Crônicas das terras arrasadas: O sentimento algoz escrita por Abistrato


Capítulo 17
Capítulo 17 - Rachel "Libre"




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Rachel’s fourth chapter

Eu nunca havia visto Angel tão brava quanto naquela noite, especialmente por eu ter entrado na sala proibida, fazer barulho e ainda por cima ter sujado de tinta a voluptuosa poltrona do Sr. Schiemadel, seu pai, mas ela ficou nervosa acima de tudo quando percebeu a falta do diário dele. Juntando um mais um ela logo percebeu que eu era a ladra e tirou ele de mim. Não muito depois disso, Carl veio acalmá-la e mandou-me ir tomar um banho e dormir. Claro que eu não consegui dormir até que os dois fossem dormir também.

Na manhã seguinte o clima estava pesado e não se tratava apenas da minha dor de cabeça latejante ou da minha recém aversão a luz e sim da postura da anfitriã. Apesar do carisma inegável de Carl foi impossível fazer sua namorada falar ou expressar qualquer reação. Eu tentei pedir desculpas tímidas e medrosas algumas vezes, mas fui ignorada. Tamanha era a culpa e angústia de ter perdido uma das minhas poucas amigas novamente, agora por minha culpa, que eu fui para meu quarto antes de acabar de comer afim chorar sem ser vista o que não durou muito, pois Carl apareceu para explicar a situação.

Ele me contou pacientemente sobre o vínculo muito próximo que ela tinha com a irmã da Jenny e o trauma de ter um pai suicida a deixando sozinha no mundo justamente durante o caso do sumiço de Dakota. Ele também explicou que ela nunca tinha lido o diário, pois tanto ela quanto alguns militares tinham medo de ler e acabar tendo o mesmo destino infeliz do velho major.

Não demorou muito até que o casal saísse para trabalhar. A médica saiu sozinha sem avisar ou se despedir, já o militar esperou o fim dos meus prantos e me escoltou pelas ruas e ruelas de terra poeirenta amarelada até o barraco de Emily e Marcus antes de seguir para a muralha. Os donos da casa já estavam dormindo então tentei não fazer muito barulho e me pus a costurar, mas não foi muito produtivo, não só pela forte indisposição que me possuía, mas porque eu também não conseguia parar de pensar no conteúdo do diário.

Depois de um pouco de procrastinação, Aline veio me buscar e era possível ver um triste semblante em seu rosto além da roupa muito menos glamurosa que o normal, mas ao perguntar a causa ela respondeu que não era nada demais. Ao entrar em seu galpão de trabalho notei que tudo estava bagunçado como nunca, aliás a alfaiate costumava ser extremamente organizada e muito cuidadosa com seus materiais e ferramentas, mas hoje a areia, o sol e o caos das terras arrasadas haviam invadido seu refinado atelier. Nós duas sentadas em banquinhos, ela começou a me ensinar a bordar.

...___________...

Assim que a aula acabou eu tive a felicidade de ver Frank com suas muletas já me esperando na porta do galpão ao pôr-do-sol.

― Oi! ― Frank estava tão alegre que até se assustou com a minha aparência.

― Não fala muito alto que eu tô com uma dor de cabeça.

― Ah! ― sussurrou a caçadora ― É ressaca que chama.

― Eu sei como se chama! ― Rapidamente notei minha própria rispidez que assustou a tanto a Frank como a mim ― desculpa mesmo, mas hoje eu não tô bem.

― Tudo bem! ― rio a recém-formada caçadora ― vamos para um lugar mais escuro, se bem que o sol já vai se por.

― Na verdade eu preciso mesmo é de água, então temos que passar num poço para buscar. ― corrigi.

― Hum... Desculpa, eu esqueci que ricaços de todas as partes das terras arrasadas gostavam de ver você bêbada. ― caçoou.

― Como que você sabe... Não me diz que eu te falei isso ontem ― Me enrubesci envergonhada.

― Não pra mim, você berrou para além da muralha! Até o Imperador devem ter ouvido!

― Ai, meu Deus! ― cobri o meu rosto envergonhado.

Rindo, Frank relembrou todas as minhas peripécias da festa dos Caçadores enquanto caminhávamos para o poço. Lá algumas pessoas desconhecidas me cumprimentaram e vieram sorridentes conversar comigo sobre a festa de ontem, mas eu perdida e envergonhada mal consegui falar. Claro que me vendo nessa saia justa Frank me ajudou desconversando e me apressando para um compromisso imaginário, mas não perdeu a oportunidade de gargalhar um pouco mais depois que as pessoas se foram. Em protesto, eu fiz bico e disse que estava de mal apenas para ser chamada de: “dramática” a qual nós duas rimos.

