A Assassina e o Alquimista escrita por Lilás


Capítulo 50
Agridoce


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos.
Eu sei. Sumi por uns dias, mas é porque eu estive muito ocupada. Aliás, só estou atualizando hoje porque minha professora estava de bom humor e resolveu adiar o trabalho de hoje.
Agora, confesso que fiquei em dúvida se deveria atualizar mesmo a história. E também se o capítulo de hoje agradaria de fato. Estou um pouco indecisa sobre esse capítulo. É aquela velha história sobre minha inabilidade para narrar cenas românticas e/ou dramáticas.
Aliás, esse é o penúltimo capítulo! Depois daqui, teremos só mais um e o extra.
Então, vamos logo para o capítulo de hoje, uai!



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Edward e Alphonse montaram um pequeno laboratório de Alquimia na casa de Pinako Rockbell. Pilhas de livros, frascos, restos de experimentos, pergaminhos e um quadro de giz com várias fórmulas esquisitas rabiscadas disputavam espaço com os dois alquimistas. Aliás, eles estavam trabalhando a todo vapor nos últimos dias e, nesse momento, Edward tentava organizar alguns papéis enquanto Alphonse havia saído para buscar mais material de pesquisa. Estava complicado achar alguma coisa sobre as Teigus nos acervos das bibliotecas amestrinas, mas eles ainda contavam com a ajuda de Mustang para checar documentos secretos do exército.

— Já voltou, Al? – Edward perguntou, sem se virar, ao sentir uma presença atrás de si – Olha isso. Qual sua opinião sobre... AAII!!

Não era Alphonse quem ele encontrou ao se virar, e sim, Akame.

— VOCÊ QUER PARAR COM ESSA MANIA DE ANDAR DE FININHO PELA CASA?! – ele esbravejou, segurando o próprio peito de forma dramática.

— O que contou ao Alphonse-san sobre Murasame? – Akame perguntou, diretamente.

— Ah, isso – ele encolheu os ombros – Falei um pouco sobre a maldição, sobre os demônios, sobre o fato de você não morrer...

— Você contou tudo – ela suspirou – Continuam a insistir nessa pesquisa que não vai a lugar nenhum mesmo com minha advertência?

— Não vem, não, assassina. Nós somos os irmãos Elric – Edward fez um sinal de indiferença e deu as costas para Akame – Quando começamos algo, vamos até o fim.

— Você não tem medo disso tudo?

— Não acredito em deuses ou demônios – Edward continuou de costas, puxando pilhas de anotações – E o inferno é aqui mesmo. E também – ele dá um sorriso arrogante e olha para Akame por cima do ombro – Eu vou provar que você está errada e eu estou certo. Sabe como? Método científico, meu bem – e volta para suas anotações.

— Eu estou indo embora de Amestris – ela comentou – Na verdade, isso já estava decidido.

— Faça como quiser – Edward deu de ombros, sem voltar a olhá-la – Agora, com licença, porque tenho muito trabalho a fazer.

Depois de alguns minutos em silêncio, Edward concluiu que Akame havia saído. Mas se surpreendeu ao ouvir um barulho atrás de si.

— Ainda não foi embora? – se virou em um rompante e deu de cara com Alphonse carregando uma pilha de livros.

— Mas eu acabei de chegar – Alphonse se justificou.

— Não. Esquece – Edward abanou as mãos e assistiu o irmão colocar os livros sobre a mesa – E então? Trouxe algo de útil?

— Passei na Biblioteca da Cidade do Leste – Achei alguns livros que podem ajudar, mas tem um em especial. Olha – e suspendeu um livro de capa preta – Pode chamar esse livro de “Estudos Introdutórios da Alquimia do Império”.

— Não brinca – Edward arregalou os olhos – E foi escrito mesmo por um alquimista de lá?

— Bom, o autor parece ser bom mesmo – Alphonse folheou o livro e fez uma careta – Só tem um detalhe que pode atrasar a leitura. Lembra quando achamos o livro do doutor Marcoh?

— Espera – Edward pôs uma mão no rosto em uma tentativa falha de controlar a raiva – Não me diga que esse cretino decodificou os estudos dele da mesma maneira maluca que o doutor Marcoh fez para parecer um livro de culinária, é?

— Não – Alphonse abanou a cabeça – Ele não fez um livro de culinária.

