Faces de Pedra escrita por Agatha Wright


Capítulo 8
8- Anestesia


Notas iniciais do capítulo

Esse não foi meu capitulo favorito, mas é o que se tem. Estou muito animada com a recepção que está história está tendo mesmo se afastando do estilo preferido de história de Star Trek e por ter acontecimentos e personagens originais.

Muito obrigada por estar lendo até aqui!



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Vulcana Regar, 20 anos atrás.

Ela podia sentir as mãos de sua mãe pressionadas com força no seu ombro direito quando eles chegaram na frente dos muros altos da casa.

Era o auge do verão, a temperatura e o ar seco estavam se tornando desconfortáveis para os próprios vulcanos. Ela podia sentir a respiração pesada de sua avó que estava apenas alguns passos atrás. Seu pai estava conversando com o motorista do transporte que os trouxera até lá, mas logo se juntou ao grupo e se dirigiu a ela.

“Eu espero nada além de um comportamento perfeito, minha filha.”

“T’Lyra já fora informada o suficiente de como deve agir durante essa visita, marido.” Respondeu sua mãe. “Devo lembra-lo que a decisão de cancelar a promessa de noivado não foi causada por nenhuma falha de nossa filha e sim por uma mudança súbita e ilógica de ideia dos pais daquele que você decidiu que seria um par apropriado.”

“Mitrani...” Começou seu pai, mas foi interrompido por sua avó que ergueu a mão para silencia-los.

“A menina já foi exaustivamente treinada e orientada, Sethan. E não devemos iniciar uma discussão fútil e ilógica na frente da casa de nossos anfitriões, eles estão nos aguardando.”

Nenhum dos adultos ousou contrariar a matriarca da família e T’Lyra se viu com um sentimento de gratidão por sua avó. Desde que a família daquele que deveria ser seu noivo voltou atrás com a promessa há dois anos, seus pais iniciaram uma longa busca para um novo candidato. Ela havia nascido em um ano complicado, não haviam muitas crianças disponíveis com a sua idade entre as famílias que mantinham amizade com a sua. E agora com 10 anos, ela já era considerada velha para um novo noivado.

Não era como se isso significasse alguma espécie de ruína social para ela. Na verdade, muitas famílias já aboliram a prática do Kan-Telan, o elo mental que uniria duas crianças em uma promessa futura de casamento quando a idade apropriada ou o momento do Pon Farr chegasse. Mas famílias antigas e tradicionais como a dela jamais abririam mão de tal tradição.

Após dois anos entre buscas e negociações, um velho amigo de sua mãe havia aceitado unir seu filho caçula com T’Lyra. Era uma família que tivera uma nova geração apenas de meninos e que a sorte de ter uma primogênita entre eles aumentaria as chances de se ter uma nova e forte matriarca no futuro. Ao receber a mensagem comunicando o aceite, eles fizeram todo o caminho de Shi’Kahr até Vulcana Regar para que a cerimônia se realizasse o mais rápido possível.

Agora eles estavam lá.

Eles foram recebidos por um adolescente, que não deveria ter mais do que quinze anos e que vestia um elegante robe cerimonial. Ele ergueu sua mão formando a Ta’al e foi respondido da mesma forma pelos visitantes.

“Sua chegada auspiciosa é muito honrada aqui.” Disse o jovem.

“E nós somos gratos pela sua honrada recepção.” Respondeu seu pai. “Eu sou Sethan, essa é minha mãe T’Ara, minha esposa Mitrani e minha filha T’Lyra.”

Cada uma delas fez uma leve reverência com a cabeça ao ser apresentada. Sendo respondidas da mesma forma pelo jovem.

“Eu me chamo Serevan, sou o primogênito dessa família e responsável por garantir que sua passagem por essa casa seja a mais agradável. Por favor, sigam-me.”

Eles atravessaram o jardim até a grande casa de arquitetura antiga. Era tudo muito bonito e extremamente bem conservado o que mostrava o status da família praticamente composta unicamente por professores e sacerdotes cuja grande maioria eram mestres Kolinahr. Era uma honra para a família dela ser unida com pessoas tão importantes.

Ao chegarem na sala de estar, eles foram recebidos pelos outros membros da família. E finalmente ela pode conhecer aquele que seria seu futuro marido.

