O Último Reino Antes do Fim escrita por Cherry_hi


Capítulo 14
Ato 14 - A Hime e a Floresta do Silêncio


Notas iniciais do capítulo

Disclaimer: Sakura Cardcaptor e seus personagens pertencem ao CLAMP



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O Último Reino Antes do Fim

Escrito por: Cherry_hi

Ato 14 - A Hime e a Floresta do Silêncio

 

A Hime chorou até suas lágrimas secarem. Sentindo-se vazia e cansada, adormeceu num sono sem Vozes ou sonhos. Quando acordou, estranhou por alguns segundos onde estava e a pequena bola luminosa no teto que jorrava uma luz verde muito cálida. Glow com certeza fizera aquilo para que ela não acordasse no escuro. Ela sorriu ao pensar na sua pequena Conselheira.

Ainda sentia-se melancólica, mas também notava que algo muito pesado parecia ter ido embora junto com as lágrimas que derramara, deixando seu coração mais leve e sereno.  Não estava 100% ainda, mas com o tempo suas seriam minguadas ela reencontraria coragem.

Tudo estava muito quieto e ela via um brilho esverdeado por entre as vinhas do abrigo. Ela tentou encontrar alguma saída, mas não havia brecha nenhuma nos ramos entrelaçados. Olhou para si mesma e viu Sword pendurada em suas roupas. Sorriu e transformou o broche em espada.

Bom vê-la novamente bem, Hime-sama. — O fiel Conselheiro falou em seu coração.

— É bom estar bem, Sword. - Ela volveu, murmurando enquanto apertava suavemente o cabo da arma. - Embora não completamente.

— Vai passar. Confie em mim. — Ele retrucou e ela sentiu nas vibrações uma ligeira melancolia.

— Eu sei.

Depois disso ele ficou quieto e a Hime usou o Conselheiro para abrir um buraco nas vinhas. Viu que agora estava em um abrigo ainda maior, onde duas grandes bolas de luz verde iluminavam suavemente os corpos adormecidos de Flower, Glow, Watery e Kero.

— Hanako-chan.

Era Tomoyo, encostada na parede do abrigo, sorrindo e parecendo muito feliz de vê-la. A Hime foi até ela e sentou-se ao seu lado.

— Como você está? - Sussurrou, pegando na mão da moça.

— Estou bem. Acho que… precisava colocar pra fora. Tipo… tudo.

— Eu imagino.

— Como elas estão? - A Hime apontou com a cabeça para as três Conselheiras adormecidas.

— Preocupadas, mas bem. Glow-san chorou bastante, tadinha.

— Pobre Glow-chan. - A Hime olhou com carinho para a menina de cabelos claros. - É muita responsabilidade para uma criança.

— Assim como é para você, Hime-sama. - Tomoyo falou, franzindo a testa. Olhava fixamente para os cabelos de Watery, mas na verdade seus pensamentos pareciam estar longe dali. - Tão jovem e tão cheia de problemas. Me parece bem injusto.

— Talvez seja. Mas não há muito o que fazer. - A Hime sorriu com amargura. - Mesmo que pudesse escolher, não deixaria meu povo nas mãos de um usurpador nojento que só quer meus poderes.

— Mas não é justo que você tenha que lutar uma guerra tão nova. Aliás, que você tenha esse Reino tão nova!! - Tomoyo parecia indignada.

— Pelo o que eu sei, o Ou-sama morreu e eu assumi. Fim. Mas veja… eu não reclamo de ser a princesa deste Reino… só… é uma droga não lembrar de nada! - Ea apertou o cabo de Sword, desanimada. Depois, tirou a chave pendurada na corrente de dentro das vestes, olhando fixamente pra ela. - Por que ele quer tanto essa chave? E os Conselheiros?

— Talvez ele queria poder mágico.

— Mas ele me parece ser muito poderoso! Ele consegue controlar meus Conselheiros, criar soldados, prender uma cidade inteira… Pra que ele quer mais?

— Algumas pessoas não se conformam com o que tem. São ambiciosas demais. - Volveu Tomoyo, séria. - Talvez seja o caso dele. Ele quer mais do que já tem. E veio atrás de você… e da chave.

— Talvez você esteja certa… seja o que for, é mais uma pergunta que poderei fazer ao Ou-sama… - Repentinamente, ela estremeceu. - Só de pensar que vamos pra Kehasai por livre e espontânea vontade me enche de pavor!

— Infelizmente não posso te confortar muito. Até porque ninguém sabe o que realmente existe em Kehasai. - Tomoyo, de repente, tomou fôlego e cantou:

“Não vai ao Lugar Eterno

Mas do corpo a alma se esvai

Só há um lugar senão o inferno:

Dentro dos muros de Kehasai”

— Você canta bem, Tomoyo-chan!

— Obrigada.

— Mas… que música é essa?

— Se chama “A Canção do Fim”. No meu último ano na escola cantei com o coro numa apresentação.

— Que… fúnebre.

— O nosso professor de canto era meio estranho. E foi bastante difícil aprender essa canção. Ela é muito longa, demorou um tempão para todo mundo decorar a letra. Mas valeu a pena, foi bem bonita a apresentação. É uma das canções mais antigas de que se tem notícia.

— Deve ter sido mesmo uma apresentação maravilhosa! Gostaria de ter assistido.

— Obrigada. - Tomoyo agradeceu, sorrindo sem falsa modéstia. - Teria sido uma grande honra.

— Então… nunca ninguém foi lá? - A Hime retomou o assunto alguns segundos depois.

— Que eu saiba não.

— Mesmo alguém que… sei lá… perdeu alguém muito querido e não… aceitou a perda?

— É uma boa possibilidade, mas creio que nem assim. Até porque existem rituais no leito de morte para garantir que os espíritos possam ver a ponte para o Eien no Basho. E depois… tem a Floresta, né?

