Sem-Coração escrita por Ju Do


Capítulo 3
Capítulo 3: O Cavaleiro


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem =)



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Capítulo 3: O Cavaleiro

 

A Rainha gritou de dor. Estava deitada em sua cama, com o médico real e alguns enfermeiros ao redor. Eles haviam tentado lhe dar ervas anestésicas, mas não adiantara.

— Está piorando? - o médico perguntou, nervoso. Não sabia o que fazer. Nunca passara por aquela situação antes.

— Sim. - a Rainha conseguiu responder, rouca. Ela achava que o Imperador havia parado de apenas apertar e decidira cortar. Sentia como se alguém estivesse enfiando uma faca em seu peito.

Ela parou de falar e trincou a mandíbula. Jogou a cabeça para trás e gemeu. A dor durou quase 30 segundos, durante os quais ela mal respirou. Quando cessou, sua respiração voltou, ofegante.

— Nós deveríamos... Deveríamos dar o que ele pede. - um dos enfermeiros sugeriu. A Rainha balançou a cabeça, teimosamente.

— Não. Já dei metade do reino a ele. Não darei nem mais um pedaço.

— Mas.... minha Rainha.

— Não.

E, então, ela gritou novamente. Os enfermeiros e o médico apenas puderam observar e tentar conter a Rainha enquanto ela se contorcia de dor. Dessa vez, durou quase um minuto.

— Minha Rainha... - o médico começou. Ela fechou os olhos.

— Tudo bem. - ela sussurrou, exausta. - Mande um mensageiro. Diga ao Imperador que vou fazer o que ele pede. Agora, por favor, se retirem. Quero ficar sozinha.

Os enfermeiros e o médico se organizaram para sair do seu quarto. Ao fechar a porta, o médico hesitou.

— Ninguém a culpa. Sabe disso, não?

Ela apenas o encarou. Ele suspirou e fechou a porta.

A Rainha estava sozinha no quarto. A dor havia passado, por enquanto, mas ela não sabia quanto tempo mais poderia aguentar naquela situação. Já fazia dois meses que o Imperador estava com seu coração. E, durante esse tempo, ele a torturara para conseguir tudo o que queria. A fizera transferir metade de seu Reino para ele. Depois, ela tivera que transferir 60% dos impostos reais. E, agora, ele pedia um terço da terra que restara a ela.

Daquele jeito, acabaria sem reino. E seu povo acabaria governado pelo Imperador. Aquilo ela não poderia aceitar. E então, no escuro, antes de dormir, ela tomou uma decisão. Iria até o Imperador. E tomaria seu coração de volta. Com essa resolução, conseguiu dormir.

No outro dia, foi até o cofre mais secreto em seu palácio e usou as sete chaves de ouro que tinha para abri-lo. Lá dentro, estavam os objetos mais preciosos que possuía. A armadura brilhante, o escudo inquebrável e a espada mágica que um dia foram de seu pai. Fazia anos que ela não abria aquela sala. Trazia más lembranças.

Ela vestiu a armadura brilhante e pegou o escudo. Era um pouco pesado, mas ainda conseguia manuseá-lo. E, por último, a espada mágica. O Imperador possuía uma, e só alguém armado com uma espada mágica podia derrotar alguém que possuísse outra. Como herdeira do trono, seu pai a treinara desde pequena em esgrima, e ela tinha certeza de que, se tivesse uma espada à altura, poderia derrotar o Imperador com facilidade.

Mas qual não foi sua surpresa quando, ao tentar pegar a espada, ela não saiu do chão. A Rainha a puxou novamente. Não lembrava daquela espada ser tão pesada. Mas a arma não saiu do lugar. Por meia hora, tentou levantá-la, ficando cada vez mais frustrada, até gritar de raiva e desistir. Ela não conseguia erguer a espada.

Pelo resto do dia, a Rainha pensou naquele enigma. Por fim, decidiu pedir ajuda para a única criatura que talvez pudesse saber algo aquele respeito: a Bruxa. E foi assim que, no meio da noite, a Rainha se esgueirou para fora do castelo, coberta por um capuz e foi, pela segunda vez em sua vida, atrás da Bruxa.

Encontrou-a no meio da floresta, mas não exatamente no local em que se lembrava. A cabana e a fogueira pareciam ter mudado de lugar, mas ainda eram exatamente como da última vez. E, assim como da outra vez, lá estava a Bruxa, sentada na frente da fogueira, com a face coberta por um capuz.

— O que você busca comigo novamente, criança? - a mulher perguntou antes que a Rainha pudesse falar. - Não são muitos os que tem coragem de me procurar mais de uma vez.

— Eu preciso saber. - a Rainha ergueu o queixo, buscando mostrar coragem. - A espada mágica de meu pai. Por que não consigo levantá-la? Eu conseguia, quando era mais jovem.

A Bruxa a olhou. Apenas seus olhos escuros eram visíveis por debaixo do capuz.

— Não se pode ter o doce sem o amargo. Você desistiu do direito de usar aquela espada anos atrás.

— O quê? Por quê?

Os olhos da Bruxa brilharam.

