na pequena cicatriz que percorre a têmpora esquerda até a sobrancelha que se destaca em sua pele morena, tão pequena que eu só conseguia ver pelo fato de estar há alguns passos dele.

Segui seu olhar até a Arena e observei a grandiosa construção que parece um Coliseu novo mais ou menos da altura de um prédio de 14 andares. Imaginei aquele lugar lotado de campistas animados diante de um Duelo. Os socos, golpes, chutes, hematomas e sangue que deviam correr livremente naquele lugar em seus dias de glória e desejei entrar logo numa Irmandade para fazer parte disso.

Voltei meus olhos escuros para Lucian que encarava a Arena. Apesar de ter contado pelo menos duas piadas péssimas com o intuito de aliviar a tensão entre nós, ficar sorrindo e parecer feliz de mais, meu lado desconfiado e observador berrava que o mais velho dos Gonzalez estava nervoso e preocupado com algo, mas antes que eu pudesse perguntar o que o atormentava uma garota veio correndo em nossa direção.

— Kenai Nimble? – ela perguntou ofegante. – Sou Mackenzie Foster das Larvas. Um menino da Raposa me mandou procura-lo, ele disse que Dylan está atrás de você e que é importante.

— Então por que o garoto da Raposa não veio atrás de mim ou o próprio Dylan se é assim tão importante? – perguntei estreitando meus olhos e olhando a garota, desconfiado.

A menina que diz ser das Larvas, apesar de eu nunca ter a visto no Chalé, é no mínimo uns trinta centímetros mais baixa que eu. Sua pele clara está vermelha nas maçãs do rosto e seu cabelo ondulado, em tom mel e comprido, bagunçado, provavelmente devido à corrida que ela fez até me achar. Seu macaquinho jeans, que parece mais um short com uma regata, deixa a mostra à camiseta branca e um colar. Seu tênis estilo all star feito de tecido que imita jeans deixa bem claro que aquele pequeno ser na minha frente com olhar irritado ama o tecido azul, grosso e desconfortável que é o jeans. Não que eu tenha algo contra.

— Dylan é muito ocupado para sair procurando as pessoas, é natural que mande alguém fazer isso – Lucian fala sorrindo para a garota que também me olha de forma desconfiada. – É normal também os campistas mais antigos no Acampamento abusarem da sua antiguidade e mandarem os mais novos fazerem as coisas, principalmente quando há Larvas por perto.

Lancei um olhar irritado a Lucian, que deu de ombros sem parecer se importar e voltou a sorrir. Reprimi a vontade de soca-lo por ser feliz demais e voltei a encarar Mackenzie que me olhava com uma sobrancelha erguida em tom de desafio.

— Então Senhorita Jeans – falei em tom de deboche. – sabe me dizer onde o Dylan está?

Mackenzie me fuzilou com seus olhos escuros antes de dar de ombros.

— Na Vila das Irmandades.

— E como é que eu vou falar com ele se não posso entrar na Vila?

Ela deu de ombros novamente e sorriu de forma malvada.

— Isso não é problema meu – e nos deu as costas, caminhando em direção do Pomar.

Lucian riu de forma nasalada enquanto nós encarávamos as costas de Mackenzie que se afastava com passos decididos.

— Acho que você acabou de fazer uma inimiga – disse.

Dei de ombros e esfreguei meus olhos com força tentando me acalmar para evitar correr atrás da garota e brigar com ela ou socar Lucian, o que desse na telha. Eu sou naturalmente briguento, mas o fato de Oliver estar ferrando com a minha vida e de não sermos íntimos o bastante para isso – e mesmo que fossemos isso não justifica – está me deixando mais irritado que o normal. Seu jeito mal humorado e irritadiço no começo era divertido, afinal de contas eu tinha alguém para irritar, que perdia a cabeça rapidamente e que podia acabar me socando e assim iniciando uma briga. Mas isso fez com que Elizabeth Manson começasse a vigia-lo e consequentemente me vigiar. Fez com que ela confiasse em mim para controlar Oliver. E o mesmo fez o favor de ferrar com tudo, me levando junto pro buraco. E apesar da Líder das Raposas não estar no Acampamento era bem possível que ela retornasse devido à gravidade da situação.

Eu demoro a confiar nas pessoas. Não é um sorriso bonito, um rosto angelical ou palavras gentis que me fazem ou não gostar de alguém. Eu as estudo, observo suas ações e como tratam seus subordinados, amigos, familiares... Apenas depois de muito tempo eu decido se vou ser fiel e protetor ou arrebentar a pessoa numa briga.

Portanto, eu não confio em Elizabeth Manson. Estou há quatro dias no Acampamento, sendo que a garota foi embora no terceiro, portanto não é tempo suficiente para decidir se gosto dela ou não. Manson é alguém particularmente complicado para estudar. Nas poucas vezes que a vi, pois ela passa a maior parte do tempo na Vila, os campistas não apenas de sua Irmandade, mas de todas falam com ela como se procurassem orientação ou um simples oi. Elizabeth não é alguém muito amigável com os novatos, mas é sempre gentil e sorridente com os demais campistas, respondendo suas perguntas e lhes dando atenção não importa quantas coisas tenha que fazer ou quantas pessoas estejam cercando-a. Porque as pessoas a cercam como se ela fosse uma espécie de celebridade, astro do rock ou sei lá o que. Talvez o fato do pai ser primeiro-ministro do Canadá tenha algo haver, mas graças as minhas observações cheguei a conclusão de que ela mesma possui uma aura que atrai as pessoas. Uma aura amigável, misteriosa, que te seduz e chama.

Mas mesmo não confiando em Elizabeth Manson, ela confiou em mim. Ainda no meu primeiro dia neste lugar no meio do nada, cercado de muros, montanhas e florestas, ela confiou em mim. E eu falhei. O peso desse fato está começando a realmente me incomodar.

— Vou procurar o Dylan – falo depois de alguns minutos encarando o caminho feito por Mackenzie.

— Ótima ideia – Lucian falou sorrindo com um olhar vago. – Boa sorte.

Estreitei meus olhos e franzi as sobrancelhas.

— Obrigado, acho. Nos vemos por aí.

Lucian assentiu com a cabeça e voltou a encarar a Arena enquanto eu me afastava em direção a Vila, perguntando se deveria pegar um carrinho, levando em consideração o longo caminho que eu tinha pela frente. Mas enquanto eu caminhava entre a Enfermaria e o Refeitório, a uns bons passos da Arena ouvi o trote de um cavalo atrás de mim e alguém gritar meu nome.

— Kenai! Nimble! Espere.

Virei-me para trás a tempo de ver Dylan montado em um cavalo marrom claro com o focinho e uma mancha na testa brancos trotando em minha direção. O homem de dezoito anos estava com um seu habitual sorriso e os cabelos loiros esvoaçando charmosamente graças à velocidade. A alguns passos de mim, Dylan parou e desmontou do cavalo, fazendo um carinho em seu pescoço e puxando-o pela rédea logo em seguida.

— Não sei se te falaram, mas eu estava a sua procura – ele falou parando na minha frente. O cavalo relinchou e balançou a cabeça fazendo com que sua crina voasse charmosamente. Dylan passou a mão que não segurava a rédea no cabelo, permitindo que eu visse semelhança entre humano e animal. Questionei-me se depois de algum tempo de convívio animal e dono ficam parecidos.

— É. Eu soube – falei. – Estava indo para Vila, me disseram que você estava lá.

Dylan assentiu com a cabeça ficando estranhamente sério e começando a caminhar, indicando para que eu o seguisse.

— Eu estava, mas decidi ir te procurar já que você ainda não pode entrar – disse com sua voz naturalmente rouca. – O que estava planejando fazer?

— Como? – perguntei passando meu piercing da língua sobre os lábios.

— O que estava planejando fazer agora? Ir para o Chalé Cais, andar pelo Lago, ir ao Chalé das Larvas...?

— Eu estava pensando em ir a Biblioteca – falei confuso. – Por quê?

— Preciso conversar com você num local reservado, mas queria saber onde pretendia ir para facilitar sua vida – ele explicou sorrindo de lado e me olhando com seus olhos azuis cristalinos. – Não é legal da minha parte te levar ao Chalé Cais sendo que você quer ir a Biblioteca, que fica do lado oposto.

— Hum – falei desconfiado. – Estou com problemas?

Dylan deu de ombros e olhou para um grupo de campistas que ria embaixo das árvores que circundam a Vila. Reconheci Dominique Lee Underwood, a novata da Coruja, conversando e rindo com alguns colegas de sua Irmandade e Ártemis Gordon Bertinnelle, das Larvas. O namorado da Líder das Raposas virou para a esquerda e começou a caminhar em direção a grandiosa construção da Biblioteca comigo em seu encalço.

Observei que Dylan parecia relaxado, menos sorridente e com uma pequena ruga de preocupação entre as sobrancelhas, mas ao todo parecia normal. Ainda sustentava um sorriso tenho trinta e dois dentes e cumprimentava os campistas que acenavam para ele ao passarem. Mexia ocasionalmente em seu cabelo loiro naturalmente bagunçado. Tinha um andar confiante. Enfim, ele está muito bem principalmente comparado aos outros Líderes que estão surtando e causando um leve pânico entre os demais campistas. Ele parecia até sem nenhuma preocupação se você não reparasse demais. Uma parte mínima de mim começou a gostar de Dylan pelo simples fato de que enquanto todos os outros responsáveis estão surtando e espalhando o medo, ele mantem uma aparência calma e confiante que faz com que quem esteja a sua volta se sinta assim. Ele mantem suas preocupações para si com o intuito de acalmar os demais campistas que estão um pouco confusos com o desaparecimento de Elizabeth. E por um minuto, entendi o que ela via nele.

— Elizabeth vai voltar? – perguntei não conseguindo conter minha curiosidade.

— Vai, mas ainda não sei quando – Dylan respondeu. Surpreendi-me com sua sinceridade. Não que eu esperasse que ele mentisse, mas não imaginei que fosse contar a alguém principalmente para mim, um novato das Larvas, a verdade. Imaginei que fosse omitir os fatos. Fiquei tentado a lhe encher de perguntas, desde aquelas que habitavam a minha mente desde que me inscrevi para o Acampamento até as mais recentes, mas me contive.

Quando finalmente chegamos aos pés da escadaria que leva até a Biblioteca, Dylan afagou o focinho de seu cavalo e soltou suas rédeas. Observei o animal bater com o focinho de forma carinhosa no ombro do homem para então trotar em direção ao Estábulo.  

— Uau – deixei escapar. – Seu cavalo é bem, hã, treinado.

Dylan riu, dando as costas ao animal e começando a subir os degraus.

— Europa é uma excelente égua e foi bem domada por um veterano da Coruja – comentou. – Se você tiver se inscrito em equitação e for bom pode ter um cavalo também. Se esse for seu objetivo peça ao John Strokes para te ensinar.

— Não me inscrevi, mas talvez mude de ideia. O nome da sua égua é Europa? O continente? Sério isso? – perguntei com deboche.

— É Europa, uma das luas de Júpiter – ele falou sorrindo e parando com a mão na maçaneta da enorme porta da Biblioteca. – Mas eu não esperava mesmo que você reconhecesse.

Estreitei meus olhos devido ao seu tom de deboche que por alguma razão parecia mais debochado que o meu, mas antes que eu pudesse fazer ou falar algo Dylan havia entrado na Biblioteca. O segui e imediatamente senti a baixa temperatura do ambiente assim que fechei a porta. Todas as janelas do térreo estavam fechadas e o ar condicionado parecia estar ligado no último. Segui Dylan por entre as estantes cheias de livros, mesas e cadeiras com abajures, sofás e poltronas cheios de almofadas e tapetes macios. A Biblioteca estava bastante silenciosa levando em conta o número de campistas presentes. Reconheci o cabelo armado de Telma Miller que estava sentada sozinha em uma das mesas de estudo, debruçada sobre uma folha de papel e cercada por lápis e giz de cera. Dawn Austen Margott jogava xadrez com um campista de sua Irmandade, ambos rindo baixinho e conversando rapidamente aos sussurros. Vi o irmão de Lucian, Carl, com o Líder das Corujas, Elijah Campbell que lhe falava algo enquanto o segurava pelos ombros e caminhavam em direção à escada que leva aos andares superiores.

Dylan parou exatamente no meio do andar, em frente a enorme mesa de madeira escura e pesada da bibliotecária. Um abajur de mesa verde, dezenas de livros de capa dura, papéis, um porta canetas e um computador preto muito melhor dos que geralmente encontrados em bibliotecas estavam sobre a mesa. A bibliotecária, Madame Nicolette, estava sentada em sua acolchoada cadeira de couro preto e falava ao telefone dos anos 60 vermelho. Aguardamos alguns minutos em silêncio até que a mulher de uns cinquenta anos desligou e nos olhou, sorrindo largamente quando viu Dylan.

— Dylan, querido – falou se levantando. – Como está?

— Bem e a senhora? – o rapaz respondeu cordialmente.

— Tirando os problemas, ótima. Sabe onde Elizabeth está?

— Effy vai ficar fora do Acampamento por um tempo.

A senhora arregalou os olhos surpresa e levou as mãos ao busto.

— É mesmo? – perguntou. – Isso explica por que os outros Líderes estão deixando os campistas loucos. Eles têm me ligado de cinco em cinco minutos praticamente histéricos com centenas de ordens pra seguir.

Como se esperasse a deixa, o telefone retro voltou a tocar de forma estridente.

— Céus! – Madame Nicolette exclamou enquanto atendia o aparelho.

Dylan sorriu compreensivo e voltou seus olhos para mim.

— Eu ia pedir algo a Madame Nicolette, mas ela parece extremamente atarefada, então vamos ter que conversar aqui mesmo.

— Não é melhor conversar no andar de cima? – perguntei enquanto o seguia para uma das mesas mais afastadas da Biblioteca. – Quer dizer, se o assunto for sério. Eu ouvi falar que os andares superiores são mais tranquilos.

— E geralmente são – ele respondeu puxando uma cadeira e sentando, fazendo sinal para que eu me sentasse na sua frente. – Mas Elijah decidiu fazer uma reunião com alguns membros da sua Irmandade no segundo andar e eu precisava que Madame Nicolette ligasse para o terceiro informando que um campista das Larvas estaria subindo.

— E por que não fez isso? – perguntei passando a língua pelos lábios.

— A senhora está ocupada demais e acho que ninguém vai nos ouvir aqui. De qualquer forma, não é prudente ser cautelosos demais. Isso apenas atiça a curiosidade alheia e devido à gravidade da situação acho que logo todos saberão o que Oliver fez.

Assenti com a cabeça e cruzei minhas mãos sobre a mesa, esperando Dylan falar por que exatamente havia me convocado. O rapaz passou a mão pelo cabelo e suspirou fundo, olhando para uma estante de livros enquanto organizava seus pensamentos.

— Pode me contar sua versão dos fatos Kenai? – falou por fim. – Eu sei que você já falou com Sam, mas ele não está muito animado para me passar às informações, então...

— Claro – falei mordendo o lábio inferior. – O que quer saber?

— Bom... Tudo – ele falou sorrindo minimamente. – O que fez Oliver querer entrar na floresta, onde você estava, o que ele fez...

— Certo – falei olhando sobre seu ombro a enorme janela fechada. Encarei a cortina creme e desviei meu olhar para o lado de fora, onde era possível ver o Anfiteatro não muito distante. – Oliver terminou de almoçar antes que eu terminasse e reclamou que não queria me esperar, ia dar uma volta pelo Acampamento. Eu sei que a Manson me deixou responsável por ele, mas não é como se eu tivesse que ficar junto vinte e quatro horas por dia e Oliver estava num humor horrível, então nem reclamei nem insisti para que me esperasse.