“Mitrani, minha velha amiga. É uma grande honra recebe-la em minha casa.”

“É uma honra ser recebida em sua casa, Sered. Ainda mais em tão agradável situação.”

“Bem, vocês já conheceram meu filho mais velho, Serevan.” Continuou Sered. “Essa é minha esposa T’Vora, meu pai Sitok, minha irmã T’Risa e aqui está meu filho caçula, Varen.”

T’Lyra já havia iniciado a disciplina Venlinahr há dois anos ao completar a idade de sete, mas ela não pode impedir de se sentir desapontada ao conhecer o menino que seria seu noivo. Já era sabido que ele era mais novo que ela, mas também era ao menos uma cabeça menor, magro e de aparência frágil. Nada do que ela considerava digno de todo o esforço que sua família teve durante as semanas de negociação.

As duas crianças não tiveram oportunidade de conversarem entre si. Varen parecia ser uma criança muito tímida e T’Lyra apenas não estava interessada. Ela o ignorou durante todo o dia e apenas conversou com os adultos quando necessário.

“Sua jovem filha me parece ser uma criança bastante calada para sua idade.” Comentou Sered com sua mãe.

Mitrani lançou um olhar acusador para a sua filha antes de responder.

“T’Lyra aprecia o silêncio e a contemplação. Seus tutores dizem que ela está dominando muito bem os caminhos da lógica.”

“Varen iniciou seus estudos no início do ano, seus tutores estão fascinados por suas capacidades de aprendizagem.”

Os adultos continuaram nessa conversa ilógica que soava mais como uma disputa que consistia em exaltar cada pequeno feito de seus filhos. T’Lyra não via nenhuma razão em participar disso e decidiu explorar o jardim que havia nos fundos da casa e que tinha uma bela vista das montanhas.

Ela foi tirada de seu momento de paz ao ser cutucada pelo focinho de um grande e gordo sehlat. O animal batia insistentemente a cabeça contra a sua mão até ela se ver obrigada a coçar atrás de suas orelhas peludas.

“Há um grupo interessante de cavernas na base da montanha ao extremo leste.”

Ela ergueu sua cabeça e encarou o menino que parecia aterrorizado por ter conseguido lhe dirigir uma frase completa. Ela encarou os grandes olhos acinzentados dele com uma sobrancelha erguida em interrogação. Ao notar que sua mensagem estava incompleta, ele se apressou em continuar.

“Eu pretendia visita-las ao pôr do sol, mas eu imaginei que talvez você gostaria de ir junto. Soube que você é de Shi’Kahr, então não deve ter tido a chance de ver um lugar como esse.”

“Shi’Kahr tem sua própria quantia de locais interessantes para visitar.” Respondeu ela dando as costas para o menino.

“Eu vejo...” Respondeu Varen.

Ela soltou um suspiro e se virou novamente para o jovem que a olhava de uma forma desolada. O sehlat continuava cutucando sua mão em busca de mais um cafuné.

“Quando pretende partir?”

A excitação nos olhos do menino fora tão óbvia que ela teve um ímpeto de repreende-lo por seu pobre controle de suas emoções.

“Agora mesmo se não for um incomodo.”

“Então devemos partir.” Respondeu ela caminhando até onde o garoto estava. “Você irá guiar o caminho?” Perguntou ela ao notar que Varen a encarava sem sair do lugar.

“Sim! Vamos sair por esse lado...”

***

“Você disse que esse era o caminho pelo qual entramos na galeria principal.”

“Eu devo ter me enganado.”

As duas crianças estavam andando sem rumo pelo labirinto de túneis que ligava as cavernas quando uma gigantesca tempestade elétrica os forçou a penetrarem mais fundo em busca de abrigo. A noite já havia caído e eles não conseguiam refazer seus passos para encontrar a saída, após algumas horas de caminhada os dois já estavam bastante cansados e caíram sentados em algumas pedras.

“Eu lamento por isso.” Murmurou Varen.

T’Lyra que estava ocupada desmanchando a trança intricada que sua mãe havia feito no seu cabelo mais cedo que estava se transformando em um grande emaranhado e olhou para o garoto com uma sobrancelha erguida.

