Sem-Coração escrita por Ju Do


Capítulo 11
Capítulo 11: O Coração


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! =D



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O Cavaleiro e a Rainha estavam se aproximando do local onde se encontraria o castelo do Imperador. Os dois estavam nervosos, mas a moça disfarçava um pouco melhor.

— Você está ótimo. - a Rainha tentou assegurá-lo. - Tem se saído muito bem nos treinamentos. Andou inclusive conseguindo me desarmar.

— Mas você ainda me vence.

— É normal. - ela fez pouco caso. - Eu treino desde pequena e sou uma das melhores esgrimistas que tem.

— Quão humilde. - ele brincou. A Rainha corou de leve.

— De qualquer modo. O Imperador com certeza não tem tanta habilidade assim. Tenho certeza de que conseguirá vencê-lo. - ela sorriu para ele e o estômago do Cavaleiro deu voltas.

Logo, o castelo do Imperador surgiu. Os dois se aproximaram de suas muralhas.

— Espere. O que impede ele de mandar seu exército nos matar agora mesmo? - o Cavaleiro teve um pensamento horrível. - Não precisaria lutar comigo. Bastaria nos eliminar.

— Honra. - a Rainha respondeu, simplesmente. - Se nós tivéssemos sido capturados como invasores de seu Império assim que tivéssemos entrado, nos territórios do Duque, provavelmente teríamos sido executados, sim. Mas agora, atravessamos seu terreno inteiro, matamos uma Feiticeira, derrotamos um Dragão, ajudamos seus súditos, e chegamos nas portas de seu castelo sozinhos. Ele não pode nos executar. Conquistamos o direito de falar cara a cara com ele. E ele terá que aceitar nosso desafio. Seu desafio.

O Cavaleiro concordou com a cabeça, nervoso. Finalmente, os dois chegaram na frente dos portões e pararam. Esperaram.

Subitamente, uma centena de arqueiros apareceu nas muralhas, com os arcos em mãos e flechas apontadas para os dois. O Cavaleiro recuou, puxando sua espada, mas a Rainha não se mexeu, impassível.

— Calma. - ela murmurou. O rapaz respirou fundo e embainhou a arma.

— O que querem? - um dos arqueiros, o que parecia ser o chefe, perguntou.

Requisito uma audiência com seu senhor. Desejo falar com ele. - a Rainha falou, alto, mas calmamente.

O arqueiro desapareceu por sobre a muralha por alguns minutos. O Cavaleiro e a Rainha permaneceram parados, o rapaz mudando o peso de uma perna para a outra, incessantemente.

Então, os portões se abriram e, lá de dentro, saiu o Imperador, sozinho.

— Audiência concedida. - ele sorriu, e uma gota de suor desceu pelas costas da Rainha. Os olhos dele eram tão azuis quanto ela se lembrava.

Os três trocaram olhares.

— Bom, primeiro, minhas saudações. - o Imperador começou. - À senhora, e a seu Cavaleiro.

Nenhum dos dois respondeu.

— Bem, estou vendo que não vão devolver meus cumprimentos. Então, pergunto, o que querem?

— Eu o desafio. - o Cavaleiro deu um passo à frente, erguendo a cabeça e estufando o peito. - Eu o desafio como Cavaleiro real a uma batalha pelo coração da Rainha.

O Imperador sorriu.

— Então, vocês vieram por isto aqui. - ele comentou e, de dentro de seu casaco, puxou o coração da Rainha. Todos os olhares se fixaram naquilo. - É isto que querem?

Seu sorriso se alargou, e ele apertou com força o coração entre os dedos. A Rainha gritou e caiu de joelhos. O Cavaleiro correu em seu socorro, tentando sustentá-la. Ele já havia visto algo parecido com aquilo antes. Durante a viagem, era frequente que ela colocasse uma mão no peito e fizesse algumas caretas, soltando um ou outro suspiro, ou talvez até um gemido. Mas ela nunca gritara, tão pouco caíra de joelhos.

