Por sua causa escrita por Elie


Capítulo 22
Cecília




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— Cecília, tem um cara ali que quer falar contigo — Flávio avisou.

Não gostava muito das festas do colégio, mas Vera merecia a presença de todo mundo. Ela era a representante de turma por uma razão: conseguia resolver qualquer problema e ajudar qualquer um que precisasse. Até Maia gostava dela, mas não havia nenhuma pessoa que tirasse minha amiga do conforto do seu quarto.

Renan tinha organizado tudo aquilo. Todos da sala sabiam que ele gostava dela. Para ser sincera, acho que até a própria Vera sabia, mas preferia manter as coisas como estavam. Jorge, que se aproximou um pouco dela durante as aulas da professora Amélia, também ajudou a organizar o evento e juntar todo mundo. 

Não achei que seria muito animado, principalmente quando Vera deu as caras na festa e não parecia estar a fim de virar a noite dançando com pessoal da turma, mas acabou que todo mundo se divertiu um pouco.

— Tem certeza que esse cara quer me conhecer? — desconfiei que era brincadeira de Flávio, pois ele adorava pregar peças idiotas. Além disso, o garoto novo era muito bonito, do tipo que preferia garotas como Bruna.

— Qual é? Você sabe que eu eu não faria isso com você. Poderia até fazer isso com a Rafaela, mas você é sempre parceira — ele argumentou. — E você está uma gata hoje — era estranho ouvir meu amigo falando assim de mim, era como se fôssemos primos ou algo do tipo.

— Certo. Vou lá conversar com ele, mas vou logo avisando que se for brincadeira você está ferrado.

Flávio deu de ombros e saiu. Eu ainda estava duvidando que um cara bonito como aquele estivesse interessado em mim. Para o bem de Flávio, o garoto realmente queria falar comigo. 

— Prazer, meu nome é Elvis.

Não consegui conter a risada quando ele se apresentou, seu nome não era comum para pessoas de dezoito anos. E não tinha como não lembrar do Elvis Presley.

— Você não é a primeira pessoa que ri quando eu me apresento, garanto — ainda bem que ele tinha senso de humor, pois eu estava morrendo de vergonha da minha risada.

— Perdão, acho que já bebi um pouquinho — tentei me explicar, mas eu riria com ou sem álcool.

— Gostei das suas tatuagens, depois me passa o nome do tatuador. É difícil achar alguém que faça umas artes maneiras assim.

Esse foi exato momento em que Elvis me ganhou. Orgulho de artista, admito. O fato de ele ser alto, moreno, charmoso e ter olhos verdes era só um bônus.

— Gostei do seu perfume — elogiei.

— Pode chegar um pouco mais perto se quiser ter certeza — para completar ele tinha um sorriso meio torto que me deixou com poucas opções.

Conversamos mais umas poucas frases antes de nos beijarmos. Era a típica conversa de quem já sabia onde aquilo tudo ia acabar. Não me importei com que estava acontecendo na festa. Acho que eu ouvi Tiago e Bruna gritando um com o outro, mas ignorei.

— Ir embora da festa sem me dar seu telefone vai lhe garantir setenta anos de azar — o álcool havia chegado ao cérebro de Elvis.

— Sorte a minha que não sou supersticiosa, não é mesmo?

Então nos beijamos novamente. Eu preferia estar perto dele quando ele não estava falando essas besteiras, então beijá-lo era melhor solução. De vez em quando ele tentava respirar um pouco e perguntar coisas pessoais, mas eu não estava muito interessada em fazer análise justamente naquela hora.

Aos poucos, algumas pessoas foram indo embora, mas a festa prometia durar muito tempo. 

— Hora do barril de cerveja! — Flávio gritou para todo bairro ouvir.

Várias pessoas começaram a beber cerveja loucamente. Previ que muitas delas estariam vomitando dali a poucas horas. Procurei por Vera pelo local, mas não a encontrei mais. Como imaginei, ela só queria dormir.

— Agora é a vez da Tainá — Flávio gritou mais uma vez.

— Não, não. Só estou esperando minha carona para casa — Tainá respondeu.

Afastei-me um pouco de Elvis para prestar atenção em Tainá. Às vezes, eu tinha preguiça de ter que lidar com Flávio se comportando como uma criança.