— Pois você é Sem-Coração, e não pode erguer a espada.

A Rainha fechou a mandíbula com força.

— Você não me falou disso. - ela sussurrou lentamente, com a maior raiva que conseguiu reunir.

A Bruxa apenas a encarou.

— Eu já respondi à sua pergunta. Sugiro que agora se retire. - e com aquelas palavras, um vendaval soprou e, de repente, a Rainha viu um relance do rosto da Bruxa ante a luz da fogueira. Um frio desceu pela sua espinha, e ela virou as costas e foi embora, correndo.

Mas as palavras a perseguiam.

“Pois você é Sem-Coração, e não pode erguer a espada.”.

 

 

No outro dia, a Rainha continuou seus preparativos. Iria atrás do Imperador do mesmo jeito. Tinha que tentar tomar seu coração de volta de qualquer maneira. Tentava ignorar o fato de que, sem a espada mágica, provavelmente, perderia a batalha. Não importava. Afinal, o que mais ela poderia fazer? Com certeza não assistiria seu reino acabando aos poucos, e com certeza não ficaria nas mãos do Imperador por muito mais tempo.

E iria sozinha. Era sua responsabilidade, de ninguém mais. Além do mais, viajaria mais rápido assim.

Então, na manhã de seu último dia no castelo, a Rainha garantiu sua última audiência real. Ela sempre as realizava, todos os dias, na sala do trono, para ouvir as queixas e os pedidos de seu povo. E, dessa vez, entrou um rapaz.

Ele se ajoelhou, desajeitado, parecendo um tanto temeroso, e evitou seu olhar, esperando que ela falasse primeiro. Com certeza, pelo jeito como se movia, não era um nobre. A Rainha o deu permissão para falar.

— Minha Rainha. Venho aqui com um pedido.

— Fale.

— Quero me tornar um cavaleiro. - ele ergueu os olhos para ela, esperando sua resposta. A Rainha não se manifestou. - Desde que... O nosso Rei morreu e, com ele, a Ordem dos Cavaleiros também, a família real não tem um cavaleiro ao seu serviço. Acho que é uma vergonha que ninguém tenha se oferecido para formar uma nova Ordem, e estou aqui, pronto para formá-la, ao seu serviço.

— Você é um guerreiro? - a Rainha perguntou.

— N... Não. Sou filho de um caçador. Mas treino todos os dias! - ele acrescentou, esperançoso.

— Possui uma espada?

— Não... Treino com espadas de madeira que eu mesmo faço. - o rapaz hesitou. - Mas ouço as histórias da Ordem dos Cavaleiros desde pequeno, e desde criança quero ser um cavaleiro. Sou corajoso. E consigo derrotar todos os rapazes da minha vila em uma luta.

A Rainha continuou a encará-lo, sem falar nada, e o rapaz começou a parecer mais inseguro.

— Eu...

— Vou testá-lo. - a Rainha o interrompeu. - Não posso fazer de qualquer um cavaleiro.

— Claro! - o rapaz concordou, efusivamente. - Tenho certeza de que não irei decepcionar...

Ele se calou quando a Rainha voltou a encará-lo. Ela chamou um dos guardas do palácio e trocou algumas palavras com ele. O homem saiu da sala do trono e voltou rapidamente com duas espadas. Ele deu uma para a Rainha, com uma reverência, e outra para o rapaz.

A Rainha se ergueu e foi em direção ao rapaz, que parecia confuso, olhando da espada de metal em suas mãos para a moça à sua frente.

— Fique em guarda. - ela falou, erguendo sua espada e se posicionando na frente dele. - E me ataque.

O rapaz piscou.

— Atacar...?

Ela assentiu.

— Não posso atacar a Rainha! - ele parecia horrorizado. - Um cavaleiro serve para proteger a família real, não atacá-la!

— Também serve para obedecer a família real. Está me questionando? - ela inclinou a cabeça.

— N... Não... Mas... E se eu acertar e cortar...?

— A espada é cega. Não irá cortar ninguém. - antes que ele pudesse falar mais alguma coisa, ela disparou. - Ataque agora se quer ser um cavaleiro. Preciso saber o que pode fazer.

O rapaz engoliu em seco e ergueu a espada. Um tanto incerto, ele tentou um golpe fraco. A Rainha o desviou com facilidade. Ele tentou mais uma vez, e ela nem se importou em erguer a espada para se defender, apenas dando um passo para o lado. Ele parou, sem saber o que fazer. Depois de um instante, atacou de novo.

Foi tudo muito rápido. Tudo que conseguiu ver foi a Rainha fazendo um movimento com a mão, e houve uma explosão de dor em sua têmpora esquerda. Ele cambaleou para trás, confuso, e, antes que ele pudesse sequer ofegar, ela acertou suas costelas no lado direito.

E então, tão rapidamente quanto começara, ela parou. O rapaz ofegou, colocando uma mão na cabeça, onde ela o havia acertado. A Rainha apenas o encarava, parada, com a espada erguida. Ele a olhou.

— Certo. - e tentou atacá-la.