“Não há nenhuma lógica em se lamentar por um acidente.” Respondeu ela.

O rapaz ficou olhando enquanto a menina desembaraçava os longos cabelos escuros antes de continuar sua fala.

“Eu venho caminhar nessas cavernas desde que era velho o suficiente para andar, é minha culpa estarmos perdidos.”

“Novamente, isso é ilógico.” Respondeu T’Lyra. “A tempestade nos forçou a ir mais fundo na galeria, em nosso medo nos tornamos irracionais e não prestamos atenção no caminho que estávamos fazendo.”

Varen tomou uma respiração para começar a falar, mas ela o interrompeu.

“Se há culpa sobre nossa situação, ela deve ser dividida entre nós dois. Eu senti medo, uma emoção que prejudicou minha lógica e permiti ser levada por ela.”

“Eu senti medo também.” Murmurou ele. “Eu conheço o local e mesmo assim eu permiti que as emoções tomassem conta.”

“Minha educação está dois anos à frente da sua. Eu deveria ter mantido minha lógica.”

“Não acredito que você possa entender isso.”

T’Lyra se surpreendeu com as últimas palavras do menino, elas foram ditas com muito mais vigor do que os murmúrios quase inaudíveis que ele usava para se comunicar.

“Explique-se.” Pediu ela e viu o menino murchar de volta ao seu eu tímido de antes.

“Minha educação formal começou há alguns meses, mas minha família me instrui no Venlinahr desde que eu me lembro.”

“Você está correto, eu não entendo. Por qual motivo isso seria necessário? Os ensinamentos de Surak são claros, a disciplina pode ser muito exigente para crianças mais jovens. As emoções precisam ser desenvolvidas e compreendidas para que saibamos como controla-las.”

“Não quando você pretende expurga-las no futuro.”

“Como assim?”

“Minha família deseja que eu me torne um mestre Kolinahr. Eles querem garantir que eu obtenha sucesso.”

T’Lyra não sabia exatamente o que dizer. Sua família tinha expectativas bem claras sobre o futuro dela, mas nada tão exigente como isso. O Kolinahr era ao mesmo tempo uma disciplina árdua e extremamente particular. Mesmo com todo o prestígio que uma família recebe por ter um mestre Kolinahr dentre eles, raramente isso seria exigido de alguém, ainda mais sendo tão jovem. Durante a infância apenas se espera que as crianças cresçam saudáveis e tenham um bom desempenho educacional. Expectativas mais concretas são moldadas a partir da observação dos pais sobre como seus filhos se desenvolvem e em quais atividades eles se destacam. Ela estava começando a descobrir um interesse e habilidade com computadores e máquinas em geral e sua família já estava falando sobre como ela daria uma boa engenheira no futuro.

Em Vulcano o desejo das famílias normalmente ultrapassa os desejos pessoais. Mas desejar algo para o futuro de uma criança sem saber quais são suas aptidões era algo simplesmente ilógico.

“ E você não deseja isso?” Perguntou ela.

Varen fitou o teto escuro da caverna antes de responder.

“Minha família deseja, pois meu irmão é um bom candidato para a Academia de Ciências e não seria sábio manda-lo para Gol para se tornar um Mestre Kolinahr tendo uma chance como essa nas mãos. Mas ainda assim, minha família deseja que alguém atinja o Kolinahr e se torne um Mestre de Gol, não houve ninguém nas últimas gerações...”

“Você deseja?” Perguntou T’Lyra novamente reforçando sua questão.

“Não.” Sussurrou Varen parecendo terrificado em dizer isso em voz alta.

“O que você deseja então?” Questionou ela.

“Me unir à Frota Estelar como um cientista.” Respondeu ele com uma convicção que surpreendeu a garota.

“A Frota Estelar?” Questionou ela sem conseguir esconder sua surpresa. “Isso é um desejo bastante concreto, mas deixar Vulcano é uma ideia tão...”

“Existem tantos outros mundos além de Vulcano! Tantos outros povos, outras visões, outras lógicas! Há tanto para se ver, eu desejo ser um explorador e passar minha vida tentando aprender tudo que minha mente puder absorver.”

O entusiasmo do menino era bastante evidente e T’Lyra podia se sentir sendo contaminada por ele. Ela esboçou um leve sorriso que fez o menino se sentir um pouco constrangido.

