Pandora escrita por larissmp


Capítulo 3
capítulo II – Jules


Notas iniciais do capítulo

Olá ♡ eu sei que o capítulo demorou e peço mil desculpas por isso. Obrigada a todo mundo que deixou um comentário - prometo que já respondo todos - e tomara que gostem!



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Havia tantas coisas bizarras acontecendo aqui que eu sequer sabia por onde começar.

Talvez pelo momento decisivo em que Abby simplesmente tinha decidido que estava cansada da sua atual cor de cabelo, ou quando ela tão gentilmente pediu meu cartão de crédito quase sem limite emprestado para comprar duas tintas novas de qualidade bastante duvidosa.

Abigail com certeza não era o tipo de garota que pulava da cama absurdamente cedo em um sábado, vestia o moletom mais surrado do guarda-roupa e saia dirigindo em direção à primeira farmácia que estivesse aberta àquela hora do dia porque precisava fazer alguma mudança radical que ajudasse a superar o coração partido.

Obviamente, nenhuma das etapas desse processo de superação incluía derramar aquele produto colorido sobre o tapete caro da sala.

— Não podemos nos desesperar. – Abby decretou enquanto encarava a mancha. – Eu conheço uma receita excelente de removedor caseiro. – pausou, respirando fundo por alguns segundos. – Aposto que sua tia nem vai notar a diferença.

— Espero que sim. – eu disse. – Esse foi um dos últimos presentes do segundo marido dela.

— Aquele que faleceu de câncer? – Abby arregalou os olhos assim que eu confirmei. — Meu Deus! – exasperou-se imediatamente. — Ela vai despejar a gente, Bonnie. — chacoalhou as mãos em um gesto claro de nervoso. — Eu não quero voltar a morar em Middleburg!

Tia Grace era a verdadeira proprietária do apartamento onde morávamos de aluguel há quase um ano. Apesar dos vizinhos fofoqueiros, o lugar era bom e possuía um preço melhor ainda. O sonho perfeito de toda universitária falida.

— Não esqueça da sua irmã mais velha, o marido e os três filhos. — acrescentei. Abigail tinha deixado para trás uma grande família tão louca quanto ela. A mãe e o pai ainda se recusavam a aceitar que a filha mais nova decidira cursar uma universidade em Manhattan em vez de se casar aos dezoito anos e viver o resto da vida presa no campo.

— Você é cruel, Bonnie.

— Sou realista, na verdade. — respondi, direto ao ponto. — E você está ficando com o cabelo laranja. – murmurei em seguida, vendo ela arregalar os olhos castanhos e correr em direção ao banheiro para conferir o estado.

Eu havia acabado de enfiar mais um punhado de batatinhas na boca quando senti meu celular vibrar no bolso. Puxei o aparelho com a mão limpa e, sem tirar os olhos da televisão, atendi.

Bonnie! — Grace Hoffman berrou do outro lado, fazendo com que eu engasgasse na hora. – Só queria lembrar que você prometeu cuidar da Jules hoje. — disparou antes que tivesse a chance de dizer alguma coisa. – Eu sei que é sábado e você deve estar cheia de planos, mas eu realmente vou precisar ficar até mais tarde no escritório.

— Tudo bem. – tranquilizei com a voz falha. Não era como se a minha consciência estivesse pesada por ter arruinado algo dela. Aliás, aquilo sequer havia sido minha culpa.

Ótimo! — cantarolou. — Ela sai às onze horas do balé.

Tia Grace era o tipo de mulher tão bem-sucedida que poderia ter e ser o quisesse, exceto uma mãe muito presente ou, pelo menos, compreensiva. Jules possuía apenas oito anos mas já tinha todas as características para ser uma futura líder de um pequeno país asiático. Além disso, a pequena pestinha também era uma das maiores responsáveis pela minha carteira estar sempre vazia.

Abby ainda estava trancada no banheiro quando desliguei o telefone. Eu tinha exatos vinte minutos para engolir meus salgadinhos, trocar de roupa, roubar um carro e dirigir até a escola de dança.

Carregando uma latinha de refrigerante e as chaves de Abby, fui às pressas em direção ao estacionamento. O SUV prata estava estacionado em uma das vagas próximas ao portão, o que praticamente anulava as minhas chances de acertar alguma das pilastras de sustentação do lugar.

