Coisas Quebradas escrita por Adriana Swan


Capítulo 22
Davos Seaworth




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/691590/chapter/22

DAVOS

— Lord Wyman Manderly tem duzentos homens com ele dentro de Winterfell – Stannis falou, os olhos presos no mapa do Norte sobre a mesa.

Davos e Stannis estavam sozinhos na pequena torre de pedras remoendo todas as novas informações que tinham. O Cavaleiro das Cebolas havia chegado ao acampamento no dia anterior, desde então passara a maior parte do tempo reunido com o Rei.

— Eu lhes garanto que mesmo ao lado dos Boltons, a lealdade da Casa Manderly é com os lobos – Davos assegurou. – Conheci Lord Wyman Manderly pessoalmente, ele perdeu um filho no Casamento. O Norte se Lembra.

— Lord Snow me falou o mesmo dos Umbers. A Casa Umber dividiu seus homens: Hoster o-terror-das-rameiras jurou lealdade a Casa Bolton e está dentro de Winterfell, enquanto Mors Umber está do lado de fora cercando o castelo de armadilhas e matando qualquer um que ouse por os pés fora do castelo. Foi ele quem pegou Theon e a suposta Arya Stark quando pularam dos muros.

— O irmão deles, Grande Jon Umber é refém do Casamento Vermelho. Podem ter sido obrigados a se juntar aos Boltons.

— Greyjoy disse que estão havendo mortes dentro do castelo – Stannis deu um meio sorriso – fantasmas, ele disse.

— Eu diria que os Boltons estão cercados de inimigos dentro e fora de Winterfell, vossa graça.

— Não sei se estou em melhores graças que eles. Os nortenhos lá fora não tem nenhum amor por mim.

— Mas estão do seu lado, vossa graça. O Senhor libertou Bosque Profundo e o devolveu a Casa Glover, ajudou os homens na Muralha, visitou os homens dos Clãs. Tem ajudado muito o Norte e eles são gratos por isso.

— Devo isso ao Bastardo. Sem Jon Snow continuaria com meus mil homens e sem rumo algum – o Rei fez um careta. – Os nortenhos sussurram e tramam por minhas costas enquanto estou sentado aqui com você. Sor Marlon e Robertt Glover se uniram a Alysane Mormont e os líderes dos clãs durante a noite toda em uma das cabanas. Assuntos proibidos para sulistas. Se fossem me trair, seriam mais discretos, mas eu não estou em seus planos sejam lá quais forem. Não vão contar a mim, que luto a seu lado. Contariam para o último filho vivo de seu querido Eddard Stark suponho. Tem certeza que Lord Snow desertou?

— A deserção já é notícia velha em Porto Branco, achei até que já estivesse aqui – Davos suspirou. – Os senhores não parecem gostar muito de Jon Snow. Os Nortenhos. Em Porto Branco o povo o chama de Lobo Branco, mas os senhores o chamam de Lobo Bastardo.

O Rei deu de ombros dando pouca atenção aquilo.

— Deve ser por causa dos boatos de que ele se deita com mulheres selvagens – Stannis ouvira isso quando estivera na Muralha – há muitos boatos maldosos porque ele é bastardo, mas assim que o conhecerem os nortenhos vão mudar de opinião. O Lord Comandante é um homem muito sério e honrado. Eles vão gostar dele.

Não tenho dúvidas que esse rapaz é especial”, Davos pensou, “não tem muita gente por ai que ganhe a simpatia e tantos elogios de Stannis Baratheon, não é mesmo”. O contato de Davos com o jovem Lord não havia sido tanto quanto o do Rei, mas criara bastante admiração por ele de imediato. Sabia o quanto o mundo era duro com bastardos, mas o rapaz conseguira destaque e aliados fiéis na Muralha, e mesmo tão jovem ascendera rápido ao posto mais alto de Lord Comandante. “Parte disso é mérito da Casa Stark. Já vi muitos filhos de Lords largados em puteiros da Baixada das Pulgas. Poucos Lords tem o coração para reconhecerem e darem um futuro a seus bastardos. Lord Eddard parece ter feito isso melhor do que os outros”.