‘’Ele saiu do Refeitório sozinho e eu fiquei comendo e conversando com uns meninos do Chalé das Larvas. Uma meia hora depois, quando o Refeitório estava quase vazio, eu ouvi que uns meninos do Lobo estavam planejando jogar basquete, então eu perguntei se também podia participar. A gente combinou de se encontrar na Quadra e cada um foi pra um lado. Eles pra Vila e eu pro Chalé das Larvas’’.

‘’Durante o caminho eu perguntei para alguns campistas se eles tinham visto Oliver porque eu tinha que ver se ele não tinha feito nenhuma merda e saber se queria jogar também, mas ninguém sabia onde ele estava. Encontrei Calíope Amelia Tormund-Styx na floresta que cerca o Chalé das Larvas. Ela parecia bem brava, então supus que Oliver tivesse lhe feito algo, mas quando perguntei se ela tinha o visto ela me disse que ele havia ido para os fundos do Chalé em direção à floresta’’.

— E Oliver havia feito algo a ela? – Dylan perguntou, me interrompendo.

— Na verdade, não. Eles haviam se esbarrado, mas Calíope estava brava com outra coisa, que não quis me falar, e Oliver parecia tão apressado que nenhum dos dois ligou muito – falei. – Enfim, eu fui para os fundos do Chalé pelo lado de fora, mas não encontrei Oliver na varanda ou nos troncos de árvore ao redor do circulo de pedras nem em lugar nenhum, então achei que ele tivesse entrado. Mas eu não o encontrei no primeiro andar, então subi para o nosso quarto começando a ficar preocupado, mas ele também não estava no cômodo nem na varanda de cima. Comecei a bater de porta em porta, igual a um idiota, e perguntar as pessoas por Oliver, mas de novo ninguém o tinha visto.

Nesse momento eu parei de falar por alguns segundos, pressionando a ponte do meu nariz e esfregando meus olhos com força, tentando me acalmar. Fazia mais de uma hora que tudo o que eu estava contando a Dylan tinha acontecido, mas eu tinha a sensação de que estava procurando Oliver naquele exato momento, com o medo e preocupação me assolando cada vez mais, assim como a sensação de que ele estava fazendo alguma coisa errada. Eu ainda sentia o peso da confiança de Elizabeth pesando nos meus ombros a cada ‘’não’’ que eu recebia de um campista. Se Oliver não tivesse tão ferido agora, eu ia acabar com a raça dele.

— Lembrei-me do que Calíope havia falado e pensei que sim, Oliver podia ser idiota o bastante para entrar na floresta. Corri para os fundos do Chalé novamente e parei na orla da floresta pensando se devia chamar um Líder principalmente porque eu não tinha certeza de que ele estava lá dentro e podia me ferrar, mas quando ouvi um uivo de lobo decidi que era melhor entrar de uma vez.

‘’A floresta tinha uma espécie de trilha, então imaginei que Oliver havia seguido por aquele caminho. Ele devia estar uns vinte minutos na minha frente, trinta talvez, então comecei a andar rápido tentando encontra-lo. Pensei em gritar por ele, mas fiquei receoso porque eu não sabia o que tinha na floresta e pensei que devia ter um motivo para não podermos entrar nela’’.

Dylan assentiu com a cabeça, anormalmente sério.

— Os lobos são só o começo – disse. Sua expressão séria, sem o menor vestígio de um sorriso e seu tom rouco fez com que um pequeno calafrio de medo percorresse meu corpo. Eu havia visto com meus próprios olhos o que aqueles animais são capazes de fazer, o que mais terrível podia ter dentro daquela floresta? – Continue.

Pigarrei antes de prosseguir.

— Depois de uns cinco minutos, comecei a ouvir coisas pesadas se mexendo, como se fossem animais enormes correndo e os uivos dos lobos cada vez mais altos e próximos, como se os animais estivessem respondendo um ao outro, praticamente confirmaram que algo devia estar errado, então comecei a correr em direção ao som.

— Não pensou que os lobos podiam estar atrás de você? – Dylan questionou com uma sobrancelha erguida. – Você não tinha certeza de que Oliver estava na floresta, não passou pela sua cabeça que você era o intruso?

— Provavelmente deveria ter passado, mas eu estava com tanta raiva de Oliver que só conseguia pensar que ele ia me causar problemas. Os uivos dos lobos se transformaram em rosnados e depois eu ouvi um grito que parecia ser o de Oliver, então corri ainda mais rápido e encontrei-o na clareira com os lobos em cima.

Fiz uma pausa, tentando umidificar minha garganta e me acalmar. Eu tinha certeza que ia ter pesadelos com aquela cena por um bom tempo. Dylan assumiu um ar pensativo e encarou um ponto da Biblioteca enquanto passava nossa conversa em sua cabeça. Eu sabia que não precisava prosseguir porque ele sabia o que vem depois: eu congelei, chocado com a cena e sem saber o que fazer enquanto uns cinco lobos atacavam Oliver com outros o rondando. O garoto caiu no chão, com a pele rasgada em vários pontos, o sangue se misturando com a terra e as folhas caídas. Seus braços tentavam proteger o rosto enquanto seus gritos ficavam cada vez mais desesperados. Os outros lobos perceberiam minha presença não muito depois e começariam a vir na minha direção. E então, como mágica, Jason Blood apareceria mais sério do que imaginei um dia ser possível, montado num cavalo branco com manchas pretas e assopraria um apito, numa frequência muito baixa para que eu conseguisse ouvir, que faria os lobos se imobilizarem e olharem o mais novo espectador daquele show de horrores. ‘’Se qualquer outra pessoa que não fosse Effy ou eu aparecesse com esse apito ia acabar como Oliver’’ Jason disse depois que entregamos o garoto aos cuidados da enfermeira chefe.

Depois de assoprar o apito pendurado em seu colar, ao lado do pingente do Lobo, Jason desceu do cavalo enquanto os lobos se afastavam de mim e de Oliver, correndo para as profundezas da floresta. ‘’Não podemos culpa-los’’, Jason disse enquanto se abaixava ao lado de Oliver, que havia desmaiado de dor, ‘’eles acharam que vocês eram intrusos, foram treinados para isso’’.

Fechei meus olhos e apoiei meu rosto sobre minhas mãos fechadas em punhos, com os cotovelos sobre a mesa de madeira. Dylan batucava com os dedos no tampo da mesa, avaliando toda a situação. Suspirei fundo e a imagem de Oliver gritando em desespero, com cortes profundos no tórax, costas e braços, pedaços de carne pendurados mostrando algo que parecia muito o musculo, os lobos tentando morder sua garganta e pernas, com sangue nos pelos, os dentes a mostra assim como as garras, prontos para arrancar um membro invadiu minha mente, como se tivesse gravada em minhas retinas.

— Desculpe fazer você reviver isso Kenai – Dylan disse, tirando-me dos meus pensamentos sombrios. – Mas espero que entenda que é necessário.

Assenti.

— Manson vai voltar? – perguntei.

Dylan suspirou e negou lentamente com a cabeça.

— Ela tem problemas pessoais para lidar que não permitem seu retorno. Mas eu falei com ela – ele abriu um sorriso maroto quando percebeu que eu arregalei meus olhos. – Ela disse que o que é seu está guardado.

Ela disse isso? – perguntei tentando não soar nervoso e me sentindo patético por estar com medo dela.

— Não – Dylan disse rindo. Senti vontade de lhe dar um soco. – Ela falou pra você não se preocupar, ela sabe que a culpa não é sua. Mas pediu pra você continuar de olho no Oliver e disse que sente muito pelos seus novos demônios.

— Demônios? – perguntei confuso.

Dylan deu de ombros.

— É a forma dela de dizer que sente muito pelos seus novos traumas. Effy sabe que cenas assim não são fáceis de esquecer.

— O que quer dizer com Effy sabe que cenas assim não são fáceis de esquecer? — perguntei. – Ela por acaso já viu alguém ser quase comido vivo por lobos?

— Algo pior – Dylan disse novamente sério e se levantando, colocando a cadeira no lugar. – Bom, era só isso. Passar bem Nimble.

E então ele caminhou em direção à saída da Biblioteca, acenando para Madame Nicolette. Fiquei alguns minutos sentado, pensando em tudo o que Dylan havia me falado e no recado de Elizabeth. Que problemas pessoais ela tem que são mais importantes do que um garoto quase morrer no seu Acampamento? A família de Oliver pode muito bem processar o responsável por esse pedaço de terra.

Espreguicei-me, cansado, mas sem sono. Eu não queria voltar ao Chalé das Larvas, passar pela floresta ou pela Vila e ver aqueles enormes lobos e me lembrar de Oliver. Não queria visita-lo na Enfermaria, se é que ele já havia acordado. Eu precisava de algo que me mantasse ocupado, tão concentrado que eu não tivesse espaço para pensar em mais nada que não fosse... Livros.

Levantei-me e olhei ao redor, tentando encontrar uma placa que dissesse Livros de mitologia aqui, mas não obtive resultado. Avistei um campista agachado ao lado de uma estante, carregando inúmeros livros e colocando-os em seus devidos lugares. Seu cabelo loiro platinado parecia se fundir com sua pele clara. Mesmo abaixado era possível ver que ele é alto e magro. Ele usava sobre a bermuda marrom e a camiseta clara um avental preto, com um enorme bolso na frente e o símbolo do Acampamento bordado de branco o que confirmou minhas duvidas de que ele está trabalhando aqui.

— Ei – falei me aproximando.

O garoto colocou outro livro na prateleira e virou seu rosto fino na minha direção, me olhando de forma questionadora como se perguntasse se era com ele. Seus olhos marrons esverdeados pousaram em mim e ele se levantou, passando as mãos no avental. Reparei no pingente de Coruja.

— Posso ajuda-lo Nimble? – perguntou.

Parei a alguns passos do campista da Coruja e cruzei os braços.

— Como sabe meu nome?

Ele deu de ombros.

— Você e Oliver Bier foram o assunto da Vila há alguns dias.

— E você gravou meu nome?

— É natural que eu grave depois de ouvir uma vez, não? – ele perguntou.

Anotei mentalmente que os campistas da Coruja são inteligentes antes de descruzar os braços.

— Aliás, sou Francis Kooks da Coruja, como você já deve ter percebido – ele continuou. – Em que posso ajuda-lo?

— Eu quero saber onde é a seção de mitologia – falei, sem saber se gostava ou não do tal Francis Kooks da Coruja.

— Certo – ele falou fazendo um sinal para que eu o seguisse e caminhando para o lado esquerdo do primeiro andar.

Passamos por algumas estantes, mesas e poltronas até que quase nos fundos Francis parou e apontou para uma pequena escada.

— É ali, subindo os degraus – ele falou sorrindo e me dando as costas, voltando aos seus afazeres.

Parei ao pé da escada e observei aquela parte até então desconhecida para mim. Do lado esquerdo, uma lareira de pedra que imaginei que tivesse fim meramente decorativo estava apagada, mas com algumas toras de madeira e utensílios para acender o fogo por perto. Um tapete estilo persa estava no chão, cercado por estantes abarrotas de livros. As luminárias davam um tom amarelado ao lugar, que passava a leve impressão de se estar num castelo nórdico ou algo assim, sensação que apenas aumenta graças ao vitral no topo da escada.

Sorri de orelha a orelha enquanto subia os degraus e olhava aqueles livros, pensando qual deles eu iria pegar, qual mitologia iria ler. Uma obra com a capa que imita o universo com dizeres em dourado chamou minha atenção. Peguei o volume e abri um sorriso de deboche após ler o titulo Júpiter e suas luas: curiosidades e descobertas. Folhei o livro e parei numa página em que as luas do planeta com seus respectivos nomes estavam desenhados – Europa, Io, Callisto e Ganymede. Revirei os olhos e coloquei-o de volta no lugar, tendo minha atenção chamada para o livro na estante de cima.

Antes de pega-lo, prendi meu cabelo negro e cacheado na altura da cintura num rabo de cavalo baixo. Graças a minha altura não tive dificuldade em alcançar o livro de capa dura e preta, com tantos detalhes em prata que mais parecia prateado. No centro da capa, um inseto estava dentro de um circulo cercado de rabiscos. Reparei que as paginas eram pintadas de rosa nas bordas e que o nome do livro estava dentro de um circulo da mesma cor. A menina submersa, memórias por algum motivo chamou minha atenção, como se fosse cercado de mistérios. Abri o exemplar e como se o universo tivesse decidido me mostrar que o livro é de fato misterioso, na primeira página numa caligrafia delicada estava escrito Este livro pertence à Elizabeth Naomi Manson, Enamor.

Arregalei meus olhos minimamente e franzi minhas sobrancelhas – uma mania que estava pegando de Oliver. Eu nunca ouvira alguém chamar Elizabeth de Naomi, mas as chances de ser outra pessoa eram mínimas. Perguntei-me o porquê do Enamor. Anotei mentalmente o nome para que pudesse perguntar a Lucian ou a Dylan mais tarde.

Folhei a obra da Líder das Raposas encontrando diversos trechos pintados de amarelo, como se para destacar suas partes preferidas ou as que se assemelham a sua vida, não soube dizer. Uma frase em particular, a única pintada de rosa, chamou minha atenção. Antes de ler, peguei um livro sobre mitologia grega e caminhei para uma mesa redonda com um abajur acesso e me sentei na cadeira. Aquela sessão estava vazia e agradeci aos deuses por isso. Eu não estava fazendo nada de errado, mas o simples fato de estar com um livro de Elizabeth nas mãos fazia com que eu suasse frio. Perguntei-me por que algo aparentemente tão pessoal estaria na Biblioteca.

‘’Sempre há um canto de sereia que te seduz para o naufrágio’’

— A menina submersa, memorias. (268).

Inconscientemente prendi minha respiração e reli a frase diversas vezes tentando entender qual razão motivou Manson a destaca-la no texto. Não sei dizer exatamente quanto tempo fiquei nisso, mas quando finalmente soltei o livro, inclinei-me na cadeira e ergui meus olhos para a janela com vitral, estava começando a escurecer. Após alguns minutos ouvi cadeiras sendo arrastadas e passos, seguido de vozes. Estranhei, levando em conta que a Biblioteca estivera silenciosa durante a tarde inteira.

Levantei-me e guardei o livro de mitologia, desprezado por mim, de volta a prateleira antes de descer a escada segurando o exemplar de Elizabeth com força. Os campistas saiam apressados pela porta principal e os que estavam nos andares superiores desciam as escadas rapidamente. Todos com uma expressão nervosa e preocupada em seus rostos.

— Ah, você está aí!

Uma voz animada exclamou perto de mim. Virei-me a tempo de ver Lucian Gonzalez abrir um sorriso e exalar sua alegria irritante. Perguntei-me como ele podia estar tão relaxado levando em conta a tensão que nos rondava.

— Francis disse que tinha um campista na área mitológica que provavelmente não tinha ouvido o aviso – ele continuou, caminhando em direção à saída e fazendo sinal para que o seguisse.

— O que houve?

Lucian fez uma careta antes de me responder, passando pela porta principal e descendo a escadaria comigo em seus calcanhares.

— Aparentemente o que ocorreu com Oliver na floresta se espalhou. Dylan quer todos os campistas no Refeitório porque teremos uma reunião de emergência às oito da noite.

— Dylan? – perguntei. – Não é a Marionete quem está no comando?

Lucian me olhou surpreso enquanto alguém sentado ao volante de um dos carrinhos gritava para que nos apressássemos.

— Marionete? Ah, o Sam. Enfim. Onde você esteve à tarde inteira? –Lucian perguntou de modo sério. – As coisas estão mudando por aqui Kenai.

