Janaína está apreensiva porque sabe que será a próxima a se apresentar, mas a presença de Silas a acalma um pouco. Seu nervosismo é tanto que ela nem se dá conta de que está roendo unhas já curtas. Os dois se apresentarão juntos, já que pretendem mostrar o talk show que haviam preparado para a biografia. Como é a última semana de aula, Janaína não se importa tanto em ser vista completamente diferente do que estão acostumados, afinal não verá a maioria daquelas pessoas quando se formar.

— Preparem-se e apresentem quando estiver tudo certo — Amélia fala.

A dupla se dirige ao centro da Sala. Janaína não para de pensar na poesia que está no vídeo, pensando que poucas vezes se sentiu tão vulnerável. A professora está ansiosa em descobrir o resultado final do trabalho de Silas, pois ele é secretamente um de seus alunos favoritos. Ela adorava ler suas redações e se deparar com pontos de vista inteligentes e diferentes da maioria, então muito provavelmente sentiria saudades de lê-las.

— Olá, pessoal. Sejam bem-vindos ao nosso show — Silas inicia a apresentação, tentando imitar o modo como jornalistas falam.

— Esse é o “Tudo que você quer saber” sobre Silas Barros — ela continua na mesma entonação, apesar de um tanto nervosa.

— E Janaína Pontes.

— Ajeitem-se em suas poltronas e se preparem porque é...

—  Hora do show! — ambos terminam juntos.

Silas se dirige ao computador e inicia a projeção do vídeo que gravaram meses antes. A produção está impecável e todos se admiram com tamanho empenho que colocaram no projeto. Ele se sente bem por finalmente poder mostrar todas as suas nuances para os seus colegas de classe, ou pelo menos mais do que as pessoas especulavam. Imagens de sua enorme coleção de troféus de vôlei e itens de futebol para colecionadores impressionam todo mundo, inclusive Daniel, que está sentindo alguma inveja de alguns daqueles itens. Mas não é só isso que está roubando a atenção dos alunos. A roupa e maquiagem de Janaína no vídeo a faz parecer outra pessoa, realçando uma beleza que poucos pararam para prestar atenção.

— Caraca — Jorge se admira com a aparência de Janaína.

— Você viu como a Jana está incrível? — Vera comenta com Renan, que responde com um gesto afirmativo.

O comentário de Vera faz o garoto ficar com a garganta seca. Renan sabe que as coisas seriam muito mais fáceis se todos os amores fossem recíprocos, mas sabe que não passa de um amor platônico. Talvez ele olhasse de uma forma diferente para Janaína se a conhecesse daquele jeito, mais madura, mas isso é só uma suposição que passa em seus pensamentos misturados à confusão que está sentindo.

No centro da sala, Janaína percebe a reação de seus colegas. Ali, concluindo a escola, prestes a entrar numa boa faculdade de arquitetura, cheia de sonhos e animada para seu futuro próximo, ela conclui que todos os seus problemas de adolescente não tiveram tanta importância assim e que teria sido mais feliz se soubesse que se sentiria assim um dia. Com uma sensação de leveza inédita, Janaína está feliz da forma como resolveu seus dilemas amorosos e está orgulhosa em não ter escondido seus sentimentos. Mas o que mais a alegra é assistir ao vídeo e concluir que não pode ser definida por uma amizade ou um erro e que o colégio  é só o começo de sua história. Só tem uma coisa que a deixa tristonha, que é reparar que é uma pena que muitos só consigam ver beleza nela quando se aproxima de um padrão em que não se encaixa.

Diferentemente de sua amiga, Silas está totalmente focado no vídeo. Apesar de muitos revirarem os olhos na parte que ele fala sobre moda, não se arrepende de nenhuma de suas palavras. Ele sabe que merece a companhia de pessoas que o aceitem como é de verdade. Em seu punho direito está a pulseira que fez no outro dia com suas amigas e Rafaela percebeu isso no momento em que o viu. No começo foi difícil para ela descobrir que seu amigo estava mudando quem era para se encaixar no grupo, pois ela estava acostumada e amava a imagem que ele passava, mas poucos dias foram suficientes para aprender a gostar do Silas mais honesto.

— O mundo seria melhor se fosse mais Silas — a fala de Júlia no vídeo deixa Silas emocionado mais uma vez.

O cenário do vídeo muda completamente. Todos percebem que a continuidade foi prejudicada por ser gravado em dias diferentes, mas isso é um detalhe mínimo perto do esforço que a dupla teve na produção daquele vídeo. A luz está diferente e Janaína está vestida com outra roupa mais simples, segurando um violão. Silas pausa o vídeo por alguns instantes.

— Para finalizar nossa apresentação, eu gostaria de mostrar para vocês um lado da Jana que a maioria de nós não conhece. Ela é muito tímida para falar, mas a verdade é que é muito talentosa. Deixei para o fim para fechar com chave de ouro porque é sensacional — ele explica e retira a pausa do vídeo.

Isso faz Janaína se envergonhar e levar a mão ao rosto. Ela está vermelha como um tomate e não consegue disfarçar olhadas constantes para Renan, pois quer ver sua reação. No vídeo, está segurando um violão velho, dedilhando algumas notas. Parece o som de uma canção de ninar.

— Não é simples aceitar coisas difíceis de mudar. Quando foi que eu me deixei para trás? Amando sem raciocínio e me perdendo no fascínio. Esquecendo quem eu já fui. Eu me perdi no teu silêncio. Fui covarde, tive medo. E agora me pergunto: para onde vou? Construindo meu destino, solitária ou contigo, sei que eu serei o meu primeiro amor”.

Os créditos aparecem na tela e os aplausos tomam conta da sala de aula. Janaína sente orgulho ao ouvir sua poesia daquele jeito tão verdadeiro. A professora adorou o trabalho e está planejando dar a maior nota para eles. Todos estão boquiabertos com o talento de Janaína, ninguém imaginou que ela aceitasse se expor daquele jeito. A verdade é a presença de Silas a fez acreditar um pouco mais em si mesma.

— Maravilhosa! — Nina grita.

— Quero autógrafo! — Mário brinca.

No outro canto da sala, enquanto todos estão focados em enaltecer o trabalho recém apresentado, Renan está entristecido. Por algum motivo, sente certo ciúme ao ouvir os outros meninos elogiando sua amiga, apesar de ter concluído que nunca passariam da amizade. Ele sente muito carinho por Janaína e aquele pequeno poema cantado o fez lamentar por ter permitido que ela se sentisse daquele jeito. Era como se ela fosse boa demais para os outros colegas, mas não fosse a garota certa para ele. O que Renan não notou é que foi naquele momento que Vera ligou todos os pontos. Ela olhou para Renan, depois olhou para Janaína e repetiu isso várias vezes, depois olhou para Felipe, que já estava observando tudo e fez um gesto afirmativo, como se tivesse lendo os pensamentos dela.

Na cabeça de Vera, era como aquele poema “Quadrilha” de Carlos Drummond, cheio de amores não correspondidos. Ela se sentiu como a tal da Lili que não amava ninguém e acabou com um rapaz qualquer que nem havia entrado na história. Seus problemas nos últimos tempos a impediram de ver o que estava bem na sua frente e as suas prioridades eram outras. Vera nem sabia se estava sentindo dúvidas ou compaixão pelos amores não correspondidos, mas no fundo não se importava muito com a situação. De qualquer forma, os três tinham a vida inteira pela frente. Só que isso a fez rir consigo mesma e concluir que, no final das contas, o poema deixou escapar uma parte. Lili provavelmente amava alguém: a si mesma. Não tinha problema nenhum ser a Lili que não amava ninguém.