— Ufa! – Edward suspirou – Isso é um alívio.

— Na verdade – Alphonse meneou a cabeça, com certo receio da reação do irmão – Ele decodificou as fórmulas como se fossem expressões algébricas. Está mais parecendo um livro de matemática do que um livro de Alquimia.

— E “alguém” vai ter que decifrar isso, não é? – Edward tomou o livro da mão de Alphonse com impaciência – Dá isso aqui.

— Eu fiquei pensando depois, Ed – Alphonse puxou uma cadeira e sentou ao lado do irmão – Se nosso pai estivesse aqui, com certeza ele nos ajudaria.

— Pois é – Edward se debruçou sobre o livro – Para alguma coisa, aquele vagabundo iria servir.

— Não fale assim do nosso pai, Ed.

— Desculpe – completou sem alterar a voz e nem levantar os olhos – Para alguma coisa, o vagabundo do nosso pai iria servir.

— Acho que não deveríamos ter queimado os livros dele junto com a casa – Alphonse resolveu ignorar o comentário – Poderiam ter algo que nos ajudasse agora.

— Agora que você falou, é a única coisa de que me arrependo – Edward suspirou – Mas, na hora, parecia ser a coisa certa a se fazer.

— Também estou esperando alguns livros da Biblioteca da Cidade Central – Alphonse tamborilou os dedos na mesa – E você? Falou com a ministra Najenda?

— Ela disse que já enviou parte do material de Alquimia e deve chegar em poucos dias – Edward respondeu sem tirar os olhos do livro – Mas ela disse também que estava esperando uma informação importante de um de seus secretários. Parece que ele achou algo grande.

— Espero que sim – Alphonse suspirou – Quanto antes descobrirmos uma cura, melhor.

— Hum, Alphonse? – Edward chamou, sem tirar os olhos do livro – E se, por um acaso, a assassina resolvesse ir embora daqui, você continuaria com a pesquisa?

— Por que está perguntando isso? – Alphonse enrugou a testa.

— Por nada – disfarçou – Mas você pode pensar que ela queira voltar para o país dela...

— Ela te disse alguma coisa? – Alphonse insistiu – Foi alguma coisa que ela não gostou?

— Ai, não, Alphonse – Edward reclamou, impaciente – Eu estou dizendo, hipoteticamente falando, assim, por um acaso, ela quisesse ir embora para longe, você continuaria com tanto empenho nessa pesquisa?

Alphonse o encarou por alguns segundos como se estivesse estudando Edward.

— Sim – respondeu, por fim – Eu disse que faria o possível para encontrar uma cura. E vou fazer.

— Está bem – Edward suspirou, derrotado – Pega aquele livro de capa azul ali para mim. Ele pode nos ajudar a decifrar essa loucura.

Alphonse prontamente atravessou a pequena sala para pegar um grosso livro em uma das estantes, mas algo chamou sua atenção.

— Ed? – chamou – O que significa isso?

Alphonse indicava um pequeno frasco de vidro, com um líquido vermelho-brilhante, escondido entre os livros.

— Essa é aquela pedra filosofal que você me deu – Edward coçou a nuca – Esqueci de falar com o doutor Marcoh sobre ela. Se bem que, agora, ela não seria mais um problema...

— Como assim?

— Bom, soube que o congresso deu ordem por esses dias para que todas as pedras filosofais fabricadas na época do governo de King Bradley fossem destruídas – meneou a cabeça – Na verdade, era para eles terem decidido o que era para fazer há muito tempo...

— E você vai entregar essa pedra para ser destruída? – Alphonse perguntou.

— Não tenho certeza – Edward encolheu os ombros – Não confio muito que eles irão destruí-las de fato.

— Não faça isso, Ed – Alphonse pediu, quase em urgência – Pelo menos, não por enquanto.

— E por quê?

— Bom – Alphonse coçou a nuca, sem jeito – A pedra filosofal não é a pedra capaz de curar todas as doenças? E se descobrirmos uma forma de usar a pedra que possa salvar Akame-chan...

— Ei, ei. Espera um pouco – Edward levantou da cadeira – Você pensa em usar a pedra? São vidas humanas dentro dela. Lembra?