— Eu entendo que seres com poderes mágicos temam a Floresta do Silêncio, mas pessoas normais não deveriam ter problemas.

Tomoyo Hesitou muito brevemente, mas então falou:

— Como você esqueceu tudo, não se lembra da Floresta, mas ela é… traiçoeira.

— Em que sentido?

— No sentido de você ver e ouvir coisas que não deveriam existir.

— Tomoyo-chan, você está me deixando com medo.

— E também… - De repente, a morena olhou para as Conselheiras adormecidas, mordendo os lábios. - Tem uma coisa que ninguém te contou justamente para não te assustar.

— Tomoyo-chan… eu já estou assustada. E acho que mereço saber, não é?

— Bom… acho que você precisa estar preparada para tudo, certo? Então… a Floresta é cheia de Yōkai.

A Hime piscou, confusa,  para Tomoyo.

— Yōkai? O que é isso?

— Ah, claro… você não lembra… Bom… Yōkai são criaturas não humanas vindas em várias formas diferentes, com comportamentos não amigáveis, que protegem a Floresta contra invasores.

A Hime fechou os olhos longamente e deu um profundo suspiro. Tentando manter a voz mais calma possível, disse:

— São… monstros, Tomoyo-chan?

— É… pode se dizer que sim.

— Definitivamente, esse era um detalhe que eu deveria saber. - Gemeu, apertando o cabo da espada. - Sério mesmo, Sword? Vamos entrar numa Floresta cheia de monstros e ninguém me disse nada?!

Não queríamos assustá-la, Hime-sama.— O Conselheiro volveu, calmamente. - E sempre existe a chance de não encontrarmos nenhum pelo caminho. Eles são raramente vistos…

— Raramente vistos… sei…

Só o suficiente para assustar quem queira entrar na Floresta.

— Sword, essa mania de me esconder as coisas para me proteger ainda vai me causar muitos problemas. - Ela sentiu o Conselheiro querer falar mais algo, mas antes que isso acontecesse, o transformou em broche e o pendurou nas vestes.

— Eles tem boa intenção. - Tomoyo falou, conciliadora.

— Eu sei disso. Mas pense comigo: eles não me dizem nada e entro na Floresta de boa fé, preocupada apenas com os Fantasma de Kehasai e com fato de não poder usar magia. Então dou de cara com um Yoki…

— Yōkai.

— Isso. Yōkai, que seja. Dou de cara com um monstro gigante de três cabeças. Enquanto estiver me admirando e ficando apavorada com aquilo, ele vai me fazer de jantar. Não vai ser ótimo?!

— Duvido que Flower, Glow, Watery e Kero-chan deixarão você virar refeição de Yōkai.

— Sem poder usar magia, como você espera que eles façam isso?

 

 

A resposta para a pergunta da Hime veio no dia seguinte. Após todos acordarem, tomarem café e andarem um pouco menos de uma hora pela floresta de galhos secos. Repentinamente, o grupo se viu de frente com uma linha de árvores  frondosas e saudáveis, de copas altas, verdes e cheias de folhas e flores de cores vivas. Era contrastante até mesmo a terra batida da pequena viela que adentrava a floresta, de um marrom claro e uniforme, enquanto a da floresta seca era cinza, cheia de buracos e raízes saltadas. A estradinha seguia reta e se via os galhos das árvores formarem um túnel que se desbotava numa névoa branca e fina.

— Eis a Floresta do Silêncio. - Anunciou Flower, olhando para as árvores bonitas como se olhasse para uma poça de lavagem.

— Uau!! É bem diferente do que eu imaginava. - Comentou Kero, olhando de boca aberta.

— Não se impressione, Kerberus. - Watery falou, também olhando com desgosto. Ela tirou brevemente a mochila dos ombros e olhou para o resto do grupo. - Antes de entrarmos, temos que tomar algumas medidas para… Ficarmos mais seguros.

Flower fez alguns gestos e pulseiras de vinhas  surgiram no ar. Entregou uma para cada um, inclusive para o Kero.

— Se por um acaso nos perdermos, puxem essas pulseiras e saberei onde vocês estão. Mas evitem se separar do grupo, isto é só para qualquer emergência.

— Certo.

Assim que terminou de colocar a pulseira, a Hime sentiu Sword vibrar como broche.

— Quieto, Sword!

— Na verdade, Hime-sama, eu sei o que ele quer. - Falou Glow. - Como vamos ficar sem poder usar magia na Floresta, ele não pode ficar na forma de broche. Precisa estar em sua forma de espada para que você o use.

— A transformação em arma gasta tanta magia assim?

— Gasta o suficiente para ser perigoso tanto tanto para você como para ele se for necessário usá-lo lá dentro.

A Hime não respondeu e apenas transformou Sword em arma outra vez. Depois pegou sua mochila e vasculhou até encontrar o cinto da roupa que estava usando quando acordou no Abismo do Fim. Era o único que possuía um acessório específico para carregar a espada.

— E voltamos a como tudo começou… - Murmurou ela, amarrando o cinto no vestido.

De fato, Hime-sama.— O Conselheiro respondeu, seco. Provavelmente, ainda chateado pelo comportamento da Hime na noite anterior.

O cinto não encaixou bem com a roupa que ela estava usando e, embora a Hime não se importasse, aquilo era demais para Tomoyo. Em cinco minutos, com a ajuda de uma agulha e linha, ela acertou o problema.

— Bom, agora somos nós. - Disse Watery, suspirando. - Nossa, faz tanto tempo que não uso minha espada que nem sei se ainda sei manejá-la.

Ela fez um movimento e uma espada rapier surgiu no ar. A lâmina, embora muito fina e comprida, era de um metal azulado muito brilhante. A Conselheira da Água fez alguns movimentos muito ágeis e elegantes.

— Acho que dá pro gasto.

— Minha vez. - disse Flower.

