The Lamplighter Chronicles escrita por Maya


Capítulo 4
3. Coragem


Notas iniciais do capítulo

Hey guys!
Capítulo novo chegou. Boa leitura :)



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 Ninguém se esquece da primeira vez que sentiu um grande medo. No meu caso, aquela não foi a primeira vez – embora tenha sido quase tão ruim quanto.

 Apertei a mão de Dara com mais força, só para ter certeza de que ela ainda estava ali. Outra explosão ainda mais forte aconteceu. As chamas engoliram as estrelas e queimaram o céu. E de repente, eu estava chorando.

 – Nada temam, jovens! – Michel gritou lá de baixo. – O medo apenas piora a situação! Lembrem-se: tudo o que é mal é fraco, e tudo o que é bom é perene! Não há nada a temer!

 A forma como ele dizia esse tipo de coisa era sempre firme e encorajadora. Sempre nos fazia voltar a acreditar quando perdíamos algo, ou nos levantava quando ficávamos tristes. Mas não causou nenhum efeito em mim naquela vez. Eu não conseguia parar de chorar, e comecei a ficar irritado comigo mesmo porque tinha jurado ser mais forte.

 Olhei para Dara. Ela mal parecia estar se importando.

 – Como você consegue ficar tão calma?

 – Não estou. Só tento parecer.

 Desnecessário perguntar o porquê. Era por minha causa.

 Samuel parecia tão assustado quanto eu, só não chorava tanto. Já Bennet era o único que me convencia de que estava firme.

 As explosões pararam e um silêncio completo tomou conta de tudo. Vi cada mestre dando um passo à frente. Pareciam estar prontos para lutar de verdade se fosse preciso.

 Minutos se passaram – ou talvez tenham sido apenas longos segundos, não sei. Em algum momento, Michel, no meio da fileira de mestres, disse algo aos seus companheiros. Todos assentiram e deram as mãos. Depois, meu tutor gritou:

 – Jovens! Solicito que vocês repitam o que formos dizer agora! Todos deem as mãos e fechem os olhos!

 Ninguém questionou nada. Em um segundos, todos da equipe de resgate estavam de mãos dadas e prontos para a orientação de Michel. Até que não me surpreendia.

 Lá de baixo, os mais velhos começaram a recitar, e nós os acompanhamos repetindo cada linha:

“Ó grande luz que habita dentro de nós,

Manifesta-te e protege nosso lar.

Afasta as sombras que nos cercam.

Permita que apenas o bem entre em nossa casa.

Ó grande luz,

Abençoai-nos!”

 Ainda esperei um pouco. Não sabia se já podíamos abrir os olhos ou se tínhamos que mentalizar algo, então os mantive fechados. Então Dara me cutucou, e eu tomei isso como uma permissão.

 Uma barreira cercava o prédio da Federação. Era transparente e preenchida por pentágonos, como uma grande tela de vidro. Cada centímetro do lado de dentro dela era coberto por uma luz forte e calorosa.

 Adorei aquilo.

 – Está tudo bem agora, companheiros – Michel falou. – Podemos ir jantar agora.

 – É a primeira vez que vejo um Mantra desse tipo na prática – Samuel murmurou ao meu lado. – Incrível...

 Os Mantras eram espécies de encantos aos quais somente os mestres tinham conhecimento. Em geral garantiam proteção, cura de ferimentos leves – ou aceleramento na cura de mais graves –, visões das melhores ações que poderíamos tomar em determinadas situações, e outros benefícios. Eu não tinha visto muitos Mantras poderosos até então. Michel me dissera durante meus estudos que os mestres só usavam esses encantos em momentos de emergência.

  A maioria das pessoas já tinha se encaminhado para o refeitório. Só restavam na sacada eu, Samuel, Bennet, Dara e mais um rapaz ao meu lado. Ele olhava fixamente para a barreira ao redor da sede, com o cenho franzido e as mãos apertando com força o muro branco.

 – Jacques? Está tudo bem? – Bennet perguntou. Eu já ia perguntar o mesmo, mas achei bem claro que não estava.

 Jacques Lamartine entrou na Federação um ano depois de nós. Veio de uma cidadela de Silc. Ele contou que os pais tinham cargos importantes no exército e por isso foi criado pelos avós maternos. Ambos morreram nas explosões.

 – Nada bem, Weiss. – Ele também tinha a mania de nos chamar pelos sobrenomes. Parece que era um costume do povo de Silc. – Mais algum de vocês percebeu o erro que eles estão cometendo? O porto está pegando fogo e só o que fazem é colocar uma barreira à nossa volta e fingir que estamos distantes daquela tragédia! Nós deveríamos estar lá, resgatando pessoas!