Já estava completamente escuro quando chegamos na casa do casal de exploradores e estes já não mais se encontravam. Em meio as brincadeiras com minha amiga eu quase esqueci do tenebroso diário do Sr. Schiemadel, entretanto, assim que lembrei, as brincadeiras acabaram para mim preocupando Frank.

...___________...

― Calma ai, me explica essa história direito que eu não entendi nada.

― Lembra quando nós voltamos hoje de madrugada para a casa da Angel e eu escalei a árvore para entrar no quarto?

― Sim, lembro.

― Então, aquele não era meu quarto! ― Frank colocou a mão em seu rosto envergonhada

― Jura?... É claro que não era, eu e as meninas te buscamos no quarto do lado, Rachel! ― Ela começou a rir de novo com suas gargalhadas contagiantes sem entender a seriedade da situação ― Eu só deixei você ir por que achei que você conseguiria ir pro seu quarto dali sem fazer barulho, mas você berrou então tratei de ir embora antes que algum militar achasse que era uma invasão.

― Poxa, Frank, você ia me deixar assim, até me magoa...

― Dramática...

― Então lá dentro era tipo um escritório que depois o Carl me falou que era do pai da Angel.

― Tá bom e daí?

― E dai que lá tinha uma poltrona com um livro em cima

― E daí?

― E daí que ela me pegou com o livro e ficou super brava comigo! Nem falou comigo de manhã!

― Talvez seja por que você acordou ela de madrugada, invadiu o quarto do falecido pai dela e sujou tudo de tinta.

― O título do livro era: Investigação do caso Dakota Wagen ― O rosto de descaso da minha amiga logo se tornou um de surpresa e depois de medo.

― Puta que pariu... O que você falou é muito sério, Rachel. ― Frank disse sussurrando me puxando para um beco escuro numa viela ―  Esse é sem dúvidas o maior mistério do Acampamento. Por favor, só me diz que você não abriu esse livro. Você sabe que o pai dela se matou durante essa investigação né?

― Não cheguei a conseguir, a Angel me pegou escondendo o livro.

― Graças a Deus!

― Como assim? Nós temos a oportunidade de resolver o maior mistério daqui! Você não quer saber o que aconteceu com a Dakota?

― O que? Você acha que eu sou louca? Deve ser uma merda muito grande pro pai da Angel se matar! Eu prefiro só imaginar que ela tinha um lindo romance com seis militares e fugiu com eles porque o relacionamento deles não seria aceito aqui. Que? Por que tá me olhando com essa cara estranha, Ray?

― Você é muito estranha, Frank. Isso é parte dos seus fetiches, é? ― Ela rapidamente se ruborizou.

― Claro que não! Eu só quis dizer que eu não quero me envolver nisso e acabar suicidada!

― Suicidada! ― Eu ri pondo a mão no rosto imitando o que ela havia feito comigo ― Essa palavra nem existe ou você se suicida ou você é assassinado! ― De repente uma luz veio em minha mente me fazer me assustar com minha própria ideia ― E se ele foi suicidado!

― Mas ele não foi? ― Percebendo que Frank não entendeu eu segurei o rosto dela pelas bochechas.

― E se ele foi assassinado!

― Caraca, é verdade! Como ninguém pensou nisso antes?

― Então eu acho que pensaram, mas todo mundo tinha medo.

― Calma ai, isso implica que nem o Coronel Dulcan quis descobrir e tipo ele tem um exército a disposição dele, não tem como ele ter medo.

― A não ser que ele tivesse envolvido ou que fosse algo muito maior que ele

― Então ele teria informação privilegiada sobre o caso.

― Eu não sei, talvez ele só não tenha arrumado quem quisesse entrar no caso também. Não sei... Nós temos que olhar o que tá escrito naquele livro.

― Claro que não! Se o Coronel estiver envolvido nós vamos ter que tomar muito cuidado, pois tem um militar com livre acesso aquela casa e a namorada dele vai notar que tem um livro faltando.

― A não ser quer... Hum... Eu tenho um plano!

― Eu não acredito que você vai me fazer entrar nessa com você...

