O meu final feliz escrita por Lácrima


Capítulo 3
Egoísta


Notas iniciais do capítulo

Tomei a liberdade de criar personagens coadjuvantes, apenas para deixar o universo do Suwa mais colorido. Agradeço pelos comentários que recebi nos sites.



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Um dia antes do encontro marcado de Naho e Kakeru, os dois pareciam muito felizes e especialmente envergonhados. O grupo todo estava orgulho que o plano tinha dado certo e eu ri junto com eles. Aquela parte de mim estava feliz. Antes de sairmos, porém, Takako ficou entre mim e a porta e me invadiu com aqueles olhos profundos. Era como se conseguisse ler a minha mente e ver por tudo que eu tinha passado para dar aquele conselho, como se soubesse que tinha ficado a madrugada ajudando Kakeru a mandar a melhor mensagem para Naho. Sorri sem graça, sabendo que não havia nada diferente que eu poderia ter feito. Seu olhar não mudou. Em vez disso, sua mão pousou em meu ombro em um tapinha amigável.

— Você foi bem - e sorriu em seguida, alcançando Azusa do lado de fora.

Foi tão rápido que nem pude reagir propriamente. Olhei para baixo, soltando um suspiro. Precisava ouvir aquilo. Pois não era uma atitude natural.

Lá na frente, Azu, Taka e Naho conversavam, e, talvez por influência da Chino, Naho virou o rosto e olhou para mim, me pegando com o olhar todo perdido na direção delas e meu deu o sorriso mais doce que eu já vi direcionado para mim. Parecia agradecer do fundo do coração.

Não pude evitar um sorriso leve, embora meus olhos continuassem cansados. Voltei para a sala de aula.

O restante do dia foi péssimo e eu fui direto para casa, evitando conversar com as pessoas além do socialmente necessário.

O encontro dos dois era em um dia sem aula e, por mais que meus amigos quisessem se reunir e fazer qualquer bobagem, eu inventei que comi demais, disse que estava indisposto. É claro que Azu e Taka perceberam na hora, assim como da vez que eu queria evitar minha confissão a ela no Réveillon. Mas dessa vez nada me obrigaria a sair de casa. Era só uma saída estúpida e eu tinha muita coisa para fazer.

Coloquei meus fones e fiquei deitado na cama esparramado na segurança do meu quarto. Não me lembro quanto tempo fiquei ocioso, mas ignorei chamadas da Chino e finalmente parece que resolveram me esquecer. Quando notei, estava olhando para o teto do quarto divagando com a música. Não pensei "nela". Juro. Eu só estava concentrado na música e achei que tinha vencido já metade do dia, quando na verdade só uma hora tinha se passado. Resolvi começar a escrever uma carta. Não isso que estou contando agora, eu não poderia ser tão sincero por escrito. E se alguém achasse essa bobagem e mostrasse para eles? Acabei me irritando e amassando tudo. Também desisti de ouvir música e resolvi reler as cartas do Suwa do futuro. No meio delas estava a maldita foto.

"Na época, eu não tive maturidade o suficiente para torcer por eles", eu escreveria dez anos depois.

Droga de maturidade.

Você me diz isso, mas não me conta como você faria para conseguir olhar essa foto...

— Cara... desculpa, cara...

Senti minha mão tremendo enquanto olhava o futuro perdido nas minhas mãos, do jeito que eu mesmo planejei, mas doía demais ter aquele "presente" do meu futuro alternativo nas mãos. O preço para tê-la para mim era alto demais e saber que tive que escolher entre a vida de um amigo e o amor da minha vida atravessou o meu peito naquele instante e eu comecei a chorar de dentes trincados.

— Por que você não me manda uma carta agora dizendo quando é que vai ser a minha vez? - rosnei para a foto e lancei as folhas em direção a cama. Esfreguei o rosto com força, porque não queria chorar que nem um idiota. Cerrei o punho e dei um soco no armário. Pude ouvir minha mãe da sala perguntando se estava tudo bem. Confirmei que sim. Claro que não estava.