 – Nós vamos – eu disse. O rancor de Jacques estava me assustando um pouco. – Assim que a situação se acalmar...

 – É exatamente por isso que sempre encontramos poucos sobreviventes: porque sempre esperamos o caos diminuir. Acontece, Fidellis, que até o caos diminuir, muita gente já morreu! Se nós começássemos o resgate desde o início, o número de sobreviventes seria muito maior! – Lamartine balançou a cabeça. Seu rosto era pura fúria. – Essas pessoas que chamamos de líderes são só um bando de covardes que não conseguem enfrentar o perigo para ajudar pessoas que precisar de nós. Eu não vou ser como eles.

 Então, ele deu meia volta e caminhou a passos pesados até a escada.

 – Espera! – Bennet o chamou. – O que você...

 – Sou da equipe de resgate. Eu vou resgatar aquelas pessoas.

 E Jacques saiu de nosso campo de visão.

 – Nós temos que pará-lo – Dara falou.

 – Façam o que quiserem. Eu vou com ele.

 Olhamos para Samuel.

 – Como é que é?

 – Eu vou com ele, Ariel. Jacques tem razão. Se a Federação é um grupo de pacifistas, devíamos estar fazendo mais esforço do que simplesmente nos sentarmos até as chamas apagarem e a passagem ficar mais segura.

 – Isso é loucura – eu disse.

 Samuel olhou bem nos meus olhos. Parecia desapontado.

 – Você não pensa que, se eles tivessem agido mais rápido, menos pessoas de nossa cidade teriam morrido? Se eles tivessem agido mais rápido, seus pais poderiam estar vivos. – Vi o lábio do meu amigo tremer. – Talvez a minha mãe e meus irmãos também.

 Não sei por quanto tempo ficamos nos encarando daquele jeito, mas foi tempo o suficiente para que eu pudesse sentir a tristeza de Samuel. Senti mais do que nas noites em que o ouvia resmungando sobre o quanto sentia falta dos familiares, mais do que no dia em que o prefeito Chester leu seus nomes na lista de mortos pós-ataque.

 – Não se deixe levar por esse sentimento, Samuel – Bennet aconselhou. – Não vai te ajudar em nada.

 – O que você sabe? Você foi o único que não perdeu ninguém de sua família naquele ataque! A única coisa que perdeu foi a droga desse braço que nem parece te fazer falta! – O negro balançou a cabeça. – Não me venha com lição de moral. Você não entende nada sobre isso.

 Então, ele olhou para mim e para Dara.

 – Já os dois... Deveriam entender melhor do que eu.

 Eu entendia. O que me prendia era minha extrema lealdade à Federação. Não conseguia trair aquelas pessoas, trair Michel.

 – De qualquer forma, eles nos salvaram – falou Dara. – Devemos ser gratos a eles.

 – É claro que sou grato. Porém isso não significa que não possa contrariar seus ideais.

 – Fizemos um voto. Prometemos seguir as regras e sermos fiéis.

 – Também prometemos que iríamos procurar proteger todo mundo. “Todos merecem paz”, certo? – Samuel apontou na direção do porto. – Devemos isso àquelas pessoas.

 Meu amigo olhava especialmente para mim. Sua expressão me cobrava uma resposta mais corajosa. Eu estava nervoso; não sabia se seguia os mestres ou Samuel.

 Foi no momento em que pensei nisso que senti vergonha de mim mesmo pela primeira vez. Então, no segundo seguinte, as palavras simplesmente escorregaram da minha boca:

 – Vou com você.

 Dara me olhou feio.

 – Ficou maluco?!

 – Não. Samuel tem razão. Há pessoas lá no porto que não podem esperar o fogo baixar para serem socorridas.

 – E o que você vai fazer se tiver soldados lá também? Ninguém nos ensinou a lutar e não temos armas.

 – Não precisamos lutar – Samuel apontou. – Entramos lá, salvamos quem precisa ser salvo, e damos o fora. Além disso, por que teriam soldados num lugar que acabou de ser bombardeado? Eles não fazem isso.

 Dara olhou rapidamente para baixo e depois para nós de novo. Sempre fazia isso quando estava em dúvida.

 – Ainda é perigoso.

 – É só mais uma missão – falei com a maior calma possível.

 – Não é não, Ariel. Eu só estou preocupada com vocês.