Um calafrio desceu pela minha coluna. Inconscientemente apertei o livro de Elizabeth com mais força, como um escudo.

 

Evelyn Brooke, Lyn

‘’Algumas pessoas vivem mais em vinte anos do que outras em 80. Não é o momento que importa, é a pessoa‘’.

— The Doctor

(Julho – segunda-feira, fim da tarde).

O sol estava brilhante, mas não exageradamente quente. De acordo com Telma, que estava lendo um livro da Biblioteca sobre nuvens, provavelmente teríamos uma chuva de verão nessa madrugada ou inicio da manhã. A maioria dos campistas que pertencem a uma Irmandade estão ocupados demais trabalhando em seus devidos Turnos ou fazendo alguma coisa na Vila. A maioria dos novatos que pertencem as Larvas estão tentando se enturmar com os campistas na esperança de entrar numa Irmandade ou dando uma volta na esperança de encontrar algo interessante.

Minha colega de quarto, Telma Miller, está na Biblioteca há algumas horas lendo e desenhando, parecendo muito concentrada para querer minha companhia. Não que a Biblioteca não seja encantadora ou que eu não goste de livros, mas eu queria fazer algo diferente e como não consegui convencê-la e fazer o mesmo preferi deixa-la sozinha.

Ártemis Gordon Bertinnelle está com Dominique Lee Underwood e alguns veteranos da Coruja no pomar, rindo e conversando. Eles parecem legais, mas não exatamente o meu tipo de legal. Eles falam sobre livros, séries e coisas do gênero, uma vez ou outra falando dos novatos que não entraram numa Irmandade, fazendo apostas e alguns comentários maldosos como se fossem melhores que as outras Irmandades. Mais perfeitos, inteligentes e melhores em tudo. Preferi deixa-los a ficar revirando os olhos a cada dois minutos.

Calíope Amelia Tormund-Styx está num humor horrível, mas não quis conversar sobre isso. Suspeito que seja pelo fato de aos poucos Ártemis e Dawn Austen Margott estarem se aproximando. Não que Cal seja ciumenta ou algo assim, mas acho que o fato de Dawn ter magoado Lua sem motivo deixa a ruiva na defensiva na tentativa de evitar que a novata do Urso repita o erro. Ela disse que queria ficar sozinha por isso ia nadar, tentar ajudar na cozinha ou nos estábulos. Não sei se vão deixa-la fazer alguma dessas coisas já que ela é da Larva, mas preferi não dizer isso a ela.

Eu não via Maxine Vause desde que deixamos Carl Gonzalez na Biblioteca, algumas horas atrás. Dessa forma, todas as minhas amigas de Chalé estão ocupadas ou muito provavelmente fazendo algo bem mais interessante do que eu neste momento.

Suspirei fundo e continuei a observar o céu azul com algumas nuvens do Canadá. O Chalé das Larvas está silencioso porque a maioria dos campistas ou está fora ou está tirando um cochilo da tarde. A varanda dos fundos está vazia e silenciosa assim como a floresta. Os pássaros pararam de cantar tem algumas horas e minha intuição insiste em dizer que tem algo errado.

Coloquei um dos braços sob minha cabeça e me virei de lado, deitada na grama do fundo do Chalé, relativamente perto dos troncos e do circulo de pedras que ainda tem algumas cinzas e restos de madeira dos verões passados. Eu estou no Acampamento há apenas quatro dias, mas o desanimo aos poucos está tomando conta de mim. Os campistas que pertencem a uma Irmandade, que pertencem a alguma coisa, tem milhares de coisas pra fazer seja trabalhando, se divertindo ou simplesmente indo a lugares que os que não pertencem não podem ir. A maioria das minhas amigas não pertence a uma Irmandade, mas por algum motivo parecem estar cheias de coisas para fazer e diversas oportunidades de se divertir.

Eu podia levantar da grama e ir a Biblioteca ou entrar no Chalé para ver televisão ou ir à sala de jogos, mas eu posso fazer todas essas coisas fora do Acampamento, em casa. Durante todo o ano letivo eu ouvi meu irmão mais velho, Newt, fazer propaganda do Acampamento, como todo ano a cinco anos, no intuito de me convencer a vir com ele. Meu irmão é um veterano da Coruja e esse é seu ultimo ano aqui o que é um dos motivos para não nos vermos muito: ele quer aproveitar o máximo do tempo que lhe resta ‘’no melhor lugar para passar as férias de verão’’, de acordo com suas palavras. O Acampamento até pode ser bem divertido para ele e os demais, mas por algum motivo não parece ser tão legal para mim.

Eu adoro conhecer coisas novas. Sou extrovertida e não tenho medo de me arriscar o que ajuda muito na minha busca por novas descobertas. Gosto de viver intensamente e sem arrependimentos. Por isso e muitos outros motivos imaginei que me divertiria no Acampamento, apesar da relação com meu irmão não ser as melhores e meu pai ter insistido muito no assunto. Pensei que fosse conhecer pessoas, lugares e ter experiências incríveis. Mas já se passaram quatro dias e o auge da emoção foi o ‘’desaparecimento’’ de Elizabeth. Eu não a conheço, ela não é minha miga nem nada próximo de modo que nem isso é de fato emocionante para mim. É apenas para os que estão no Acampamento há várias temporadas, ou seja, novamente os novatos são excluídos de toda a diversão.

Suspirei e me sentei na grama, bagunçando meu cabelo estilo Joãozinho tingido de vermelho para tirar as possíveis folhas. Decidindo fazer alguma coisa útil com que eu tinha ao meu alcance, levantei e limpei a bunda do meu short jeans e as costas da minha regata preta. Apertei o nó da blusa de flanela verde musgo que está presa na minha cintura e olhei ao redor, pensando nas minhas possibilidades.

As coníferas são árvores altas, com tronco na maioria das vezes grosso e galhos por toda sua extensão o que facilita a escalada de animas. Ou pessoas. A floresta do Acampamento é formada majoritariamente por esse tipo de árvore que muito se assemelha a pinheiros. Relativamente perto do Chalé das Larvas, uma árvore se ergue razoavelmente separada das demais, estando mais nos limites da construção do que da floresta em si. Por isso imaginei que não teria problema algum eu escala-la.

Caminhei em direção à árvore, por algum motivo sentindo como se estivesse fazendo algo errado. Segurei com as mãos um dos galhos e testei se ele aguentaria meu peso antes de içar meu corpo para cima e começar a subir. Meu coturno preto me dá firmeza nas pernas graças ao solado antiderrapante. Quando eu estava a vinte metros do chão, nem na metade da árvore, parei e olhei para baixo o Acampamento.

Os caminhos feitos de cascalho branco que ligam um local ao outro, por onde alguns campistas caminhavam, daquela altura pareciam formar um desenho. Imaginei que se eu subisse um pouco mais poderia ver com clareza a forma que produzem, mas não queria me arriscar tanto sem nenhuma proteção. Um jogo de basquete acontecia numa das quadras com alguns campistas torcendo, gritando e batendo palmas ao redor. Algumas corujas sobrevoavam a Vila das Irmandades, uma vez ou outra voando para a floresta ou para fora do Acampamento. Os lobos brincavam com os campistas que vigiam os portões.

Tentei reconhecer alguém, mas daquela distancia era quase impossível. Sentei-me no galho em que estava apoiada, com um dos braços abraçando o tronco, e observei o sol descendo cada vez mais em direção ao horizonte. Aos poucos os pássaros voltaram a cantar na floresta e alguns campistas da Larva caminhavam em direção ao Chalé, conversando animados. Estava quase descendo quando um barulho na árvore do lado chamou minha atenção.

Levantei-me e olhei para o lado estreitando os olhos na tentativa de enxergar na pouca luz. Demorei alguns minutos para identificar os dois vultos, um bem maior que o outro, que escalavam a árvore em direção ao topo e prendi a respiração, me mantendo imóvel quando percebi o que eram com medo de que percebessem a minha presença.

Um filhote de urso negro escalava a árvore com ajuda de sua mãe que subia logo atrás. Lembrei-me de um livro sobre a natureza que dizia que os ursos negros sobem em árvores para passar a noite pelo fato de ser mais seguro. Uma coisa era ler isso num livro e imaginar a cena na sua cabeça ou ver num documentário na televisão. Outra bem diferente é ver isso ao vivo e em cores bem na árvore ao lado.

Um sorriso involuntário surgiu em meus lábios quando o filhote que deve ter o tamanho de um cachorro grande e parece um bichinho de pelúcia escorregou e sua mãe o segurou com o focinho, fazendo um barulho como se o repreendesse. O ursinho resmungou de volta antes de voltar a sua escalada. Ambos estavam a alguns metros acima de mim e não pareciam nem um pouco cansados apesar da longa escalada e do próprio peso. Estava quase dando as costas aquela visão quando uma brisa fresca levou o meu cheiro na direção daqueles focinhos.

O filhote continuou a subir calmamente, como se não tivesse percebido nada, mas a mãe parou e olhou ao redor, mexendo o focinho. Eu sei que o olfato dos lobos é bem melhor do que o dos ursos, mas isso não quer dizer que a mamãe ursa não podia me farejar. Permaneci imóvel enquanto aquele animal enorme de aparência feroz franzia o focinho e mexia sua cabeça com seus olhos negros inquietos. Após alguns minutos tensos, quando eu achei que ela iria seguir atrás do filhote, sua cabeça virou na minha direção e seus olhos me focaram.

Um calafrio percorreu minha coluna, assim como um suor gelado. As palmas das minhas mãos estavam escorregadias e eu pedia aos céus que ela não me atacasse e que eu não caísse da árvore. Ficamos nos encarando, ambas sem mover um musculo até que o filhote escorregou e chamou pela mãe. A ursa negra bramiu para mim como se dissesse o que faz na árvore uma hora dessas? Saía daqui!, antes de seguir atrás do filhote.

Soltei a respiração e decidi não abusar da sorte, secando minhas mãos na blusa de flanela e descendo lentamente da árvore. O sol estava quase se pondo quando meus pés tocaram a grama e os campistas que estavam no Chalé começaram a sair correndo, entrando nos carrinhos e falando alto. Reparei na coruja que voava de dentro da sala de estar em direção a Vila e perguntei-me se todos estavam morrendo de fome ou se alguém havia morrido. Será que Elizabeth...?

— Aí está você! – uma voz feminina exclamou da varanda dos fundos. – Onde esteve a tarde inteira?

Virei-me e encontrei Maxine Vause caminhando em minha direção. A garota de 17 anos é alguns centímetros mais alta do que eu o que faz com que eu tenha que olhar para cima quando ela para a dois passos de mim. Seu cabelo loiro e liso está preso num rabo de cavalo alto que deixa a franja solta. Seus olhos grandes e castanhos estão mais inquietos que o normal, me deixando apreensiva. Seus lábios finos estão rosados assim como as maçãs do rosto o que me indica que Max provavelmente estava correndo. Perguntei-me se o all star que ela está usando é o sapato mais indicado para tal atividade, assim como o short jeans e a camiseta com listras pretas e brancas.

— Estive no Chalé – respondi. – Mas depois fiquei entediada e decidi escalar uma árvore.

— Alguma coisa legal lá em cima? – ela perguntou sorrindo e fazendo sinal para que eu começasse a andar ao seu lado.

— Acabei de ver uma ursa negra com seu filhote escalando uma árvore.

— Jura? – ela arregalou os olhos. – Legal! Você tem sorte de não ter sido a sua árvore.

— É... – murmurei. – Ei Max, há algo errado?

Maxine se sentou no banco do carona do carrinho, lançando um olhar tenso a Calíope que estava no volante. Cal tem cabelos num tom alaranjado, cheio de pequenas ondulações durante toda a extensão do corte médio. Seu rosto é redondo e cheio de sardas claras que só são possíveis de ver se você estiver bem perto. Seus olhos redondos num tom verde amendoado me olharam pelo espelho retrovisor, os cílios espessos piscando rapidamente. Sua boca cheia e avermelhada estava tensa. Cal tem a minha altura, é magra e possui um quadril largo, o que afina sua cintura. Seu short vermelho combina com o top que ela está usando por baixo da blusa grossa branca que deixa sua barriga a mostra e ela está exalando um leve cheiro de tempero, o que informou que ela esteve a tarde na cozinha.

Sentei-me no banco de trás, observando com mais atenção à expressão dos demais campistas e ficando tensa a cada minuto que se passava.

— Você não soube? – Mackenzie Foster que está sentada ao meu lado perguntou quando Cal deu a partida. – Só se fala disso a tarde inteira! Oliver foi atacado por lobos na floresta e Dylan adiantou o jantar porque quer fazer uma reunião de emergência.

— Dylan? – perguntei confusa com tantas informações. – Mas e o Sam? E por que Oliver estava na floresta?

A garota deu de ombros com um sorriso fraco nos lábios como quem diz que não está abalada com as notícias. Mackenzie dorme no quarto defronte ao meu no Chalé das Larvas, mas eu não tinha a visto até a tarde de hoje, quando ela caminhava com passos duros e quase me derrubou perto da Enfermaria. Ela é baixinha, quase uma cabeça menor que eu. Sua pele clara estava vermelha nas bochechas e seu cabelo ondulado e um tom de mel, um pouco abaixo da cintura, estava levemente armado. Seu rosto redondo e angelical demonstrava raiva, que descobri após uma conversa, causada por Kenai.

Mack tem 15 anos o que deixa ela e Telma lado a lado no posto mais nova do grupinho. Mesmo estando com raiva, depois de quase me fazer beijar o chão ela se desculpou e demonstrou ser uma garota fascinante, apesar do pavio curto. Mackenzie é extrovertida e esta sempre com um sorriso no rosto, mesmo quando está com raiva o que me mostra que ela não gosta de demonstrar sentimentos.

— Ao que tudo indica, Dylan assumiu o posto de Líder do Acampamento e Sam foi rebaixado – Cal falou enquanto dirigia em direção ao refeitório. – E o Oliver sempre foi um tapado, então não me surpreende o fato de ele ter entrado na floreta, provavelmente querendo parecer melhor que os demais.

— Mas Kenai não estava responsável por ele? – Max perguntou. – Não entendi onde ele estava.

— Kenai até podia ser a babá do Oliver, mas parece tão babaca quanto o outro – Mack falou com raiva. – Os dois se merecem.

— Isso vai dar namoro – Cal falou rindo e recebendo um tapa na cabeça da mais nova do carrinho.

Ri baixinho e olhei para o Refeitório. A grandiosa construção estava iluminada como em todas as noites, mas um ar de tensão emanava dos campistas que aos poucos subiam os degraus e passavam pela grande porta de madeira. As lamparinas que dão um ar rustico estavam acessas na varanda, mas ao contrário das outras noites ninguém parava ali para conversar. Os campistas murmuravam, deixando as risadas feitas aquela tarde para trás.

— Credo, até parece que ele morreu – Max falou quando Cal estacionou e descíamos do carrinho.

— Não seria uma grande perda – Mack falou sarcástica.

Lancei lhe um olhar de repreensão antes de subir os degraus de madeira. Avistei Dominique conversando na mesa da Coruja com os mesmos campistas daquela tarde, todos com as cabeças muito próximas provavelmente fazendo teorias e apostas. Dawn conversava de pé com Ártemis, que estava sentada a mesa das Larvas, mas assim que viu Calíope se despediu e caminhou até sua mesa, onde os campistas dos Ursos mantinham expressões neutras. Lucian, Jason e Kenai conversavam num canto mais afastado, todos com expressões sérias. Carl parecia entediado quando entrou acompanhado de Elijah e um dos amigos de Dominique que pareciam lhe dizer algo, incentivando-o. Perguntei-me se eles estariam na Biblioteca desde depois do almoço.