“Me perdoe, eu me deixei levar novamente pelas minhas emoções.” Disse ele apologeticamente.

“Eu acredito que você dará um melhor explorador do que um mestre Kolinahr.”

Os ombros de Varen caíram um pouco com essa declaração.

“Se tornar-se um explorador é seu destino, sua família terá que ver a lógica em sua escolha.”

Varen se manteve em silêncio por alguns segundos até que um pensamento passou por sua mente.

“Nossas famílias desejam que sejamos noivos.”

“Sim.” Concordou T’Lyra

“E o Kan-Telan ocorrerá logo após o amanhecer.”

“Precisamente.”

Varen a encarou com uma certa apreensão em seus olhos claros.

“Isso significa que no futuro seremos marido e mulher. Você gostaria de ser esposa de um Oficial da Frota Estelar?”

“Eu não entendo o motivo da pergunta.” Respondeu ela.

Varen mordeu os lábios antes de continuar.

“Eu não sei se serei um bom marido. Oficiais da Frota passam muito tempo, até anos fora de casa e quando voltam é apenas por poucas semanas. Meu tio-avô se uniu à Frota como médico há dez anos e ele só esteve em Vulcano uma única vez. Você ficaria sozinha em casa por muito tempo.”

“Quem disse que eu ficaria em casa?” Perguntou ela em um tom desafiador.

“O que você quer dizer”

“Eu poderia me juntar a Frota Estelar também.”

Varen a encarou surpreso.

“Eu achei que você não gostaria da ideia de deixar Vulcano.”

T’Lyra deu de ombros.

“Eu gosto de motores de dobra e de naves espaciais, por mais interessante que seja a frota vulcana, a Frota Estelar ainda tem o melhor e mais avançado em suas naves. Eu as considero... fascinantes.”

“Então você gosta de naves espaciais e eu gosto de exploração.” Declarou Varen alegremente. “Poderíamos nos tornar oficiais da Frota quando formos mais velho, talvez até poderíamos servir na mesma nave.”

T’Lyra concordou incapaz de conter um sorriso ao compartilhar tais sonhos infantis com seu mais novo amigo.

Amigo.

Era estranho que há poucas horas atrás ela o considerava indigno do esforço de seus pais para uni-los e agora ela estava sentindo uma grande afeição por esse garoto magricela com grandes olhos cinzentos.

A troca de planos entre as duas crianças não pode continuar por muito tempo, pois eles começaram a ouvir gritos chamando por seus nomes. A conversa entre eles os fez esquecer que estavam presos e perdidos dentro de um labirinto de cavernas. Era óbvio que as famílias de ambos iriam dar por falta de suas crianças, ainda mais aquelas que tinham uma importante cerimônia pela frente. Os dois ouviram o sermão de seus pais sobre a irresponsabilidade de ambos em total silêncio respeitoso e assim permaneceram durante todo o caminho para a casa. Mas agora havia um entendimento entre eles melhor do que qualquer ritual de ligação poderia fazer.

Mais tarde, na manhã seguinte eles estavam frente a frente no local cerimonial da família de Varen.

“Saudações a todos presentes.” Começou o sacerdote. “Nós nos reunimos nessas areias para a união de Varen e T’Lyra.”

O sacerdote se virou o pai de Varen.

“Sered, filho de Selek, filho de Sebuk, seu filho está na idade para a união?”

“Sim, ele está.” Respondeu Sered.

O sacerdote acenou e então se dirigiu ao pai de T’Lyra.

“Sethan, filho de Stola, filho de Sitok, sua filha está na idade para a união?”

“Sim, ela está.” Respondeu Sethan.

O sacerdote então fez sinal para que as crianças ficassem frente a frente.

“Varen, filho de Sered e T’Vora, você está pronto para a união?”

Varen respondeu olhando nos olhos castanhos de T’Lyra.

“Sim, eu estou.”

Se o velho sacerdote notou a troca de olhar entre as crianças, ele ignorou e se dirigiu para T’Lyra.

“T’Lyra, filha de Sethan e Mitrani, você está pronta para a união?”

“Sim, eu estou.” Respondeu ela com convicção.