Para o meu completo horror, a entrada já estava lotada com mães sorridentes e fofoqueiras que adoravam exibir suas filhinhas e discutir sobre penteados. Respirei fundo, tentando me preparar para os minutos mais torturantes do dia enquanto Melina Eastbrooke e seu grupo de amigas desocupadas acenavam.

A mulher guinchou animada assim que eu me aproximei e, como se fôssemos velhas amigas em um reencontro, começou a tagarelar sobre todos os grandes acontecimentos que eu havia perdido em duas semanas.

— Alguém colou um chiclete no cabelo da minha Lucy. — ela sussurrou com pesar. Prendi a respiração por um segundo, apertando com força o chaveiro na mão esquerda. Jules, o que diabos você fez? — Aposto que foi aquela Kelsey.

— Tem certeza?

— Claro. – afirmou. – Ela ficou tão desolada por ter que cortar o cabelo.

— Coitadinha. – respondi, forçando um tom solidário. Talvez, se ignorasse sua implicância natural com a Sra. Douglas, Melina teria percebido quem realmente era a única criança com coragem suficiente para fazer algo desse tipo.

Jules apareceu cinco minutos depois, vestida com seu uniforme cor-de-rosa e os cabelos negros presos em um coque claramente mal feito. E, pela expressão irritada, a pequena Lucy Eastbrooke estava prestes a perder o restante dos seus fios dourados.

— Jules e Lucy estão sempre juntas. — a mulher comentou quando percebeu meu olhar fixo sobre as duas crianças. — Com certeza são melhores amigas.

Ou não.

Minha pequena ditadora pisou disfarçadamente no pé da garotinha loira quando alcançaram os últimos degraus, que acabou se desequilibrando e quase foi de encontro ao chão, antes de envolver seus braços magrelos em minha cintura.

— Bonnie! — exclamou enquanto Melina disparava em direção à filha.

— Peste. — resmunguei, esmagando o corpo pequeno em um abraço. Em seguida, encarei Lucy e sua mãe. – Não seria melhor nós corrermos antes que garota conte que você pisou no pé dela de propósito?

Jules deu de ombros, como se aquilo não tivesse importância alguma, e me puxou pela mão.

— Imagino que você também tenha sido a responsável pelo problema com o chiclete, não é? — perguntei logo que entramos no carro.

— Foi uma das minhas melhores ideias. — respondeu, orgulhosa.

— Verdade. — concordei. — Mas o que a garota fez para merecer isso?

— Ela disse que eu não posso ser a Mulan na próxima apresentação porquê ela não é uma princesa. — exclamou, bufando em seguida. — Ela salvou a China.

— E lutou na guerra disfarçada. — observei.

— Sim! — Jules concordou, animada. — Quem quer ser uma princesa idiota?

— Lucy Eastbrooke. — ela revirou os olhos escuros que havia herdado do pai.

Nós chegamos em casa vinte minutos depois, Jules já estava reclamando de fome enquanto Abby, que parecia ter acabado de sair banho e agora exibia os fios em um tom muito bonito de castanho avermelhado, parecia prestes a sofrer uma crise de pânico.

— Abby? — disparei, observando Jules arrancar as sapatilhas e se acomodar confortavelmente no sofá com o controle remoto da televisão em mãos.

Abigail precisou respirar fundo algumas vezes antes de responder:

— Aparentemente minha receita de removedor não era tão boa quanto eu pensava.

— O que você fez de errado? — arregalei os olhos, nervosa. A tinta laranja havia sido removida com sucesso, assim como o pigmento daquela parte do tapete.

— Nada! — gritou, tentando se defender.

— Não consigo assistir desenho com vocês duas berrando! – Peste aumentou o tom de voz, interrompendo nosso momento de desespero.

— Estamos com um sério problema aqui. — falei, tentando demonstrar toda gravidade da situação. — Abby acabou de estragar o tapete da sua mãe.

— E daí? — retrucou depois de dar uma boa olhada naquele desastre. — É só comprar outro.

— Não é tão simples assim. — respondeu Abby de forma cautelosa. — Foi presente do seu antigo padrasto.

Jules balançou a cabeça em um gesto de negação ao mesmo tempo em que apertava os lábios, claramente reprimindo uma risada.

Abigail arqueou a sobrancelha.

— Qual é a graça, Jules?

— Mamãe comprou esse tapete em uma feira ao ar livre no SoHo. — ela finalmente respondeu.

— QUÊ?

Depois de alguns minutos de puro choque, ameaças de morte feitas por uma melhor amiga muito irritada com um taco de beisebol, e, finalmente, um pedido de desculpas, podemos dizer que tudo voltou ao normal.