— Pare com isso! - ele gritou ferozmente para o Imperador. O homem sorriu e relaxou o aperto. A Rainha arquejou, apoiando as mãos no chão. Ela ergueu os olhos para o Imperador e o encarou firmemente.

— Quer isto de volta?

— Vou conseguir de volta. - o Cavaleiro rosnou para ele e desembainhou a espada mágica. - Vai aceitar nosso desafio ou não, seu covarde?

O Imperador riu.

— Claro que eu aceito seu desafio, filho de um caçador. Venha. - ele desembainhou sua própria espada mágica. - Tome-o de volta, se for capaz.

E os dois avançaram para cima um do outro.

O primeiro impacto entre as espadas fez voarem faíscas. Os dois rosnaram e se afastaram, só para voltarem a chocar as lâminas. O estilo do Imperador era diferente do da Rainha. Ele era mais lento, não sendo tão ágil quanto a moça, mas também batia mais forte, e o Cavaleiro tinha que colocar mais força para se defender. Ele começou a suar após um tempo.

O Imperador tentava atingi-lo frequentemente na cabeça, e ele tinha que manter a espada erguida para se defender, o que cansava os braços. E a luta não acabava.

Mas o Cavaleiro se sentia confiante. A espada mágica era mais leve em suas mãos do que as outras lâminas. Ela se movia facilmente, cortando o ar com uma facilidade que as outras não tinham. Por vezes, parecia até se mexer sozinha para defender golpes.

E então, ele viu uma abertura. O lado direito do Imperador, completamente aberto, exposto para sua lâmina. Ele deu um passo para a frente, e fez um corte lateral.

Mas não conseguiu completar o golpe. Parou no ar. Sentiu o aço frio em sua garganta.

O Imperador riu. Sua isca havia dado certo. O Cavaleiro, inexperiente, deixara sua cabeça desprotegida ao tentar atingi-lo, abrindo a guarda e expondo o pescoço. A luta estava terminada.

Atrás dos dois, a Rainha puxou a própria espada.

— Não o mate. - ela falou, sua voz trêmula, mas, ainda assim, ameaçadora.

— Matá-lo? - o Imperador gargalhou. - Eu não preciso matá-lo. O pior já aconteceu com ele. É um cavaleiro que falhou em seu dever. Não conseguiu proteger sua Rainha. É o pior que há na espécie. A vergonha disso já é o suficiente para a vida inteira, o que é muito pior. Não, não vou matá-lo.

Ele tirou a espada do pescoço do Cavaleiro. Então, rapidamente, ergueu o joelho e chutou com força a perna do rapaz com sua bota de sola de ferro. Ouviu-se um som nauseante de algo quebrando e o Cavaleiro caiu no chão, gritando de dor.

A Rainha correu em sua direção enquanto o Imperador se afastava, embainhando sua espada. Ela se ajoelhou ao lado do rapaz.

— Eu sinto muito. - ele conseguiu falar, com lágrimas nos olhos, seu rosto contorcido de dor. - Eu sinto muito.

— Shhh... - ela o silenciou, examinando sua perna. - Está tudo bem.

— Não, não está. Não está. Eu falhei. Falhei com você. Não consegui... - ele não conseguiu completar a frase.

— Você não falhou. - a Rainha o assegurou, colocando uma mão em seu rosto, gentilmente. - Não era sua missão.

Ele tentou argumentar, mas ela o interrompeu.

— Não, não era sua missão. Eu errei em dá-la para você. Sempre foi minha tarefa. - ela se ergueu. - Vou desafiá-lo e tomar meu coração de volta.

— Você não pode! - ele protestou. - Só quem pode vencê-lo é alguém que tenha a espada, e você não pode erguê-la.

— Não importa. - a Rainha sorriu para ele. - Não posso voltar para o reino sem meu coração. Não posso continuar assim.

O Cavaleiro a olhou, parecendo angustiado. Então, ergueu uma das mãos e agarrou algo na cintura da Rainha.

Ela não teve tempo de reagir. Ele pegou sua faca de osso e a enfiou no próprio peito, abrindo um corte. Então, colocou a mão lá dentro e arrancou seu coração.