— Santainá! Santainá! Santainá! — Flávio agitou.

Mais uma vez, me afastei um pouco de Elvis para checar se Tainá estava bem. Apesar da teimosia de Flávio, minha amiga parecia estar tranquila. Sei bem como é se acostumar a ter pessoas te olhando pelo canto dos olhos por ser diferente.

— Já falei que não quero — ela estava bem calma.

— Vai ferrar o fígado de outra pessoa, Flávio! — gritei.

Notei que Tiago não tinha ido embora e estava conversando com uma garota na frente de todo mundo, mesmo com Bruna, sua namorada até umas horas antes, estando lá para ver toda aquela cena. Bruna, por sua vez, não parecia estar nada bem.

— Santainá! Santainá! — várias pessoas gritavam nesse momento.

Tainá estava muito desconfortável nesse lugar. Era por isso que ela quase nunca ia para festas do colégio. Imagino que só tinha ido naquele dia porque era festa da Vera. 

— É sério. Deixem ela em paz — avisei.

— Santainá! Santainá! — continuaram.

Ninguém me ouviu. A sorte de Tainá é que, diferente de mim, ela tinha muita paciência. Se fosse eu já teria feito a maior confusão ali naquele momento.

— É por isso que ninguém te aguenta. Você é insuportável! Vai acabar virando uma freira! — Bruna gritou com Tainá do nada. Até os meninos que estavam zoando antes ficaram sem reação.

Bufei e revirei os olhos. Pedi licença a Elvis mais uma vez. Claro que eu não aguentaria ficar na minha depois de ter ouvido Bruna falar uma grosseria daquelas. Fui em sua direção com sangue nos olhos.

— Escuta aqui, sua coitada, você não sabe nem o que está falando — me irritei.

Bruna deu uma risada irônica e apontou em direção a própria boca para me avisar que o meu batom estava borrado. Não me importei, obviamente.

— O que é? — ela retrucou. Parecia não ter entendido bem o que falei. Ficou em silêncio esperando que eu fosse embora.

— Para início de conversa, freiras são católicas e nem todo mundo é católico, incluindo a Tainá. Em segundo lugar, freira não é uma palavra que você possa usar como xingamento, é bem o contrário. E, por último, qual a necessidade de ser imbecil com uma pessoa que sempre te tratou bem? — minha língua estava mais afiada do que de costume.

Por mais que eu falasse aquelas coisas, Bruna continuou olhando para mim com deboche. Ela deixou claro que não estava nem aí para o que eu estava falando, o que alimentou a minha raiva.

— Retire o que você falou — ordenei.

A única reação que Bruna teve foi um levantar de sobrancelhas e mais um sorriso de deboche.

— Retire — repeti, quase rangendo os dentes. 

Mais uma vez, nenhuma reação. Pude ver que Elvis estava tenso no canto na parede.

— Não vou repetir mais uma vez — era meu ultimato.

Sem dar nenhum sinal, apertei cada um dos dedos da minha mão direita, ergui meu braço e dei um murro no centro da cara de Bruna.

— Briga! Briga! — um monte de imbecis começou a gritar.

— Adoro ver mulher brigando — um idiota falou, fazendo me arrepender um pouco da minha atitude. Tive tanta raiva que mostrei meu dedo do meio sem nem saber quem ele era.

Bruna não conseguiu ter nenhuma reação depois do murro repentino. Assim que tirei meu punho, pude ver que havia uma pequena área avermelhada abaixo de seu olho direito. Ela levou sua mão à região e apertou os lábios.

— Ai! Sua louca! — ela exclamou.

Tiago não levantou um dedo para ajudá-la. Maia teve sorte em não ter se envolvido com um cara assim.

A poucos metros de nós, Tainá assistia aquilo tudo quase sem reação. Estava tão paralisada que mal respirava. Demorou cerca de um minuto para ela se situar e vir em minha direção.

— Desculpa — ela falou para Bruna e me tirou de perto dela.

Fiquei morrendo de raiva por Tainá ter se desculpado com Bruna. Ela não tinha motivo nenhum para se desculpar. Quando já estávamos longe da confusão, conseguiu falar mais que uma palavra. 

— Por que você fez aquilo?  — o desespero em sua voz era engraçado.

— Só eu posso te xingar — brinquei.