Eu me odiei cada segundo por ter aquela angústia guardada em, aquela que eu não demonstrei durante todo o período em que estava seguindo as cartas. Era tão egoísta e horrível. Sentei no chão de repente. Aquele quarto estava me matando. Deveria ter saído com o pessoal. Quase todos. Menos os dois...

— Argh! - gritei para afastar o pensamento e peguei o celular. Quem sabe alguma notícia boa?

O pessoal do clube estava se reunindo no centro da cidade para sair à noite. Qual o problema? Seria uma boa ideia. Concordei.
Havia também uma mensage da Chino.

"Você não vem?"

Três chamadas e uma hora e meia depois era natural que eu não iria. Mas quis responder mesmo assim.

"Não. Desculpe"

Enviei sem remorso. Não podia sair com eles. O assunto principal seria Azu empolgada em relação ao casal do ano e me fazendo sentir um ciúme imbecil, enquanto tenho que fazer uma expressão de pessoa madura e compreensiva. Hoje não. Mereço um descanso. Troquei de roupa e decidi andar por aí. Sem rumo, só ouvindo música. Esperava não encontrar nenhum conhecido, mas eu sabia onde os três costumavam sair.

Escolhi uma ponte qualquer, onde eu poderia observar a vista e ainda ver gente passando. Fingiria que estou fazendo parte do mundo hoje. Tudo parecia bem calmo e só havia o som do vento fazendo companhia.

Então notei uma coisa. Uma garota em especial me chamou a atenção. Olhava para os lados, esperando que alguém aparecesse e se empolgando com qualquer sombra que aparecesse, ansiosamente, depois fitava o chão e disfarçadamente brincava no celular. Fez isso umas três vezes, no tempo de quase uma hora que ficou ali plantada até decidir encontar-se a um banco, suspirando. Eu devia parecer um verdadeiro psicopata porque quando menos percebi, ela estava olhando para mim. Encarava com desconfiança, embora ainda fosse tímida, e mudou de lugar.

Perguntei-me o que aconteceria se Kakeru tivesse medo ou acontecesse um imprevisto naquele dia. Naho ficaria sozinha esperando como aquela menina e provavelmente choraria muito. Eu bem que poderia ir até o cinema e garantir que isso não acontecesse.

"Por que estou pensando nisso? Não vai acontecer, de jeito nenhum."

Era até injusto com o Naruse. Ele estava melhorando gradativamente, não a machucaria. Suspirei decepcionado. Droga. Detestava torcer contra um amigo.

De repente, vi a menina tremendo. Seu cabelo estava trançado nas costas e era evidente que tinha se esforçado para se arrumar para um encontro naquele vestido bonito. Quis ser amigo dela para tentar dizer alguma coisa, mas nem sabia o que tinha acontecido. Talvez tivesse levado um fora. Bem, pelo menos não estava chorando. Ainda assim, uma parte malvada de mim gostava de saber que outra pessoa no mundo estava mal por amor.

"Agora ela vai embora", conclui, mas tudo que a menina fez foi sentar-se e tirar de uma bolsa com coelhinhos um pão de doce de feijão e começar a comer.

Fiquei olhando curioso e ela ergueu o rosto para me encarar em reprovação por alguns segundos antes de continuar ali. De repente pensei se ela estava imaginando que eu também tinha levado um fora e estava ali, rejeitado. Isso cortou minha simpatia por ela, pois fazia muito parte da realidade.

Ficamos em silêncio ainda quando um casal chamou um pelo outro e saiu pela rua andando lado a lado. O pão dela acabou e de repente ela começou a chorar. Levei um susto ao ver aquela cena pois lembrei imediatamente de Naho e acabei me levantando. Olhei em volta. Não havia ninguém ali para ajudar. Sem fazer a menor ideia do que dizer para uma garota chorando que eu nem conhecia, me aproximei dela, que, envergonhada, cessou as lágrimas, visivelmente humilhada por eu estar ali.