— Tome. - ele o estendeu para ela.

— O que você fez?! - ela gritou, horrorizada. - Nunca mais poderá colocá-lo de volta!

— Não importa. Tome. Você não pode recolocar seu coração no peito, mas acho que pode colocar o meu. 

— Eu não posso. De onde você tirou que isso daria certo?!

— Tome! - ele ordenou. - Vai dar certo. Não era mais meu, de qualquer jeito.

A Rainha arregalou os olhos para ele. Então, se recuperando, pegou o coração delicadamente de sua mão e usou a faca de osso para reabrir o corte em seu peito. Com cuidado, colocou o coração do Cavaleiro lá dentro e observou o corte se fechar. Então, pegou a espada mágica.

A sensação quando conseguiu erguer a lâmina foi maravilhosa. Ela se encaixava perfeitamente em sua mão. Leve, muito mais leve que uma espada normal. Com aquilo, a Rainha sentiu que poderia derrotar o mundo inteiro. Ela olhou para o Cavaleiro.

— Obrigada. - murmurou.

Então, virou-se para o Imperador, deixando que a raiva transparecesse em seus olhos.

— Eu o desafio. Uma batalha pelo meu coração.

O Imperador sorriu e tirou o coração da Rainha de dentro de suas roupas. Segurou-o em sua mão, analisando-o.

— Tem certeza? Lembre-se de que ele está em minhas mãos.

— Chega de conversa. - ela falou, e começou a andar em direção a ele.

O Imperador sorriu e apertou o coração com força em suas mãos. A Rainha não parou de andar. Sua expressão não mudou.

O sorriso dele murchou. O homem apertou novamente o coração, com toda a sua força, e depois com as duas mãos. A Rainha continuava vindo em sua direção, sem hesitar.

Furioso, o Imperador puxou uma faca de dentro da capa e a enfiou com toda a força no coração da Rainha. Ela parou por um momento, e então voltou a andar. A lâmina não havia entrado.

— O que...? - o Imperador começou, sem entender.

— Não é mais seu. Você não pode mais me machucar. - e, com aquilo, a Rainha gritou e ergueu a espada para golpeá-lo.

O Imperador recuou às pressas, guardou o coração em suas roupas e rosnou, puxando a própria espada. Os dois começaram a lutar.

O Cavaleiro apenas assistiu àquela batalha furiosa. Era completamente diferente da sua luta. Os dois atacavam a toda velocidade e com toda força, e faíscas voavam para todos os lados, o ruído do metal enchendo o ar. Pareciam animais selvagens. Os braços dos dois tremiam com os baques dos golpes, mas nenhum recuava.

Ele não soube quanto tempo o combate lutou. A Rainha avançava com ferocidade, e o Imperador tendia a recuar, sem achar espaço para fazer nada que não fosse se defender. Ela o cobria de golpes, e toda sua concentração era gasta em impedir que eles entrassem. A moça era rápida, e atacava com uma fúria gelada incessante.

O desfecho era inevitável. Finalmente, o Imperador gritou e caiu de joelhos, o flanco sangrando profusamente. O Cavaleiro nem ao menos conseguira ver o golpe que entrara. A Rainha permaneceu na frente dele, os dois ofegantes e se encarando.

— Então. - o Imperador conseguiu falar, sorrindo, com dificuldade. - Vai tirar meu coração, agora? Vai levá-lo para seu reino e me torturar até o fim de minha vida?

A Rainha o olhou e ele a encarou de volta com aqueles olhos azuis da cor do céu.

— Não. Não quero seu coração. - ela respondeu, e deu o golpe final. O Imperador tombou no chão, morto. A Rainha tateou o corpo, procurando e, finalmente, achou o seu coração e o pegou, segurando-o em mãos. Ela sorriu, olhando-o. Finalmente.

Ela virou-se para o Cavaleiro e ele lhe sorriu, apesar da dor. Ela andou em sua direção e se abaixou ao lado dele.

— Como está a perna?

