Leal a seu senhor escrita por Ágata Arco Íris


Capítulo 5
A lâmina de fogo




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As deusas entraram em consenso e decidiram que era melhor deixar tudo se acalmar antes de fazer qualquer coisa, e assim foi feito, Amaterasu escondeu Kazu no único lugar onde Shini-no-Hana não o acharia, o sol. Um tempo depois de todo incidente na praia de Okinawa, Yon e a deusa do sol se encontraram à beira mar do mar mais uma vez. Dessa vez estavam em Izumo, para entregar Kazu à Susanoo, o deus dos mares e oceanos.

Não era segredo para ninguém que Amaterasu vivia em constante briga com seus irmãos, a relação dela com Tsukuyomi e Susanoo era demasiadamente ruim, chegando quase a ser terrível, mas não havia outro jeito a não ser recorrer a ajuda do deus.

Susanoo podia ser imprevisível e ter uma das piores reputações em toda Takamagahara, tão ruim que uma vez já chegou a ser banido da terra dos deuses (por uma de suas brigas com Amaterasu).  Mas, mesmo não sendo próximos, algo Amaterasu não podia negar, ela era o fogo e ele a água, era natural estivarem sempre em constante luta; por justa causa ela sabia que Susanoo era o mais indicado para guardar Kuzu-tsuchi. Ele era o único que podia esconder suas chamas sem apagá-lo, já que também controlava o vento. Outro motivo era o fato dele ser um deus da guerra, e há jeito melhor de esconder algo que à vista? Hana podia procurar Kazu na guerra, mas creio que nunca iria procurar com um deus da guerra.

Então, descida a pedir ajuda ao irmão, Amaterasu foi de encontro a ele no seu castelo à beira mar. Amaterasu por si só já é muito bela, de traços delicados e finos, mas devido a ocasião estava mais bonita ainda, e ainda mais arrumada que o normal. Seu cabelo estava cheio de enfeites organizados em um penteado gracioso, usava um kimono amarelo com as barras e mangas vermelhas em detalhes dourados. Ela levava consigo o cetro do sol, sua mais poderosa arma e mais valioso Shinki, arma que juntamente com o cetro da lua, era responsável por manter o equilíbrio na Terra.

— A senhora está espetacularmente linda hoje Amaterasu—Disse Yon curvando a cabeça para a deusa.

—Obrigada. E você acredita que minhas ninfas ainda disseram que eu estava mal arrumada.

—Está muito bem arrumada ao meu ver. Mas quem sou eu para dizer isso, não entendo de moda.

Yon não disse isso à toa, o servo de Izanami era deveras estranho na sua forma humana. Seu cabelo era negro como a noite e super longo, ao qual ele prendia em um coque; seu longo bigode de bagre ainda existia em sua forma humana só que bem menores e como pelo facial (como toda pessoa normal), mas ainda grande para qualquer homem. Seus olhos eram da cor do mar e variavam de azul para verde em questão de segundos, tudo dependia do humor do Shinki; suas feições eram de um homem de trinta, quase quarenta anos, com pele bronzeada.

Suas vestimentas também eram estranhas, ele amava usar ternos, então Izanami teceu para Yon um terno vermelho nos padrões asiáticos, obviamente ele adorou a roupa. Para finalizar, seus acessórios combinavam perfeitamente com sua alma de reptiliano; Yon desfilava em forma humana com uma bengala de prata em forma de dragão, e para dar um toque final seu sapato era preto, feito de pele de cobra.

—Aff... Mas não vejo motivos para me arrumar só para ver meu irmão—Retrucou Amaterasu.

—Uma mulher bem vestida já é motivo suficiente para fazer qualquer homem repensar à ignorância—Disse Yon com olhar sereno.

Ambos começaram a caminhar à procura do castelo de Susanoo que estava perto da praia onde estavam.

—Foi quase isso que elas me disseram—Disse Amaterasu rindo.

—Sabias, suas ninfas são bem sabias. Mas falando de sapiência, teve notícias do Lorde Hana?