— Ei. Não fique assim.

Seus olhos encontraram os meus.

— Por quê? - perguntou simplesmente. - Você não me conhece.

— É... você tem razão eu só...

— Foi deixado aqui esperando, não é? - apesar de tudo, ela não estava debochando. Seu tom de voz era compreensivo. Não era verdade, mas eu achei que era cruel desmentir.

— Bem... é - cocei atrás da cabeça, sem jeito. Não era totalmente mentira também.

— Dói né? - ela disse, com um pequeno sorriso nos lábios.

— ...É. - Definitivamente não era mentira.

— Não podemos fazer nada.

Neguei com a cabeça. A garota estava começando a me botar para baixo.

— Obrigada - disse levantando-se e guardando seus pertences. Sem apresentações, apenas um cumprimento educado, nós nos separamos e eu me senti em uma situação bem menos dolorosa do que a dela, de repente.

Decidi sair daquela situação estúpida e circular pelo centro mesmo. Acabei ligando para Chino e cheguei atrasado na lanchonete, mesmo assim.

— Que horror, como você está atrasado! Agora já comemos tudo - Azusa reclamou assim que eu me sentei.

— É... foi mal - sorri e fui óbvio demais. Chino e Hagita me olharam sérios, querendo saber o que havia acontecido, mas eu só continuei atuando.

— Nós estávamos imaginando aqui como está sendo o primeiro encontro de verdade daqueles dois. Você acha que já rolou o beijo? - Azusa briu aquele sorriso amplo e empolgado e eu só pude olhar pela janela, desanimado. Estava cansado desse tipo de coisa.

— Azu. Quando você e o Hagita vão começar a sair? - Chino disse de forma trivial.

Eu me senti vingado. Olhei para ela, um tanto agradecido. Saku estava corado e parecia irritado de ter sido envolvido de repente. Azu, no entanto, demorou segundos a mais do que o normal para reagir, também corando.

— A-ah! Mas é só ele tomar vergonha na cara e me pedir para sair. Deve estar tímido porque eu sou uma mulher tão incrível, não é? - riu finalmente.

— Nunca! Taka, por que fez isso comigo? - resmungou ele para Chino, que sorriu discretamente.

Logo vieram me oferecer algo para comer e o assunto finalmente foi dispersado. Estava muito grato por não ter que falar do casal. Tanto que voltei a conversar normalmente até que meu celular vibrou. Já estava escurecendo e o clube de futebol queria me ver. Todos viraram curiosos.

— É o pessoal do futebol. Estão me chamando para o karaokê.

— Oh! Parece que alguém tem novos amigos - brincou Azu. Não era novidade que nós tínhamos outros pequenos núcleos de contato.

— Eu disse que iria e já está ficando meio tarde. Foi mal...

— Ah, que pena!

— Pode ir. Eu também sairia daqui se tivesse outra opção - disse Hagita encarando Azusa.

Rimos e fui embora sentindo o olhar pesado de Chino me acompanhando.Nem estava com tanta vontade assim de ir, mas eu precisava voltar a ser a pessoa alegre de antes e estava odiando voltar a ter esses sentimentos de criança em relação meus amigos. Era muito injusto.

Levei tempo o bastante andando para que o céu já estivesse escuro, o ideal para um dia no karaokê e aquele bairro deixava tudo bonito com algumas luzes. Toda a diversão da cidade estava concentrada ali. O meu celular tremeu, era uma mensagem de um dos membros do clube dizendo que eles já estavam lá. Caminhei sem prestar muita atenção, esperançoso de que meu dia melhoraria.

Então eu vi.