Dito isso o velho vulcano tocou o rosto de cada criança com uma mão para estabelecer um vínculo mental e começou a dizer.

“Nossas mentes... são uma... unidas ...Tocando e ainda sem se tocar.... Separadas e nunca separadas”

“Tocando e ainda sem se tocar...” Repetiram as crianças em uníssono. “Separadas e nunca separadas...”

“... Nós somos um só”

O sacerdote quebrou o link e olhou com satisfação para as crianças e suas famílias.

“A união se sucedeu.” Anunciou ele e então se dirigiu para as crianças. “Quando o momento do Pon Farr chegar, vocês irão se reunir aqui novamente para o kun-ut kali-fi.”

As duas crianças concordaram com a cabeça ainda um pouco abaladas pela união mental.

“Paz e vida longa.” Disse o sacerdote erguendo a mão formando a Ta’al.

“Vida Longa e Próspera.” Responderam as crianças imitando o cumprimento com as mãos.

Nave Estelar USS T’Partha, Data Estelar 36011.14

 

“Oh! T’Lyra, eu sinto muito.”

Ela encarou os olhos inchados e avermelhados da Dra. Wolf com um leve interesse. Ela nunca havia visto alguém chorar além de crianças pequenas.

“Nós fizemos o possível, mas seus ferimentos eram muito extensos e ele perdeu muito sangue.”

Não fazia mais do que algumas horas desde que ela havia despertado após o acidente na engenharia. E tudo que ela podia pensar era como ela sentiu seu vínculo mental forjado há tantos anos simplesmente desaparecer.

Varen havia desaparecido.

E então ao perguntar sobre ele para uma Robin extremamente chorosa, ela recebeu a noticia.

Varen estava morto.

Atingido por um tiro de phaser em um planeta remoto, anos-luz longe de casa, de sua família, dos templos e dos sacerdotes. Nos braços de uma alienígena em uma missão qualquer.

Onde ele sempre desejou estar.

E agora ele estava morto.

Era estranho.

Era vazio.

“Eu sei que vocês eram bons amigos.” Disse Robin com a voz embargada.

“Vocês eram amigos.” Respondeu ela.

“Desculpe-me?” Perguntou a humana.

“Vocês eram amigos.” Repetiu ela. “Nós éramos noivos.”

Isso pegou a humana de surpresa, ela pode ver seus olhos se arregalarem com as palavras dela. Cada pequena emoção registrada com facilidade em seu rosto avermelhado de forma tão alienígena.

“E-ele... Varen nunca mencionou isso. Vocês nunca pareceram...”

“Nós fomos unidos durante a infância. Vulcanos unem suas crianças em um ritual chamado Kan-Telan. É algo menor que um casamento, mas maior que um noivado pelos padrões de seu mundo.”

Isso só serviu para fazer a humana chorar mais.

“Oh meu deus! T’Lyra, eu não sabia. Eu sinto tanto...”

“Sim, você já disse isso antes.” Respondeu ela duramente.

“T’Lyra?”

“Se não houver mais nada relevante a ser dito, eu gostaria de ser deixada sozinha para meditar um pouco.”

A humana a encarou em uma expressão que ela acreditava ser de choque por alguns instantes antes de concordar e sair caminhando, deixando-a sozinha com seus pensamentos.

E então só após ter certeza de que ela havia sido deixada completamente sozinha...

Que ela se permitiu chorar.

***

Às vezes o corpo sofre ferimentos tão extensos que bloquear a dor se torna a única defesa para seguir em frente.

Ele sabe que está destruído.

Não precisa da dor para ficar lembrando disso.

A dor é irrelevante.

Quando se está completamente arrasado.

“Dra. Wolf?”

Quem diria que o sofrimento intenso no final de tudo...

“Dra. Wolf?”

É indolor.

“Robin!”

Ao dar por si, Robin se viu frente a frente com o Capitão Sevel parado a encarando com as mãos nas costas.

“Sim, capitão?”

Sevel a encarou, demorando-se nos olhos avermelhados e na expressão desolada da médica.

“Dra. Wolf, eu vim receber o relatório médico sobre a última missão. Dr. Sakht comunicou que você quis se responsabilizar por isso.”

“Sim, senhor. Aqui está.” Respondeu ela lhe entregando um PAAD.