—Lorde?! —Estranhou Amaterasu—Ah é mesmo, as vezes esqueço que você já foi ceifador e serviu à Flor da Morte. Mas respondendo sua pergunta, não só tive notícias como tive o desprazer de várias visitas de Shini-no-Hana. Todas muito cordeais e ele, sem contar que ele é bom de papo, sempre é bom conversar com ele, mas me incomoda saber que ele é apenas um capacho de meu pai.

—Nunca confie nele—Disse Yon de costas para Amaterasu, observava o mar—Servi Hana por intermináveis eras e posso afirmar uma coisa. Ele não mede esforços, nem pensa em ninguém quando quer algo. Na verdade, ele só não tentou pegar o reino de Izanagi para si até hoje porque ele já tem um reino, e naturalmente este o prende, caso contrário ele já teria tentado tamanha atrocidade.

—Não precisa me dizer isso, o conheço o suficiente para saber disso. Mas Yon, nunca lhe perguntei.... Por que Izanami está literalmente presa ao Yomi?

—Quando o submundo foi criado, nenhum deus queria tomar posse daquele reino barrento e inferno de muitos. Por conta disso o próprio Yomi criou uma tática para aprisionar quem estivesse lá, a comida. Se um deus comer da comida de lá, ficará preso ao lodo do submundo e o primeiro a comer da comida de lá foi minha mestra, por conta disso foi nomeada soberana.

—Nunca podia imaginar isso. Você parece se importar muito com Izanami, acho isso tão lindo.

—Aprendi a gostar dela, só não digo que foi fácil.  Ela é sem dúvida mil vezes melhor que Hana.... —Disse Yon olhando para cima e vendo o castelo de Susanoo sobrevoando suas cabeças —Ela tem coração pelo menos.

—Bem, acho melhor eu ir andando. Foi bom conversar com você—Disse Amaterasu já indo embora.

—Espere, deixe eu me arrumar primeiro —Disse Yon segurando o braço de Amaterasu.

—Hã?! Você não pode me acompanhar.

—Por que não? — Yon pegou o medalhão que sua mestra havia lhe dado—Não se preocupe, minha mestra disse que a senhora só tem shinki mulher.

O medalhão de Izanami servia para mudar a forma de Yon, podendo fazê-lo mudar de humano para a de dragão quando quisesse. Para ajudá-lo naquele dia ela ainda acrescentou algo especial, ele poderia mudar para uma forma feminina quando precisasse.

—Vai usar o medalhão para mudar de forma, não é? —Perguntou Amaterasu, Yon acenou positivamente—Não vai funcionar com meu irmão, ele sabe dizer se um ser é mulher ou homem simplesmente pelo cheiro.

—Não se preocupe com isso—Yon tirou de seu terno um frasco de perfume— É essência de flor de ameixeira, o perfume que minha mestra usa.

—Izanami sabe mais do mundo de cima que eu pensava.

—Sou seus olhos e ouvidos aqui em cima, tudo que acho interessante ela também sabe.

O shinki passou bastante perfume sobre seu corpo e logo depois colocou o medalhão, conseguindo assim usar sua forma de dragão. Ele abaixou-se para a deusa poder subir em suas costas e então partiram juntos até a nuvem do castelo de Susanoo. Quando Amaterasu desceu, Yon usou o medalhão novamente, agora estava sobre a forma de uma mulher muito bonita, vestia as roupas usuais das ninfas de Amaterasu e levava consigo a caixa onde kazu estava. Yon vestiu aquele disfarce e respirou fundo, o dragão não se sentia confortável, já havia treinado andar naquela forma então sabia que seria difícil.

— Parece desconfortável—Disse Amaterasu olhando para Yon andando desajeitadamente.

— Eu tenho sorte de ter nascido homem, é muito difícil andar assim—Respondeu o dragão quase tropeçando— É cada coisa que Izanami me força a fazer. Aff, preciso de férias.

