Foi sua culpa escrita por Beth Lenny


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Como eu postei nos avisos, essa história é sobre homofobia e conta um pouco do que eu passei também. Por favor, me perdoem se acharem algum erro. Eu revisei, mas posso ter deixado algum escapar.



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    ── Alguém pode me falar o que foram as cruzadas? ──

Silêncio total. Talvez fosse por isso que Sofia preferia trabalhar com crianças. Ao menos elas respondiam suas perguntas, mesmo que suas respostas às vezes fossem completamente absurdas. Os adolescentes, no entanto, davam ótimas respostas quando queriam, mas na maioria das vezes só abriam as bocas para conversarem bobagens. Era típico da idade.

     Sofia suspirou e ajeitou seus óculos no rosto. O jeito era partir para uma tática mais radical. Seus olhos castanhos passaram pela sala até encontrar dois garotos que não paravam de conversar. Um deles estava totalmente virado para trás e a professora decidiu que seria ele.

      ── Está bem. Pedro, responda a pergunta ──

O garoto imediatamente virou-se para frente.

      ── Eu? ── Perguntou na esperança que tivesse ouvido errado. Ele tinha uma expressão de medo no rosto e era compreensível. Sofia talvez fosse a professora mais brava do ensino médio e eles tinham muitos professores.

      ── Claro que é você. Está vendo mais alguém aqui que se chama Pedro? Anda, é para hoje! ──

    Todos os alunos deram risadinhas do desespero do garoto. Ele enrolava para responder, mas estava quase saindo, provavelmente uma besteira ou um “não sei professora”. Porém, alguém abriu a porta da sala com um estrondo enorme. Era o filho de Sofia e ele estava transtornado. A coordenadora estava logo atrás dele, temendo pelo pior.

      ── Me desculpe, mas eu não consegui segura-lo. Ele foi mais rápido que eu ── A coordenadora pediu se sentindo culpada. Isso nunca havia acontecido antes. Tanto ela como Sofia e os alunos estavam assustados.

      ── Tudo bem, Magda. Pode ir, eu cuido disso      ── Respondeu Sofia compreensiva e assim que a mulher saiu, a professora dirigiu um olhar mortal para o filho e agora ela gritava. ── Você acha que tem o direito de invadir a minha aula? O que deu em você, Santiago? Qual o seu problema? ──

 O rapaz entrou na sala sem o mínimo de cuidado, pisando nos pés dos alunos que estavam com as pernas esticadas. Ele foi até a mãe e sem qualquer aviso, um estalo correu por toda a sala. Sofia sentiu sua bochecha esquerda arder. Estava incrédula assim como o restante dos alunos. Santiago havia distribuído um tapa em sua face, bem na frente de todos os presentes.

       ── Qual o seu problema! Como pôde fazer isso? Como pôde destruir a nossa família? ──

Despejou, no mesmo tom que a mãe. Só naquele momento Sofia percebeu que o filho estava chorando. Seus olhos estavam inchados e cheios de lágrimas. A mulher finalmente conseguiu ter uma reação.

      ── O que está acontecendo? Do que você está falando? Você não estava de viagem?  ── Ela se encontrava agora assustada com o estado do filho.

       ── Foi sua culpa! Você fez isso com ela! Você fez o papai ir embora! ── As lágrimas corriam livremente pelo rosto de Santiago e Sofia entendia cada vez menos da história.

       ── Fez isso com quem? ──

       ── Marina! ──

Ao ouvir o nome da filha, não precisou de mais nada. Sofia pegou suas coisas e foi em direção à saída. Funcionários e alunos de outras salas pararam para ver a cena, mas nem um ousou falar com Sofia.

    A professora de História entrou em seu pequeno carro, Santiago veio logo atrás e se sentou no banco de passageiro. No caminho, os únicos sons presentes foram os soluços de seu filho. Em seus vinte e dois anos, ele nunca havia chorado desse jeito tão desolador e sofrido. A mãe estava preocupada com ele e com a filha.

      “O que será que ele quis dizer com aquilo?” Pensou Sofia e quase perguntou ao filho, mas devido ao seu estado acabou não tendo coragem. Precisava descobrir o que estava acontecendo por conta própria, esse era o jeito.

    Ao chegar em sua casa, por alguns instantes ficou aliviada. Não havia nada de pessoas curiosas, policiais ou paramédicos. Talvez Santiago estivesse mentindo o tempo todo. Sua filha estava bem, no momento na escola. Era só uma pegadinha. Seu marido estava no trabalho naquele momento, sabia que estava. Tudo estava bem, tinha que estar!

      ── Ok Santiago, já chega por hoje. Está tudo bem, não há ninguém aqui. Aposto que sua irmã está na escola e seu pai no trabalho. Está tudo bem, não está? ── O desespero de Sofia era quase doentio, mas para a sua decepção, isso só deixou Santiago mais irritado.

      ── Você acha que eu ia brincar com uma coisa dessas? Parece até que não me conhece! ──

Sofia o ignorou. Estava cansada de gritos. Apenas o deixou sozinho no carro e entrou em sua casa, ainda na esperança de que fosse apenas uma pegadinha, ou ainda melhor, um sonho. Era apenas um sonho e ela em breve acordaria. Porém, ela ainda teve tempo de ouvir o filho gritar.

      ── Achamos a carta dela dentro do guarda roupa. Está em cima da mesa. Leia ── E dizendo isso, partiu com o carro da mãe, provavelmente em busca de Marina.

    Infelizmente, a realidade a atingiu com um soco. Na geladeira, havia um bilhete com legras grandes e vermelhas. A mensagem era curta e específica.