O capitão abriu o relatório e o leu por cima, parecia bastante aceitável e objetivo. Não era algo agradável de se colocar no diário da nave, uma missão de resgate terminar com três mortos e vários feridos. Ele podia notar o curativo que aparecia sob a manga da camisa da doutora. A forma como ela ilogicamente avançou sobre os disparos para socorrer seu amigo e ainda assim foi incapaz de salva-lo. Ele lembrou de seus colegas humanos da Academia, ele poderia dizer caso fosse um deles que essa missão estava sendo uma droga.

“Dra. Wolf, dada a atual situação, eu estou disposto a liberá-la de seus deveres por alguns dias. Eu entendo que o processo de luto pode ser emocionalmente desgastante...”

“Capitão, o senhor sabe o que disseram para minha turma no nosso primeiro dia na escola de Medicina?”

Sevel balançou a cabeça negativamente.

“Vocês irão entrar aqui humanos e irão sair médicos.” Respondeu ela.

O vulcano permaneceu em silêncio.

“Eu não tenho permissão de ser humana, senhor. Não depois de tudo o que aconteceu. Não na presente situação. Eu posso não ter passado por uma longa disciplina de controle emocional, mas eu sou uma médica. Temos que deixar alguns calos crescerem e endurecerem nossos corações. Eu perdi um amigo, meu melhor amigo e ele merecia todas as minhas lágrimas, ele merecia cada pequeno espaço da minha mente, porque ele era uma pessoa maravilhosa. Mas ele cometeu o erro de ser amigo de uma médica.”

Sevel se viu tendo suas palavras roubadas como ele sempre se sentia ao ouvir essa humana. Era estranho, mas ele não conseguia fazer nada além de respeita-la naquele momento. Ela era ilógica, impulsiva e tomava a permissão de falar livremente com um oficial superior. E ainda assim ele não podia deixar de admirar sua sabedoria inata e senso de dever. Características importantes para um vulcano e tão raras nos humanos que ele entrou em contato.

Bastante admirável.

“Eu entendo e respeito sua decisão, doutora Wolf. No presente momento preciso que cada oficial dessa nave dê o seu melhor face a situação que estamos enfrentando.”

Robin ia responder, mas o sinal do comunicador da enfermaria a interrompeu.

“Sakorn para enfermaria!”

“Dra. Wolf aqui.”

“Doutora, o capitão está aí?”

“Sim, comandante. Algum problema?”

“Alguns oficiais da Engenharia iniciaram um tumulto, alguns foram enviados para a prisão e temos vários feridos. Capitão, eu não sei como dizer isso, mas parece que uma espécie de surto atingiu os tripulantes, estou recebendo chamados de diversos desentendimentos e brigas por todos os deques.”

Sevel e Robin se entreolharam, eles sabiam muito bem o motivo desses surtos. Mas não se fazia a menor ideia do que estava causando isso. Os dados coletados do computador da instalação poderiam ajudar e eles não tinham mais tempo a perder.

“Eu acredito, Dra. Wolf que nesse momento nós precisamos mais do que nunca de uma médica.”

E ela não podia concordar mais.


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Notas finais do capítulo

Kan-Telan - É a cerimonia de união quando se cria um vinculo mental entre duas crianças que estão prometidas a se casar.

Pon Farr- Momento de se acasalar. Vulcanos a cada 7 anos experienciam uma função biológica que os força a se acasalarem, então quando o momento chega, eles se reunem com seus noivos e oficializam o casamento.

Kun-ut Kali-fi - Casamento ou desafio. Ao chegar o momento do Pon Farr o casal prometido durante a infância deve se reunir para a cerimonia do casamento. Mas caso a mulher não deseje mais se unir ao seu prometido, ela tem o direito de declaram o "Kali-fi" que é o desafio. Nesse caso ela irá escolher um campeão para defendê-la em uma luta até a morte contra o seu noivo. Caso o campeão vença, ela está livre. Caso perca, ela pertencerá ao seu noivo e ele decidirá se ainda deseja ou não se unir a ela.

Sehlat- Um animal nativo de Vulcano. É descrito como um urso gordo com presas gigantes.

Capitulo dramático para ligar as próximas partes da história. Sorry pelo drama.

Vejo vocês nos comentários.



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