Leal a seu senhor escrita por Ágata Arco Íris


Capítulo 8
Um dia de caça




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Na manhã seguinte, assim que o sol se levantou no céu, Bishamon pegou sua lança e adentrou as matas que rodeavam a cidade, depois de muito andar não achou nada que fosse incomum. Perto da hora do almoço, resolveu vasculhar as estradas do bosque e perto de uma encruzilhada ele sentiu-se sendo observado. Empunhou sua lança ele chegou até a beira do caminho, sem ir para o meio, onde encontrava as três estradas; uma protegida por um pequeno paredão de terra, o que dificultava ver quem vinha, sendo possível ver quem estava nas outras estradas apenas chegando ao meio.

—Ei! Quem estiver aí, fale seu nome! —Gritou Bishamon.

—Bishamon?! —Gritou uma voz conhecida pelo deus.

—Howori, você está aí também? —Perguntou outra voz, também conhecida pelo deus.

Todos deram um passo para frente, se encontrando no meio. Ali estavam Howori e Hachiman, respectivamente o deus da caça e outro deus da guerra. Howori trajava sua pele de tigre branca, que lhe cobria os ombros e as costas, levando junto consigo seu arco feito de mármore vermelho. O deus levava apenas o arco, pois as flechas ele mesmo fazia no momento da caça, Howori usava de sua energia para forjar as mais resistentes flechas do reino de Takamagahara, ele apenas precisava mirar no alvo e determinar a força a ser usada para derrubá-lo com apenas um golpe.

Hachiman, como o deus protetor dos guerreiros em batalha carregava consigo a luva das sombras, a poderosa manopla capaz de tirar todo muco e lodo presente na alma dos humanos, apenas com um puxão. Trajava roupas típicas de um samurai, junto com três katanas.

Você já percebeu que todo deus da guerra tem sua especialidade? Susanoo limpa os ambientes, Hachiman protege os guerreiros e samurais. Mas e Bishamon, qual sua especialidade? Isso é simples, como o deus guarda os segredos de buda, ele carrega consigo a esperança dos homens. Sempre que ele chega em um campo de guerra, presentei as pessoas das redondezas com fé para aguentarem aquele momento, pois tudo é passageiro, mesmo que seja difícil e muitos morram, é pior para um humano morrer desesperados e sem fé. Yokais carniceiros se aproveitam de carne podre, a matéria densa que indivíduos assim acabam levando consigo depois da morte e fica envolta na alma.

—Howori, o que faz aqui? —Perguntou Bishamon.

—Yokais corrompidos estão atacando a todos caçadores e pescadores na ilha de Kagawa, eu venho seguindo a rastro desses yokais e descobri que eles migraram de Kumamoto.

—Também estou procurando eles—Disse Hachiman— Em Tokyo, na semana passada vários de meus samurais foram atacados, não fui capaz de limpar à todos, perdi 3 dos meus mais fieis guerreiros nessa brincadeira— Hachiman pôs a mão sobre as Katanas, seu olhar mostrava sua tristeza em tê-los deixado morrer— Esses yokais não são normais, mesmo com todo meu poder é difícil para mim limpar um simples humano, sem contar a agressividade fora do normal desses animais.

—Entendo, Kodama-san me pediu para vir atrás desses animais, eles estão causando problemas aqui também.

— Então você está à serviço de uma deusa menor? Por que faria uma coisa dessas? — Disse Howori com certo descaso, deuses caçadores não se dão muito bem com divindades Yokais, por motivos óbvios.

— Tenho um acerto de contas com ela, sem contar que um Hogo-sha a atacou.

—O QUE?!! — Disseram os dois deuses em uníssono.

 — Mas Hogo-shas são incorruptíveis— Disse Hachiman.

— E imortais... —Falou Howori já estrategiando em sua mente de louco—Diga-me Bishamon, o animal ainda está por essas áreas?

— Sim, e já tentei acha-lo, mas estou andando por essas florestas a manhã inteira e não vi nada, sinto que estou apenas rodando em círculos .

—O Hogo-sha dessa área é um javali, já tentou procurar nos lamaçais? Geralmente javalis são animais noturnos e um yokai javali também segue esse mesmo pensamento.

—Não há lamaçais ou pântanos nessa região.

—Hum, deve estar entre as pedras então... — Howori tirou sua pele de tigre, a jogou no chão e depois gritou—Tai-Kage!

Ao dizer aquele nome, a pele de tigre branca se transformou em um tigre de verdade, mas muito diferente da pele branca, ele era todo negro com listras prateadas, garras douradas e olhos vermelhos como os de um Shinigami.

—Estou à suas ordens mestre—Disse o tigre ligeiramente se alongando.