Jon Snow poderia ter um nome de bastardo, mas fora isso era mais Lord do que muitos que seguiam a Stannis. O rapaz fora criado nas letras e ensinamentos de uma forma que só as grandes Casas eram capazes de fazer. A postura, a forma de falar, a educação, até beleza o rapaz tinha. Mesmo vestindo o preto suas vestes (provavelmente trazidas de Winterfell) denotavam um padrão mais elevado, assim como o discreto broche de prata com o brasão do lobo Stark que por vezes trazia nas vestes. Era dito que quando um homem se junta a Patrulha da Noite todos os vínculos com suas famílias são quebrados, mas bastara alguns dias na Muralha para Davos ver que falar era muito mais fácil do que fazer. O que vira foi uma sucessão de estandartes velhos e esquecidos e pequenos broches e adornos bem guardados por homens sem um passado.

— Não é só isso, senhor – Davos informou – no caminho para cá conversei com Robertt Glover e ele deixou escapar certa desconfiança. O irmão de Glover era um dos homens de confiança do Jovem Lobo, não entrou nas Gêmeas porque os deuses foram bondosos e Robb Stark o despachou de volta ao Norte com uma carta um dia antes, ou então teriam morrido junto aos outros no Casamento.

— Que tipo de desconfiança?

— Lady Catelyn Stark falou-lhe coisas ruins de Jon Snow. Que era traiçoeiro e maldoso, que invejava os irmãos e faria de tudo para usurpar o lugar deles.

— Envenenou o homem contra ele, você quer dizer – Stannis não parecia impressionado. – Era uma mulher traída, suas palavras sobre o bastardo de seu marido não devem ser levadas em consideração. O rapaz é confiável.

— Vamos orar para que confiem nele quando chegar aqui com um exército do Povo Livre.

Os dois trocaram um olhar sabendo que aquilo poderia ser complicado. Uma batida leve na porta e um de seus homens entrou.

— Vossa Graça, os batedores avistaram cavaleiros.

— O Bastardo de Bolton ou o Lobo Bastardo – o Rei falou levantando para apanhar sua espada – hora de encararmos um bastado, Sor Davos.

X

Os cavaleiros avistados eram os batedores do exército de Jon Snow que agora contornava o castelo a distância, escondidos pela floresta fechada da Mata de Lobos. O Lobo Bastardo finalmente chegara, e trazia consigo centenas de homens do povo livre, esposas de lanças, homens Karstark e para surpresa dos que o esperavam, um gigante.

Os batedores os avistaram a distância e o exército de Snow levou várias horas para chegar até onde o Rei estava. Tempo mais do que o suficiente para a notícia da chegada do Lord Comandante se espalhar pela pequena vila trazendo grande excitação a todos. Todos os que podiam estavam a beira da floresta atentos a qualquer sinal de sua comitiva peculiar, conforme os batedores tinham descrito. Robertt Glover, Sor Marlon Manderly, Alysane Mormont, todos os Lords e cavaleiros nortenhos, senhores dos clãs, estavam reunidos a frente com suas centenas de homens atrás deles, tão curiosos quanto. Todos os cavaleiros e Lords sulistas, homens do Rei e homens da Rainha, estavam ali também, menos excitados e mais inquietos. Asha Greyjoy e seus homens de ferro tão prisioneiros quanto ela também estavam a um canto, mas de olho nas matas com interesse. Bem a frente de todos estava Stannis Baratheon impaciente com a espera.

Depois do que pareceu uma eternidade o Lobo Branco finalmente apareceu.

E a primeira visão que a multidão teve dele foi exatamente essa: um lobo branco com olhos vermelhos caminhando silenciosamente pela neve como um fantasma.

Fantasma vinha à frente, gigante e quieto como sempre, o olhar inteligente como somente predadores são capazes de ter. Andou lentamente até os limites da floresta e parou esperando seu senhor. Por entre as árvores Davos podia ver as silhuetas aparecendo, cavalos e seus cavaleiros, pessoas a pé, guerreiros e mulheres. Logo a frente Jon Snow vinha em passo lento pela neve para que as pessoas a pé acompanhassem a marcha do cavalo. Estava montando um belo garanhão branco de guerra que combinava com seu lobo. O jovem Lord parou no limite da floresta, ao lado de seu lobo, diante dos olhares curiosos e atentos de todos ali.

— Vossa graça – falou ainda montado, cumprimentando a Stannis que estava alguns metros á sua frente.

— Lord Comandante – Stannis o cumprimentou de volta satisfeito.