Estavam protegidos pela iluminação fraca e escondidos da multidão. O lábio colado ao dela se afastou timidamente. As mãos dele ainda seguravam pelos ombros, provavelmente em uma atitude anterior desajeitada,

Tive certeza de que eram eles, ou talvez tenha sido uma brincadeira da minha mente. Não fazia diferença se eram outro casal atrapalhado, mas pude imaginar além daquela cena, repetidas vezes na minha cabeça e, inevitavelmente, a imagem de Naho mais velha que carregava um filho meu. Senti a garganta seca e uma fisgada no peito. Dobrei a esquina e chequei inutilmente o endereço que eu já sabia do karaokê e me vi parado encarando o letreiro.

— Ah! Senpai - uma voz conhecida me chamou. Um dos jogadores do clube - Chegamos juntos. Vamos nos divertir.

É... vamos.

Eu o segui mecanicamente, com um sorriso que aqueles caras não conseguiam identificar como falso. A sala estava cheia e quando eu entrei, houve comemoração. Algumas garotas da escola estavam por lá também. Sentei-me onde havia espaço nos bancos acolchoados do lado esquerdo. Acabei ao lado de uma menina que usava o cabelo preso no alto da cabeça. Ela falou alguma coisa educada comigo, e me deram algo para beber. Só aceitei e sorri. Os caras do clube a apresentaram: Amemori Shiori. "Uma traidora", brincaram. Porque era do clube de líderes de torcida e já tinha participado de uma coreografia para um rival em outra escola. Ela sorriu sem jeito. Notei que era bonita. Minhas reações estavam lentas demais, até para isso.

Entre uma música e outra, começava a voltar à normalidade. Focando no presente e nos meus amigos do clube, cheguei a rir de verdade.

— Ei, Suwa. Você que é amigo do Naruse. Sabe por que ele não veio?

Suspirei. Onde quer que eu fosse Kakeru seria o nome mais comentado? Parte de mim estava feliz por ele ter amigos, mas a outra simplesmente queria uma folga.

— Ele teve um encontro - comentei, um pouco seco e ouvi os comentários um atrás do outro que pipocaram na sala.

— Ah... é verdade. A Takamiya, né?

— Ué, por que não trouxe ela aqui?

— Verdade, né!?

— Nossa, ela era tão tímida, nem sei como... - uma da meninas explicou num canto da sala.

Comecei a pensar no motivo pelo qual eu levei o Kakeru para o time. Pensei nas cartas e no primeiro dia que saímos juntos, como um grupo. Será que eu não conseguiria mais sair com todos eles? O meu futuro mudaria tanto que eu não conseguiria ser amigo dos outros daqui dez anos? Eu me perguntava como eu me tornaria maduro o bastante como o meu "eu" do futuro gostaria que eu fosse.

— É sua vez de cantar, Suwa! - gritou um garoto do clube. Aparentemente eu estive viajando durante um tempo. Todos me olharam ansiosos.

— Eu? Eu não canto... - respondi sem jeito, porque não estava mais de bom humor. Imediatamente a menina, a tal da Amemori, olhou para o próprio colo, decepcionada. A última coisa que eu queria era fazer alguém se sentir péssimo como eu estava. - Não sozinho.

Senti o ar de surpresa da sala e depois as risadas. Disse aquilo no impulso, apenas porque não conseguia parar de pensar em Naho e até sorrir era uma tarefa difícil. Amemori-san levantou-se, bateu a mão na saia e curvou-se de leve

— Então me deixe acompanhá-lo, senpai - sorriu, os olhos grandes obviamente animados. Dei um sorriso sincero de volta. Não era ruim ser olhado daquela forma.

Foi desse jeito que consegui me afastar de novo dos problemas. Minha mente flutuava entre Naho, preocupações e aquela sala. Não prestei atenção em nada do que estava fazendo, mas aquela distração me fez sentir bem. Podia dispersar sem ninguém perceber, algo que eu era impossível acompanhado de Azusa, Takako e Hagi. Nenhum daqueles amigos do esporte percebia o quanto eu estava sofrendo. Era ótimo.


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