­— Veja nas pedreiras e cachoeiras da região, ache um javali gigante.

— Como quiser— O tigre rugiu e fechou os olhos logo em seguida.

As ondas sonoras do rugido se espalharam como um radar buscando sua presa, era possível ver as árvores e até as pedras tremendo em contanto com as ondas sonoras. O Shinki de Howori abriu os olhos depois de alguns minutos, ele rugiu novamente, dessa vez nada aconteceu, foi só para se expressar mesmo.

—Eu não vi o javali, mas senti uma energia negra muito densa vindo da fonte Jinsei mais próxima, o que não é normal. Acho que o animal que procura deve estar lá.

—Obrigado meu amigo, agora volte para mim, preciso de sua força­— Assim que disse isso o animal voltou à sua forma de pele e Howori a vestiu— Então vamos, devemos chegar à fonte em meia hora se formos rápidos.

Os deuses da guerra ficaram surpresos por tamanha velocidade e precisão de Howori, mesmo isso sendo mais que esperado do deus da caça. Ambos caminharam para a fonte Jinsei daquela região, o lugar era uma enorme cachoeira com uma queda d’água de mais de seis metros, toda rodeada e protegida pela mata densa separava aquele pedaço do céu dos humanos. Fontes Jinsei são fontes de água pura proveniente de Takamagahara, servem para purificar e fortalecer deuses feridos, além de equilibrarem a energia das regiões próximas à mata. Existem 3 fontes Jinsei em todo Japão, em nenhuma delas humanos podem entrar, muito menos ver a zona atemporal em seu interior.

Assim que os deuses chegaram, Hachiman viu a aura de sua luva se manifestar, tornando-se negra, aquele era um sinal que o perigo estava logo à diante.

—Fiquem atentos, minha luva raramente emana uma aura tão escura assim— Disse Hachiman.

—Já senti o cheiro de carne podre— Disse Howori.

—Eu não senti nada, mas sempre fico alerta— Disse Bishamon mudando sua lança para seu machado de guerra, para dar golpes mais pesados.

Os três adentraram o Jinsei e não perceberam nada de errado, Howori se abaixou e tocou o solo, os deuses da guerra puseram-se em formação para uma eventual surpresa do Javali.

— Hã? — Howori pôs a mão nas pegadas do animal e estava para se abaixar, mas o vento lhe alertou do perigo, e como um raio deu um passo para a direita. Um vulto passou rapidamente por ele logo em seguida— O desgraçado está invisível!

Howori mal terminou de dizer a frase e viu Hachiman ser jogado longe pelo Hogo-sha. Ele queria atingir Bishamon também, mas o deus já conhecia bem aquele Javali e estava preparado, de olhos fechados Tamonten se guiava pelo vento assim como Howori. Ao sentir uma brisa mais forte apenas esquivou-se levemente, o movimento era tão suave que parecia que Bishamon estava a dançar. Ao esquivar-se, o deus apoiou seu machado no chão e jogou um pouco da lama onde pisava no ar, cobrindo assim parte do Yokai.

—Agora vocês podem vê-lo, ataquem sem piedade—Gritou Bishamon, novamente metamorfoseando sua arma, a deixando novamente com a forma de lança.

Howori pulou em um rochedo e mirou no animal, mas suas flechas não tiveram o menor efeito no yokai, mesmo ele atirando várias de uma vez. Hachiman pegou duas de suas Katanas e contaminou as laminas com a aura de sua manopla, as deixando mais poderosas que o normal. Com toda a sua força o deus fincou ambas espadas no couro duro do javali, mas não fez um arranhão se quer no animal. Bishamon por sua vez, percebeu a fúria no animal, que não tirava os olhos dele, sentia-se revoltado por não conseguir derrubar o deus da guerra. Bishamon então esperou o javali vir até ele e fincar sua lança, mas também não funcionou, o animal o empurrou para longe e quase quebrou o cabo de sua lança.

—Tirem ele daqui, o Jinsei está deixando o Hogo-sha mais forte—Gritou Bishamon ao ver a força sobrenatural do Javali.

Com um ar de audácia, Hachiman pulou sobre o porco selvagem e o segurou pelas costas. Deus e Hogo-sha lutaram por alguns minutos até que Hachiman conseguisse levantar o animal. A vitória já estava certa, o Javali havia sido pego, mas como truque o Hogo-sha fez os espinhos tímidos que cobriam sua pele crescerem, aumentando consideravelmente de tamanho. Foi inevitável que o deus o soltasse, por sorte Hachiman não se machucou, mas foi só por causa da aura de sua manopla, sem ela sua pele seria facilmente perfurada.