Pelo menos até o acidente com o vizinho sem nome e seu gato endiabrado ser mencionado.

— Como ele é? – Jules quis saber assim que Abby desceu para pegar nossas correspondências.

— O vizinho? — perguntei, retirando a embalagem fumegante de lasanha do micro-ondas e depositando sobre a bancada da cozinha. — Caso sua mãe pergunte, você vai contar que eu te obriguei a comer uma gororoba super saudável e cheia de verduras e legumes no almoço.

— O gato. — respondeu, curiosa, ignorando completamente minhas instruções importantíssimas.

— Um pequeno assassino de quatro patas e pelo cinza. — resmunguei, ainda de costas. — Jules? — tentei outra vez, estranhando o silêncio que se seguiu. Afinal, para desespero da mãe, Jules simplesmente amava os animais e não perdia uma boa oportunidade de defender qualquer pobre criatura que considerasse injustiçada pelo ser humano.

O canal ainda estava exibindo o mesmo desenho quando eu me virei, mas a criatura maligna de vestido havia se aproveitado do meu pequeno momento de distração para rastejar até a porta e fazer sua grande fuga.

O som vindo do apartamento ao lado ecoou pela casa, me arrancando imediatamente do estado de completa incredulidade. Jules mirava a última porta com expectativa ao mesmo tempo em que apertava os dedinhos em um gesto nervoso.

— Ficou louca? — tentei manter minha voz baixa, apesar da imensa vontade de esganar aquela criatura com um pano de prato. — Não pode sair tocando na casa de desconhecidos.

— Mas ele é seu vizinho. — ela praticamente berrou no meio do corredor. – E tem um gato!

Ouvimos o barulho da tranca e, antes que eu tivesse a chance de formular uma resposta decente ou simplesmente usasse o velho truque da chantagem, a porta foi aberta.

Em toda sua glória descabelada e nitidamente confuso, o vizinho não nomeado nos encarou por alguns segundos, como se fôssemos duas aberrações que haviam acabado de brotar do subsolo. Dessa vez ele usava uma calça de moletom cinza e uma blusa com mangas extremamente amassada.

Por outro lado, Jules parecia ter acabado de passar por um processo de congelamento quase que instantâneo, com os olhos arregalados e a boca escancarada.

— Posso ajudar? — o tom de voz arrastado e o rosto marcado deixavam claro que ele havia acabado de acordar.

Finalmente parecendo despertar do estado de torpor, ela balançou a cabeça e piscou duas vezes antes de apontar o dedo indicador e decretar:

— Eu conheço você! — Sr. Vizinho não esboçou nenhuma reação que indicasse surpresa ou, no mínimo, preocupação. — Meu nome é Jules. — ela sorriu, imediatamente estendendo a outra mãozinha, como uma criança adorável e bem-comportada faria. — Eu sou uma grande fã dos seus jogos! – declarou.

— Sério? — coçou a nuca, visivelmente desconcertado pelo elogio. — Muito obrigado.

— Espera! – interrompi, soando quase histérica. — Quem é você? De onde você conhece esse homem, Jules?

— Elliott Sayers. — respondeu, tranquilamente, como se isso pudesse explicar toda a situação bizarra.

— Ele faz jogos, Bonnie! — minha pestinha vibrou, exibindo o maior sorriso de todos. — Você sabe que eu sempre olho na internet para saber quando saem novos, e ano passado eu achei o site do dele!

— Quer dizer que ele é o responsável por aquela porcaria que você joga o dia inteiro? — murmurei, incrédula.

— Obrigado pela consideração com meu trabalho de anos de estudo sobre mitologia japonesa, cursos de animação e horas de sono gastas com programação. Felizmente, milhões de crianças, adolescentes e adultos discordam de você.

Enquanto Jules caía na gargalhada, meu rosto esquentou tanto que eu sinceramente comecei a acreditar que seria possível entrar em combustão espontânea a qualquer instante.


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Notas finais do capítulo

Finalmente o Sr. Vizinho tem um nome! (insira o emoji de palmas aqui). O que vocês acharam da Jules? E sobre a mudança capilar da Abby? Contem para mim nos comentários! Pandora agora também está sendo postada no site fanficobsession no modo interativo, porém as atualizações sempre sairão aqui primeiro. Elogios são sempre bem-vindos, críticas construtivas e sugestões também.

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