Susanoo foi acordado de seu sono por um de seus servos, e assim que soube o porquê veio correndo até os portões de seu castelo, parecia aborrecido e iria tratar mal seja quem fosse àquela hora do dia. Mas então ele viu Amaterasu e toda sua raiva acabou por se dissipar instantaneamente, ainda bem que ele não disse nada antes de ver que estava nos portões de sua moradia, caso contrário iria se arrepender amargamente, já que Amaterasu nunca havia lhe visitado antes.

—Onee-san! O que faz aqui? —Disse Susanoo assustado—Se eu soubesse que você vinha, teria me vestido mais adequadamente.

O deus usava apenas uma bermuda de pescador e vários colares sobre o peito. Mas estava em casa e não esperava ninguém, por que se dar ao trabalho de mudar de roupa? Não fazia sentido.

—Tenho um assunto muito delicado para tratar com você, preciso de um favor seu.

—Ah.... Bem... Claro, sou todo ouvidos—Dizia Susanoo um tanto perdido —Mas entrem primeiro.

Amaterasu e Yon entraram no castelo, Susanoo foi trocar de roupa enquanto um de seus serviçais guiava os convidados até os jardins do palácio. O lugar era digno do deus dos mares, na entrada tinha uma pérgola de videira e uma linda cascata de três fazes que caía sobre uma lagoa com carpas, o chão era todo em pedra e havia uma grande variedade de plantas herbáceas plantadas em vasos coloridos, fazendo um caminho para outro compartimento. A outra sala daquele jardim era circular e suas paredes eram revestidas por orquídeas de todas as cores e tamanhos, o teto desse lugar era diferente do primeiro (que não tinha teto), era revestido por videiras que não deixavam o sol passar diretamente.  Havia mais salas naquele jardim, mas o sevo de Susanoo orientou os dois a subirem uma escada de pedra no extremo da sala. Havia um segundo andar que tinha vista para a primeira e a segunda sala, já que estava bem no meio de ambas; todo ambiente era revestido por videiras e no meio daquele lugar havia uma mesa e um balanço, o sol entrava pelas videiras e iluminavam estrategicamente esses objetos. Amaterasu estava admirada com tamanha beleza e parou os pés da escada admirando aquele lugar.

—É lindo, não acha? —Perguntou Susanoo chegando.

Ele havia se trocado, agora usava uma yukata azul com metade do peito exposto e uma faixa branca na cintura. Não eram de longe as roupas mais formais de seu guarda-roupa, mas eram de seu gosto e agrado.

—O kimono é seu, você que precisa achar bonito—Retrucou Amaterasu instintivamente.

—Não estava falando da minha roupa, e você sabe disso; não precisa ficar na defensiva 24 horas por dia comigo. Eu falo desse lugar, dessas plantas, dessa luz—Os olhos de Susanoo chegaram até a brilhar quando disse a última palavra—Eu fiz tudo aqui pensando em você.

—Nunca sei quando posso confiar em você, mas é justamente pelo desejo e necessidade de sua confiança que estou aqui hoje.

Yon observava tudo de longe em silencio, “Interessante” pensava enquanto tirava suas conclusões. Sempre se ouviu o boato que o deus dos oceanos era apaixonado pela deusa do sol, mas Yon nunca acreditou, já que ambos viviam brigando. Mas ao ver seu olhar sobre a deusa, ele soube que era a mais pura verdade, e Amaterasu por sua vez parecia repudiar o irmão e não ver a verdade sobre Susanoo. Aquela era a oportunidade perfeita para ousar ter a confiança do deus.

—Mestra, perdão interromper. Mas e sobre o que tinha para falar...— Disse Yon da forma mais meiga que conseguiu.

—Ah é mesmo... Bem Susan... —O deus a interrompeu puxando-a para a mesa no meio da sala.

—Agora sim você pode falar, dá azar resolver assuntos importantes em pé—Disse Susanoo sorrindo.

Yon sentou-se ao lado de Amaterasu e pôs o pequeno baú que levava a alma de Kazu sobre a mesa de pedra.