O Lord Comandante Jon Snow desceu do cavalo. O Lobo Branco vestia negro dos pés a cabeça, vestes de fino corte, caras, uma manta de peles grossa sobre seus ombros e um broche de prata com o lobo Stark discretamente preso a capa. O cabo de sua espada exibia um lobo entalhado tão branco quanto aquele que agora estava a seu lado. Jon se ajoelhou em frente ao Rei com cortesia, mas Stannis o mandou se erguer. Era um rapaz muito bonito e tinha a aparência da Casa Stark, cabelos escuros e olhos cinza, diferente da jovem moça que dizia ser Arya.

— Estava esperando por você – Stannis falou.

— Perdoe-me a demora. Parei para esperar por a Casa Karstark. Recebi a notícia de que Vossa Graça estava morto, não sabia o que esperar quando chegasse aqui.

— Estou bem vivo. Tem alguns homens aqui que querem conhece-lo. Vassalos do senhor seu pai – Stannis fez um gesto para que se aproximassem dos nortenhos. – Senhores, este é o Lord Comandante Jon Snow.

— Pelos bons deuses, rapaz, - Glover falou estendendo a mão e apertando a de Jon – você é a cara de Lord Eddard.

— Não poderia me fazer elogio maior, meu senhor.

— Sou Robertt Glover.

— É um prazer conhece-lo. Conheci seu irmão, Lord Galbart Glover, ele era sempre muito bem vindo a Winterfell, um bom homem.

— Sou Sor Marlon Manderly – o cavaleiro ao lado de Glover falou se adiantando para apertar a mão de Jon também.

— Ah sim, o primo de Lord Wyman. Espero que ele esteja bem. Tenho muito apreço pela Casa Manderly e sei que a saúde de seu primo não anda tão boa – Jon respondeu apertando a mão do homem muito cortês.

— Ele está bem sim, está em Winterfell... – “junto com os Boltons e os Freys” foi o que o cavaleiro não teve coragem de dizer.

— Ah, eu sou... – a mulher ao lado deles começou, mas Snow a interrompeu.

— A senhora é Alysane Mormont, segunda filha de Maege Mormont – o rapaz deu um meio sorriso. – Nós já nos conhecemos em Winterfell alguns anos atrás. Talvez não se lembre de mim, as pessoas não prestam muita atenção nos bastardos.

— Mas todos prestam atenção no herdeiro, e era impossível dar uma olhada em Robb Stark sem ver você ao lado dele, Lord Comandante – a mulher segurou a mão de Jon com firmeza, em seguida apontou para o lobo gigante que havia ficado parado mais atrás ao lado do cavalo, quieto. – Rei Stannis disse que ele é manso.

— Manso talvez não seja a palavra, mas não é nenhum demônio como dizem nos boatos. Fantasma, aqui – ele chamou e o lobo foi até ele, os olhos vermelhos olhando os desconhecidos, meio desconfiado.

Fantasma era sem dúvida um animal que poderia ser descrito como Robertt Glover descrevera Vento Cinzento no dia anterior: uma criatura magnífica. O lobo branco era ainda maior que o lobo preto que mantinham numa jaula, era bem maior que qualquer leão de circo e mais assustador. Os olhos vermelhos denotavam uma inteligência surreal, quase como se estivesse estudando todos ao seu redor. Ele se aproximou de Jon até o focinho tocar-lhe a mão estendida, mas mesmo assim ficou um passo atrás, mantendo seu senhor entre ele e aquele monte de desconhecidos fascinados pela quietude da criatura que tanto contrastava com o lobo negro.

Agora os nortenhos tem muitos lobos para amarem”, Davos pensou vendo a forma como os homens olhavam do rapaz para a criatura. “A única dúvida é qual lobo os deixou mais deslumbrados, o lobo gigante manso ou o Lobo Bastardo e suas palavras doces de jovem senhor. Esses homens não precisam mais procurar um Stark nos ossos de um menino morto, agora podem ter seu próprio Stark pelo sangue que corre nas veias do Lobo Bastardo. O rapaz é mais do que poderiam sonhar, dá pra ver nos olhos deles”.

— Tragam a garota – Stannis ordenou a seus homens e os sussurros começaram ao redor deles.

Arya? – Jon perguntou, encarando o Rei, e os olhos cinza do jovem Lord brilharam com uma ponta de esperança enquanto esperava sua resposta.