― Só você não! A Donna e a Camy também!

― Isso vai dar merda, pode anotar!

― Relaxa, se ninguém fala disso em anos eles não vão estar esperando que alguém tente desvendar o mistério, ainda mais 4 meninas como nós. É só não dar bandeira que vai ser sucesso!

― Eu nunca ouvi essa expressão antes. ― Frank, contrariada, duvidava das minhas palavras segurando a cabeça como quem tem dor de cabeça.

― É lá do norte... tem a ver com a guarda imperial ou algo assim... talvez.

...____________...

Para tentar convencer Donna e Camy, caminhamos até a casa de Camy que ficava na zona leste do acampamento assim como a casa de Jenny. Ela rapidamente veio atender a porta quando batemos na porta pequena e improvisada de uma geladeira enferrujada. Lá dentro Donna estava junto de seus sogros os ajudando a limpar suas armas e alimentar seus carregadores ao redor de uma pequena mesinha assim como Jenny e Willian no meu primeiro dia no acampamento.

Logo a elétrica caçadora nos convidou para nos juntarmos a mesa o que alegrou muito seus pais que nos receberam com muita alegria e falatório caçoando simpaticamente de Frank que bateu a testa no baixo batente da porta.

Lá dentro Donna mostrava uma face mais gentil e simpática que eu nunca havia visto antes cheia de sorrisos, palavras macias e elogios a todos. Já os pais da namorada eram um casal de caçadores baixinhos, de cabelos curtos quase raspados e de rostos arredondados que gesticulavam fervorosamente ao falar soltando risadas e gargalhadas o tempo todo com brincadeiras, caras e bocas. A nora, por sua vez, apenas respondia com um sorriso e um envergar de cabeça concordando com tudo que diziam.

Eles eram sem dúvidas os pais de Camy, pois eram iguais tanto na aparência quanto nos modos alegres como se comportavam, mas a diferença era clara quanto ao vocabulário que era bem mais rústico nos pais da caçadora.

Sentamo-nos no chão de madeira depois de pouco tempo de conversa onde os caçadores dominavam eu me entediei de ficar sem fazer nada então comecei a ajudá-los em silêncio:

 ― Olha só, mulher! Essa aqui sabe botar balas nos buracos ― Caçoou o caçador pai, me fazendo corar sem saber o que dizer.

― Acho que ela ainda não pegou a frescura daquele pessoal da zona Norte ― Completou a mãe piorando minha situação.

― Ah, sim... A Rachel é uma menina muito prestativa. Ela veio lá do Norte com muita dificuldade e está dando seu melhor para poder viver aqui. Eu diria que ela é uma ótima menina. Não é verdade, amor? ― Calmamente comentou Donna me defendendo.

― Sem dúvidas, amor! ― Respondeu excitada com como havia sido chamada. Eu logo agradeci, logo descobri que a face real de Donna apesar de escondida ainda tomava as rédeas de suas ações:

― Mesmo assim, é muita felicidade poder ser visitada por você Rachel, já que sair de casa para fazer visitas não é algo que você faça com frequência. ― Os olhos verdes dela sob a sombra de seus negros cabelos me fuzilaram com desconfiança por um milésimo de segundo antes de se tornarem um sorriso simpático e um abraço em sua amada ― Devo supor que você estava com saudades de nós duas no meio da noite, não é mesmo? ― Ao olhar ao redor confirmei que ninguém percebia ou sequer suspeitava do cinismo cortante da jovem caçadora além de mim, muito pelo contrário todos riam e a elogiavam por sua classe e eloquência.

― Não na verdade eu e a Frank gostaríamos de sair pra conversar com vocês duas um pouco ― Respondi ― Sobre coisas de ontem de noite.

― Ah, sim, você parecia bem tímida no início, mas com um pouco de ajuda você realmente se tornou o centro das atenções. ― Ela me fez corar ― Posso dizer que todo mundo lá gostou de você, mas eu não posso te dizer o que aconteceu lá tão bem visto que eu estava cuidando dessa sapequinha aqui, mas a Frank estava cuidando de você.

― Eu não vim perguntar nada ― O sorriso de Donna sumiu ― Eu vim contar o que aconteceu depois de eu entrar na casa.

― É muito urgente? ― Donna desistiu do seu cinismo, me deixando aliviada ― Eu estou com minha família agora. ― Os pais de Camy sorriram e a filha alegrou-se chamando a namorada de fofa e segurando a mão dela enquanto comia.