 – Então vamos com eles – Bennet disse, para minha surpresa. – Vamos cuidar uns dos outros. Você ficará mais calma se continuar no lado deles.

  Vi Bennet olhando brevemente para Samuel, e nesse pequeno instante noite certa tristeza em seu rosto.

 Quando me voltei para minha irmã, ela estava me encarando. Apenas a encarei de volta em igual silêncio, tentando manter uma expressão firme, embora eu não a usasse muito com Dara. Depois de algum tempo, ela soltou um suspiro e deu de ombros.

 – Acho que não tenho escolha.

 – Beleza! – O sorriso voltou para o rosto de Samuel. Ainda bem. – Sem mais tempo a perder. Vamos.

 – É bom usarmos uma caminhonete – Dara observou quando já descíamos as escadas. – Mas as chaves ficam na diretoria. Não podemos pegar sem contar para onde vamos.

 – Podemos pegar a do meu pai – disse o Weiss. – Tenho uma cópia da chave aqui.

 Fomo o mais depressa possível até a garagem, tomando cuidado para não chamar a atenção. Os corredores estavam vazios; todos continuavam no refeitório. Chegamos lá em pouco tempo.

 A caminhonete do pai de Bennet era a única que não tinha o brasão da Federação – a ave dentro de um círculo com apenas uma saída. Era preta e de um modelo mais antigo do que as demais.

 O mais velho de nós assumiu o volante. Dara ocupou o banco de passageiro e eu e Samuel ficamos atrás. Meu coração começou a bater loucamente quando o motor foi ligado. Era a primeira vez que desobedecia às ordens da Federação, a primeira vez que desobedecia à qualquer ordem, e isso me assustava mais do que o que poderíamos encontrar no porto. Mas já era tarde demais para voltar atrás.

 Me senti estranho quando atravessamos a barreira. Não tinha percebido o quanto estava mais leve lá dentro até sentir meu peso voltar quando saímos. Fiquei tonto e um pouco enjoado por um pouco momento também. Pensei que fosse o nervoso.

 Bennet acelerou mais um pouco e seguimos a estrada rumo ao porto.

. . .

 O contraste da luz do fogo contra a escuridão da noite me deu um susto. 

 As chamas estavam tão altas que eu nem conseguia ver direito o estrago que eles causavam. O máximo que podia enxergar eram algumas das lojinhas e o pequeno hotel destruídos. O fogo dificultava minha visão do cais, porém, imaginava que ele já não existia mais.

 – Ei, vocês! Me ajudem aqui!

 Era Jacques. Ele saía do hotel carregando um adolescente em suas costas, uma criança em um braço e um cachorro no outro.  Samuel correu para pegar a criança, enquanto Bennet disparou para dentro do prédio. Dara o seguiu.

 – Só falta um quarto para desocupar! – Jacques gritou para os dois. Depois se virou para Samuel. – Coloque essa criança ali no canto com os outros, Abad.

 Na entrada do porto, a alguns metros de onde eu estava, jaziam pelo menos dez pessoas desacordadas. Fiquei surpreso por Jacques ter conseguido socorrê-las em tão pouco tempo.

 – Venham comigo procurar na loja. – Ele indicou o pequeno prédio do outro lado do porto com o queixo. – Talvez os donos ainda estejam lá.

 Corremos até lá. Lamartine derrubou a porta com o ombro e foi direto para dos fundos. Sua porta estava no chão e a placa continuava ali: “SOMENTE FUNCIONÁRIOS”.

 – É melhor irmos para a sala de jantar! – Gritei para Samuel; o barulho do fogo destruindo o local estava muito alto.

 Aquela loja também servia como restaurante. Era por isso que eu gostava tanto de ficar no porto depois de uma missão: lá tinha tudo, e o preço era menor do que no centro da cidade.

  A porta da sala de jantar estava parcialmente bloqueada pelos destroços caídos. Passamos por cima deles, nos abaixando para passar pelo estreito espaço que tínhamos, e caímos na sala iluminada apenas pelas chamas. Algumas mesas estavam caídas e o chão estava sujo de comida.

 – Estou vendo alguém ali. – Meu parceiro apontou para o fundo da sala. – Vamos lá.

 Precisei me esforçar um pouco mais para ver, mas tinha mesmo alguém inconsciente ali, atrás de uma mesa virada que escondia sua cabeça. Eu e Samuel corremos até lá, pisando na comida e desviando das mesas.

 Então, o teto desabou.

. . .

 Acordei assustado no lado de fora da loja. Pensei que não estivesse mais no porto, já que não vi nenhuma chama, mas bastou uma olhada ao redor para descobrir que continuava lá. Perguntei-me por quanto tempo estive desacordado.