Stannis não respondeu, cerrando os dentes. Davos sabia muito bem qual a opinião dele sobre a garota resgatada.

Dois homens abriram caminho entre a pequena multidão, trazendo a jovem. Arya estava vestida em roupas grossas de neve e usava um casaco de peles grossas, mesmo assim parecia tremer. O longo cabelo estava preso em uma trança fina, seu rosto magro denotando certa palidez. Talvez a jovem Lady já tivesse sido bonita antes, mas agora seu rosto tinha um ferimento enorme onde o nariz havia congelado e estava sendo tratado por um Meistre para que não precisassem cortá-lo. Os olhos castanhos da menina estavam avermelhados e inchados, como se tivesse chorado nas últimas horas. “Olhos bem castanhos”, Davos pensou, “Nem o azul dos Tully, nem o cinza dos Starks, olhos completamente castanhos.

A menina foi trazida quase com relutância a frente do Lord Comandante. Os olhos cinza de Jon, tão diferentes dos dela, esboçaram reconhecimento, mas nenhuma emoção.

— Jeyne – Jon falou.

— Jeyne? – Stannis falou, levando a mão ao queixo para coçar uma barba inexistente. – Não é Arya?

Arya? Não! Achou que essa fosse Arya? – um desapontamento passou pelo rosto do rapaz – Esta é Jeyne Poole.

Eu sou Arya Stark— a garota falou.

O quê? – Jon indagou.

— Eu sou Arya, da Casa Stark, herdeira de Winterfell – a moça repetiu nervosa, seu corpo começando a tremer.

Jon e Stannis trocaram um olhar. O lobo com certeza não esperava por uma recepção como essa.

— Jeyne – Jon começou, usando um tom mais amável que antes – eu conheço você.

— Você mente. Você é um bastardo— ela falou, sua voz aguda, quase as lágrimas. - Quer minha pretensão a Winterfell. Mente diante de meus senhores para tomar o castelo de mim

Snow olhou para o Rei de novo, como se estivesse preocupado se Stannis estava acreditando nas palavras da moça, mas o Rei não expressava nada.

— Jeyne, você não é Arya. Não tem porque eu mentir sobre você...

— Você é um bastardo que quer roubar a pretensão de sua irmã legítima – a jovem começou a chorar e se virou para Alysane Mormont, Glover, e Manderly– eu sou Arya Stark, sou sim. Contem a ele, senhores. Contém que me testaram e que eu passei. Contem a ele que vocês acreditam em mim...

— Nós fizemos perguntas a Lady Arya – Alysane falou, andava fazendo companhia a menina desde que fora resgatada e parecia acreditar nela – perguntamos nomes de pessoas que conhecíamos em Winterfell. Funcionários. Coisas que só alguém que morasse no castelo poderia saber.

— E eu sabia – a garota falou triunfante entre lágrimas – eu acertei todas! Eu sou Arya Stark. Jon Snow está mentindo, não eu.

— Sabia porque é filha de um intendente, você morava no castelo, era Lady de companhia de minha irmã Sansa. Vayon Poole era seu pai. Foi para Porto Real com o senhor meu pai e nunca mais voltou.

Ele está mentindo— o corpo inteiro dela tremia agora. – Por favor. É um bastardo. Ele quer minha pretensão a Winterfell, quer me destruir. Precisam acreditar em mim. Meu nome é Arya Stark, eu sou a herdeira, eu sou...

— Está tudo bem – Jon falou se aproximando dela e Davos pôde ver alguns dos nortenhos franzindo o cenho com o gesto, mas o bastardo não fez nenhum movimento que ameaçasse a menina, então ninguém o impediu. – Está tudo bem, Jeyne. Está segura agora. Eu posso te proteger.

— Jon Snow...

— Está segura. Eu dou minha palavra que vou proteger você.

A garota hesitou um pouco, o corpo trêmulo e o rosto banhado em lágrimas, e com um soluço de desespero ela se ajoelhou diante do bastardo com o rosto nas mãos.

— Meu senhor, perdoe-me - suas palavras eram abafadas pelo choro – perdoe-me. Lord Greyjoy disse que se descobrissem que eu não era a verdadeira Arya Stark, Stannis Baratheon me devolveria à Lord Ramsay – ela se agarrou as mãos de Jon – Pelo amor de todos os deuses novos e antigos, não deixe, meu senhor. Não deixe Stannis me devolver à Lord Ramsay, eu imploro.