—Meu irmão, eu preciso muito de sua ajuda—Amaterasu pegou o baú e o arrastou para seu lado—Neste baú está a alma de um homem muito importante para mim, ele foi um dos mais devotos e fiéis seguidores que já tive em toda minha existência. E ele morreu semana passada, mas... Mas eu não quero deixá-lo ir para a terra dos mortos, se ele fosse julgado... Eu queria poder ajudá-lo, torná-lo meu shinki, mas não posso fazer isso, minhas ninfas o excluiriam por ser quem é. Mas você por outro lado, só tem shinkis homens,  poderia tê-lo como tesouro.

—Eu entendo perfeitamente irmã, apenas me diga uma coisa, o que esse homem é para você? —Perguntou Susanoo, Yon pôde sentir nitidamente uma pontada de ciúme naquela pergunta, mas novamente a deusa mal nem se importou.

—É como meu filho, meu protegido, me sinto responsável por sua vida. Por favor Susanoo, me ajude, eu lhe imploro.

Susanoo abriu o baú e examinou o que tinha dentro, viu todo sangue que Kazu havia derramado em sua última vida, todos seus medos e inseguranças, mas o principal... Ele viu toda sua fúria.

—Não o quero.

—Por que não, meu senhor? —Perguntou Yon.

—É uma alma suja de sangue e mesmo que eu seja um deus da guerra, não quero um assassino como auxiliar.

—Por favor Susanoo, ele no fundo é um bom homem, veja isso.

Susanoo novamente olhou, mas antes que pudesse ver demais, Yon pediu para conversar em particular com o deus dos oceanos. Mesmo sem saber o porquê, achou estranho e decidiu ouvir a Ninfa que estava à sua frente. Então foram para o outro lado da sala, longe dos ouvidos de Amaterasu.

—Sabe senhor, eu sou nova neste trabalho, mas minhas irmãs sempre me disseram que você tinha uma queda por minha irmã.

—O que?! Como ousa dizer que... —Yon o interrompeu.

—Não precisa negar, está na cara, meu senhor. Mas por mais óbvio que seja, minha Mestra nunca irá gostar de você.

—Você acha isso? —Perguntou Susanoo tristemente.

—Não, a menos que dê motivos para isso. Por favor, meu senhor, escute o apelo de minha mestra, ela chorou durante os sete dias de velório daquele homem, depois ainda roubou sua alma do lo...De um shinigami.

—E você acha que ajudando ela, eu posso ter chances com minha irmã? —Perguntou Susanoo.

—Não, mas poderá mostrar que não é o monstro que ela o vê.

—Ela me enxerga como um monstro? —Indagou o deus—Por favor, diga-me ninfa, como ela me vê?

—Hum.... Você não vai querer saber... Mas não se preocupe, é só um ponto de vista, e não é nada que o senhor não possa mudar—Yon retornou para a mesa.

Susanoo olhou sua irmã que estava de costas para ele, e a imaginou sorrindo ao seu lado; como qualquer um, ele queria um dia ver aquele sorriso.

—Ok irmãzinha... —Disse Susanoo se sentando novamente—Dê-me a alma.

Susanoo pegou a alma de Kazu e começou a nomeá-lo, rapidamente uma aura de fogo e luz começou a formar-se e de lá surgiu uma enorme espada, estilo da usada pelos Bárbaros, lamina em forma de onda e laminas serrilhadas. Seu cabo era revestido de couro vermelho e a lâmina tinha uma espécie de linhas, como as raízes de uma planta, e um plasma brilhava constantemente dentro daquelas ramificações. O deus ficou admirado com a espada, nem seu tesouro mais forte tinha aparência tão majestosa como aquela, com certeza teria batalhas formidáveis ao lado de tão poderosa arma.

—Agora entendo porque queria fazê-lo seu shinki, ele é lindo—Susano brincava com a espada em suas mãos, mas do nada o cabo lhe queimou, o que o fez soltar a arma na hora—Amaterasu, ele é realmente seu devoto.


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