Fez uma série de gestos com as mãos e um longo chicote, cheio de espinhos e com um cabo bem trabalhado cor de musgo surgiu do nada. Ela também fez uma série de movimentos, testando a arma. Então, num meneio floreado, ela enrolou a arma em sua cintura, como um cinto.

— Não sabia que vocês tinham armas. - Kero comentou, admirado.

— Nunca usamos porque simplesmente não precisamos. - Respondeu Watery, guardando a espada no cinto.

— Agora eu lembrei. - Falou a Hime, de repente. - Quando lutei contra Firey ele usou duas espadas curvas.

— Isso. Todos os Conselheiros são especialista em pelo menos uma arma. Para… eventualidades…

— Tipo quando vamos entrar na Floresta do Silêncio e corrermos o risco de topar com um Yōkai cheio de dentes, não? - Perguntou a Hime, cheia de sarcasmo, vendo com certa diversão as bocas das três Conselheiras se abrirem sincronizadas em espanto.

— Você lembrou dos Yōkai?? - Perguntou Glow, assombrada.

— Não, Tomoyo me contou. E nem pensem em repreendê-la por ter me contado a verdade! O que vocês estavam pensando???

— Bom… não queríamos alarmá-la… - Comentou Glow, sem jeito. - E há uma boa chance de não encontrarmos nenhum pelo caminho.

— Só não queríamos preocupá-la. - Flower complementou, com suavidade.

— Entendo, mas eu preciso estar preparada. Pelo menos agora, se por um acaso nós encontrarmos um enorme monstro de vinte cabeças eu não vou perder segundos valiosos confusa e assustada!

— Pedimos desculpas, Hime-sama. - Glow parecia a ponto de chorar e, mesmo contra sua vontade, a Hime sentiu sua raiva passar.

— Só… não me escondam mais nada… tudo bem? - As três balançaram a cabeça. afirmativamente. Então, ela se virou para Tomoyo - Tomoyo-chan, imagino que você não saiba manejar alguma arma… ou sabe?

— Eu até fiz algumas aulas de arco e flecha na escola. - Respondeu a moça, pensativa. - Infelizmente, não pensei nisso antes ou teria pego algum de Seitomura ou comprado em Ichigo. Mas… - Ela foi até Flower e tirou da mochila dela uma frigideira, sorrindo. - A gente sempre pode improvisar. Você se importa?

— Claro que não, querida. - Volveu Flower. - É bom para emergências, mas tente ficar fora do caminho caso haja alguma luta.

— Certo.

— Então podemos ir? - Perguntou Kero.

— Calma… falta Glow… - Watery parou de falar, hesitante. - Ou talvez…

— Não! Eu vou fazer! - A Conselheira do brilho respondeu, com firmeza.

— Tem certeza? Podemos tomar conta de você, Tomoyo e da Hime. Damos conta. - Flower ainda tentou argumentar, mas Glow pareceu um tanto ofendida.

— Mas nem pensar! Me sentiria a pior das pessoas se num momento de necessidade eu não conseguisse ajudar a nossa Hime! - Retorquiu a Conselheira do Brilho, determinada.

— Do que vocês estão falando? - Kero indagou, confuso.

— Você vai ver… - Respondeu Watery, parecendo resignada.

Glow se concentrou e um brilho branco surgiu em sua frente. Primeiro do tamanho de uma faca, depois foi crescendo até o tamanho da rapier de Watery e foi ficando maior, com uma das pontas saliente e curva. Ficou maior e maior… até parar de brilhar revelar uma enorme foice de cabo prateado e lâmina branca comprida e curva.

— A sua arma, de todas… é uma foice?! - Perguntou Tomoyo, admirada.

Glow pegou a arma com habilidade, mas todos viram claramente que ela fazia esforço para segurá-la. Parecia muito pesada. Ela prendeu a foice em suas costas. A lâmina ficou a uns bons 30 centímetros acima de sua cabeça. Olhou determinada para o resto do grupo.

— Podemos ir agora. - E seu tom dizia claramente que não iria mudar de ideia.

— Então vamos… - Flower chegou a dar um passo em direção da Floresta do Silêncio, mas hesitou e voltou-se para a Hime. - Hime-sama, não se preocupe se você se sentir estranha aí dentro. É… normal. Mas se você se sentir muito cansada, diga e iremos parar imediatamente… está bem?

— Certo. E o mesmo vale para todos vocês… - Ela demorou o olhar em Glow um pouquinho mais do que nos outros.

— Sim… - Flower voltou-se para a Floresta e então hesitou, mas então disse, ligeiramente irritada, mais para si mesma do que para os outros: - Vamos acabar logo com isso!

Com passos firmes adentrou na Floresta do Silêncio, mas não havia nem se deslocado um metro adentro da proteção das árvores frondosas e eles viram a moça claramente se curvar como se tivessem colocado um enorme fardo em suas costas. O mesmo aconteceu com Glow e em seguida com Watery, que chegou a se apoiar em um tronco de árvore.

— É tão ruim assim? - Perguntou Kero para Hime, receoso.

Eles tiveram a resposta assim que também entraram na Floresta. Primeiro, veio uma sensação de estarem atravessando uma finíssima cortina de água fria no limiar das árvores secas e então, sentiram uma força invisível extremamente poderosa parecer puxar algo de dentro deles, lá do âmago. A Hime tentou resistir, mas era muito mais forte que ela e, então, ela sentiu como se a tivessem despido de uma pele imaterial que a deixou fraca e com muito frio. Ela caiu de joelhos na terra.

— Hime… sama… - Watery tentou ajudá-la, mas ela também estava sentindo os efeitos da Floresta. Em seguida, ela virou para o lado e vomitou todo o café da manhã.

— Hanako-chan! - Tomoyo correu até ela, preocupada. As mãos da morena pareciam quentes como fogo - Pelos Céus, você está fria… e pálida como um fantasma!!

— É… normal, Tomoyo-chan. - Replicou Flower, cambaleando até Watery para ajudá-la. - Imagino que para a Hime e Kerberus deva ser pior pois não se lembram dessa sensação. E imagino que você esteja se sentindo completamente normal.