— Eu sei – Alphonse olhava para os lados, desconfortável – Mas estive pensando por esses dias, Ed. Uma vez, o senhor Heinkel me encorajou a usar a pedra para salvar todos nós... Olha, eu sei que o processo para fazer a pedra é errado, mas... E se usarmos para o bem dos outros? Não é uma forma justa de usá-la? Afinal, não podemos fazer nada por essas pessoas que foram usadas para fabricá-la.

Edward não precisou pensar em nada para dizer porque ouviram o barulho de uma buzina de carro e os dois resolveram sair para verificar.

— Senhor Darius. Senhor Heinkel – Alphonse foi cumprimentar os dois recém-chegados que haviam acabado de sair de um carro estacionado na frente da casa de Pinako – Fazendo uma visita surpresa?

— Nada de visita e muito menos surpresa – Heinkel apertou a mão de Alphonse antes de se dirigir para Edward – Trouxemos aquilo que você pediu.

— Lembra das pesquisas que fiz em Creta? – Edward reparou no olhar de interrogação de Alphonse – Descobri algumas pesquisas interessantes por lá que podem ser úteis para o caso da assassina. Sabia que os cretenses desenvolveram uma técnica para criar células em laboratório, sob condições controladas, e fazê-las durar por muito mais tempo? E que, também, eles estão bem avançados no estudo de genética e estrutura celular?

— E esse é todo o resultado de sua pesquisa? – Alphonse apontou, impressionado, para as pilhas de pastas, papéis e livros expostos na bagagem do carro, principalmente agora que Darius havia abaixado a capota do veículo.

— Não tudo. É que a casa estava cheia de coisas do casamento na época que cheguei – Edward indicou Darius – E eu pedi para o King-Kong guardar os resultados da minha pesquisa.

— Já disse para não me chamar assim! – Darius protestou.

— Vamos levar tudo para dentro – Edward nem deu importância para a reclamação de Darius e pegou uma pilha de papéis do carro – Ainda temos muito trabalho para fazer.

— Vocês vão é virar a noite lendo tudo isso – Heinkel também carregou alguns livros e seguiu Edward para dentro de casa.

— Pois é. Viram como sou um bom irmão? – Edward empurrou a porta com o pé e deu espaço para Darius, Heinkel e Alphonse passarem, cada um carregando seu próprio monte de papel – Depois de tudo, Alphonse deveria andar por aí com uma camisa com a frase “Eu tenho o melhor irmão do mundo” estampada na frente.

— Se conseguirmos algum resultado satisfatório, eu até durmo com essa camisa – Alphonse resolveu entrar na brincadeira.

***************************

Alphonse se equilibrava precariamente nas pernas traseiras da cadeira, com a cabeça totalmente jogada para trás, quase cochilando profundamente. Depois de muito balançar, a cadeira acabou escorregando e o alquimista só não caiu porque acordou assustado e conseguiu firmar os dois pés no chão a tempo. Infelizmente, seu braço acabou esbarrando na pilha de livros sobre a mesa e dois pesados livros desabaram no chão com um grande estrondo. Sem se levantar da cadeira, Alphonse se curvou para recolher os livros caídos, porém uma mão chegou antes e pegou um dos livros para ele.

— Estava pensando profundamente em um problema – se justificou desnecessariamente para Akame enquanto fazia uma pose falsamente concentrada.

— Você deveria descansar – ela falou o óbvio. Ele e Edward ficaram horas debruçados sobre os livros, mas Edward tinha ido dormir há séculos.

— Não estou tão cansado – Alphonse piscava mais do que o normal – Quando eu era uma armadura, não precisava dormir e conseguia estudar a noite inteira.

— Você não é mais uma armadura – Akame insistiu.

— Era a única vantagem de ser uma armadura – Alphonse esfregou os olhos com a mão – Mas você não iria gostar de me ver como armadura. Com certeza, eu te assustaria.

— Não me assusto tão fácil – Akame sorriu, levemente.

— Eu acho que não – Alphonse se inclinou de novo na cadeira, cruzando os braços e fechando lentamente os olhos. Provavelmente, voltaria a dormir.

Akame se inclinou um pouco, segurando os cabelos, e beijou os lábios de Alphonse. Imediatamente, Alphonse despertou, puxou Akame para mais perto dele e, sem cessar o beijo, se levantou da cadeira.