Avistei meu irmão sentado no meio da mesa da Coruja, cercado de amigos, conversando e rindo baixinho. Newt é mais alto que eu e possui um corpo mais ou menos atlético graças aos esportes praticados no Acampamento. Sua pele é clara e seu cabelo castanho e curto sempre está penteado. Apesar de ser da Coruja, ele estava usando uma camiseta azul – cor das Raposas –, sua cor preferida. Assim que seus olhos mel pousaram em mim, parada na soleira da porta, Newt diminuiu seu sorriso e acenou com a cabeça, voltando seus olhos para o garoto ruivo sentado na sua frente.

Caminhei para a mesa das Larvas e sentei entre Telma e Ártemis. Calíope, Maxine e Mackenzie sentaram-se na nossa frente. Cal cutucou Lua com o tênis e lhe fez uma pergunta não verbal, no que a outra respondeu com um dar de ombros. Senti Telma tremer de leve no meu lado, por isso peguei suas mãos por baixo da mesa e as apertei enquanto dava um sorriso tranquilizador a Mack, que apenas fez uma careta e revirou os olhos.

Olhei ao redor e reparei em Sam sentado na mesa da Raposa como uma criança emburrada que tem seu brinquedo preferido tirado de suas mãos. A cadeira no centro da mesa principal estava vazia. A direita da mesma, se você estiver observando a mesa de trás, Matthew ocupava seu posto com uma expressão calma, ocasionalmente estralando os dedos, enquanto Mavis, que estava sentada no seu lado direito, falava rapidamente e fuzilava Dylan com o olhar, falhando miseravelmente na tarefa de falar baixo.

Dylan por sua vez parecia completamente alheio à expressão emburrada de Sam ou a raiva de Mavis. Alguns campistas, principalmente da Raposa, iam falar com ele com expressões preocupadas ao que o loiro dava um sorriso tranquilizador. O namorado de Manson foi até a varanda do Refeitório e tocou o sino pendurado ao lado da porta, alertando-nos que todos que chegassem a partir daquele momento estavam atrasados. Então ele entrou no Refeitório, fechando a porta ao passar e caminhou até a mesa principal, parando a alguns passos da mesma, e se virou para as Irmandades.

— Sentem, por favor – falou com sua voz rouca e uma expressão estranhamente séria.

Jason deu um tapa no ombro de Kenai antes de caminhar e se sentar na ponta oposta a de Mavis na mesa, tendo o lugar ao seu lado direito ocupado por Elijah, sobrando apenas a cadeira de Elizabeth vazia, como num lembrete a garota desaparecida. Lucian sorriu para Kenai e apertou o ombro do irmão ao passar por ele, por fim, se sentando a mesa dos Lobos onde os campistas pareciam mais despreocupados com a situação. Kenai sentou-se na ponta oposta a minha na mesa das Larvas sob o olhar curioso da maioria, parecendo não se importar muito com isso. Aos poucos os campistas foram se sentando e calando até que apenas Dylan ficou em pé, sob o olhar de todos.

— Vocês devem ter ouvido boatos de que Oliver Bier, um novato das Larvas, está na enfermaria – Dylan falou sério, caminhando por entre as mesas enquanto discursava. – As razões para isso variam muito. Sei que alguns de vocês estão preocupados com Effy, criando teorias do por que ela saiu do Acampamento, Oliver foi atacado... Sei também que alguns estão quebrando as regras na busca por respostas.

Ao falar isso ele parou na ponta da mesa das Larvas e lançou um olhar afiado a Maxine que não vacilou e deu de ombros quando chutei sua perna. Dylan voltou a andar em direção ao centro do Refeitório.

— Portanto, adiantei o jantar e convoquei uma reunião para responder seus questionamentos e dar-lhes uma satisfação. Peço que todos comam o mais rapidamente possível e se encaminhem para o Anfiteatro até às oito horas da noite.

Ao dizer isso ele deu as costas aos campistas e caminhou em direção à cozinha.

— Até parece que sabe que não gostamos dele – Mavis falou encarando a porta da cozinha, falhando novamente na sua tentativa de falar baixo.

As mesas das Irmandades explodiram em conversas. Empregados saiam da cozinha colocando travessas de comida nas mesas de forma rápida e eficiente como se soubessem que todos queriam comer logo para conseguirem respostas de uma vez por todas. Geralmente durante o café da manhã recebemos um cardápio com três opções vegetarianas, carnívoras e onívoras para escolhermos o que vamos almoçar. No almoço recebemos um cardápio para escolhermos o nosso jantar de modo que a única refeição em que a mesa se enche de travessas é no café da manhã. Porém, devido ao fato de que o jantar foi mais cedo do que de costume, acho que os cozinheiros acharam que seria mais prático colocar todas as opções nas mesas.

— Ouvi dizer que Oliver tentou entrar na Vila e os lobos o atacaram – um menino de 13 anos falou enfiando batatas assadas na boca.

— Certeza? – uma garotinha sardenta perguntou enquanto colocava uma quantidade generosa de macarrão no prato. – Eu ouvi dizer que um campista do Lobo o atacou na floresta.

— Para mim foi um cavalo que deu um coice nele – outro menino disse.

— E se ele achou Effy escondida em algum lugar e ela acabou com ele e colocou a culpa no animal? – uma garota mal encarada de 14 anos exclamou.

— Vão matar o animal? – uma garotinha assustada de 11 perguntou com os olhos brilhando.

— Por que vocês não param de fazer teorias e comem de uma vez para irem à reunião e saberem a verdade? – Calíope falou irônica enquanto se servia de suco.

Todos assentiram e começaram a comer rapidamente, fazendo comentários vez ou outra. Soltei a mão de Telma e me servi de macarrão com molho de tomate e calabresa, tomando um suco gelado de morango. Reparei em como minha colega de quarto está estranha, mais no mundo da lua do que de costume. Encarei sua expressão preocupada enquanto ela se servia de risoto e salada, notando que Tel estava estranha há alguns dias, sempre desenhando e pouco interagindo, principalmente quando estávamos acompanhadas das demais. Decidindo interroga-la quando estivéssemos a sós, fingi não notar seu estranho comportamento e sorri normalmente quando ela me olhou.

— Max? – Lua chamou depois de alguns minutos em silêncio. – Por que Dylan jogou aquela direta pra você?

Todas encaramos Maxine que sorriu de lado enquanto mastigava. Esperamos ansiosas durante alguns segundos e reparei que os campistas ao nosso redor faziam o mesmo.

— Depois eu conto – ela falou, erguendo uma mão quando viu que Mack ia protestar. – Aqui não é lugar.

Ficando ainda mais ansiosa, comi rapidamente e reparei que alguns campistas saiam do Refeitório praticamente correndo em direção ao Anfiteatro. Todos pareciam ansiosos. Olhei para a mesa dos Líderes onde a cadeira de Elizabeth continuava vazia. Matthew comia costelas de porco com batatas, arroz e salada, assentindo vez ou outra para Mavis que falava ao seu lado. A Líder dos Búfalos tomava um suco de laranja gelado, mal tocando na comida do prato. Jason ria sentado na ponta da mesa parecendo nem um pouco preocupado com a situação. Elijah, que estava sentado ao lado do Líder do Lobo, ria também, aparentando estar tendo uma conversa divertida com o amigo.

— Essa deve ser a primeira vez que ninguém chega atrasado – comento enquanto termino meu suco.

— O que é estranho levando em conta que adiantaram o jantar – Telma diz, pousando seus talhares no prato.

— Deve ser por que estão todos curiosos – Lua diz comendo seu macarrão com molho de tomate. – Por Lady Gaga, estamos aqui tem nem meia hora e já tem gente saindo!

— E eu agradeceria se você se apressasse – Cal falou sorrindo. – Quero ir nessa reunião logo.

— Nunca imaginei que iria dizer isso, mas concordo – Maxine falou tomando sua água tônica.

— Está bem, terminei – Lua falou revirando os olhos.

— Esperem por mim! – Mack exclamou enquanto colocava o último pedaço de bife na boca. – Pronto.

 Levantamos e caminhamos em direção à saída, seguindo os campistas que desciam a escadaria em direção aos carrinhos. Reparei em meu irmão que caminhava em direção a um dos carrinhos mais afastados acompanhado de Lucian e outros campistas do Lobo e Coruja, todos conversando. Antes que eu pudesse comentar essa visão Calíope falou:

— Bem, levando em conta que não cabemos todas num carrinho vamos nos dividir. Como eu e Max somos as mais velhas, nós duas vamos dirigir. Você escolhe primeiro.

— Eu também tenho dezessete – falei.

As garotas deram de ombros como se já tivessem decidido e ponto. Percebi que estávamos numa roda e que as duas garotas nos encaravam como se fossem escolher as jogadoras de seus times.

— Evelyn – Max falou me dando uma piscadela.

Sorri de volta e caminhei até um dos carrinhos, me sentando no banco do passageiro.

— Lua.

— Telma.

— Mackenzie.

— Posso ir com vocês? – Kenai perguntou enquanto se aproximava.

— Ele é todo seu – Mack falou para Maxine, olhando feio para o garoto moreno.

— Como se eu quisesse ir com você, Senhorita Jeans – Kenai falou debochado.

Max deu de ombros e fez sinal para que Kenai entrasse no carrinho, mas antes que ela ou Cal pudessem dar partida ouvimos alguém correr na nossa direção.

— Ei! Posso ir com vocês? – Dawn perguntou parando ao lado do carinho da Calíope e sendo fuzilada pela mesma.

— Mas o que é isso? – a ruiva perguntou parecendo indignada. – Por acaso não tem mais carrinho? Cadê seus amigos Ursos? Não sabe dirigir Austen?

— Qual é Tormund – a morena falou colocando as mãos na cintura. – Tem apenas três pessoas no carrinho.

— Eu sei contar, obrigada – Cal falou sarcástica ligando o carrinho.

— Epa, epa! – Lua exclamou erguendo as mãos. – Pelas barbas de Merlin, vamos nos acalmar. Dawn tem razão Amy e além do mais é só uma carona. Não é como se você tivesse que dividir o quarto com ela – comentou sarcástica.

Calíope bufou, lançou um olhar rancoroso para a amiga sentada ao seu lado antes de falar entre dentes:

— Sobe logo.

Dawn deu um sorriso vitorioso e sentou ao lado de Mackenzie, que ria baixinho. Calíope acelerou assim que a campista do Urso sentou, sem dar tempo para que pudéssemos tirar com a cara dela.

— Ela pode até tentar fugir, mas estamos indo para o mesmo lugar – Max falou sorrindo e dando partida. Avistei Carl descendo sozinho do Refeitório e coloquei a mão sobre a de Max que estava no volante.

— Podemos? – perguntei olhando seus olhos intrigados e acenando com a cabeça para o garoto da Coruja.

— Claro – Max falou acelerando e se aproximando dele.

— Aposto que ele não vai aceitar – Kenai falou com um ar de riso na voz.

— Aposta feita – Tel falou rindo e esticando a mão para ele.

— Ei, Carl! – chamei quando paramos na sua frente. – Quer uma carona?

Ele olhou para nós parecendo primeiramente chocado, depois surpreso quando por fim colocou as mãos no bolso da bermuda e pareceu indiferente.

— Com vocês? – perguntou irônico, as bochechas levemente vermelhas. – Obrigado, prefiro ir andando.

— É um longo caminho – Telma falou indo para o meio do banco traseiro e batendo no assento em que estava sentada, num gesto para que o mais novo dos Gonzalez sentasse.

— Eu sei, conheço o Acampamento há alguns anos – ele falou nos dando as costas como se fosse começar a andar.

— Vamos lá Carl – falei ameaçando descer do carrinho. – Quanto antes você entrar, antes você chega e antes isso termina.

O garoto de cabelos castanhos lisos e muito bem penteados suspirou antes de me olhar por cima do ombro. Apesar de ser três anos mais novo, Carl é bem alto de modo que tenho que olhar para cima para encarar  seus olhos quase mel. Ele olhou para algum ponto em direção ao lago antes de dar de ombros, suspirar novamente e sentar ao lado de Tel.

— Isso! – minha colega exclamou batendo palminhas.

Max e eu rimos enquanto Kenai praguejava baixinho. Temendo que Carl mudasse de ideia, Maxine pisou no acelerador e dirigiu para o Anfiteatro.

— O que aconteceu com o Oliver? – Telma perguntou olhando Kenai, estranhamente séria.

O homem de 18 anos parou de bater o piercing da língua nos dentes e franziu as sobrancelhas, encarando Telma. A garota continuou com sua expressão curiosa sem parecer se abalar com o fato de estar sendo encarada por todos ao seu redor.

— O que te faz pensar que eu vou dizer? – Kenai perguntou.

Telma deu de ombros.

— Você estava com ele, não estava? Elizabeth te deixou como responsável você devia estar com ele. Portanto, deve saber o que aconteceu.

— Certo – Kenai falou sorrindo debochado. – Mas o que te faz pensar que eu vou dizer?

Antes que Telma pudesse responder, Carl bateu com as mãos nas coxas, suspirando alto.

— Pelo amor, ele não vai dizer então pare de insistir. De qualquer forma, Dylan vai falar sobre isso no Anfiteatro.

— Como sabe que ele não vai dizer? – Telma perguntou voltando sua curiosidade para Carl.

O menino revirou os olhos.

— Porque Effy o deixou responsável por Oliver e no segundo dia depois que ela foi embora já acontece merda. Ele deve estar com medo das consequências e vai andar na linha ou algo assim-

— O que você disse? – Kenai perguntou sério, se inclinado sobre Telma para poder fitar Carl com raiva, interrompendo o menino. – Que eu estou com medo? Do que? De uma garota que fugiu correndo do Acampamento na primeira oportunidade?

Virei-me no banco do passageiro para poder olhar para trás, preparada caso precisasse intervir. Para a minha surpresa, Carl não se retraiu ou demonstrou medo diante da careta raivosa de Kenai, mas se inclinou levemente para frente, sério.

— Não fale do que não sabe Nimble.

Kenai riu com gosto, debochado. Telma estava com os olhos inquietos, meio curiosos, meio em pânico por estar entre os dois. Maxine dirigia às vezes olhando os dois pelo espelho retrovisor, mas não parecia preocupada, apenas curiosa. Olhei para frente e avistei vários carrinhos e campistas ao redor do Anfiteatro.

— Você é amigo dela então talvez esteja infectado, mas me deixe dar a opinião de alguém que vê tudo de fora – Kenai falou. – Manson é uma garota metida, filhinha do papai, que não da o menor valor pra o que tem, seja amigos ou coisas materiais. Ela fugiu do Acampamento com desculpas esfarrapadas e não foi capaz de avisar os próprios amigos que ficaram preocupados pra cacete. Mas ela se importou? Não. Oliver foi atacado na ausência dela e quase morreu, agora está sedado da Enfermaria. Ela se importou? Não também. Então não me venha com o papinho de que Manson não é a culpada, é mais uma vitima do sistema capitalista opressor ou qualquer merda do gênero, Gonzalez.

Ficamos alguns minutos em silêncio, digerindo o que Kenai havia dito. Eu quase podia ver faíscas entre ele e Carl. Max pigarreou, estacionou o carrinho e olhou Kenai pelo espelho retrovisor antes de falar:

— Do que exatamente ela está fugindo Kenai?

O homem deu de ombros.

— Não sei, mas que outro motivo teria pra sumir do nada?

— De novo, não fale do que não sabe – Carl falou antes de sair do banco e andar em direção ao Anfiteatro com passos duros.

Levantei-me e corri atrás dele, segurando seu braço quando o alcancei. Carl me olhou com raiva, as bochechas vermelhas. Encarei seus olhos que estavam levemente vermelhos, como se ele estivesse controlando as lágrimas e franzi o cenho.