— Sim, estou bem… Embora… - Ela olhou em volta, ansiosa - Fisicamente eu estou bem, mas esse lugar é estranho.

— Sim, eu sei… - Glow também se encostou numa árvore, também bastante pálida. - Precisamos nos acostumar com a sensação primeiro…

— Vamos… procurar um lugar escondido… para… descansar. - Gemeu a Conselheira das Flores, sustentando Watery pelos ombros.

— Sword? Você está bem?

A Hime colocou a mão no cabo da espada e não obteve resposta. Nenhuma vibração sequer.

— Sword??? Fala comigo! SWORD!

— Calma, Hime-sama. - Glow pediu, indo até a Hime com dificuldade. - Ele está bem, tenho certeza. Está apenas se poupando caso surja alguma necessidade.

Então, para alívio da Hime, ela sentiu uma vibração muito fraca e rápida, que foi o suficiente para acalmá-la.

Tomoyo ajudou a Hime a se levantar. Kero nem conseguia falar nada, respirando muito forte e com as asinhas murchas, seu corpinho amarelo bem mais desbotado que o normal. A morena pegou-o e colocou-o dentro do bolsão do avental que usava.

Andaram por uns cinco minutos até encontrarem um espaço entre as árvores, fora da estradinha principal, onde se sentaram encostados nos troncos das árvores. Tomoyo ficou indo de um lado para o outro por um bom tempo, vendo se todo mundo estava bem e se precisavam de ajuda. Para a Hime, foram longos minutos em que ficou com a cabeça enterrada entre os joelhos. A Sensação era muito similar a que sentira quando se escondera no depósito em Seitomura após usar sua magia exaustivamente, mas ali era muito pior. Era como se tivessem arrancado uma perna sua e ela não sabia muito bem como se equilibrar sem o membro.

— Você está bem? - Tomoyo preocupada, sentando-se a seu lado.

— Sim… - Ela colocou uma das mãos sobre os olhos. E então falou um pouco mais alto. - Agora entendi porque ninguém entra nessa Floresta!

— Daqui a pouco nos iremos nos acostumar com a sensação e vai ser… bem… menos desagradável. - Falou Flower, quase num sussurro.

Depois de quase duas horas é que finalmente a situação se tornou suportável e a Hime conseguiu ficar em pé sem ajuda e sem se apoiar, embora ainda se sentisse fraca e cansada. Kero inclusive se arriscou a voar, mas não levantou nem um centímetro do chão e Tomoyo gentilmente o colocou sentado em seu ombro.

— Temos que continuar. - Falou Flower, com cara de quem vai vomitar a qualquer momento, embora tentasse manter-se firme. - Quantos mais demorarmos aqui, mais demoraremos a sair da Floresta.

Voltaram pela estradinha principal e continuaram. Ninguém falava, ainda sob os efeitos daquele lugar. Como Tomoyo falara, era um lugar estranho. Visualmente, era muito bonita, com suas árvores cheias de flores e frutos. Em alguns pontos, o chão ficava colorido de folhas e pétalas das mais diversas cores. A estradinha, em certo ponto, contornava um lago cuja água era muito clara e azul, onde pequenos peixinhos cintilantes nadavam e faziam suas escamas faiscarem como pedras preciosas. Uma brisa leve fazia as folhas se soltarem e caírem como plumas por cima da estrada e das plantas mais baixas.

Mas, ao mesmo tempo em que a natureza parecia intacta, havia qualquer coisa de artificial. Talvez fossem as cores que, embora fosse os verdes, vermelhos, amarelos e rosas de um arvoredo saudável… era tudo muito colorido! O verde saltava, de várias tonalidades, do verde musgo ao verde limão; o vermelho chegava a doer nos olhos, o roxo pulsava das pétalas das flores… era demais.

E havia o som. Quando ouvira o nome “Floresta do Silêncio” a Hime pensara que era porque não havia barulho algum e até chegara a pensar que ali ficariam mudos. Contudo, ouvia-se o farfalhar das folhas e o gorgolejar da água… e ouvia-se sons de criaturas invisíveis que trinavam, rosnavam, bravejavam, correndo e pisoteando a mata ao redor. Mas esses ruídos, tão comuns a uma floresta, também pareciam forçados e tinham o poder de fazer os pelos da nuca da Hime se arrepiarem.

— Como detesto este lugar! - Watery exclamou de repente. Embora falasse sem gritar, sua voz pareceu ecoar por toda a extensão da Floresta. Ela voltou a falar, mas desta vez num tom de voz bem mais baixo. - Floresta esquisita.

— Quantas vezes você já veio aqui? - Perguntou Tomoyo, quase num sussurro.

— Essa é a terceira. Nas duas vezes que vim foi porque tentaram entrar aqui e se perderam. Aí tive que bancar o detetive.

— Para quê alguém entraria de livre e espontânea vontade aqui? - Perguntou Kero, parecendo enjoado.

— São tantos as razões. Adolescentes fazendo apostas, homens ambiciosos querendo um pedaço de terra de graça… pessoas que perderam seus entes queridos desesperadas ao ponto de quererem alcançar Kehasai. Nas duas vezes que fui chamada foi por causa desse último motivo.

— E você achou essas pessoas? - Tomoyo voltou a perguntar, num sussurro ainda mais baixo. Watery olhou longamente para ela antes de responder:

— Achei uma delas. Quase se afogando naquele lago pelo qual nós passamos ainda a pouco. A outra está desaparecida até hoje.

— Então as pessoas que entram aqui não são muito inteligentes. - Falou a Hime.

— E isso faz de nós o que? - A Conselheira da Água perguntou, ironicamente.

— Eu imagino que depois que Phobos usurpou o trono deve ter ficado muito pior. - Disse Flower, franzindo a testa delicada

— Por que você diz isso? - Questionou Tomoyo.