       ACABOU! VOCÊ CHEGOU AO SEU LIMITE! NÃO ME PROCURE NUNCA MAIS SUA PSICOPATA!

E no fim, havia o nome de seu marido. Marcos. Não, não podia ser. Ele escreveu mesmo aquelas palavras tão rudes e tão diretas? Lágrimas brotaram nos olhos de Sofia e ela negou repetidas vezes.

      ── Não, mil vezes não. Meu casamento de vinte e três anos foi por água a baixo? ── A mulher lamentava. Seu filho não estava mais lá. Havia saído, Deus sabe lá para onde e sinceramente Sofia não estava se importando no momento.

    Seus olhos pousaram em uma carta em cima da mesa. Estava aberta, então já havia sido lida por Marcos e Santiago. Sofia tentou, apenas tentou, criar coragem e pegou a carta. Sua mão tremia sem que ela tivesse controle sobre isso e ela passou a ler a carta. Era de Marina.

12 de Maio de 2016

Querida Família

    Eu não aguentei. Não aguentei ouvir as provocações de mamãe e do resto da família. É claro que o papai e o Tiago não estão incluídos. Eles sempre foram muito bons para mim, mas você, mamãe. Você foi a minha ruína. Por sua causa e desses preconceitos idiotas eu acabei me fechando para o mundo. Não conseguia me aceitar e você também não me aceitava. Olha que eu tentei, tentei muito ser como a nossa família. Mas não deu. Eu acabei descobrindo isso com treze anos quando gostei da primeira garota. Ela exalava rebeldia e eu era o oposto dela. Com a criação que você me deu, pensei que a homossexualidade fosse errada. Eu senti nojo de mim, mamãe. Mesmo que não admitisse que gostava dela, eu queria morrer por sentir aquilo. Porque eu achava que não era certo, que era nojento, um pecado que tinha como punição o inferno e eu não queria arder no fogo do inferno. Eu chorava todos os dias e rezava para que Deus tirasse isso de mim, mas ele não tirou. Sabe o motivo? O motivo é que amar alguém do mesmo sexo não é errado, mas eu não sabia disso e admiti, fui muito homofóbica.

  No mesmo ano, fiz parte de um bullying com um garoto. Eu o chamei de viadinho e disse que ele gostava de dar para outros garotos. Isso não foi certo e eu sei disso. Tanto sei que depois acabei pedindo desculpas para ele. No fim, ele se tornou um grande amigo quando contei a ele minha sexualidade.

    Com Catorze anos, eu beijei minha amiga. Foi apenas um selinho, mas foi o suficiente para que eu descobrisse que gostava de meninas. Eu senti uma coisa boa, uma coisa que eu não sentia quando beijava meus namorados. Eu tive dois namorados em um tempo muito curto, tudo porque eu não queria ser o que sou, mas eu não podia mudar isso.

    Com quinze anos, eu descobri que sou lésbica. Sei que isso te choca, mas é a verdade e eu sinto muito se você não a aceita. Você me teve para me amar e cuidar de mim, não é? Então porque você não faz isso? Por que você me machuca tanto, mamãe? Por que você fez isso comigo?

    Quando eu contei para você na hora do nervosismo, você e a vovó riram. Só estava eu, você e ela em casa. Vocês riram de mim e disseram, sem tomar cuidado com o quanto isso poderia me ferir.

      “Não é nada disso que você está pensando, Marina. Isso é só uma fase, você não pode ser sapatão”

Eu sabia que não era só uma fase, mas vocês foram mais além. Fizeram piadinhas transfóbicas. Disseram que eu queria tirar meus peitos e ter um pênis, mas mamãe, isso não tem nada a ver comigo. Eu não me identificava como um homem, mas sim como uma garota cisgênero lésbica. Por que era tão difícil para você entender isso, mamãe? Por que era tão difícil entender que não havia nada de errado comigo?

     Todos os dias, você me ofendia. Dizia que não queria ter uma filha “sapatão”. Dizia que isso não era normal, que era nojento. Tem ideia do quanto isso me machucava? Eu queria morrer, mamãe. Morrer e voltar em uma vida que eu não tivesse uma mãe homofóbica. Eu tenho a esperança de que no céu tenha pessoas amigáveis e não rudes como você. É uma grande chance grande, não acha? Eu espero que sim. Então eu tomei uma decisão. Eu vou morar com Deus lá em cima, ou quem sabe, morrer e voltar daqui a alguns séculos em um mundo sem homofobia. Eu tenho que ter esperanças. Não posso mais ficar aqui com você, mamãe. Você já me machucou muito. Desculpe-me, mas eu tenho que ir. Eu quero que saiba que não foi só culpa sua. Foi também culpa da vovó e de todas as pessoas homofóbicas desse mundo que plantaram na sua cabecinha que ser homossexual é errado e nojento.

Adeus mamãe. Deseje-me sorte.

Com amor

Marina.

    Quando terminou de ler aquilo, os soluços preenchiam o ambiente e Sofia se debulhava em lágrimas. Sua filha estava morta e era sua culpa. O que ela havia feito?

      Mas então ela percebeu que havia uma esperança. Eles não haviam achado o corpo ainda, não é? Santiago teria falado para ela, teriam ligado. Nem uma ligação, nem um corpo perdido por aí. Isso significava que Marina podia estar viva? Isso significava que ainda não era tarde demais e ela podia pedir desculpas à Marina e que tudo iria voltar ao normal, na medida do possível, dentro de algumas horas. Ela só precisava achar Marina e tudo ficaria bem.

   De repente, o telefone tocou.


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Notas finais do capítulo

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