 – Sente alguma dor?

 Levei um susto. Não tinha visto aquele rapaz ali na minha frente.

 – Não. – E não sentia mesmo, o que era estranho. – Você me salvou?

 – Sim. Seu amigo também. – Ele indicou o inconsciente Samuel à minha esquerda.

 – Tinha uma pessoa caída no fundo do restaurante também. – Minha respiração ficou mais pesada com a ideia da tal pessoa ter morrido. – Ela...

 – Direita.

 E tinha realmente uma garota apagada repousando à minha direita. Era bonita, o tipo de beleza que as cinzas de um incêndio, por mais que se esforcem, não conseguem encobrir.

 Devo ter ficado olhando para ela por mais tempo que deveria porque, ao olhar para o nosso salvado, ele me encarava com um sorrisinho no rosto.

 – Obrigado – eu disse.

 – Por nada. Vocês precisavam.

 – Posso saber seu nome?

 Seu sorriso sumiu. Isso me assustou.

 – Acho melhor não.

 – Por quê?

— Seus amigos estão vindo – o estranho desviou do assustou. – Tenho que ir agora. – Ele se levantou, limpou a calça com algumas batidas, e olhou diretamente nos meus olhos.

 Reparei melhor nele: parecia ter a minha idade, a pele era mais pálida, era mais magro do que deveria, o cabelo preto estava bagunçado como se não o penteasse há dias, e os olhos escuros tinham um certo brilho avermelhado.

 Tentei imaginar como alguém com aquele físico pôde tirar dois rapazes debaixo do concreto.

 – Foi um prazer, Ariel. – E foi embora.

 Não fazia a menor ideia de como aquele sujeita sabia meu nome.

 – Ariel! – Dara chegou correndo e se ajoelhou diante de mim. – Está ferido?

 – Estou bem. Não se preocupe.

 – Graças à Deus! – Minha irmã me abraçou com mais força do que nunca. – Fiquei desesperada quando vi o desabamento. – Ela me soltou depois de alguns instantes e me encarou, agora com as sobrancelhas franzidas. – Como saíram de lá?

 – Fomos salvos por um garoto.

 – Que garoto?

 – Ele não quis dizer seu nome. Foi embora antes de vocês chegarem.

 – Gostaria de conhecê-lo. Devo muito a ele.

 Eu podia ver o medo nos olhos de Dara. Ainda imagino como ela teria se sentido com a possibilidade de sua única família no mundo morrer e não poder fazer nada por isso. Dara por muito tempo não me disse com palavras o real tamanho do desespero que sentiu.

 Naquela hora, me dei conta de que nunca iria querer sentir o mesmo. Realmente não queria.

 Bennet estava abaixado ao meu lado checando o estado da garota ainda desacordada. Jacques tentava acordar Samuel.

 – Quando nos questionarem, podem deixar que eu assumo a culpa – Jacques disse enquanto tapeava as bochechas de Samuel. – E... Obrigado por terem vindo.

 – Não temos menos culpa que você. – Dara ofereceu ao Lamartine seu característico sorriso materno, aquele que dizia que tudo ficaria bem e que tanto me tranquilizou na primeira semanas após a morte de nossos pais. – Viemos por vontade própria e com a consciência de estarmos quebrando as regras. Vamos nos entregar juntos.

 Jacques pareceu mais aliviado.

 – O que aconteceu? – Foi a primeira coisa que meu melhor amigo disse quando despertou. – Morremos?

 – Não, parceiro – falei para ele. – Como você está?

 – Estou... Bem. Só um pouco tenso, acho. Como nós...

 – Fomos salvos por um estranho que não quis se identificar. – Indiquei a garota com a cabeça. – Ele a salvou também.

 – Uau. Boa pessoa.

 – Ela parece bem – Bennet falou. – Mas deve ter inalado muita fumaça. Precisamos levá-la para a sede imediatamente.

 Jacques ajudou eu e Samuel a nos levantarmos. Só então notei o quanto o rosto e as roupas do Lamartine estavam sujos, embora não mais que Samuel. Eu com certeza não estava muito melhor.

 – Espera. Por quanto tempo ficamos apagados?

 – Alguns minutos. Talvez dez. – Bennet respondeu. – Por quê?

 Samuel arregalou os olhos.

 – E como foi que vocês apagaram o fogo tão rápido?

 Também tive essa curiosidade. Contudo uma sensação estranha me impedira de perguntar.