— Porque este é o único pedaço de terra que se manteve intacto depois que tudo aconteceu. Justamente porque a magia não funciona aqui os efeitos dos dias claros, do ar seco e da falta de água não se propagaram.

— Quer dizer que o resto do Reino era tão bonito quanto essa Floresta antes de Phobos? - Kero estava estarrecido.

— Sim. Talvez um pouco menos colorido, mas assim, saudável e vivo. Para quem mora nos vilarejos ao redor deve ser sedutor tentar a sorte por estas bandas. Tem comida e água e, de certa forma, é mais seguro aqui do que lá fora, a mercê da magia de Phobos e seus seguidores.

— Isso me lembra que eu vi um monte de cartazes de pessoas desaparecidas em Ichigo. - Glow falou, parecendo triste. - Até achei que fosse por causa dos soldados e porque as pessoas estavam indo tentar a sorte em cidades maiores, mas… pode ser que tenham vindo para cá.

Depois disso, ninguém sentiu muita vontade de falar, até a hora do almoço. Talvez fosse somente cansaço ou talvez eles estivessem de alguma forma tentando compensar a falta de poderes mágicos, mas Kero e as Conselheiras comeram praticamente o dobro do que normalmente comiam em uma refeição. Felizmente, haviam muitas árvores de frutas comestíveis e o grupo comeu morangos e maçãs a vontade. As bochechas de Glow até voltaram a ficar mais rosadinhas e todos pareciam mais animados quando seguiram viagem.

A cada hora que passava, mais se acostumavam com a sensação de estar sem magia e com a floresta em si. A Hime até começava a admirar as flores coloridas e as formas das copas das árvores, os intrincados desenhos dos galhos, as formas das folhas e os cogumelos de chapéus vermelhos pintalgados com manchinhas brancas. Mesmo assim, havia qualquer coisa naquele lugar que não deixava ela relaxar completamente, fazendo com que sua mão estivesse constantemente no cabo de Sword.

Depois de um tempo, notou que Tomoyo de vez em quando virava-se para trás, passando os olhos inquietos pelas fileiras de árvores.

— O que houve, Tomoyo-chan? - Perguntou, curiosa.

— Eu não... sei. - Ela parecia insegura. - Eu… estou com a sensação de estar sendo seguida.

Watery, Glow e Flower pararam, preocupadas.

— Por que você diz isso? - A Conselheira das Flores perguntou, olhando desconfiada ao seu redor.

— Olha… eu não vi e ouvi nada… é só uma sensação esquisita… - Ela deu uma risadinha nervosa. - Eu não tenho magia, deve ser só… uma impressão ruim.

— Tomoyo-chan, hoje e nos próximos dias somos todos nós seres sem magia. - Volveu Glow, colocando a mão no ombro da moça. - Não se subestime.

— Sim… e acho que você, sendo bastante observadora, deve ter percebido algo inconscientemente. - Watery completou.

— Um Yōkai? - Perguntou a Hime, nervosa.

— Talvez sim, talvez não. De qualquer forma, devemos ficar atentos. Não queremos ser pegos de surpresa, seja lá pelo que for.

 

 

Algumas horas depois, quando dia começava a ceder lugar espaço para a noite, eles pararam para descansar. Acharam um pedaço de floresta com árvores mais espaçadas e começaram a preparação para passar a noite. A Hime, Tomoyo e Watery foram atrás de gravetos para fazer uma fogueira enquanto Glow e Flower começavam os preparativos para o jantar, catando frutas para complementar a refeição. Quando voltaram, Tomoyo teve a excelente ideia de montarem alarmes ao redor do acampamento. Utilizaram um novelo de lã preto da morena e alguns guizos que ela usavam em suas roupas. Acabou sendo uma ideia bastante eficiente.

— Agora… - Falou Flower, após Kero devorar a última pêra. Todos pararam de conversar para prestar atenção nela. - Temos que decidir nossos turnos de vigília. Sugiro nós dormirmos oito horas, visto que estamos bastante cansados por causa da Floresta e da caminhada. Vamos tomar 4 turnos de duas horas.

— É uma boa ideia. - Concordou a Hime - Eu fico com o primeiro tur-

— Não, Hime-sama. - Watery cortou a Hime e antes que ela pudesse reclamar, concluiu: - Você ainda está se recuperando de Seitomura e não está acostumada com a Floresta. Precisa descansar mais. O mesmo vale para o Kerberus.

— Por favor, não discuta com a gente. - Pediu Flower, com meiguice. - sabemos do que é capaz e sei que não quer que nos excedemos, mas eu, Glow, Watery e Tomoyo podemos dar conta disso. Você não se importa, não é, querida? - Perguntou, virando-se para a moça morena, que sorriu.

— Lógico que não. Será uma honra.

— Mas…

— Nada de “mas”, mocinha! - Ralhou Tomoyo, embora risse. - Quando você tiver melhor, prometo que deixaremos você ficar vigiando a noite inteira, se quiser.

— Olha, uma noite inteira eu acho que é demais, mas eu aceito essas condições tiranas… hoje. - Ela viu as quatro companheiras rolarem os olhos.

 

 

—Glow-chan…  - Flower sacudiu delicadamente o ombro da garota, que dormia profundamente.  - Glow-chan… É o seu turno. Hora de acordar…

— Huuuum… Mas já? - Respondeu a menina, ainda grogue de sono.

— O tempo passa bem rápido quando a gente dorme.

A garota deu um enorme bocejo e Flower a imitou.

—Nossa, não reparei que estava tão cansada. Acho que dormir assim que deitar. - Ela olhou para Glow, que esfregava os olhos com força. - Você vai conseguir ficar acordada?

— Claro que vou!!! - Respondeu a Conselheira do Brilho, ligeiramente indignada. - Não me subestime só porque sou criança!

— Claro que confiamos em você, meu bem. - Flower sorriu, meiga. - Não esqueça de acordar Tomoyo-chan daqui a duas horas.