O animal acabou por fugir, saindo do Jinsei, que era o desejo inicial de Bishamon. Howori foi atrás do animal, enquanto Bishamon ficou para ajudar Hachiman, que estava jogado no chão ofegante.

—Hachi, você está bem? — Perguntou Bishamon estendendo a mão para o companheiro no chão.

—Desculpe Bishamon, deixei ele escapar—Disse o deus da guerra quase sem ar— Não pensei que esse fosse tão forte.

— E não é, quem ou o que o corrompeu é que deve ser muito poderoso, só isso para dar tal força a esse animal.

Ambos deuses foram de encontro a Howori, que junto a seu tigre tentavam encantoar o Javali. O tigre lutava dente a dente contra o enorme porco espinhoso, suas mordidas e patadas pareciam atingir o Hogo-sha, mas o sangue do animal manchava o coro do tigre e lhe queimava a carne.

—Aguente só mais um pouco—Gritou Howori para seu shinki.

— Já chega, eu já fiquei com raiva desse animal— Disse Hachiman tirando a parte de cima de seu kimono, depois tirou suas manoplas e as segurou com a mão esquerda —Eu vou acabar com isso agora.

Suas manoplas logo se tornaram uma katana de cabo branco e lamina dourada. Depois de dizer isso, Hachiman mudou de forma, usando a verdadeira forma que sua manopla lhe dava. Sua pele branca e pálida se transformou em cinza, simultaneamente surgiu mais um par de braços debaixo dos que ele já tinha, o que fez seu corpo se alongar um pouco. Seu cabelo tornou-se branco e seu olho esquerdo desapareceu, e então, em um rugido ele selou sua transformação empunhando todas as quatro katanas que carregava. A aura negra da katana que antes era manopla, agora estava vermelha, envolvendo todas as armas e o próprio deus. Ali estava a Besta Samurai, a fusão perfeita de arma e deus, que simbolizava a força de um guerreiro que luta por amor, e não por orgulho ou vaidade.

O deus atacou o javali com as duas espadas da esquerda, empurrando o tigre com as mãos direitas. Sua força era tanta que ele conseguiu transpassar a lâmina do outro lado no animal. Howori aproveitou a situação para chamar de volta seu tigre, que mancava e parecia muito ferido. Do outro lado a Besta Samurai despedaçava brutalmente o javali, enquanto isso Bishamon somente observava, vendo o sofrimento do bicho o deus sentiu-se, algo não estava normal e ele não sabia dizer o que era.

Enquanto morria, o Javali não tirava os olhos de Bishamon, o que deixava o deus com mais mal-estar, mas ele não entendia por que. Quando Hachiman terminou de massacrar o animal, deu um grito que pôde ser ouvido nos quatro quantos daquele bosque e então, consumido pelo cansaço ele caiu de joelhos, mas decidiu volta ainda não à sua forma original.

—Pronto, acho que agora podemos conversar, quando voltar, o animal estará com sua alma limpa— Disse Hachima colocando novamente suas manoplas.

Passados alguns segundos, um vento forte envolveu o javali, e daquele monte de carne saiu um Javali ainda mais poderoso, só que ao invés de estar purificado, o Hogo-sha tinha ganhado uma aura ainda mais negra e com energia ainda mais pesada. A Besta Samurai havia se tornado fraca perto dele, seus golpes haviam novamente se tornado inúteis. Com fúria no olhar, o Hogo-sha derrubou o deus da guerra e mirou em Bishamon, seu intuito era acerta-lo para derrubar.

—Acertem-no com tudo que tiverem—Disse Howori atirando sem dó.

Por algum motivo desconhecido, o Javali voltou a atacar, só que dessa vez, ele só enxergava Bishamon. Mesmo o deus sendo rápido, era difícil desviar tantas vezes de tantas coisas ao mesmo tempo, Bishamon havia ficado em meio a um fogo cruzado. Era javali, flechas e cortes de espada, tudo misturado. Ambos os deuses buscavam derrubar o javali atacando ao mesmo tempo, acabaram por esquecer de Bishamon.

Depois de alguns minutos de luta, o Hogo-sha começou a enfraquecer-se, estava mais fácil penetrar laminas em sua carne. Vendo a oportunidade, Bishamon teve uma ideia, um plano para imobilizar de vez o animal; o Hogo-sha levantou-se e com toda sua força o deus acertou a lança no peito do javali, depois o empurrou para trás, iria prendê-lo contra a pedra na frente dele e ali mesmo o selaria.

Mas seus planos foram interrompidos por uma flecha que Howori atirou sem querer em suas costas enquanto mirava no javali.