— Agora sim, eu acordei – ele sussurrou no ouvido dela, alisando as costas de Akame e passando o nariz pelo pescoço da garota – Ou eu estou sonhando?

— Ainda não – Akame ficou na ponta dos pés para conseguir envolver o pescoço de Alphonse com os braços – Vou botar você para dormir – ela se afastou e puxou a mão dele.

— Dormir, é? – ele deu um sorrisinho maroto.

— Sim, dormir – e reforçou – Sozinho.

— Não – Alphonse choramingava como uma criança enquanto era conduzido por Akame até o quarto – Eu não quero dormir.

— Mas você precisa – ela o colocou sentado na cama enquanto Alphonse fazia corpo mole.

— Então, fique aqui comigo – Alphonse abraçou Akame inesperadamente quando ela se abaixou para tirar os sapatos dele – Até que eu durma.

— Você não está pensando em se aproveitar da situação, não é? – ela perguntou, com uma ruga entre os olhos.

— Me aproveitar do quê? – Alphonse fez uma cara curiosa e inocente bem convincente.

— Nada – ela suspirou – Está bem. Você não vai demorar muito para dormir mesmo.

— Veremos – Alphonse deu espaço para que Akame deitasse ao lado dele na cama.

Os dois deitaram de lado, um de frente para o outro, e ficaram se encarando.

— Você está respirando no meu olho – Akame sussurrou, depois de minutos de silêncio.

— Oh, desculpe – ao invés de se afastar, Alphonse envolveu a cintura de Akame e a puxou para mais perto – Não vai me dar um beijo de boa noite?

Akame se aproximou mais e deu um beijo suave em Alphonse. Os dois trocaram alguns beijos leves e Alphonse ainda beijou carinhosamente o nariz, as bochechas e a testa dela. Akame sentiu uma sensação leve de calor e conforto que poderia até fazê-la esquecer dos problemas.

Mas ele não ficou muito tempo nos carinhos inocentes e logo estava fazendo uma trilha de beijos, descendo pelo pescoço de Akame, enquanto a apertava mais contra seu corpo.

— Você não ia dormir? – ela murmurou.

— É mesmo. Desculpa – ele se afastou com um sorriso maroto e não parecia nem um pouco arrependido – Acabei me empolgando e... Ah! – deu um tapa na própria testa e cobriu os olhos com a mão – Entendi agora o que você quis dizer com “me aproveitar da situação” – e voltou a sorrir para ela – Mas eu prometo me comportar. Estou feliz apenas porque você está aqui.

Os dois ficaram um olhando para o outro por alguns minutos, sem dizer nada.

— Fala alguma coisa – Alphonse pediu.

— O quê?

— Qualquer coisa – ele fechou os olhos de novo – Só quero ouvir um pouco a sua voz.

— Você tem um cheiro bom – Akame sussurrou.

— Eu? – Alphonse enrugou a testa, confuso.

— Sim – ela sorriu, discretamente – Melhor do que carne.

— Wow – Alphonse virou o rosto para o teto, rindo – Vindo de você, é um grande elogio.

Akame sorriu também e Alphonse voltou a olhar para ela, fazendo um carinho suave na bochecha da garota.

Era estranho aquilo. Akame não conseguia deixar de achar esquisito o jeito carinhoso de Alphonse com ela. Não estava muito acostumada com isso. Sempre conviveu com pessoas que não faziam demonstrações públicas de afeto. Aliás, em seu país, isso era um tabu. Pegou-se pensando como seria sua vida se tivesse nascido em Resembool e crescido ao lado de pessoas como Alphonse, Winry, Pinako e, até mesmo, Edward. Será que com ela e Kurome tudo teria sido diferente?

— Pensei que estivesse chateada comigo – ele confessou.

— Não estou chateada com você.

— Que bom. Era tudo o que eu queria ouvir – Alphonse fechou os olhos, lentamente – Sabe, quando eu vi você pela primeira vez, pensei “que garota bonita”.

— Eu só conseguia pensar – Akame sorriu, discretamente – “por que ele não levanta do chão?”

— Tsc – Alphonse riu de olhos fechados – Você não é nada romântica...

Akame passou os dedos entre os cabelos de Alphonse e o sentiu estremecer sob seu toque.

— Você quer me fazer dormir mesmo, não é? – ele perguntou.

— É essa a ideia – Akame coçou atrás das orelhas dele.