— Farei isso. Fique sossegada.

Flower foi para o seu canto e deitou-se. Em questão de minutos, dormia profundamente como os outros e Glow ficou só, no silêncio da Floresta, apenas com a luz da fogueira lhe fazendo companhia. Bocejou outra vez, sentindo os olhos pesarem. Estava tendo um sonho muito bom, onde haviam fadas em uma floresta muito parecida com aquela. Queria muito fechar os olhos e voltar a sonhar, mas sabia que estavam contando com ela, principalmente a Hime. Olhou para a moça de olhos verdes, sentindo orgulho de ser Conselheira de uma pessoa tão corajosa e boa. Isso reforçou seu desejo de permanecer acordada.

Começou a murmurar uma canção inventada sobre fadas e bruxas, batendo os pés delicadamente no terra e batendo uma das mãos no joelho, tentando espantar o sono. Inventou uma confraria dos pequenos seres alados, entoando na sua cabeça uma balada épica de como eles se juntaram às bruxas para derrotar os dragões da Floresta Encantada. Mas, depois de derrotarem os seres cuspidores de fogo, um grupo de bruxas virou-se contra as outras para tomar o poder da Rainha Bruxa, colocando-a para dormir. A única maneira de acordá-la seria molhando seus olhos com as águas mágicas do lago das sereias e…

— Glow.

A Conselheira tomou um susto enorme ao ouvir aquela voz rouca e baixa como um sapo lhe chamando. Só não gritou porque tapou a boca com as mãos. Ficou vermelha até a raiz dos cabelos ao ver Watery lhe olhando de mal humor.

— Será que você pode cantar mais baixo?

— Desculpa, Watery… - Ela pediu, num fiapinho de voz envergonhado.

A Conselheira da Água resmungou algo ininteligível e virou-se para o lado, ressonando segundos depois. Mas ela havia quebrado a magia e ainda podia sentir suas bochechas queimando. Ficou olhando para o fogo, sem graça, pensando que pelo menos o susto que tomara a acordara de vez.

Demorou algum tempo para perceber que havia algo além do fogo na fogueira. Um ponto brilhante, meio dourado, meio prateado, que piscava entre as chamas que lambiam os gravetos. Era menor ainda que o tamanho que ficava quando assumia sua forma original e podia facilmente ser confundido com uma ilusão ótica ou mesmo parte do fogo.Contudo ela não seria enganada, sendo uma especialista em luz. Aquilo dava voltas no fogo, como um inseto atraído pela lamparina, com consciência. Mas não vira uma viva alma naquela floresta, a não ser os peixinhos no lago. O que era aquilo?

Ela se levantou com toda a cautela e se aproximou, passo a passo, do fogo. A bolinha luminosa ainda dançava entre as chamas, piscando alegremente. Glow se aproximou até sentir o calor da fogueira queimando sua pele. Era um bicho? Ou estaria sonhando com fadas ainda? Ou aquilo era uma armadilha?! Ou…?

Repentinamente, um clarão piscou e iluminou as árvores, os corpos adormecidos e o chão com uma luz dourada. Tão rápido como veio, a escuridão voltou a reinar e Glow se ergueu. A bolinha de luz finalmente saiu de dentro do fogo e ficou na altura dos olhos da Conselheira, refletindo uma luminosidade dourada em seus olhos claros. A luz se moveu, em direção a floresta e Glow a seguiu.

A mente da menina parecia estar cheia de algodão, que embotava seus pensamentos. Sabia que não deveria seguir aquela coisa, sabia que tinha que falar ou mesmo gritar pedindo por ajuda, sabia que tinha que estar sentindo medo do que estava acontecendo… Mas apenas continuou seguindo a misteriosa luz floresta adentro, devagar e silenciosamente. Percebeu que deixara sua foice encostada na árvore. Percebeu que estava chegando ponto dos alarmes e teve a presença de espírito de passar com cuidado pelo barbante, embora soubesse que tinha que fazer um estardalhaço.

Ela andou pela floresta escura, com aquela luz em seus olhos, por um longo tempo. Desviava-se das árvores com alguma dificuldade, às vezes esbarrando nos troncos e galhos. Em algum momento sentiu uma dor aguda abaixo do joelho esquerdo onde um galho mais afiado raspara. Mas continuou a andar, sempre em frente, sempre seguindo a luz.

Seus pés toparam em algo duro e comprido no chão, mas ela apenas passou por cima. Segundos depois, sentiu que pisava em outro objeto parecido. Depois mais outro e mais outro…. O chão agora estava coalhado daquelas objetos que faziam um som oco sob seus sapatos. Até que um de seus pés se enroscou naquelas coisas e ela caiu no chão. A luz dourada se agitou diante dela, piscando rápido como se furiosa por aquele descuido, forçando-a a se levantar. E ela pode vislumbrar o reflexo branco brilhante de dezenas ou centenas de coisas lisas, compridas…

Ela continuou a andar, sentindo um desespero crescente se entremear na mente embotada. Seus passos começaram a ecoar, fazendo-a perceber que estava entrando num espaço fechado, possivelmente uma caverna. Ela sentiu o chão inclinar para baixo e, embora tentasse descer devagar e com cuidado, ela escorregou em algo molhado e rolou pela superfície úmida dura. Quando finalmente parou, estatelada no chão, a luz dourada havia sumido… e ela finalmente sentiu o medo que deveria sentir. Tremendo, ela levantou do chão, sentindo o arranhão fisgar abaixo do joelho. Sua respiração se tornou mais forte e rápida, sentindo as lágrimas embaçarem seus olhos. Ela tentou se acalmar, decidindo se deveria ou não acender uma de luz naquela escuridão, gastando o que não tinha de sua magia. Antes que pudesse se decidir, ela viu uma luz muito longe, fazendo sombra num dos cantos da caverna. Parecia uma tocha ou vela, pelo que podia ver. Ficou parada algum tempo, sem saber o que fazer. A luz foi se aproximando, se aproximando, iluminando as paredes rochosas com uma luz laranja oscilante, fazendo Glow dar um passo para trás…

Uma mulher surgiu segurando uma vela. Era muito magra, vestida com um quimono simples e com os cabelos pretos lisos soltos. Seus olhos eram negros e bondosos. Ela sorriu para a garota, dizendo:

— O que está fazendo aqui, querida?