— Você está bem? – perguntei.

Carl se soltou do meu aperto em seu braço com raiva, desviando o olhar do meu para encarar os campistas que entravam na enorme construção.

— Eu estou ótimo.

— Não ligue para o que Kenai falou, ele só está preocupado com Oliver e precisa descontar a raiva em alguém – falei.

— É muito nobre da parte dele descontar em alguém que não está aqui para se defender – ele falou entre dentes, com raiva.

— Talvez ela não esteja aqui para se defender porque sabe que tem amigos como você, que correm o risco de apanhar de Kenai para impedir que alguém fale mal dela.

Carl me olhou e por um instante achei que fosse falar não fale do que não sabe, mas para a minha surpresa ele deu de ombros e apenas falou:

— Os Líderes chegaram.

Reparei no carrinho estacionado perto da entrada, de onde Mavis, Jason, Elijah e Matthew desceram. Quando me virei para comentar algo com Carl ele havia me dado às costas e caminhava em direção à entrada ao lado de seu irmão e do meu. Inconscientemente comecei a roer as unhas e parei apenas quando Maxine passou o braço ao redor dos meus ombros e começou a andar, me puxando.

— Apesar de não gostar muito dessa coisa de ter horário para tudo não estou a fim de chegar atrasada de novo – falou.

Sorri sem mostrar os dentes e apressei o passo. Telma logo se juntou a nós, dizendo que Kenai estava conversando com Dylan. Entramos no Anfiteatro e encontramos a maioria das cadeiras cheias, com campistas falando sem parar. O palco no centro de tudo estava vazio, as janelas e cortinas abertas e as luzes acessas. Percebi que o local estava separado em seis sessões ocupadas por uma Irmandade cada, de modo que estivessem separadas. Na seção das Larvas avistei Calíope acenando de forma frenética para nós, com Lua e Mackenzie sentadas ao seu lado. Caminhei em direção a elas com Max e Telma me seguindo.

— Por que demoraram tanto? Se perderam no caminho? – Lua perguntou irônica.

Ártemis é baixinha, da altura de Mackenzie. Seu cabelo castanho médio, que quando solto vai até a cintura, está preso num rabo de cavalo alto. Seus olhos castanhos escuros nos fitam com diversão, mas é possível enxergar um certo nervosismo por trás da sua ironia. Lua é magra, possui seios médios e pele nem branca nem morena. Seu nariz é pequeno, a boca rosada e os cílios são médios e pretos, traços que a deixam com a aparência delicada. Ela está usando um short jeans claro rasgado e uma camiseta de algodão verde folha, cor das Larvas. 

— Demos carona ao Carl Gonzalez – Maxine falou se sentando do lado da Lua. – Digamos que as coisas ficaram interessantes quando ele e Kenai começaram a debater ideias.

— O que quer dizer com isso? – Mackenzie perguntou pulando para o assento do lado de modo que eu me sentasse entre ela e Calíope.

— Os dois começaram a discutir sobre Elizabeth – Tel falou se sentando do outro lado da Mack. – Tudo começou porque perguntei do Oliver.

— O que eles disseram? – Cal perguntou mordendo a bochecha e fazendo bico.

Antes que qualquer uma de nós pudesse responder, os Líderes acompanhados de Dylan e Sam subiram as escadas para o palco e o silêncio aos poucos reinou. Mavis mordia os lábios de braços cruzados ao lado de Jason que lançava sorrisos para algumas meninas da plateia. Elijah, Matthew e Dylan conversavam num canto com Sam. Este não parecia muito feliz e abraçava uma prancheta contra o peito como um escudo.

Quando o silêncio era total, Elijah e Matthew se aproximaram de Mavis e Jason, falando algo a ambos que assentiam ou discordavam. Mavis revirou os olhos várias vezes e lançou olhares mal humorados a Dylan que ainda falava com Sam.

— Eles estão me deixando nervosa – Calíope falou puxando os cabelos da nuca.

— Estou pensando no pote de sorvete que me aguarda no Chalé das Larvas para me acalmar – Telma sussurrou, fazendo com que todas nós segurássemos o riso.

— Vivendo em função do sorvete – Lua falou.

— Muito bem – Dylan falou do palco, chamando nossa atenção. – Alguns de vocês perceberam que nas ultimas horas eu vim exercendo a função de Líder. Eu sei que muitos de vocês estão achando que eu estou adorando o fato de que Elizabeth não está no Acampamento. A maioria de vocês sabe que eu era Líder das Raposas antes dela. Quero deixar bem claro que eu estou nem um pouco feliz de retomar esse cargo, não porque eu não goste do Acampamento, mas porque eu retomar este posto significa que Effy não está aqui. E como muitos sabem isso é algo um tanto quanto inédito.

Ele fez uma pausa onde eu pude ver Mavis revirar os olhos e Elijah dar uma cotovelada nela por isso.

— Quero que saibam que antes de assumir esse posto tive uma conversa com ela e ambos chegamos à conclusão de que isso era o melhor a ser feito. Portanto eu assumo o posto de Líder do Acampamento e Sam volta às funções habituais e supervisor do Chalé das Larvas.

A seção dominada por campistas da Raposa explodiu em aplausos e assobios, assim como os Lobos, alguns Ursos e Corujas. Os Búfalos e os demais bateram apenas algumas palmas educadas. Dylan sorriu e agradeceu, mas percebi que o sorriso não alcançou seus olhos.

— Sobre o motivo de Effy estar fora, tudo o que eu posso dizer é que ela está com alguns problemas pessoais e ainda não temos previsão do seu retorno – Matthew disse enquanto Dylan tomava um pouco da água.  – Sei que parece meio vago, mas é tudo o que temos a dizer sobre o assunto.

— Agora, falando de assuntos que envolvem vocês de forma mais direta, eu sei que estamos indo para o quinto dia no Acampamento e até agora nada muito ‘’emocionante’’ aconteceu. Sei que este ano as coisas estão mais demoradas do que os anos anteriores, mas isso vai acabar – Dylan falou sorrindo e sendo imitado pelos campistas. Senti um calafrio de empolgação passar pelo meu corpo e Telma apertou a mão de Mack. – Amanhã todos os campistas terão acesso aos horários das atividades do Acampamento e sim, isso inclui as Larvas. As coisas vão começar a acontecer de fato.

— Espero que eles liberem mais lugares pra gente – Lua falou sorrindo.

— Por fim, – Dylan voltou a ficar sério – vamos falar de um assunto mais delicado. No começo desta temporada Elizabeth deu um discurso em que disse uma das principais regras do Acampamento: é proibido entrar na floresta. Hoje essa regra foi quebrada, como muitos devem saber. Oliver Bier, um novato das Larvas, entrou na floresta sem passar pela Iniciação e por isso foi atacado por lobos.

Senti os campistas segurarem a respiração e um ar de tensão novamente se espalhar. Procurei Kenai com os olhos pela multidão, mas não o encontrei.

— Ele está em observação na Enfermaria e vai se recuperar – Dylan falou andando de um lado para o outro com as mãos nas costas. – Não sei ao certo o que vai acontecer com ele, mas sei que o culpado não é apenas Oliver, mas também os Líderes e responsáveis por este Acampamento. É natural que os novatos queiram entender porque não podem entrar na floresta, o que existe lá, qual é o mistério. E como ninguém lhes deu uma explicação, é natural que eles queiram descobrir sozinhos. Por isso, para evitar outros acidentes como o de Oliver se repitam, hoje a noite os campistas do Chalé das Larvas passarão pela Iniciação.

Os campistas da Raposa, Urso, Lobo, Búfalo e Coruja começaram a bater os pés no chão com força e rapidamente, num ritmo frenético. TUM, TUM, TUM. Os campista da Larva se entreolhavam e murmuravam, parecendo apavorados. Mackenzie apertou minha mão direita enquanto Calíope passava o braço esquerdo sobre os ombros da Lua e apertava minha mão esquerda com a outra mão.

Olhei para o palco com os olhos levemente arregalados de medo e empolgação e vi Mavis quebrar sua carranca mal humorada e abrir seu primeiro sorriso, começando a bater os pés no palco com Jason e Elijah, rindo. Matthew balançava a cabeça em negação olhando os amigos, mas também ria. Dylan, sorrindo, ergueu o braço direito com a mão fechada em punho e silenciou o Anfiteatro inteiro.

— O poder do cara sendo apenas substituto da Líder – Mackenzie sussurrou.

— Devido algumas regras, Jason Blood irá acompanhar os campistas da Larva nesse primeiro passo – Dylan falou, fazendo sinal para que Jason se aproximasse, o que o homem loiro e musculoso fez com seu habitual sorriso cafajeste. – Peço que os demais campistas permaneçam dentro da Vila das Irmandades para não atrapalhar. Os Líderes, por favor, me acompanhem.

Rindo e fazendo muito barulho, parecendo outro grupo no lugar daquele tenso na hora do jantar, os campistas pertencentes a uma Irmandade saíram aos poucos do Anfiteatro. Newt, que estava na seção do lado direito das Larvas tendo a Raposa entre eu ele, me procurou pela multidão. Ergui meu braço e acenei para ele que quando me viu deu um sorriso encorajador e sussurrou um ‘’boa sorte’’ antes de seguir os amigos para o lado de fora.

— Quem era aquele? – Calíope murmurou no meu ouvido, me dando um susto.

— Meu irmão mais velho, Newt – falei.

— Bonito – ela falou dando de ombros.

— O que vocês acham que é a Iniciação? – Lua perguntou.

— Levando em conta os últimos acontecimentos acho que tem haver com não sermos quase mortos – Maxine falou pensativa. – Talvez nos ensinem técnicas de sobrevivência?

Ficamos debatendo sobre o assunto até que alguns minutos depois Jason deu um assobio, chamando nossa atenção.

— Muito bem bando de miolo mole – disse sorrindo. – Aproximem-se.

Aos poucos meus colegas de Chalé foram levantando e descendo as escadas para ficarem ao redor do palco redondo no centro do Anfiteatro. Jason permaneceu de pé em cima do palco e lançou uma piscadela para Cal, que bufou atrás de mim.

— Bom, são quase nove horas da noite – ele começou. – Portanto vocês têm exatos quinze minutos para irem ao Chalé das Larvas e colocarem roupas e sapatos confortáveis e me encontrarem na pista de corrida ao redor do campo de futebol.

— Roupas confortáveis para que? – um garoto de treze anos gordinho perguntou.

— Para caminharem principalmente – Jason falou. – Mais alguma pergunta? Não? Ótimo. Só lembrando que quem chegar atrasado vai se dar muito mal. Effy pode ter fama de má, mas lembrem-se que é mais fácil se esconder atrás de uma mascara de bonzinho. Podem ir.

— O que ele quis dizer com isso? – Tel perguntou, encaixando meu braço no seu e começando a caminhar em direção à saída.

— Que ele é tão mal ou pior que Elizabeth, acho – falei.

— Não sei, mas sei que Amy tem o coração dele – Lua falou irônica, rindo da cara de raiva da amiga.

— Lembre-se que eu posso muito bem esfregar sua cara na lama Ártemis.

— Tenta a sorte.

Rindo, entramos num carrinho, dessa vez comigo no volante. Lua se sentou ao meu lado, Telma e Cal foram no banco de trás. Maxine e Mackenzie foram num carrinho com Orange, um garoto ruivo de 15 anos, sua irmã Beca de 13 e Lola, uma garotinha loira de rosto angelical de 12.

Chegamos ao Chalé alguns minutos depois e encontramos os campistas correndo de um lado para o outro na tentativa de se trocarem e irem até a pista em menos de quinze minutos. Assim que estacionei, as meninas desceram do carrinho e correram escada a cima comigo em seus calcanhares.

— Eu vou matar o Blood por dar tão pouco tempo – ouvi uma menina gritar enquanto corria pelo corredor em direção ao quarto.

Telma escancarou a porta arrancando suas roupas e jogando no chão.

— Eu sei que você não gosta de bagunça, – ela falou se jogando na cama e tirando sua calça jeans – mas só temos nove minutos. Eu arrumo tudo quando a gente voltar.

— Sem problemas – falei fechando a porta e batucando as unhas na mesa do quarto.

— Não vai se trocar? – ela perguntou vestindo uma calça de moletom e calçando um tênis de corrida.

— Não – falei dando de ombros antes de fechar a janela do quarto e ligar o veneno. – Meus coturnos são confortáveis, minha camiseta me deixa transpirar e caso esfrie eu tenho minha blusa de flanela.

— Super preparada – Telma falou prendendo seu cabelo em um rabo de cavalo no banheiro.

— Evelyn, Telma, vamos! – ouvi Cal gritar no corredor.

Abri a porta a tempo de ver a ruiva descer correndo as escadas vestindo uma jardineira e uma blusa de manga comprida com estampa xadrez. Telma saiu do banheiro dizendo que estava pronta e juntas corremos escada abaixo, entrando no carrinho que já estava ligado. Calíope pisou no acelerador e percebi que Telma havia sentado no colo da Max, que estava usando uma legging preta, tênis de corrida e uma regata com estampa militar que deixa sua tatuagem a mostra, por sermos seis ao todo.

— Cinco minutos – Ártemis falou, apertando as mãos, nervosa. – Acho que aquele desejado sorvete vai ter que ficar pra depois.

Lua está usando uma legging que vai até seus joelhos com estampa de plantas verdes, tênis e a mesma camiseta.

— Vivendo em função do sorvete de depois – Maxine falou, fazendo com que todas nós ricemos.

Avistamos vários campistas da Larva descendo dos carrinhos e correndo em direção a pista, onde Jason Blood nos esperava tranquilamente.

— Dois minutos! – Ártemis exclamou fazendo Cal pisar ainda mais fundo no acelerador e parar derrapando, quase invadindo a pista.

— Chegamos! – Telma gritou pulando do colo da Max e correndo em direção a pista, onde se jogou no chão, quase o beijando, fazendo todo mundo rir.

— Não era mais fácil pegar um carrinho de sete lugares? – Jason perguntou com os olhos em Cal, que o ignorou completamente. – Pois bem, tempo acabado.

Aguardamos mais dez minutos para ter certeza de que ninguém ia chegar, mas milagrosamente todos os campistas da Larva haviam chego no horário.

— Se eu cheguei no horário, todos chegaram no horário – Max sussurrou, nos fazendo rir.

— Muito bem – Jason falou. – É uma caminhada longa e precisamos voltar antes da meia noite, então vamos começar logo com isso. Façam uma grande roda e vamos nos aquecer porque não quero ninguém machucado.

Fizemos o que Jason mandou, ficando alguns passos de distancia uns dos outros, com ele no centro sendo o guia. Após dez minutos, quando já havíamos alongado todas as partes possíveis do corpo, o Líder dos Lobos se deu por satisfeito e pediu que formássemos duplas. Calíope e Lua se entreolharam e sorriram, como esperado. Mack, Telma e eu ficamos nos encarando, tentando decidir como seria a divisão, mas antes que alguma de nós pudesse falar algo Kenai apareceu ao meu lado e falou:

— Posso fazer com você?

Olhei para as meninas. Telma deu de ombros ao passo que Mackenzie fechou a cara, pegou a outra pela mão e caminhou para longe.

— Tudo bem – falei.

Ele assentiu, sorrindo, e caminhou para mais perto de Jason. Vi Max fazer dupla com um garoto mais velho do Chalé, ambos rindo e conversando animados. Olhei para as costas largas de Kenai e me perguntei o que levou ele a me chamar para ser sua dupla.