 – Não apagamos. Ele se extinguiu aos poucos, sozinho.

. . .

 A primeira pessoa que vi quando chegamos foi Michel. Fiquei a viagem inteira com medo de que ele estivesse bravo e gritasse sobre estar decepcionado conosco. Por isso, senti um alívio enorme ao vê-lo tão calmo.

 Foi delicioso voltar para dentro da barreira de luz. Me senti tão relaxado que cheguei a pensar que toda aquela história de ficar sob o teto da loja não passara de um pesadelo.

 – Então... Se divertiram?

 Olhamos um para os outros. Ninguém sabia o que dizer. Reparei que algumas pessoas nos observavam da sacada, e não gostei disso.

 – Nós temos alguns feridos... – começou Bennet.

 – Já estão chegando pessoas para buscá-las. Vocês vêm comigo agora.

  Minha tranquilidade começou a se esvair.

 – Nenhum de vocês é criança – Michel falou enquanto atravessávamos o corredor até sua sala. Membros da medicina e do resgate passavam por nós com macas. – Então acredito que não precisarei gastar muito tempo explicando o que fizeram de errado.

 Chegamos à sala. Michel a destrancou, acendeu a luz e fez um sinal para entrarmos. O sofá diante da mesa do mestre só tinha lugar para nos máximo três pessoas, então eu me ofereci para ficar de pé junto de Bennet.

 – Não quero saber de quem foi a ideia – meu tutor foi logo dizendo. – Não faz muita diferença, a não ser que tal pessoa tenha arrastado os outros à força. Ou foi isso o que aconteceu?

 – Não, senhor – Jacques respondeu. – Mas eu comecei tudo. Estava nervoso.

 – Por que, exatamente?

 – Achei errado ter de esperar o fogo baixar para começar o resgate. Muitas pessoas lá precisavam de resgate imediato. Se tivéssemos esperado, metade dos feridos que trouxemos estariam entre os mortos.

 – Talvez não.

 – Como assim?

 – De forma alguma nós deixaríamos aquelas pessoas sem amparo. Enquanto esperamos por um momento mais seguro para enviar o resgate, eu e os outros mestres nos concentramos em mantras para proteger as pessoas em perigo. Algumas captam a energia totalmente, outras nem tanto, e algumas não conseguem captar. Mas não paramos por nem um minuto.

 – É sério isso?

 – Ariel e Samuel são testemunhas. – Michel sorriu. Não chegava a ser seu sorriso enorme e vibrante, mas já era melhor do que a expressão séria. – Sem o mantra, os dois teriam sido esmagados lá.

 – Não entendo. – Jacques parecia estar ficando nervoso novamente. – Se vocês têm condições de nos proteger, por que precisamos esperar para entrar em ação?

 – Em primeiro lugar, este mantra constate gasta muita energia. Não sei se daríamos conta com tantas pessoas para proteger ao mesmo tempo. Em segundo lugar, não podemos deixá-los entrar num lugar que acaba de ser atacado pela guerra. A energia negativa acumulada é muito grande. Pode afetar vocês.

 – De que forma? – Dara questionou.

 – Dependendo do estado da pessoa, sua luz pode ser abalada pelas trevas. Ou seja, se alguém estiver instável, pode ser influenciado pelo mal. – Michel olhou diretamente para Jacques ao dizer isso. – Não queremos que isso aconteça. Não podemos correr tal risco. É por isso que esperamos, para evitar.

 Jacques deu de ombros.

 – Não senti nada demais.

 – Por sorte. Mas eu não quero correr o risco de perder nenhum de vocês. Exijo que obedeçam as regras, não pelo bem da Federação, e sim pelo bem de vocês mesmos. Fui claro?

 Todos assentimos.

 – Ótimo. Guardamos comida para os cinco. Podem ir jantar.

 Nos dirigimos à porta sem questionar mais nada. Eu fui o último a sair. Antes, me virei para Michel. Foi uma das raras ocasiões em que conseguia notar sua idade; ele podia ter um espírito jovial, mas às vezes o cansaço do trabalho fazia surgirem suas rugas.

 – Michel?

 Meu tutor escrevia algo em uma folha. Parou e levantou o rosto para mim.

 – Sim?

 – Só queria dizer que sinto muito.

 – Tudo bem, jovem. Era exatamente o que esperava de você.

  Não sabia se isso era bom ou ruim, e fiquei receoso de perguntar. Michel sorriu.

 – Diga aos seus amigos que eu, extraoficialmente, estou muito orgulho pela bravura de todos.


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