— Eu… eu… - Ela engoliu em seco e tentou ser mais prolixa: - Eu… segui uma luz… dourada… e vim… parar aqui.

— Ah, não… outra vez não… - A estranha lamentou.

— Outra vez o... que?

—  O Hitodama.

— O que… é isso? Um… Yōkai?

— Sim. Um espírito que ficou preso aqui entre o nosso mundo e Kehasai. Ele não se conformou e acabou se tornando um espírito ruim, atraindo inocentes para a Floresta. É como dizem: “a maldição de um se torna a maldição de outro”. Por isso é perigoso ficar sozinho por aqui.

— Ah… mas eu…

— O que, querida?

Glow pensou melhor e se calou. Era melhor deixar aquela estranha acreditar que entrara sozinha na floresta.

— Nada… eu… desculpe perguntar, mas o que você faz aqui?

— Ah, eu moro perto daqui. Estamos numa caverna relativamente perto de Ichigo. Achei que havia escutado um barulho e vim investigar.

— Mas… você mora na Floresta? Você mesma não disse que é… perigoso?

— Se você souber onde ficar, é seguro. Venha, vou levar você para casa.

— Não… eu… se você me emprestar uma vela, eu consigo achar o caminho de volta.

— Oh, não querida. É muito perigoso para uma criança andar sozinha por aí no meio da madrugada. Vamos até a minha casa aí você dorme e pela manhã poderá voltar. Não é melhor?

— Hã…

Glow pensou… Sua maior preocupação era ter deixado a Hime sozinha. Pensou em puxar a pulseira de Flower, mas tinha a impressão que a mulher não a deixaria sozinha e também não ficaria ali com ela, então de nada adiantaria. Mas também não queria que aquela mulher visse a Hime ou os outros. Mesmo ela morando fora da cidade, o que a impediria de contar a outras pessoas que vira um grupo de pessoas na Floresta do Silêncio? poderiam surgir fofocas e Phobos poderia se interessar, mandar soldados. Formulou então um plano: iria com a mulher até a casa dela então pegaria uma vela ou lamparina e fugiria, tentando encontrar o caminho de volta. Caso não conseguisse, procuraria um lugar seguro e puxaria a pulseira. Era a melhor coisa que conseguiu pensar.

Então, apenas balançou afirmativamente a cabeça para mulher, que sorriu bondosamente.

— Vamos por aqui então.

Ela liderou o caminho, com Glow a seguindo bem de perto.

— Qual é o seu nome, querida? - A mulher perguntou após algum tempo

— Hotaru. E o seu?

— Pode me chamar de Futamori, Hotaru-chan.

— Obrigada, Futamori-san.

— O que você estava fazendo na Floresta?

— Hã, eu… estava com meus pais, viajando para Nakano. Entrei aqui para pegar frutas… e acabei me perdendo.

Ela viu a mulher balançar a cabeça.

— Devem estar fugindo das cidades ao Sul, tomada pelos soldados daquele maldito usurpador.

— É isso mesmo. Tenho um tio que mora em Nakano. - Glow estava impressionada com seu próprio poder de improvisação.

— Lamento dizer, mas Nakano também não é uma boa cidade para se viver.

— Mas acho que deve ser melhor do que com aqueles soldados esquisitos.

— Talvez.

Depois disso, caíram em um silêncio. Glow olhava para os lados, tentando decorar o caminho por onde estava indo, embora fosse difícil, com a vela lançando uma parca luz nas muitas árvores iguais da floresta. Sabia que estava bem longe do acampamento. Havia perdido a noção do tempo enquanto seguia o Hitodama, mas calculou que andara de meia a uma hora antes de finalmente retomar o controle. Estava preocupada com a Hime, mas tinha fé que os alarmes ao redor do acampamento as acordariam caso algo acontecesse. No momento, o que precisava fazer era dar um jeito de marcar o caminho por onde viera.

Foi então que notou que estava faltando um pedaço da sua saia. Deve ter se prendido em uma das árvores e rasgado. Então, começou a discretamente tirar pedaços da saia e deixá-los pelo caminho, para saber por onde voltar.

Havia deixado 4 pedaços pelo caminho quando avistou os contornos de um casebre muito pequeno.

— Entre, Hotaru-chan. É pequeno, mas aconchegante. - Futamori largou a vela em cima de uma mesinha. - Gostaria de beber ou comer algo?

— Não… estou bem.

— Certo… vou pegar uns lençóis para você no outro quarto. Fique a vontade.

— Obrigada.

A mulher saiu por uma porta - a única que havia no lugar além da entrada - e Glow aproveitou para olhar ao redor, a procura de qualquer coisa que a auxiliasse a voltar. Era um lugar muito pequeno, com uma mesinha, cadeira de madeira simples e um armário, além do pequeno fogão improvisado. Glow foi até a vela que a mulher havia deixado na mesa, mas percebeu que ela estava quase no fim. Não duraria mais que alguns minutos. Cheia de remorso, ela abriu o armário para procurar outra vela. Contudo, não havia nada ali, além de uma pêra velha e murcha, tão estragada que nem mais fedia. Glow estranhou aquilo. Ela tinha acabado de oferecer comida a ela, mas não havia nada a vista que fosse comestível. Pensou que talvez houvesse outro lugar que ela guardasse as provisões, mas na sala não tinha espaço.