A luta deve ter durado mais ou menos quinze minutos. O rapaz tentou atacá-la com toda a velocidade que tinha, mas não conseguiu acertar a Rainha nenhuma vez. Por outro lado, ela não o atacou mais. Apenas defendeu-se e o analisou. Era óbvio que ele não tinha muita técnica. Não sabia mexer os pés direito e seus braços não estavam acostumados com o peso de uma espada de verdade, que começava a pesar com o tempo. Mas talvez, com algum treinamento...

O rapaz estava suando, e seus braços pareciam estar começando a doer de verdade. Os golpes estavam perdendo um pouco a força. Decidindo acabar logo com aquilo, a Rainha colocou a espada rapidamente debaixo do queixo dele, em sua garganta. Imediatamente, ele congelou.

— Foi o suficiente. - E com aquilo, ela voltou para o trono, deixando-o parado, segurando a espada e ofegando. Ela refletiu por alguns minutos, enquanto ele descansava. E, então, se manifestou. - Está bem. Eu o consagrarei Cavaleiro. Mas terá que ser treinado. Cuidarei disso pessoalmente quando voltar.

O rapaz começara a sorrir, mas parou.

— Voltar? Está indo embora? Por quê? - ela o encarou e ele baixou os olhos, parecendo envergonhado. - Não que eu deva... Questioná-la, mas...

— Vou buscar meu coração. - ela respondeu brevemente. Ele ergueu os olhos novamente.

— O coração que foi roubado? Mas ele está fora do Reino, não? - a Rainha assentiu. - Vai levar a guarda real? Por que não posso ir?

— Irei sozinha. Desafiarei o Imperador para um duelo e pegarei meu coração de volta.

— Sozinha? - ele parecia indignado. - Então eu devo ir! A Ordem dos Cavaleiros acompanha o regente real em todas as suas missões, principalmente quando ele vai sozinho.

— Irei sozinha. - a Rainha repetiu. - Isso não está aberto a discussões. Esta audiência está encerrada.

O rapaz corou, mas a encarou teimosamente.

— Me perdoe, mas não posso deixar isso acontecer. Devo ir junto. Na verdade, quem deveria desafiar esse Imperador e pegar seu coração de volta era eu. Sou seu Cavaleiro. E ele tem o seu coração. Poderia simplesmente apertá-lo em uma batalha e a venceria com facilidade. Deixe que eu o desafie.

A Rainha abriu a boca para negar, mas hesitou. Uma ideia surgiu em sua cabeça. Aquele rapaz tinha um coração... E, talvez, com treinamento suficiente....

— Sim, irá comigo. - ela finalmente falou, e o rapaz se abriu em um sorriso. - Providenciarei preparativos para incluí-lo na viagem. E, principalmente, vou lhe arranjar uma espada. Venha comigo.

Ele a seguiu para fora da sala do trono e dentro do castelo, entrando no que parecia um labirinto de corredores até chegar em um gigantesco cofre que a rainha abriu com sete chaves de ouro. Lá dentro, havia uma espada.

— Pegue. - ela ordenou. Ele se ajoelhou e ergueu a espada, fascinado.

— É linda...

— É a espada mágica de meu pai. Com ela, você vai duelar com o Imperador.

— A espada mágica do Rei?! - o rapaz perguntou. - Por quê está dando ela para mim? É sua herança!

— Eu sou Sem-Coração. - ela falou, melancolicamente. - Não posso erguer essa espada.

O rapaz a encarou, boquiaberto.

— Levante-se. Agora é meu Cavaleiro. Irei treiná-lo ao longo da nossa viagem para o reino vizinho. E lá você derrotará o Imperador.

— Certo. Então nós vamos atrás desse Imperador e eu vou desafiá-lo a uma batalha, e quando eu ganhar, vou tomar o seu coração de volta. E aí você vai colocá-lo de volta no peito, não é?

— Eu nunca mais posso colocá-lo de volta.

— Ah... Então.... Então o que você vai fazer?

— Vou guardá-lo a sete chaves em uma caixa e nunca mais abri-la. Nunca mais. Por nada no mundo.

— Ah... Bom. Parece um bom plano.

— E então arrancarei o coração do Imperador e o levarei de volta para mim. Ele provará do próprio veneno.

O rapaz a olhou e engoliu em seco. As coisas não estavam saindo como ele planejara. A Rainha deveria ser uma donzela gentil, mas aquela moça... Ela era assustadora. Parecia quase maligna, fria como o inverno. E ele deveria ter passado em suas provas com primor, e não ter perdido com tanta facilidade, ainda mais para a própria Rainha. Por um instante, duvidou se teria tomado a decisão correta sobre se tornar um cavaleiro.

— Vamos. Está quase na hora de começarmos a viagem.

O Cavaleiro hesitou por um segundo. Mas a seguiu.

 


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Notas finais do capítulo

Bom, aqui terminamos os capítulos de apresentação dos personagens. No próximo, finalmente teremos alguma ação! Espero que tenham gostado de ler. Tem alguma dúvida? Elogio? Crítica? Todos serão bem vindos =D



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