Jon a ajudou a levantar e a envolveu num abraço gentil.

— Ninguém vai devolver você a Ramsay. Está segura agora.

— Meu senhor – ela murmurou escondendo o rosto no peito dele e o abraçando de volta. – Eu serei sua se me proteger dele. Eu faço o que o senhor me mandar. Serei sua puta, Lord Snow, juro que serei, mas não deixe Ramsay por as mãos em mim de novo. Eu posso ser sua puta...

A voz dela morreu no fim da frase e a multidão ao redor estava em completo silêncio diante do desabafo da menina. O único barulho audível ali eram os soluços da falsa Arya chorando nos braços do Lord Comandante.

Levou uma eternidade antes que alguém tivesse a coragem de interrompê-los.

— Lord Snow – Stannis falou chamando sua atenção – temo que temos assuntos a tratar.

Jon concordou com a cabeça tentando se desvencilhar do abraço, mas a moça se agarrou a sua cintura e andou ao lado dele, trêmula, enquanto o rapaz acompanhava o rei, os lords e cavaleiros seguindo atrás, os murmúrios voltando a encher o local com barulho das fofocas que começavam ali. Jeyne Poole manteve-se agarrada a Jon até a entrada da pequena torre do Rei, onde ela foi forçada a deixa-lo e voltar aos cuidados de um meistre para que Snow pudesse entrar junto com os outros para assuntos que só interessavam aos lords.

X

— Vossa graça, eu tenho uma notícia terrível para lhe dar – Jon Snow falou.

A pequena sala sem janelas estava apertada para tanto público. Além de Jon, Davos e o Rei, estavam presentes dois cavaleiros que eram Homens da Rainha e seguidores de R’hllor, Sor Manderly, Glover, Alysane Mormont e mais dois chefes de clãs. Não permitiram a entrada de Alys, a herdeira da Casa Karstark. Os sulistas tinham a cara amarrada para o bastardo, enquanto os nortenhos não tinham vergonha nenhuma de observar o rapaz abertamente.

— Fale logo, não tenho tempo para palavras bonitas – Stannis o apressou impaciente.

— Aconteceu uma coisa terrível antes que eu saísse da Muralha, um incêndio. Absolutamente terrível. Infelizmente não pudemos salvar a todos.

— Lamento por sua perda.

— Uma das vítimas... infelizmente, era alguém de seu coração, vossa graça.

— Minha filha Shireen?! – o Rei exclamou com um sobressalto.

— Não, não, meu senhor, a princesa está bem – Jon se apressou a responder – a princesa Shireen está em segurança.

— Então por quê disse que era alguém de meu coração?

— Sua esposa, vossa graça – Jon falou, voltando ao seu tom mais gentil – infelizmente Rainha Selyse não sobreviveu.

Stannis Baratheon não esboçou nenhuma reação, continuou encarando o bastardo como se ainda estivesse absorvendo aquela informação. Davos sentira um sobressalto quanto pensara por segundos que algo pudesse ter acontecido a pequena Shireen. Os deuses não seriam tão cruéis de machucar a pobre menina, não era possível, mas fora Selyse. Davos nunca tivera grande apreço pela Rainha. Selyse desprezava o Cavaleiro das Cebolas por seu baixo nascimento, era sem dúvida a mais fiel devota de R’hllor e fora ela quem colocara Lady Melisandre no caminho do marido. Não queria dizer que Davos a quisesse morta. Era uma perda e uma lástima que tivesse acontecido assim.

— Meus pêsames, vossa graça – um dos cavaleiros da Rainha falou, seu rosto demonstrando profundo pesar. – Se precisar de um momento a sós...

— Estamos em uma guerra – Stannis respondeu ríspido, como se saindo de um transe, - não temos tempo para o luto.

Mesmo assim todos guardaram um minuto de silêncio ao seu redor enquanto o Rei continuava não expressando nada, o olhar perdido e os pensamentos quietos.

— Como aconteceu?

— Um pequeno caos, eu diria – Jon Snow continuou – um de seus cavaleiros tentou estuprar a princesa selvagem e o gigante o matou. Não sei dizer como o fogo começou, consumiu a torre do Rei rapidamente.