Isso a fez relaxar um pouco e dar uma risada.

— Mas você sabe que eu sou contra qualquer tipo de violência — não era à toa que a chamavam de "Santainá".

— Ela mereceu. Se eu pudesse daria um murro na cara de cada um daqueles garotos. Eles são uns babacas. Você tem o direito de beber ou não beber o que quiser. Acreditar no que quiser. Eles têm o dever de calar a boca e aceitar. É assim que as coisas têm que ser.

— Agora tenho segurança? — ela já estava um pouco mais calma.

Eu sabia muito bem que o problema era mais complicado que isso. Por experiência própria, nem todos aceitam opções que não fazem parte da maioria. Isso vale para pessoas como ela, para pessoas como Silas, para pessoas como Rafaela e para pessoas como eu.

— O mundo seria um lugar melhor se as pessoas discordassem como a gente — ela me surpreendeu com essa frase.

— Também acho.

Só voltei para onde estava quando soube que Bruna já havia ido embora. Eu estava com tanta raiva que seria capaz de dar outro murro na cara dela. Elvis ainda estava lá, sorrindo como se nada tivesse acontecido.

— Você é inacreditável — ele comentou, mas ainda não tinha visto nada.

 

***

Claro que fomos o assunto do colégio no dia seguinte. Eu estava cansada dessas fofocas infantis que tomavam conta dos corredores por um tempo. A dúvida era quem era o alvo da semana. 

— Sou tua fã — Maia falou.

— Não seja. Eu deveria ter ignorado — nada como uma boa noite de sono para pensar melhor nos meus atos. 

— Tiago veio conversar comigo. O inevitável aconteceu e eles acabaram — ela achou que aquilo era novidade.

— Por isso ela achou que poderia ir descontando em todo mundo.

Maia ficou olhando para o horizonte, pensativa, lembrando de algo que parecia seria interessante.

— Está vendo? Por mais que você negue, você está parecida com ela. Ajudando as pessoas... — ela divagou.

— Talvez — fazia sentido.

Percebi Tainá vindo em nossa direção. Ela pegou o seu celular, procurou alguma coisa em suas mensagens e mostrou a tela para mim.

 

Bruna (08:25) - Queria pedir desculpas, Tainá. Não estou nos meus melhores dias. Sei que agi como uma idiota, não queria te magoar. Não estava pensando direito.

Bruna (08:37) - Mas tenho que falar... A Cecília é maluca!

 

Mostrei as mensagens para Maia e demos gargalhadas juntas. 

— Está vendo? Ela estava mal — Tainá a defendeu.

— Mas não precisava descontar em você — Maia tirou as palavras da minha boca.

— Todas as pessoas cometem erros, é normal. É preciso relevar às vezes. Não dá para discutir sobre tudo — Tainá respondeu.

Maia e eu ficamos sem resposta. É difícil admitir, mas Tainá estava repleta de razão.

— Você é chata, hein? — falei como uma brincadeira. 

Ela riu e saiu em direção a suas amigas. Se um dia eu tinha achado que parecer um pouco com ela era antiquado, foi ali que descobri que era elogio.

Quando Bruna entrou na sala, pude perceber que havia colocado várias camadas de corretivo para esconder um possível hematoma. 

 

Flávio (07:28) - Caraca. Olha o que você fez!

Cecília (07:29) - Vê se respeita a escolha dos outros da próxima vez. Não viu que a Tainá ficou mal?

Flávio (07:32) - Foi mal...

Cecília (07:34) - A propósito, você me deve cinquenta reais.

 

Foi quando o professor de física chegou e guardei meu celular. Fiquei meio mal quando vi para Bruna e percebi que o olho roxo era o menor de seus problemas. Incrível como uma garota bonita como ela achava que acabar um namoro falido aos dezessete anos era uma tragédia. Silas deu um abraço nela quando chegou na sala e sorri ao perceber que Bruna não estava só.

 

 


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Notas finais do capítulo

Nevermind what God said
But love had lost its cause
And I thought today had been ok

https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://m.youtube.com/watch%3Fv%3DAc_87o0UWUg&ved=0ahUKEwif3s62q4zkAhX6GrkGHZ8EDogQo7QBCCgwAA&usg=AOvVaw3og9HFfdne02_2fZ3DBDOd



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