— Agora que todos já têm uma dupla vou explicar mais ou menos o que vamos fazer – Jason falou com seu habitual sorriso cafajeste. – Vamos fazer uma longa caminhada por uma trilha e como está de noite e vocês não conhecem o caminho é importante terem um canga, ou seja, um parceiro de atividade. Espero que tenham escolhido muito bem o seu canga porque vai ser ele que vai proteger suas costas dos inimigos, te impedir de cair e te carregar caso você se machuque.

Olhei para Kenai. Ele é alto e forte, tendo os músculos um pouco avantajados. Mãos e pés grandes, assim como os caninos. Ele me carregaria sem nenhum problema, mas eu muito provavelmente não poderia fazer o mesmo. Comecei a me sentir culpada por ser o fardo da equipe. Kenai me olhou com seus olhos castanhos escuros, franzindo de leve as sobrancelhas grossas e sorrindo.

— Tudo bem Moranguinho – falou. – Eu não vou me machucar.

— Naquela caixa – Jason voltou a falar apontando para uma caixa de papelão na varanda do Chalé das Quadras – tem exatamente uma garrafinha para cada dupla. Vocês terão que dividir a água e revezar no carregamento. As duplas estão proibidas de dividir a água com outras duplas. É apenas você e seu canga. Vocês têm cinco minutos para irem lá, pegarem uma garrafinha, encherem de água e voltarem aqui. Tem água gelada dentro do Chalé. E se alguém sujar, molhar ou quebrar alguma coisa...

Jason deixou no ar o que iria acontecer. O Chalé não estava muito longe, mas eu provavelmente não conseguiria correr até lá, encher a garrafinha e voltar em cinco minutos. Kenai estava se preparando para correr quando tive uma ideia que deixaria o nerd do meu irmão orgulhoso. Acenei para Lua, Max e Tel, fazendo sinal para que se aproximasse.

— Me sigam – falei me preparando para correr. – Kenai, você fica aqui.

O homem negro com o cabelo preso num enorme coque me olhou de cima a baixo, mas deu de ombros sorrindo.

— É melhor conseguir aquela garrafa – falou.

— Confie em mim.

Kenai fez uma careta, mas não falou nada. As meninas estavam preparadas para correr e me olhavam curiosas.

— E os cinco minutos começam... – Jason falou olhando para seu relógio de pulso esportivo. – Agora!

Os campistas começaram a correr desesperados em direção ao Chalé enquanto eu corria em direção a um dos carrinhos com minhas amigas nos calcanhares. Sentei atrás do volante e dei a partida quando Lua se jogou ao meu lado e as outras duas atrás, ofegantes.

— Você sabe que correr não é o meu forte, certo? – Lua perguntou se ajeitando no banco do passageiro.

Ri pelo nariz e pisei fundo no acelerador, fazendo nossos cabelos voarem para trás. Buzinei avisando aos campistas que corriam que eu estava dirigindo e parei cantando os pneus a poucos passos dos degraus que dão acesso a varanda.

— Lua – falei, impedindo a garota de descer do carrinho. – Você fica no lugar do motorista para evitar que alguém pegue o carrinho. Eu encho sua garrafinha.

A garota assentiu e eu saí apressada, correndo atrás das outras duas que haviam pego quatro garrafinhas e entravam no Chalé. Escancarei a porta e corri em direção ao balcão de madeira onde o galão de água gelada estava sendo usado por Tel. Peguei duas garrafinhas e corri para os fundos do Chalé, desviando de araras de roupa, raquetes de tênis, tacos de golfe e bolas. Ao lado da porta de correr de vidro dos fundos, outro galão de água estava a minha espera.

Ajoelhei-me diante dele e coloquei uma garrafinha perto do meu joelho enquanto enchia a outra, ouvindo a sineta da porta da frente tocar cada vez que alguém entrava. Dois minutos depois, levantei e corri em direção à saída esbarrando em vários campistas no caminho. Max e Telma já me esperavam no carrinho e Lua pisou fundo no acelerador assim que me joguei no banco traseiro.

— Quanto tempo? – perguntei ofegante.

— Três minutos – Max respondeu olhando o painel do carrinho.

— Boa time! – Telma exclamou erguendo os braços com as mãos em punhos.

Ártemis estacionou e desligou o motor perto da pista de corrida. Entreguei a garrafinha a ela e cada uma correu em direção do seu canga. Kenai sorriu quando me viu e batemos as mãos no alto, comemorando nossa pequena vitória. Esperamos todos os campistas voltarem, alguns lançando olhares tortos para mim e as meninas, e então Jason assoprou o apito preto que estava pendurado ao lado do seu pingente de Lobo e de outro apito prata.

— Antes de começarmos de fato com isso, – ele falou estranhamente sério – quero saber de quem foi a ideia de ir no carrinho.

Ergui minha mão e dei um passo para frente.

— Foi minha – falei.

— E posso saber o que te fez pensar que podia?

— Você falou que tínhamos cinco minutos para ir e voltar, não falou como deveríamos fazer isso – falei nem um pouco intimidada com o homem de quase dois metros de altura que me encarava.

Jason abriu seu sorriso cafajeste.

— Você está certa – disse. – Se pertencesse a uma Irmandade teria ganhado pontos por isso. Esse é o espirito...

— Evelyn – falei corando, orgulhosa de mim mesma. – Evelyn Brooke.

— Irmã do Newt da Coruja? – ele perguntou parecendo surpreso.

Confirmei com um aceno de cabeça. Jason voltou à atenção aos demais, pediu para que formássemos uma fila indiana e que o seguíssemos. Kenai e eu entramos atrás de duas garotas que falavam em francês e seguimos o grupo.

— Eu sabia que tinha um motivo para ter escolhido você como dupla – Kenai falou batendo no meu ombro e pagando a garrafa. – Teria ganhado pontos, hein?

Sorri animada.

— Pois é! Nem acredito nisso.

— Talvez agora Jason queira você na Irmandade dele.

Fiz uma careta.

— Espero que não. Aliás, por que me escolheu como dupla?

Kenai deu de ombros e passou o piercing nos lábios.

— Todos estão me enchendo o saco querendo saber o que aconteceu com o Oliver. Você me pareceu mais, sei lá, discreta ou algo assim. Imaginei que não ia fazer isso, sabe? Você não parece do tipo que sufoca as pessoas com perguntas.

— Obrigada, acho – falei, o que o fez rir.

Ficamos alguns minutos em silêncio e percebi que Jason havia atravessado o campo de futebol e caminhava em direção à floresta. Perguntei-me se iriamos treinar arco e flecha ou escalada, mas como ele havia dito que íamos fazer uma trilha longa imaginei que fossemos caminhar na orla da floresta, circundando o Acampamento.

— Então – Kenai falou puxando assunto. – Pra que atividades você se inscreveu?

— Música, dança, gastronomia, equitação e tiro ao alvo. E você?

— Dança, basquete, futebol, vôlei, handebol, tênis, luta corpo a corpo, canoagem, escalada e tiro ao alvo.

— Uau – assoviei baixinho. – É muita coisa.

Kenai deu de ombros.

— Vamos ficar aqui dois meses e eu não quero me entediar fazendo sempre as mesmas coisas. Talvez me inscreva em mais quando entrar numa Irmandade.

— Tem razão – falei. – Será que cada Irmandade é especializada em algo?

— Os Lobos adoram basquete, pelo o que ouvi falar. Não sei muita coisa das outras. Sabe em que Irmandade quer entrar?

— Urso ou Raposa – falei sorrindo.

— Por quê?

— Ah, sei lá. Simpatizo com o Líder dos Ursos e acho que me daria bem nessa Irmandade. Já os campistas da Raposa parecem meio misteriosos, não enturmar muito e Elizabeth é alguém interessante. Sinto que teria muitas descobertas e aventuras em qualquer uma das duas. E você?

— Urso. Você sabe, meu nome significa urso pardo, então achei que seria legal.

Concordei com a cabeça. Jason havia passado por algumas coníferas e entrado na floresta, fazendo com que os campistas começassem a conversar animados e nervosos ao mesmo tempo. Kenai e eu seguimos a fila indiana e nos vimos em uma clareira enorme com alvos fincados no chão, pendurados em árvores e em suportes de ferro. Suportes vazios estavam fincados no chão e feno delimitava a área usada pelos jogadores. Troncos de árvores caídos ficavam ao redor para os telespectadores, assim como alguns bancos de jardim. A lua cheia e os archotes acessos iluminavam a clareira. Jason pediu que nos sentássemos nos troncos e que mantivéssemos silêncio. Ele pegou uma caixa de papelão e a depositou aos seus pés, mas ali dentro não parecia ter arcos e flechas.

— Ao contrário do que vocês estão achando nós não vamos fazer uma aula de arco e flecha ou tiro ao alvo. Nesta caixa tem algumas lanternas, uma por dupla. Quando eu permitir, um membro de cada dupla vai vir aqui e pegar a lanterna enquanto o outro vai segurara a garrafa. A trilha que iremos fazer é estreita de modo que vocês vão ter que ir um atrás do outro, não há espaço para ir ao lado. O que vai à frente segura à lanterna, obviamente. Eu não vou ficar avisando quando vocês precisam revisar. Isso é com você e seu canga.

‘’Quero que todos façam completo silêncio. Nós estamos na floresta, lar de muitos animais, alguns noturnos, outros não. Independentemente disso, eles moram aqui, eles mandam aqui, nós somos apenas visitantes. Se ponham no lugar deles: gostariam que uma visita fosse a sua casa e ficasse gritando, fazendo bagunça enquanto você quer dormir? Acredito que não, por isso mantenham-se o mais silenciosos o possível’’.

Nesse momento, uma coruja piou de uma das árvores e voo sobre nossas cabeças, como se nos vigiasse.

— Muito bem, esse é o sinal – Jason falou batendo uma palma e chamando nossa atenção. – Agora eu esperava que algum de vocês já tivesse um palpite do que vamos fazer, mas como ninguém se pronunciou eu mesmo vou falar. O primeiro passo da Iniciação é fazer uma trilha na floresta à noite. Ursos, raposas, lobos, corujas e outros animais habitam esse local e nenhum deles conhece vocês. Por isso, qualquer grito, sangue, batida num árvore ou desvio da trilha alertará esses animais da presença de vocês aqui e eles não hesitarão em atacar alguém estranho.

‘’Enquanto permanecerem comigo e na trilha estarão seguros, apesar do possível cheiro de suor e barulhos exagerados. Esses animais, principalmente os lobos, me conhecem, por isso se estiverem comigo nada acontecerá a vocês. A principal regra é: ninguém fica para trás. Sejam unidos, companheiros acima de tudo, principalmente do seu canga, mas não apenas dele. Deem as mãos nas subidas, se apoiem uns nos outros nas descidas, levantem os companheiros e não deixem ninguém se separar do grupo porque se isso acontecer o campista fará companhia a Oliver na Enfermaria’’.

Jason encarou cada um de nós, sério, parecendo querer passar a importância de suas palavras. Ele permitiu que alguns de nós se aproximássemos e pegássemos uma lanterna, coisa que eu fiz já que Kenai achou melhor eu ir à frente. Assim que todos estavam de volta aos troncos, Jason falou:

— Esse é o primeiro passo a caminho de uma Irmandade. Dependendo de como se saírem estarão mais próximos ou não de fazer parte de um dos Chalés da Vila. Pensem na Irmandade que querem entrar, no animal que a representa e pensem como ele. Lembrem-se de todas as observações que tem do Líder e dos campistas dessa Irmandade e tendem agir como eles. Entendido?

— Sim – todos respondemos em coro.

— Certo – Jason falou fazendo seu sorriso cafajeste retornar. – Enquanto esperamos o segundo sinal, vou lhes contar uma história. Eu venho de Austin, capital do Texas. Meu pai é policial e minha mãe pediatra e eu tive uma infância tranquila, a gente se dava bem e era aquelas típicas famílias de classe média. Eu sempre adorei basquete e quando eu tinha uns doze anos me destaquei nesse esporte no colégio, como uma espécie de prodígio, e virei capitão do time. E sabem como é, esse cargo traz festas, líderes de torcida, popularidade, festas... – ele aumentou seu sorriso cafajeste e ouvi algumas meninas suspirarem. Revirei os olhos e vi Cal fingindo que vomitava. – Me meti em várias confusões por causa de festas, garotas e jogos. Bebidas, drogas e sexo eram coisas normais assim como as brigas com meus pais até que quando eu fiz treze anos eles decidiram me mandar para o Acampamento como forma de punição.

‘’Eu entrei no Acampamento junto com a Effy e o Elijah, todos no Chalé das Larvas. Matthew já estava no Acampamento tinha um ano, mas ainda não era Líder. Assim como a maioria de vocês, e nem adianta negar porque eu vejo na cara de vocês toda vez que vocês ouvem o nome, eu também achava Effy metida, patricinha, nariz empinado... Ela não era tão ´´misteriosa´´ como é agora, mas mesmo assim por algum motivo ela era assunto das rodinhas de vez em quando. Ela e Elijah passavam algum tempo juntos, mas eu a detestava. Ainda era o garoto idiota que se achava o máximo’’.

— Era? – Calíope perguntou irônica.

Jason riu e a encarou.

— Pode apostar que eu era bem pior, boneca – disse. – Enfim, mesmo tendo onze anos Effy não se abalou porque as pessoas não gostavam dela, falavam mal e faziam brincadeiras de mau gosto. Ela sempre manteve a cabeça erguida, mesmo quando era a última no Chalé das Larvas e todos zombavam dela porque não tinha sido escolhida. E isso fez com que eu simpatizasse um pouco com ela, porque uma pessoa que consegue se manter forte por mais de um mês, sofrendo na mão dos outros todo santo dia merece um pouco de respeito.

‘’Mas o que me fez gostar mesmo dela foi algo que ela fez por mim duas vezes. Na nossa segunda noite fizemos a trilha que vocês estão prestes a fazer. Naturalmente, ela fez dupla com Elijah e eu com um cara que nem está mais no Acampamento. Enfim, o Líder dos Lobos naquela época falou as mesmas regras que eu acabei de falar pra vocês, mas eu não dei à mínima. Quando finalmente começamos a trilha eu fiquei em último, rindo e fazendo algazarra com meu canga. Effy e Elijah ficaram um pouco na frente, mas conforme as pessoas iam indo pra frente pra ficarem longe do nosso barulho eles acabaram perto de nós. Não lembro muito bem o que aconteceu, mas de repente eu estava sozinho no meio da trilha’’.

‘’Sei que parece idiotice, afinal de contas é uma trilha então é só seguir o caminho até alcançar os outros, mas a trilha não existe de fato. Apenas quem sabe muito bem o caminho consegue se achar. Então estava eu, perdido, falhando no primeiro passo para a Iniciação e provavelmente sendo motivo de piada para o resto dos dias e o último a entrar numa Irmandade. Até que Effy apareceu com uma lanterna, revirando os olhos e praguejando. Lembro até hoje que ela falou seu ego é tão enorme que não sobra espaço para seu cérebro Blood. Ela me levou de volta ao grupo e fez dupla comigo, deixando Elijah com meu canga. Às vezes penso que se ela tivesse me deixado para trás teria sido eu e não ela a ser o último a ser escolhido, a sofrer tudo o que ela sofreu nas mãos dos demais’’.

— Você acabou de dizer que não existe uma trilha de fato, que só quem tem muita experiência consegue achar o caminho – Lua falou. – Então como foi que ela te achou?

— Para entender como Effy consegue certas coisas você tem que conhecer a história inteira dela e eu não acho que seja eu quem deva conta-la – Jason falou dando de ombros. – Essa foi à primeira coisa que Effy fez por mim. A segunda foi algumas semanas depois, quando alguns campistas haviam sido escolhidos para as Irmandades. Eu estava me sentindo um fracassado, afinal de contas era o capitão do time de basquete, mas não era capaz de ser escolhido para uma Irmandade. Não era o bom o bastante para isso. Meus pais me ligavam quase todos os dias me cobrando pra ser alguém melhor, pensar no meu futuro e tal. Eu estava de saco cheio.