A flecha quebrou-se logo em seguida, mas por um segundo ele perdeu o foco, isso foi mais que o suficiente para fazer o animal revidar. O Hogo-sha conseguiu se livrar da flecha e empurrou Bishamon para trás, os dois lutaram um pouco, até que o javali com uma cabeçada poderosa empurrou o deus contra a arvore ao seu lado, e sem dó fincou seus caninos em seu abdome.

O choque da dor fez com que Bishamon mudasse de forma, sem querer ele se transformou em Yuka. Ao ver o deus se transformar, o javali parou na hora de atacá-lo, Bishamon viu o olhar do javali gelar, e ele jurou ter escutado o yokai dizer:

—Mestra, é a senhora?!

Mas antes que pudesse tirar alguma conclusão, Hachiman enforcou o animal e o jogou para longe. Bishamon continuou jogado no chão, e sem entender, viu o animal que estava obstinado a matá-lo, ser coagido pelos deuses, sem esboçar reação alguma.

—Esperem!! —Gritou Bishamon pondo-se na frente do javali.

—Está ficando doido Bishamon? —Perguntou gritando Howori.

—E que forma ridícula é essa? —Disse Hachiman analisando as curvas tomadas pelo deus.

—Ele falou comigo.

—E daí? —Disse Howori em tom de descaso.

—Precisamos escutá-lo, não acha?

— Mestra, perdoe-me, eu não tinha noção que era a senhora—Disse o hogo-sha sumindo com a aura negra.

—Hã?! Ele fala? — Disse Howori, como se não soubesse da inteligência do Yokai.

Todos estavam sem entender o que havia acontecido, mas Bishamon, no fundo de seu coração sabia o que aquilo tudo significava. Sua filha havia feito isso, não restava duvidas, ela era a única em todos os mundos que se parecia fisicamente com ele. Os outros deuses discutiam, enquanto Bishamon ainda estava catatônico, e de certa forma segurando suas lágrimas, sem saber se eram de raiva ou de tristeza.

Então, sem pedir, o tigre de Howori se manifestou e rugiu, calando os deuses, que não paravam de discutir, e mesmo ferido pôs-se a falar:

—Ele não é um yokai, ele é um shinki—Disse o tigre mancando—Percebi isso quando lutamos.

—Então o que ele é? —Perguntou Hachiman.

—Um Hogo-sha, mas o que o mantem vivo é uma essência de kamikui—Disse Bishamon olhando para o nada— É a único jeito de torná-lo imortal perante a lei de Kamui, ele profanou as terras do criador, e isso é um pecado. Sei que é difícil de conseguir tal coisa, mas eu já vi uma feiticeira fazer isso uma vez.

—Parece calma— Disse uma voz familiar, vindo debaixo da cabeça de Bishamon, o deus olhou para baixo e viu Kodama em seu kimono, presa em seus seios— Oiii! —Disse a deusa acenando para o deus em forma de mulher.

—Kodama! O que faz...Aí?!

—Ah, cheguei agora pouco.

—O que faz aqui sua Yokai imun... —Tentou dizer Howori, mas a deusa se tele transportou novamente, indo parar na cabeça do deus da caça.

—Ah não seja malzinho comigo Howori-chan, podemos ser amigos, sabia disso?

—O que faz aqui Kodama? —Disse Bishamon.

—Vim ver como está meu Hogo-sha, ver se vocês não o mataram.

—Ele está vivo, mas esse animal também é imortal, então não sei por que a preocupação.

—Hum... Essa aura... —Disse a deusa rodeando o javali, quase sem ligar para a presença dos deuses— Kamikui, é a aura de um kamikui.

—Com eu estava dizendo, aprece a aura de um Kamik... —Bishamon foi interrompido novamente por Kodama.

—E parece o seu Bi-chan!

—O que, como assim? —Disseram todos ao mesmo tempo

—Mas não entendo uma coisa....  — Kodama pôs-se a sentar novamente nos seios de Bishamon.

—E precisa pensar justo aí ô folgada? —Disse Bishamon incomodado.

—Como alguém conseguiu extrair a aura de Tenon? Ele é praticamente um dos Kamikuis mais arredios de todo Yomi —Kodama olhou para Bishamon e perguntou sorrindo—O que acha Bi-chan?

—Eu não sei, só digo uma coisa.... Meu shinki precisa de cuidados, acho melhor voltar outra hora— Disse Howori, pegando sua pele de tigre cuidadosamente em seus braços.

  —Vamos leva-lo para meu templo, não é muito longe daqui—Disse Bishamon de consciência tranquila, já que Emi não estaria lá. A menina iria numa viagem em família na manhã seguinte e tinha muito o que arrumar nesta tarde—Venha, é até bom, que descansamos um pouco e pensamos nisso tudo melhor.


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