Dito isso, ela começou a cantar baixinho uma música de ninar bem comum em seu país.

— Sua voz é linda – Alphonse comentou de olhos fechados.

— Não – ela sussurrou – É você que está com sono.

— Não. É verdade – Alphonse falou, aos bocejos – Se você tivesse cantado naquelas vezes que eu, Jelso e Zampano destruímos várias músicas, nós teríamos nos sentido humilhados.

Akame sorriu novamente e continuou a acariciar os cabelos de Alphonse, mesmo depois da respiração dele ficar mais relaxada. Ele deveria estar muito cansado mesmo.

— Por que você se esforça tanto? – ela sussurrou, ao concluir que ele não poderia mais ouvi-la – E, no fim, eu acabei apenas usando você, não é? – completou, triste.

— Você não deveria pensar assim – Alphonse falou, ainda com os olhos fechados – Eu nunca vou poder te retribuir... Aquela vez, no deserto... Você salvou a mim, Jelso e Zampano... Você nem nos conhecia...

Akame sentiu um nó na garganta, mas respirou fundo.

— Você já deveria estar dormindo – ela rebateu.

— Não quero dormir. Aqui está tão bom – Alphonse apertou mais a cintura de Akame – Verweile doch, du bist so schön...

— Dorme logo, seu chato.

— Não. Não quero – Alphonse fez bico – E, além disso – ele abriu os olhos – eu não quero te deixar sozinha com você triste assim.

— Eu não estou triste – mentiu.

— Você tem olhos tristes – Alphonse alisou a bochecha de Akame – Eu não queria que eles fossem assim.

Akame não soube o que responder.

— Eu queria fazer alguma coisa – Alphonse piscou várias vezes, lentamente – para que eles deixassem de ser tristes.

— Não precisa, Al-kun – Akame disse com a voz quase sumida.

— Você me chamou pelo apelido – Alphonse voltou a fechar os olhos, com um sorriso.

Ela nem havia percebido.

— Prefere ser chamado assim? – Akame fazia um carinho na nuca de Alphonse.

— Sim. Muito – ele suspirou baixo e demorou um bom tempo antes de voltar a falar – Para mim, você é humana.

— Obrigada – mas Alphonse não teve tempo de escutar o agradecimento porque finalmente caíra no sono.

***************************

Akame recolheu seus poucos pertences em uma sacola e a pendurou nas costas. Andou pelo cômodo à meia-luz e parou na frente de um pequeno mural com fotos penduradas. Reconheceu a vovó Pinako em uma das fotos ao lado de uma mulher que, agora, ela sabia ser Trisha Elric. Logo abaixo, três crianças louras faziam uma pose cômica para a foto. O menino no canto esquerdo parecia completamente perdido e assustado. Akame deu um pequeno sorriso. Sem sombra de dúvida, aquele menino era Alphonse.

Outra foto lhe chamou atenção. Principalmente, porque ela mesma estava nela. Não se achava muito fotogênica e ficou meio intimidada pela lente da câmera. Seu sorriso discreto denunciava isso. Winry e Alphonse, ao lado dela, pareciam muito mais à vontade. Edward e Pinako completavam a foto. Aquela realmente era uma boa lembrança...

Perderia tempo ali, olhando fotos. Precisava ir embora antes que os moradores acordassem. Deu as costas para o mural e andou para fora do quarto.

— Então, você vai mesmo ir embora sorrateiramente – uma voz se elevou no ar – como um ladrão?

Akame virou na direção da voz e deu de cara com Edward parado próximo a porta e com as mãos nos bolsos.

— Não vai ficar nem mesmo para as despedidas? – Edward andou até ela.

— Preciso ir – Akame encolheu os ombros.

— Isso é o que você diz – ele cruza os braços – O Al sabe disso? – levantou a sobrancelha – Ah, nem precisa responder.

— Vai ser melhor para todo mundo quando eu for embora – Akame respondeu, séria.

— Melhor para quem? – Edward estava com uma expressão levemente irritada – Sabe o que eu acho? Você está fazendo isso porque quer se punir. Eu sei disso porque já fiz isso várias vezes – abanou as mãos como se estivesse espantando uma mosca – Está sentindo pena de si mesma?

Uma franja cobria os olhos de Akame. Ela continuou em silêncio.