‘’Effy me encontrou nos fundos da Arena, fumando. Não sei exatamente o que ela estava fazendo por ali, mas quando me viu ela não saiu correndo chamar um Líder ou algo assim. Não brigou comigo por eu ter apenas treze anos, sendo novo demais pra fumar. Ela veio até minha direção e parou do meu lado, apoiada na Arena, olhando a floresta. Ficou quieta, apenas existindo, esperando eu me sentir confortável o bastante para falar algo. E eu me senti, contei tudo para ela, como eu me sentia, como meus pais estavam me pressionando... ’’.

Jason fez uma pausa, o olhar distante e um sorriso mínimo nos lábios como se lembrasse da versão criança de Elizabeth Manson.

— Depois de me ouvir, pegou o cigarro das minhas mãos e o jogou no chão, pisando com a sola do calçado. Ela olhou muito séria para mim com aqueles olhos penetrantes e disse se quiser acabar com sua vida, ótimo, só não deixe que as pessoas vejam você ruir, chorar ou rir demais. Não deixe que elas vejam seus sentimentos. Nunca diga a pessoas que não são da sua família o que está pensando, você não sabe se pode confiar nelas Blood. Então ela colocou uma mão no meu ombro e disse Mas se você está desesperado a ponto de contar a mim, uma pessoa que você detesta, o que está sentindo talvez seja hora de você mudar. Então ela me deu as costas.

‘’É importante lembrar que Effy tinha apenas onze anos, mas parecia conhecer a crueldade do mundo. Ela dá conselhos melhor que muitas pessoas velhas que se acham superiores. Ela vai estar ali sempre que você precisar de um ombro amigo, independentemente da hora. Sei que ela parece meio fria e indiferente, mas antes de saírem julgando-a, como eu fiz há alguns anos, conheçam ela primeiro. Porque ela sabe, eu não sei como, mas ela sabe quem foi leal desde o inicio’’.

Ficamos em silêncio, cada um emergido em seus próprios pensamentos. Kenai mordeu o lábio inferior e cruzou os braços, parecendo envergonhado. Pensei em tudo o que Jason havia dito e por que ele havia decidido dizer antes de fazermos aquela trilha. Algo me dizia que iriamos sair daquela floresta pessoas diferentes daquelas que haviam entrado. Uma coruja sobrevoou nossas cabeças e piou. Jason falou que aquele era o segundo sinal e colocou todos nós em fila indiana. Eu fiquei atrás de Orange e Kenai ficou atrás de mim. Jason repassou as regras antes de ir para a ponta da fila e começar a andar, fazendo com que todos nós o seguíssemos.

O silêncio grita é uma frase comum de ser ouvida. Naquela noite de lua cheia de julho, no verão do Canadá, cercada de adolescentes, fazendo uma trilha quase às dez da noite eu me sentia estranha. As árvores com mais de dez metros de altura faziam sombras no chão gramado coberto de folhas e galhos que estralavam conforme íamos passando. Uma vez ou outra era possível ouvir uma coruja piar, um galho de uma árvore se mexer – imaginei que graças a um urso – ou um campista escorregar. Tentei não permitir que minha mente vagasse muito por aqueles sons. Na maior parte do tempo não ouvíamos nada além de nossas respirações. As árvores pareciam que iam nos enterrar vivos, nos sufocar graças à escuridão. Mesmo com a lanterna não era possível ver muito longe.

— Tudo bem aí, Moranguinho? – Kenai perguntou. – Você está tremendo de leve.

— Estou nervosa – sussurrei. – Não sei o que vamos fazer.

Kenai me passou a garrafa de água e segurou um pouco a lanterna.

— Tente não pensar nisso. Pense na história que Jason contou, o que vai fazer quando voltar, coisas assim. Acho que seria melhor conversarmos.

— Mas Jason disse que é para não fazermos barulho – falei insegura.

— Nós conversamos baixinho. Então, você tem um irmão aqui no Acampamento?

— Tenho. É o Newt, ele é um ano mais velho e é da Coruja.

— Eu também tenho um irmão mais velho, na verdade uma irmã, Yara. Ela tem vinte três anos e já é casada.

— Uau. Seus pais casaram muito cedo?

— Mais ou menos. Eles se conheceram quando minha mãe foi fazer uma pesquisa sobre capoeira para a faculdade de História. Meu pai é instrutor dessa dança. Eles criaram uma amizade estranha desde o inicio e se casaram não muito tempo depois. Minha irmã veio logo em seguida, mas eu não fui planejado. Eles costumam dizer que eu uni a família porque nasci num momento em que eles brigavam muito.

— Que legal! – exclamei. – Mas o que é capoeira?

— É uma dança primeiramente da África, depois do Brasil que é de onde meu pai vem. Meu pai é negro e sofreu muito racismo e preconceito, já minha mãe é bem mente aberta a descendente de indígenas. Eles ensinaram eu e minha irmã a sermos nós mesmos independentemente da situação, por isso minha mãe diz eu tenho um gênio selvagem e rebelde enquanto Yara é sensual e controladora e que por isso nossos nomes foram escolhidos pelo destino – ele riu. – Caso você não saiba, Yara é uma lenda brasileira de uma sereia.

— Faz sentido – falei rindo. – Por isso você não hesitou em bater no Oliver quando ele invadiu seu território, Ursão?

Kenai riu com gosto e vários campistas nos mandaram fazer silêncio.

— É, mais ou menos isso mesmo.

— Seus pais não ligam pra você gostar de dar uns socos?

— Minha mãe é calma e sonhadora e meu pai é bravo e bruto, então eu e Yara tivemos espaço para desenvolver nossa personalidade. Eu tenho a personalidade mais parecida com meu pai então eles sabem que sou assim. Apesar de ser mais parecido com ele, quando tinha doze anos visitei o trabalho da minha mãe, que é professora, e me apaixonei pela profissão.

— É isso que vai fazer quando se formar? – perguntei, tentando imaginar Kenai num sala de aula.

— Não sei ao certo, mas acho que sim.

— Você disse que sua irmã é casada...

— É, eu tinha quinze anos quando Chales apareceu. Ele é muito inteligente, mas sofreu muito no começo porque eu tinha muito ciúmes da minha irmã. Eu aprontei bastante com o cara – ele riu. – Não foi nem um pouco fácil, mas a gente acabou virando amigo no final das contas. Afinal, tanto eu quanto ele queremos ver a Yara feliz, então não tem porque implicar com ele pro resto da minha vida.

— Eles casaram tem muito tempo?

— Na verdade não, eles foram morar juntos esse ano e como eu não estava a fim de ficar de vela, vim pro Acampamento. Mas e você?

— O que tem eu? – perguntei temendo que ele começasse a fazer perguntas sobre a minha família.

— Por que veio pro Acampamento? – Kenai perguntou depois de tomar um gole da água.

— Newt vem aqui desde que tinha treze anos e todo ano tentava me convencer a vir junto, mas eu não estava muito afim na época – falo começando a divagar nas memórias. – Com o tempo, por causa de algumas situações, meu pai foi ficando cada vez mais super-protetor, o que começou a me sufocar principalmente quando entrei no ensino médio. Eu tentei vir ano passado, mas não deu certo, então aqui estou eu.

— Por que seu pai ficou super-protetor?

Respirei fundo e comecei a roer a unha da mão que não segurava a lanterna, tentando mudar de assunto sem parecer grossa. Kenai havia sido legal comigo e falado sobre sua família, mas eu sabia que não ia conseguir fazer o mesmo. Eu sabia que isso não significa que ele confie ou goste de mim, mas é um começo. Começo que eu muito provavelmente posso estragar graças ao meu bloqueio.

— É complicado – falei.

Antes que Kenai pudesse comentar algo eu pisei numa folha que estava em cima de uma parte molhada de terra e escorreguei, reprimindo um grito e sendo segurada por ele. Meu coração estava disparado graças ao medo e ao ficar quase deitada na grama eu conseguia ver alguns vultos no alto das árvores, o que ajudou nem um pouco a minha situação.

— Opa! – Kenai exclamou. – Vamos com calma Moranguinho.

— Certo – falei com a voz tremula e me erguendo.

Orange que estava na minha frente havia feito à fila inteira parar e perguntava se eu estava bem.

— Sim, eu só escorreguei. Você não precisava parar todo mundo – respondi sentindo minhas bochechas corarem.

— Ninguém fica para trás – ele respondeu dando de ombros e sorrindo.

Voltamos a caminhar em silêncio. Kenai não me fez mais perguntas, seja por que entendeu que eu não gosto de falar da minha família ou por que havia esquecido. Alguns minutos depois Orange me deu a mão e falou para eu fazer o mesmo com Kenai porque íamos subir um terreno escorregadio. Quando estendi minha mão ao rapaz com barbicha e brinco na orelha esquerda, Kenai sorriu para mim mostrando seus dentes muito brancos num sinal de que estava tudo bem.

— Há quanto tempo estamos caminhando? – Kenai perguntou me passando a garrafa.

— Quase uma hora – Orange falou sem se virar.

— Uma pra ir, uma pra voltar. Nesse ritmo vai dar o toque de recolher e não vamos estar no Chalé. Se a intenção do Jason e nos soltar na floresta para sermos mortos por lobos ele está fazendo isso muito bem – ouvi Mackenzie falar lá trás, irônica.

— Essa garota só reclama – Kenai resmungou quando devolvi a garrafa. – Enfim, como e ter um irmão no Acampamento Lyn?

Dei de ombros.

— Newt e eu não temos uma relação muito boa, por isso é quase como se nem estivéssemos no mesmo lugar – falei. – Não é como Carl e Lucian que estão quase sempre juntos, tem o mesmo grupo de amigos e aparentemente se dão bem. Newt fica na dele e eu fico na minha.

— Você não quer entrar na Coruja por causa dele? – Kenai perguntou curioso.

— Pra ser sincera é mais ou menos isso. Newt é um grande nerd e as pessoas tem mania de nos comparar porque ele é genial e o mais velho, então elas esperam que eu seja igual, mas eu não sou. É o último ano dele aqui, mas não quero ser comparada com ele por dois meses. Já tenho bastante disso em casa.

— Entendi.

Antes que Kenai pudesse fazer um comentário melhor os campistas foram diminuindo o ritmo e senti uma onda de tensão ir tomando aqueles que estavam na frente. Orange segurou a respiração na minha frente e imitei seu gesto assim que adentrei a clareira.

Três lobos estavam no meio da clareira. O que estava mais a frente, diria que o alfa, olhava todos os campistas com atenção, farejando o ar. Seu pelo cinzento estava limpo e parecia incrivelmente macio. De cada lado do seu flanco, dois lobos um pouco menores e de pelo negro como o céu nos encaravam, mexendo as orelhas pontudas ao menor ruído. Reparei nos olhos brilhantes que nos observavam por entre as árvores e nos outros lobos que caminhavam pela orla da clareira. Assim que todos os campistas haviam chego cinco lobos surgiram pelo caminho que havíamos percorrido, me fazendo imaginar que eles estavam nos vigiando desde que pisamos na floresta.

Telma apareceu ao meu lado e apertou minha mão que não segurava a lanterna. Kenai estava parado do meu outro lado tenso. Lembrei-me de que Oliver havia sido atacado e que muito provavelmente Kenai havia presenciado a cena, por isso era natural ele estar com medo. Entreguei a lanterna a Telma e passei meu braço esquerdo ao redor do tronco do Kenai, que não reclamou. Eu podia senti-lo tremer de leve. Os campistas da Larva estavam amontoados numa roda, com medo e nervosos.

— Não tenham medo – Jason falou do lado do alfa. – Eles farejam o medo e não estou brincando quando falo isso. Caso não tenha ficado claro para vocês ainda, os lobos são os principais responsáveis pela segurança do Acampamento. Eles cercam e vigiam a Vila das Irmandades, o Chalé das Larvas e todos os pontos necessários. Aqui está uma pequena parte da alcateia, sendo o alfa este lobo cinzento, Shot.

‘’Oliver Bier foi atacado hoje por esses animais por eles não o conhecerem. O cheiro, o modo como se movem e falam e a aparência são importantes para que eles possam diferenciar um inimigo de um aliado. Por isso, a primeira fase da Iniciação é conhecer a alcateia. Um por vez vocês vão caminhar para o meio da clareira e deixar que os lobos cheirem, olhem e matem a curiosidade para que possam reconhecê-los. Isso não significa que eles vão deixar vocês entrarem na Vila, mas é um bom começo’’.

Engoli em seco. Apesar de serem lindos e parecem cães enormes e peludos, aqueles animais são os responsáveis por Oliver estar sedado na Enfermaria. Da mesma forma que aquelas garras e dentes podem me proteger elas podem me atacar. E o fato de o alfa da alcateia se chamar Shot não estava me deixando mais tranquila.

— É importante vocês não apontarem essas lanternas para o rosto deles – Jason falou depois que Telma fez isso e o lobo rosnou para ela. – Por isso, deixem a garrafa e a lanterna com seu canga ou no chão quando forem se apresentar a eles. Agora eu vou fazer uma demonstração do que vocês devem fazer quando vierem aqui. Apontem suas lanternas para o chão para que possam ver.

Assim que todos haviam feito o que ele pediu, Jason caminhou para o meio da clareira, ficando na frente do alfa totalmente imóvel. Suas mãos estavam abertas com os braços estendidos a alguns centímetros do corpo. Suas pernas estavam um pouco afastadas e ele completamente ereto. Shot aproximou o focinho das mãos de Jason, começando a ronda-lo e logo sendo imitado pelos outros dois.

— Jason Blood, Líder dos Lobos, dezoito anos, Austin, Texas – ele falou.

Aos poucos os lobos que estavam mais afastados foram se aproximando e imitando os gestos do alfa até que para o completo horror de Kenai, todos os lobos ali presentes rondavam, cheiravam e lambiam Jason como se ele fosse um enorme bife.

— É importante que vocês, num primeiro momento, não se movimentem e deixem que eles cheirem e lambam para identificarem o cheiro de vocês – Jason explicou. – Vocês tem que se apresentar para eles reconhecerem a voz e tentem ficar com a face mais natural possível. Não é preciso iluminar o rosto porque os lobos tem uma excelente visão noturna. Não tão boa quanto às das corujas, mas da pro gasto.

Jason fez carinho na cabeça do alfa e em alguns lobos que estavam mais próximos como se estivesse brincando com seus animais de estimação no quintal da sua casa. Por fim, ergueu a cabeça em nossa direção com um sorriso cafajeste e perguntou:

— Algum voluntário?

Durante alguns segundos ninguém se mexeu e Kenai apertou com mais força a garrafa. Quando achei que Jason teria que chamar alguém aletoriamente uma mão se ergueu. Olhei para aquele ser corajoso e, para a minha grande surpresa, vi Mackenzie deixando suas coisas com Telma e caminhar em direção ao meio da clareira. Ela parou na mesma posição que Jason e falou:

— Mackenzie Foster, campista da Larva, quinze anos, Chicago, Illinois.

Assim como com o Líder dos Lobos, os animais rondaram Mack, cheirando, lambendo, empurrando, puxando... Alguns minutos depois a garota ria e fazia carinho nos animais sob o olhar curioso de Jason que observava tudo com os braços cruzados e sorrindo.

— Eu sabia que ela era esquisita, mas não achei que fosse louca – Kenai falou, fazendo eu e as meninas que haviam se aproximado darmos risadas nasaladas.