— Dói. - ele riu. - Mas está tudo bem. Está apenas quebrada. Vai sarar. Não é importante.

Ele tentou fazer graça, mas a Rainha havia parado de sorrir. Ela mordeu os lábios e desviou o olhar.

— O que foi?

Ela não respondeu. Parecia lutar com alguma coisa. Após alguns momentos, ela bufou, irritada.

— Ah, que seja. - ela estendeu a mão para ele. - Tome.

O Cavaleiro olhou para o coração que lhe era estendido, surpreso.

— O... O quê?

— Tome.

— Eu?! Mas... Mas... Eu não posso...

— Você me deu o seu. Agora fique com o meu. Tome.

— Mas...

— Não tem mas! Fique. Não era mais meu, de qualquer jeito.

Ele encarou a Rainha, que corava, mas continuava a olhá-lo, decidida.

— Você tem certeza?

Aquelas palavras ecoaram na cabeça da Rainha, e ela viu um breve lampejo de olhos azuis. Sacudiu a cabeça e tirou a imagem de sua mente.

— Sim.

— Mas... E seu eu não for digno de tê-lo? Não tem medo de que eu possa ser que nem o Imperador, e usá-lo para torturar você?

— Bom, agora nós já sabemos que eu consigo pegá-lo de volta, não? - ela sorriu secamente.

O Cavaleiro a olhou mais uma vez e então pegou em mãos o coração da Rainha. Quando ele o fez, ela respirou fundo.

— Está sentindo alguma coisa? Eu a machuquei? - ele perguntou, preocupado.

— Estou, sim, sentindo alguma coisa. - ela sorriu. - Mas não, você não me machucou.

Então, com cuidado, o Cavaleiro usou a faca para reabrir a cicatriz e colocou o coração da Rainha em seu peito.

— Bom. - ele falou, após um momento de silêncio. - Acho que posso conviver com isso.

A Rainha riu, brevemente, e o ajudou a se erguer, permitindo que ele se apoiasse em si. Então, os dois saíram andando, o Cavaleiro mancando e com a perna doendo, mas feliz, olhando para sua Rainha, e ela o ajudando a caminhar, com um leve sorriso nos lábios.

Após isso, existem muitas histórias sobre o que aconteceu. Dizem que o Império se rendeu imediatamente à Rainha, e foi anexado ao seu território, junto ao que antigamente era o reino. Assim, o reino da Rainha ficou ainda maior, e, logo, voltou a prosperar. Dizem que, dentro do castelo do Imperador, os dois acharam um jarro cheio de corações, e que a Rainha devolveu todos a seus respectivos donos. Dizem que eles fizeram uma longa jornada de volta para o Castelo, e que enfrentaram muito mais perigos do que haviam encontrado na ida. Dizem que o rapaz formou novamente a Ordem dos Cavaleiros, mais honrável e mais forte do que nunca, e eles completaram feitos lendários. Mas essas são histórias para outra hora.

O que se sabe com certeza é que o Cavaleiro e a Rainha voltaram para o Castelo em segurança. E lá viveram muitas outras aventuras, e nenhum nunca tirou o coração do outro de seu peito. E, assim, foram felizes.

FIM

 


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal! E assim, chegamos ao fim da história!

Quero agradecer a todos que leram até aqui. Essa foi a primeira história de múltiplos capítulos que eu consegui terminar, então foi muito importante para mim. Espero que ela traga para mais alguém as mesmas emoções que eu senti ao escrever.

O gênero de Fantasia, assim como de Ficção Científica, é um dos mais importantes para mim. E aliar isso ao estilo dos Contos de Fada, que eu leio desde criança, foi uma das experiências literárias mais legais que eu tive a chance de fazer.

Pois é isso. Por enquanto, aqui acabam as aventuras da Rainha e do Cavaleiro. Quem sabe, algum dia eu consiga publicá-las (ei, eu posso sonhar!) e talvez acrescente mais uns capítulos à essa história.

Obrigada por acompanharem, pelas críticas, elogios, dúvidas! A todos que leram, obrigada!

Até a próxima história! o/



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