— O problema é que – Edward prosseguiu – quando você faz isso, está punindo o Al também. Ele realmente se importa. Como acha que ele vai ficar quando acordar e não ver você aqui?

— Ele vai ficar bem – ela suspirou.

— “Ele vai ficar bem”, você diz – Edward franziu a testa – Eu o conheço há mais tempo e garanto que ele não vai ficar bem. Portanto – ele bufou, irritado – pare de ficar se culpando por coisas que não são culpa de ninguém.

— Al-kun tem uma inocência que deve ser preservada – Akame sorriu, discretamente – E nós temos que fazer alguns sacrifícios para isso, não?

Edward enrugou a testa e a encarou por alguns segundos, mas terminou abanando a cabeça com um pequeno sorriso.

— Você é igual a mim – comentou, para si mesmo.

— Como? – Akame ergueu uma sobrancelha.

— Você é igual a mim – repetiu – Olha, sabe qual é o meu problema com você? No começo, eu realmente estava preocupado com o Al porque, afinal, eu não te conhecia. Mas, depois virou outra coisa e eu não queria admitir isso nem para mim mesmo – ele deu um longo suspiro – Eu... eu já tive vontade de matar alguém. Não falo no sentido figurado. Falo matar mesmo – Edward sorriu triste e escondeu o rosto nas mãos – Existem pessoas que não merecem viver – ele deslizou as mãos para os cabelos – Conheci um cara que usou a própria filha como cobaia em uma experiência só para não perder a licença de Alquimista Federal. Consegue acreditar em uma coisa dessas? A própria filha...

Edward largou os braços ao redor do corpo, balançando negativamente a cabeça e olhando para algum ponto no chão. Akame continuou o observando e não disse nada.

— Conheci outras pessoas também – ele continuou ainda olhando para o chão – que se aproveitavam do sofrimento alheio para se beneficiar. O mundo seria um lugar melhor sem essas pessoas. Mas, ao mesmo tempo, uma voz na minha cabeça dizia que isso não era o certo. Toda vida tem seu valor. Mas parece tão injusto! – ele olhou para ela – E aí aparece você. Para você, matar essas pessoas seria tão fácil, não é? Sem medo, sem remorsos...

— Quem disse que é sem remorsos? – Akame perguntou.

— Você faz parecer muito fácil.

— Eu apenas tinha que me adaptar – Akame olhou através da janela. Estava escuro lá fora – Eu agia assim para receber a aprovação dos outros e continuar viva. Minha irmã precisava de mim. Morrer não era uma opção – Akame suspirou e fechou os olhos – Quando eu precisava matar alguém, eu imaginava como se eu fosse outra pessoa – ela reabriu os olhos – Isso tornava as coisas mais fáceis. Mas não muito.

— Você parece acostumada com isso – Edward a encarou.

— Não se acostuma com isso nunca – ela olhou tristemente para a Murasame.

— Eu queria convencer a mim mesmo que minha aversão por você era porque eu estava preocupado com o Al – Edward sorriu enviesado – Eu estava preocupado, quer dizer, estou, mas a verdade é que, se eu passasse pelas mesmas coisas que você enfrentou, eu teria feito o mesmo que você fez. Ou até pior.

— Fico feliz que não precisou passar pelo que passei – os cantos da boca de Akame se curvaram em um sorriso discreto.

Antes, Edward teria interpretado esse sorriso como deboche. Porém, dessa vez, não. Ele sentia que as palavras de Akame foram sinceras.

— Eu preciso reconhecer – Edward coçou a nuca e olhou para o lado, envergonhado – O Al tem razão. Você... você é realmente incrível.

Akame deu um pequeno sorriso.

— Eu – Edward arriscou, vacilante – Eu posso perguntar uma última coisa a você? – Akame o encarou de volta como se estivesse o incentivando a continuar – Eu só queria entender melhor... O que você sentiu quando matou sua irmã?

Akame abaixou os olhos, sem responder, encarando um ponto morto perto do chão.

— Ah... – Edward estava meio sem jeito – Desculpe. Tudo bem se não quiser responder...