Repentinamente, notou que o chão estava muito empoeirado e sujo com com muitas folhas secas. Passou o dedo pela superfície da mesa e viu que estava preta de fuligem e pó. Aquele lugar parecia há muito tempo abandonado, não havia nada que indicasse que alguém morasse ali há muito tempo…

Achou que escutou um gemido muito baixo vindo da porta por onde a mulher havia saído, que estava encostada. Ela se aproximou muito devagar…

— Por favor… não faça isso. - Dizia Futamori, numa voz chorosa.

— Carne… fresca… - Respondeu uma voz gelada e rouca, que fez os pelos da nuca de Glow se arrepiarem.

— Ela é… só uma criança…

— É… comida… estou… faminta…

— Por favor…

Com o coração batendo muito rápido, no peito, ela tentou olhar pela fresta da porta, mas só conseguia ver parte do quimono da mulher. Muito, mas muito devagar, ela encostou na porta para abrí-la um pouco mais… e ela rangeu, mas não antes de Glow vislumbrar Futamori. A mulher a encarou de volta, parecendo apavorada e  parecia não haver mais ninguém ali.

— Pegue… a garota… - Falou a voz fria, autoritária, vinda de lugar nenhum.

Glow não ficou pra saber. Correu pela pequena sala, tropeçando na cadeira até a porta da saída… Sentiu alguém lhe puxar pelo braço e gritou. Futamori a olhava com um misto de terror e tristeza.

— Eu… s-sinto muito… eu… AAAAH!!!

Glow conseguiu chutá-la nas pernas com força suficiente para que ela a largasse, abriu a porta e saiu correndo, as cegas, de volta para a escuridão da floresta. Entretanto, antes que conseguisse se afastar daquele lugar sentiu algo se enrolar na sua perna e ela caiu com força no chão. Em seguida, sentiu essa coisa a arrastar de volta para o casebre. Ela tentou cravar os dedos na terra, mas outra coisa se amarrou ao seu braço direito. Depois, a sua outra perna, arrastando-a pelo chão mais rápido e violentamente. Quando ela tentou se livrar da coisa que a segurava pelo braço, percebeu que era um emaranhado de fios negros e grossos como…

Ela foi erguida no ar. Viu Futamori em pé, com o rosto banhado de lágrimas, mas numa expressão quase resignada. Da parte de trás de sua cabeça, seus cabelos, muito mais compridos do que antes, formavam as grossas amarras que a sustentavam e Glow guinchou de horror. Mas aquilo não era o pior.

Ela foi erguida até ficar de costas para Futamori, de cabeça pra baixo, impossibilitada de se mexer. Quando tentou usar a mão livre para tentar se libertar ou ao menos arrancar a pulseira de Flower, outro pedaço de cabelo amarrou a mão restante e a puxou para longe, fazendo seus cotovelos e ombros doerem.

— Comida… - Falou a voz fria e Glow percebeu que vinha de trás da cabeça de Futamori.

— Por favor… não… - Ainda pediu a mulher.

— Quieta, sua inútil!! Carne fresca…

Naquele momento Glow finalmente viu quem era o dono daquela voz medonha. Uma linha de cabelos se abriu, quase na junção entre o crânio e a nuca e uma linha horizontal surgiu e se esticou. demorou alguns segundos para perceber que era uma enorme boca que se escancarava, cheia de dentes afiados, amarelos e sujos pingando gosma pegajosa. Uma língua enorme e viscosa saiu de dentro da bocarra que se abria cada vez mais, revelando um buraco escuro de carne fétido. Então os cabelos puxaram a garota para perto da boca, numa velocidade vertiginosa e tudo que Glow pode fazer foi soltar um grito agudo de puro terror…

 

(continua)


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Notas finais do capítulo

E é isso, meu povo! Acho que deixei vocês SÓ UM POUQUINHO apreensivos, não? >:3

Uma observação curiosa: A Floresta do Silêncio é um lugar que existe no mundo CLAMP. No mangá Magic Knights Rayearth é um lugar que as guerreiras mágicas vão buscar um mineral para fazer as armas delas. Sempre achei foda o conceito e quis usar na fic, fazendo algumas modificações aqui e ali pra encaixar com a história. :)

Alguns avisos que preciso dar pra vocês: Agora em dezembro estou me mudando. Está uma correria só e entre finais de semana pintando apartamento e semanas cheias no serviço estou com pouquíssimo tempo para escrever. E admito também que, devido ao meu recente vício em Doctor Who, estou usando cada brechinha de tempo para assistir o máximo de capítulos possível. Pra vcs terem uma noção, eu baixo os capítulos pro meu celular e assisto como uma pobre coitada no metrô, no ônibus, na fila do banco, comendo sanduíche. Tá phoda! ‘-’

Eu espero que no recesso de natal, apesar da mudança, eu consiga sentar um pouco minha bunda na frente de um computador ou tablet pra poder escrever. O que quero dizer com isso tudo é: infelizmente, não tenho previsão para o próximo capítulo. Não quero prometer nada porque tá ficando ridículo isso de prometer uma coisa e fazer outra por causa de imprevistos. Eu quero muito dar um presente de natal e ano novo pra vocês em forma de Ato 15, mas não sei se será possível. Por favor, tenham a paciência que vocês sempre tiveram comigo e confiem. Juro para vocês (e isso eu consigo jurar fácil) que o arco da Floresta do Silêncio + Kehasai vai ser muito bom e cheio de revelações.

Ficam aqui meus agradecimentos de sempre a todos os meus leitores que dedicam um tempinho do dia pra ler a minha fic. Especialmente a Tsubasa Valdez pelo comentário (não desista das suas teorias mas não posso prometer que elas vão se concretizar XD).

Eu já vou me despedindo desejando um ótimo fim de 2017, com muitas festas, abraços e sorrisos. E que 2018 seja maravilhoso (aliás, já vai começar bem com a estreia da nova temporada de CCS) e muito produtivo.

Um grande beijo desta autora enrolada, porém perseverante...

Cherry_hi



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