Motivados pelo sucesso de Mack, que veio saltitante em nossa direção, aos poucos os campistas foram passando pela primeira fase da Iniciação. Kenai, dizendo que queria se livrar disso de uma vez, caminhou tenso para o meio da clareira e falou:

— Kenai Nimble, campista da Larva, dezoito anos, Filadélfia, Pensilvânia.

Aos poucos outros campistas foram sendo iniciados.

— Maxine Vause, campista da Larva, dezessete anos, Alexandria, Luisiana. 

— Calíope Amelia Tormund-Styx, campista da Larva, dezesseis anos, Miami, Flórida.

— Ártemis Gordon Bertinnelle, campista da Larva, dezesseis anos, Seattle, Washington.

— Telma Miller, campista da Larva, quinze anos, Nova York, Nova Iorque.

Quando finalmente chegou minha vez a clareira estava quase vazia. Os campistas que já haviam se iniciado eram acompanhados por um ou dois lobos pela trilha em direção ao Chalé das Larvas. Um pouco nervosa, mais animada com a nova experiência, caminhei para o meio da clareira onde imitei os gestos dos campistas anteriores e falei:

— Evelyn Brooke, campista da Larva, dezessete anos, São Francisco, Califórnia.

Os lobos me cheiraram e lambarem, o que me fez sentir cocegas. Reparei nas diversas cores de pelos: cinza, preto, branco, vermelho, mel... Com todos aqueles animais ao meu redor, no meio da floresta à noite, sentindo a brisa de verão um pouco mais fria tocar a minha pele, passando pelo primeiro passo da minha iniciação eu sentia que estava no lugar certo, na hora certa e que talvez eu pudesse deixar meu passado para trás e começar a viver de fato.

Quando os lobos recuaram fiquei um pouco triste, mas logo me animei quando uma loba vermelha se aproximou de mim e bateu com a cabeça na minha perna, pedindo carinho. Depois de coçar por entre suas olheiras ela se afastou e começou a caminhar comigo pela trilha. Eu havia dado minha lanterna a Kenai de modo que estava totalmente a mercê do meu equilíbrio e senso de direção. Mas ao contrário do caminho de ida eu não sentia medo ou nervosismo por estar ali cercada de árvores e animais.

Algum tempo depois de caminhada já estávamos na clareira do tiro ao alvo, onde apenas alguns archotes estavam acessos. A loba caminhou pela clareira e passou pelas árvores, correndo em direção ao campo de futebol comigo logo atrás. Alguns carrinhos ainda estavam ali e num deles vi Maxine e Ártemis conversando. Cocei a cabeça da loba como agradecimento antes dela correr em direção à floresta e eu em direção as minhas amigas.

— Até que enfim! – Maxine exclamou quando me viu. – Estávamos só te esperando para ir pro Chalé.

— Desculpe, deixei que as pessoas fossem na minha frente e acabei demorando mais que o esperado.

— Bom, vamos logo porque ainda quero aquele sorvete e tenho pena da Telma se tiver comido sem mim – Lua falou rindo enquanto sentava no banco do passageiro.

Max sentou no volante e eu no banco de trás, rindo e conversando sobre a experiência que tínhamos acabado de ter.

— Eu acabei de pensar – Ártemis falou – e os novatos que já estão numa Irmandade? Tipo Dominique, Dawn, Frederico...? Eles não foram com a gente hoje, será que já foram Iniciados? Ou eles não passam por isso já que estão numa Irmandade?

— Boa pergunta – falei me sentando melhor no banco. – Perguntamos pra Domi amanhã.

— Foi só eu ou vocês também viram os olhares do Jason pra Cal? – Max perguntou segurando a risada.

— Nem me fale! – Lua exclamou. – Ela já está brava porque voltei a falar com a Dawn e agora isso. Acho que...

Desliguei-me da conversa das duas e encostei-me ao banco, relaxando e olhando o Acampamento. A brisa fresca e o crescente número de nuvens eram um indicio de que a qualquer momento uma chuva de verão teria inicio, assim como Telma havia previsto naquela tarde. As folhas das árvores balançavam de forma suave. Avistei alguns lobos nos portões da Vila, assim como as luzes acessas e algumas corujas saindo para caçar. Perguntei-me onde estariam os búfalos e raposas. Mais a frente, nos Estábulos, o cavalo negro de Elizabeth pastava solto, parecendo dar a mínima para o carrinho que passava a alguns metros.

Meus pensamentos se voltaram para a história de Jason. Pensei na garota de onze anos que um dia Manson foi: com olhos penetrantes, um leve ar de mistério e conselhos sábios. Esses detalhes e sua idade não pareciam condizer como se estivéssemos falando de duas pessoas diferentes: uma criança e um ancião. Perguntei-me o que teria ocorrido na sua vida para que ela fosse assim, para ela ser do jeito que é. Por que todo esse ar de mistério? Por que esses olhos penetrantes? Por que esses conselhos? Por quê? Será que ela passou por algo traumatizante como eu? Mas isso não me deixou com nenhuma das características dela. Eu sei que as pessoas lidam de diferentes formas com a dor. A menos que Elizabeth não lide com a dor dela.

Tentei me colocar em seu lugar. Novata no Acampamento, poucos amigos, muitos inimigos. Ódio gratuito. Brincadeiras de mau gosto. A última a ser escolhida. Agora uma veterana, popular, admirada. Ainda há ódio, mas a curiosidade predomina. Ninguém se atreve a mexer com ela, talvez com exceção de Jason e Oliver, mas ao que tudo indica, eles não tem cérebro. A Líder do Acampamento. De ralé a imperatriz. Como uma garota de onze anos conseguiu lidar com tudo isso e construir um império? Ela é uma espécie de Harry Potter que luta contra o Lorde das Trevas aos onze anos enquanto os demais ainda estão com nojo do sexo oposto?

— O que aconteceu com você? – sussurrei, de joelhos no banco olhando o cavalo que a muito havia ficado para trás.

— O que disse? – Max perguntou, me sobressaltando.

— Que quero sorvete – falei.

Elas riram e Maxine fez uma curva para direita, entrando na estrada que leva ao Chalé das Larvas. À esquerda eu podia ver por entre as árvores o Edifício da Recepção com as janelas e cortinas fechadas, parecendo vazio. Alguns minutos depois paramos perto do Chalé onde a maioria das luzes estavam acessas e era possível ver alguns campistas no primeiro andar. Descemos do carrinho, subimos os degraus da varanda da frente e abrimos a porta de madeira, sentindo o frio do ar condicionado atingir nossas peles.

Na sala de TV, alguns meninos de 15 a 18 anos viam televisão num canal de MMA. Alguns campistas faziam um lanche na cozinha e a sala de jogos estava vazia. Era possível ouvir passos, conversas e o barulho de chuveiros ligados no andar de cima. Fechei a porta principal e me virei a tempo de ver Telma pular em cima de Ártemis.

— Até que enfim você chegou! – minha colega de quarto exclamou, recebendo alguns olhares feios daqueles que viam televisão. – Vamos ter sorte se ninguém tiver pegado o sorvete.

— Se alguém tiver encostado naquele pote pode se considerar uma pessoa morta – Lua falou séria, fazendo todos rirem.

As duas correram para a cozinha acompanhadas de Mackenzie. Olhei para a sala de estar e vi Calíope sentada de forma desleixada numa poltrona marrom claro. Maxine se jogou na poltrona ao lado, pulando sobre Kenai que estava deitado de barriga pra cima no tapete com estampa de flores, borboletas e larvas. A cortina verde musgo estava fechada assim como a janela e o luxuoso lustre pendurado no teto estava acesso, fazendo com que o Nimble colocasse um dos braços sobre os olhos. Ninguém ali lia um livro apesar da estante marrom clara sem porta abarrotada deles.

— Por Lady Gaga! – ouvi Ártemis gritar da cozinha. – É de chocolate!

Ri, assim como meus amigos semimortos na sala de estar.

— Que horas são? – perguntei enquanto me sentava numa poltrona.

— Meia noite e meia, quase – Cal respondeu no meio de um bocejo.

— Olha meninas, vocês são legais e tal, mas a gente tem que tomar café cedo amanhã – Kenai falou se sentando. – Por isso, vou subindo.

— Boa noite – Cal e Max disseram em coro, fazendo caretas em seguida.

— Noite. Moranguinho – Kenai falou sorrindo pra mim enquanto bagunçava meus cabelos, me fazendo afasta-lo com tapas.

— Noite Canga – respondi rindo, vendo-o subir as escadas.

— Que fofos – Maxine falou sorrindo de lado.

— Nem crie esperanças Max, Lyn já é do Carl – Calíope falou me olhando maliciosa.

Sem nenhum motivo aparente, corei e mandei ambas ficarem quietas, o que fez as duas rirem.

— O que eu perdi? – Mackenzie perguntou se sentando no lugar antes ocupado por Kenai, acompanhada de Lua e Telma.

— Estamos falando do namorado da Evelyn – Calíope falou pegando o pote das mãos da Lua.

— Ei! – Ártemis exclamou. – Calma, que namorado?

— Carl, é claro – Max falou revirando os olhos. – Quem mais seria?

— Eu sei lá – ela respondeu pegando o pote de volta.

— Uma garota não pode ter amigos homens hoje em dia? – perguntei batucando no braço da poltrona.

— É claro que pode, mas vai negar na cara dura que não tem nada entre vocês? – Mack perguntou.

— Não tem nada entre a gente! – exclamei. – Talvez ódio e indiferença da parte dele.

— Primeiro passo é a negação – Calíope falou.

— Eu achei que Carl gostasse da Effy – Telma falou fazendo com que todas nós a olhássemos chocadas.

— Tu estás brincando com a minha cara Miller! – Maxine exclamou. – Manson tem namorado e além do mais não acho que seja o mais novo dos Gonzalez quem gosta dela.

— O que? – Ártemis perguntou a olhando de olhos arregalados. – Acha que Lucian gosta dela?

— De novo: uma garota não pode ter amigos homens? – perguntei.

— Ah, qual é Evelyn! – Max falou. – Vai dizer que não notou?

— Como é que você pode ter tanta certeza?

Max deu de ombros, o que me fez lembrar do jantar daquela noite.

— Ei! – exclamei. – Por que Dylan te encarou naquela hora no jantar?

— Isso! – Mack exclamou sentando de frente pra loira.

Maxine olhou para os lados e pareceu perceber que alguns campistas estavam andando por ali.

— Aqui ainda não é o lugar – falou. – Todas vocês vão para seus quartos, tomem banho e coloquem pijamas e venham para o meu que eu conto tudo. Apareçam antes da uma da manhã pelo amor de Deus!

— Mas e sua colega de quarto? – Telma falou enfiando uma colherada de sorvete na boca.

Max deu de ombro e fez careta.

— Charlotte foi embora, acho. Não a vejo desde que Elizabeth foi embora, pelo menos.

— Não está preocupada? – Ártemis perguntou se levantando.

— Eu não, aquela garota era muito estranha pro meu gosto.

Enquanto Lua ia levar o porte de sorvete na cozinha, subimos as escadas e paramos no topo. Alguns campistas andavam pelos corredores conversando. Alguns quartos estavam com as portas abertas, principalmente aqueles em que meninos e meninas estavam juntos já que isso era uma regra do Acampamento. Pessoas de sexo diferente não ocupam o mesmo quarto, mas podem conversar no cômodo. Caso isso ocorra é obrigatório à porta estar aberta.

— Meu quarto é no corredor esquerdo, segunda porta do lado esquerdo – Max falou antes de acenar e caminhar para lá.

— Até logo – Cal falou indo para a direita e abrindo a primeira porta do lado esquerdo, onde é o quarto que ela divide com Lua.

— Vamos? – perguntei para Tel, acenando para Mack.

Eu e minha colega de quarto fomos para o mesmo corredor que Calíope, parando na frente da última porta da direita. A cortina bege da janela que fica no fim do corredor estava fechada e as flores do vaso da mesinha de madeira haviam sido trocadas por rosas. Telma abriu a porta e eu fechei ao passar.

Liguei o ar condicionado enquanto Tel catava suas roupas do chão e as separava em limpas e sujas. Evitando olhar para as caixas e quadros de insetos do lado direito do quarto, rumei para o esquerdo e peguei meu pijama e pantufas no malão aos pés da cama. Entrei no banheiro e tomei um banho rápido, lavando meu cabelo e me vestindo. Escovei meus dentes e dei uma secada nos fios tingidos de vermelho antes de sair do banheiro e encontrar Telma sentada à escrivaninha do quarto, debruçada sobre um pedaço de papel de tamanho considerável.

— Terminei – falei, tentando no olhar o que ela estava fazendo para lhe dar privacidade.

— Também! – Telma exclamou, soltando o lápis vermelho e se recostando na cadeira. – Quer ver?

— Claro – falei depois de colocar minha roupa no cesto de roupa suja e guardar meu coturno no lugar dos sapatos.

Telma levantou e foi pegar seu pijama enquanto eu olhava seu desenho. Uma garota de costas está com o rosto virado de perfil. Seu cabelo escuro está preso num coque alto bagunçado e ela usa um vestido ou camiseta tomara que caia preto. Na sua mão esquerda, que está encostada na testa como se ela estivesse pensando, um anel com um grande pingente. Seus cílios são compridos e parecem ter rímel. Suas sobrancelhas estão franzidas e combinadas com a mão esquerda deixam a garota com ar de preocupação ou dor. Seus lábios, a única fonte de cor, estão pintados de vermelho e ela não sorri.

— Essa por acaso é quem eu estou pensando? – questionei.

— Se estiver falando da Effy, é ela sim – Telma falou apoiada no batente da porta do banheiro. – É de sexta-feira, no luau. Ela estava linda, cercada de amigos e pelo namorado, no meio de uma festa e no inicio da temporada, mas ela não me parecia feliz. Levando em conta o que aconteceu depois, acho que ela não estava mesmo.

— É estranho pensar que você, alguém que não a conhece, percebeu isso e os amigos dela não – falei sem conseguir tirar os olhos do desenho.

Vi pelo canto do olho Telma dar de ombros enquanto tirava os tênis.

— Olhar de artista, acho – falou.

Assenti com a cabeça. Tel entrou no banheiro e alguns minutos depois ouvi o chuveiro ligar. Fiquei encarando aquele desenho, lembrando dos dias anteriores no Acampamento e em todas às vezes que eu havia visto Elizabeth. Repassei seus discursos, expressões faciais, tudo, na esperança de encontrar algo que indicasse que ela iria sumir do mapa dali alguns dias, mas não encontrei nada. Pensando nas vezes que eu a vi, na história de Jason e em tudo que já ouvi os mais velhos falarem dela tentei criar a imagem de Elizabeth, mas algo parecia errado, uma peça parecia estar faltando. Talvez por que eu não a conhecesse, talvez por que de fato estivesse faltando algo.

— O que fizeram com você? – sussurrei.


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Notas finais do capítulo

Kenai: https://i.pinimg.com/originals/08/51/d2/0851d29b1c9cf52504cedfb16cb8b7f7.jpg

Europa (égua Dylan): https://68.media.tumblr.com/3df8d89152a3fc19887f79b51db11408/tumblr_ovginqpWcM1v8vlbdo1_400.jpg

Luas de Júpiter: http://data.whicdn.com/images/145084205/large.jpg

Biblioteca K: https://78.media.tumblr.com/c882ff8df62454e60590ccf04527a462/tumblr_ovgf93O5ec1v8vlbdo1_500.jpg

Evelyn: http://data.whicdn.com/images/296469043/large.jpg

Desenho Telma: https://68.media.tumblr.com/9687de03f736ccee4dcb4fafafabbdd8/tumblr_ovgeommUrG1v8vlbdo1_500.jpg

Espero que tenham gostado! Qualquer coisa avisem ;)
Comentem!

Até.
XOXO,
Tia Mad.