―  Sim, é bastante urgente ― Confirmou Frank séria, fazendo Donna revelar um semblante derrotado.

― Pois bem, depois do jantar, nós vamos. Eu conheço um lugar perfeito.

...__________...

Depois de jantarmos, Camy se despediu de seus pais e nós quatro saímos. Donna, irritada, liderou o caminho que ia até a muralha e caminhamos alguns minutos seguindo a circunferência dela. Escondida por tabuas e telas de amianto em uma parte escura, malcheirosa e deserta da muralha encontramos um buraco que atravessava a muralha. Uma a uma, nós nos contorcemos pelo buraco que era tão estreito que Frank teve que ficar do outro lado devido à sua perna.

Do outro lado o que havia era uma clareira cercada por uma plantação tão alta quanto eu cujo tipo de planta eu desconhecia, mas pequenos frutos já começavam a se desenvolver. No meio dessa clareira uma pequena e rasa cratera onde a carcaça enferrujada de um carro era circundada por moscas e insetos rastejantes que se banhavam na poça d’água lamacenta e de cheiro pútrido que se acumulava sob o carro.

Percebendo minha cara de nojo, Donna logo comentou:

― Não é o lugar mais agradável do mundo, mas a essa hora é garantido que ninguém vai passar por aqui.

― Nossa, na verdade é bem nojento, mas é o que tem pra hoje. Cuidado pra não pisar na água. ― advertiu Camy.

O casal entra no carro sentando no banco de trás enquanto eu sento no banco do motorista. Logo eu me viro par ver os olhos fuzilantes de Donna cuja aura pesada me deixava tensa e trêmula, mas a face sorridente e amável como se tudo isso fosse uma divertida aventura da namorada logo me deixou aliviada:

― Vamos, Ray, o que pode ser tão importante para você interromper a nossa noite, seja rápida, eu tenho que voltar para casa antes do jantar terminar se não meus irmãos surtam ― me pressionando a mal-humorada.

― Me desculpem, eu não queria atrapalhar a noite de vocês, mas eu queria que vocês me ajudassem a desvendar um mistério...

― Hum! Isso parece ser muito divertido!

― Você se meteu em alguma encrenca ontem de noite, né? ― disse Donna ressabiada.

― Não!... Digo talvez... Digo também, mas isso não importa, o negócio é o seguinte: eu achei um livro na casa da Angel...

Eu segui por explicar tudo para as duas e, bem como eu esperava, ambas ficaram muito sérias conforme ouviam cada palavra que eu disse. Camy foi tomada por tamanho silêncio que durante a duração de todo o resto da noite ela não abriu mais a boca, já sua namorada fez algumas perguntas e foi bastante resistente:

― Eu acho isso muito estranho, normalmente o Coronel Dulcan nunca deixaria um assassinato de um de seus soldados passar batido, quem dirá um oficial. ― com um rosto contraído pela preocupação a caçadora continua ― Você está se metendo dentro de uma encrenca muito grande, Ray... ― silêncio se fez enquanto ela parou para pensar ― Assim, a essa altura do campeonato, pode ser que não seja nada além de uma divertida caça ao tesouro, mas também pode ser o nosso fim se os criminosos ainda estiverem entre nós e atentos. Se eu disser que não vamos ajudar você iria parar também?

― Eu vou continuar, eu quero muito descobrir o que aconteceu com a irmã da Jenny, com o pai da Angel e com os seis militares desaparecidos.

― Bem isso vai acabar nos matando, mas eu também não quero que nossa nova amiga seja a próxima desaparecida. O que você acha, Camy?

― Quer saber, ― Camy ergue a cabeça que estava apoiado sobre seus joelhos com uma face determinada ― eu acho que vamos nos ferrar, mas que se lasque eu também quero desvendar esse mistério!

Eu que estava tensa, logo me aliviei arfando em um sorriso tão grande quanto ao de Camy cujo rosto tinha uma expressão travessa. Donna meteu a mão na cara indignada esperando um resultado diferente, mas Camy, como de costume, era imprevisível então a namorado logo se conformou deixando a mão escorregar pela sua cara.

― Tudo bem, já que vamos fazer isso, qual é o plano? Temo um plano, né?

― Mas é claro! Primeiro nós temos que pegar o livro. ― Afirmei, sorridente com a minha primeira vitória.


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