— Eu me lembro – Akame o interrompeu, ainda olhando para o chão – cada dia e cada noite de Kurome. Lembro de quando éramos crianças, do seu sorriso... – ela sorriu levemente com a lembrança – da alegria de quando nós reencontramos depois de tantos anos separadas... – Akame levantou o rosto e olhou dentro dos olhos de Edward – Você, provavelmente, vai me perguntar se eu me arrependo de ter matado minha irmã. Bom... – ela suspirou, balançando negativamente a cabeça – Eu não me arrependo... Eu matei Kurome porque ela não quis mudar suas ações. Por todas as decisões erradas que ela tomou, ela morreria de qualquer jeito e eu preferi que fosse pelas minhas mãos. Eu cumpri minha obrigação de irmã mais velha – Akame falou a última frase com confiança, mas suspirou logo em seguida – Eu lamento o que aconteceu. Eu a matei, mas lamento o que aconteceu. Não queria ela morta.

Edward engoliu em seco. Ele sentiu um aperto no peito desde o começo da fala de Akame e estava com os olhos arregalados para ela. Sentiu os olhos umedecerem e olhou para o lado para que Akame não percebesse.

— Aquele homenzinho branco... – Akame recomeçou depois de algum tempo em silêncio – Vocês chamam de Verdade, não? Não sei ele ou o Destino, ou o Universo, ou talvez Deus... não sei, só sei que Ele, seja lá quem for, foi injusto comigo e com Kurome. Se eu pudesse... controlar o Destino, teria sido diferente. Kurome estaria aqui. Viva – Akame deu uma grande lufada de ar como se estivesse com dificuldade para respirar – Mas não foi isso que aconteceu.

O alquimista ouviu Akame suspirar, mas não teve coragem de encará-la.

— A forma como vocês dois – ele ouviu a voz de Akame um pouco mais firme e Edward poderia jurar que ela estava sorrindo enquanto falava – são tão próximos um do outro, de certa forma, faz eu me lembrar dela – e acrescentou com um suspiro – Das lembranças boas.

Edward resolveu voltar os olhos para Akame, porém ela não estava olhando para ele, e sim, para o céu através da janela. Naquela hora, o manto azul escuro da noite já estava se desmanchando em fiapos de tom laranja-dourado das primeiras horas da manhã.

— Preciso ir. Não posso lhes agradecer nem me desculpar o suficiente, mas – ela continuou de costas para ele – Cuide bem do Al-kun.

— Não é o que eu sempre faço? – Edward respondeu, instintivamente.

Akame virou-se para ele com um pequeno sorriso.

— Adeus, Edward-san – ela estendeu a mão para ele.

— Adeus – Edward apertou a mão dela – Fico feliz de ter conhecido você – e não havia ironia na sua voz – Akame.

Akame respondeu com um meio sorriso e saiu para a rua. Edward continuou observando-a andar tranquilamente pelo caminho e, quando o sol estava totalmente visível no céu, a silhueta de Akame já havia sumido no horizonte.


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Notas finais do capítulo

Antes de quererem me matar por causa do capítulo de hoje, deixa eu dizer algo em minha defesa! Se me matarem, não poderei postar o capítulo final e o extra.
Não, agora falando sério, a explicação para esse final é porque eu não imaginaria outra atitude de Akame. Aliás, eu fico preocupada com a quantidade de histórias que as pessoas escrevem fantasiando sobre como o amor pode resolver todos os problemas e muitas pessoas acharem bonitinho relações abusivas. Por isso, quis fazer algo um pouco diferente. Sim, amor também cobra sacrifícios e é doloroso. As pessoas não podem se esquecer disso.

Mas temos uma coisa boa nesse capítulo. Akame e Edward finalmente se acertaram! E é a segunda vez que Edward fala com Akame chamando-a pelo nome (a primeira foi no capítulo um, mas foi falsidade do Edward). Finalmente, depois de muitas idas e vindas, resolvemos o conflito apresentado no capítulo um.

NOTA DA HISTÓRIA: Alphonse estava com tanto sono que, em determinado momento, falou em alemão sem perceber. "Verweile doch, du bist so schön" quer dizer, mais ou menos, "Fique mais um pouco, és tão bela" e é uma frase tirada do romance Fausto, de Goethe. Fausto aposta com Mefistófeles que, quando ele encontrasse algo que realmente o satisfizesse e o deixasse tão feliz a ponto de pedir para o tempo parar, ele diria essa frase e Mefistófeles poderia ficar com a alma dele.

E começou a contagem regressiva para o final...



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