— Vocês na Patrulha da Noite deveriam ser mais cautelosos quanto a acidentes. A rainha está morta por sua incompetência – o cavaleiro de R’hllor falou venenoso.

— Eu nunca disse que foi acidente.

— Está dizendo que alguém matou a Rainha?

— Não, sor. Mas chamas, sacrifícios, o Deus Vermelho. Me parece uma coincidência bem grande.

— O mundo está cheio de coincidências, bastardo.

— Desde que entrei na Patrulha da Noite vi muitas coisas inacreditáveis – Jon se virou para o cavaleiro – nunca vi uma coincidência.

— Senhores – Stannis os interrompeu – também tenho uma notícia ruim para Lord Snow. Contem a ele sobre o menino e o lobo.

Glover, Manderly e Alysane trocaram um olhar e não disseram nada.

— Todas as pessoas presentes aqui sabem sobre o lobo, então podem contar a ele – o Rei insistiu impaciente.

— Não sei se é prudente, meu senhor – Manderly falou com cautela. Stannis bufou.

— Lord Snow tem a minha inteira confiança, não vejo nenhum motivo para mantê-lo no escuro.

— Meu senhor, temos nossas ressalvas – Glover comentou – talvez quando conversamos com mais calma.

— Senhores – Sor Davos se viu na obrigação de se intrometer e todos se viraram para ele que estivera meio escondido a um canto – Jon Snow se tornou o Lord Comandante da Patrulha da Noite tão jovem mesmo bastardo, por puro mérito. Tem feito um trabalho ótimo. Desde que o conhecemos na Muralha nem o Rei nem nós temos nenhum motivo para desconfiar do caráter e da honra de Lord Snow.

— Ele desertou da Patrulha – o cavaleiro de R’hllor desdenhou, – muito honrado para o Lord Comandante.

— Ele demorou na verdade – Stannis respondeu – eu já havia sugerido que saísse da Patrulha há muito tempo. É um desperdício ter o último filho da casa dos lobos preso aos votos da Muralha.

— Vossa Graça – Jon tirou de dentro das vestes um pequeno pedaço de papel com um selo de cera rosa rompido - eu não vim aqui pelo castelo. Recebi uma carta do Bastardo de Bolton na Muralha que dizia que o senhor havia morrido. Eu precisava fazer alguma coisa, eu não tinha mais escolha.

Lord Snow leu a carta em voz alta para que todos na pequena sala ouvissem.

 “Seu falso rei está morto, bastardo. Ele e toda sua tropa foram esmagados em sete dias de batalha. Estou com a espada mágica dele. Conte isso para a puta vermelha.

Os amigos de seu falso rei estão mortos. Suas cabeças estão sobre as muralhas de Winterfell. Venha vê-las, bastardo. Seu falso rei morreu, e o mesmo acontecerá com você. Você disse ao mundo que queimou o Rei-para-lá-da-Muralha. Em vez disso, você o enviou para Winterfell, para roubar minha esposa.

Terei minha noiva de volta. Se quer Mance Rayder de volta, venha buscá-lo. Eu o tenho em uma jaula, para que todo o Norte possa ver, a prova de suas mentiras. A jaula é fria, mas fiz um manto quente para ele, com as peles das seis putas que o seguiram até Winterfell.

Quero minha noiva de volta. Quero a rainha do falso rei. Quero a filha deles e a bruxa vermelha. Quero sua princesa selvagem. Quero seu pequeno príncipe, o bebê selvagem. Quero meu Fedor. Mande-os para mim, bastardo, e não incomodarei você e seus corvos negros. Fique com ele, e eu arrancarei seu coração bastardo e o comerei.”

 

Ramsay Bolton,

Legítimo Senhor de Winterfell

 

— Ah sim, - Stannis sentou-se mais reto na cadeira, extremamente desconfortável – vejo que recebeu minha carta.

— Sua carta?

— Sim. Essa carta. Fui eu quem a escrevi.

— O senhor... – Jon repetiu ficando totalmente estático - ...escreveu?

Stannis Baratheon limpou a garganta um instante, antes de responder incomodado.

— Achei que você precisasse de motivação.

Todos os homens na torre olhavam de Jon para o Rei. O rapaz ficou encarando o Rei por alguns instantes, totalmente quieto, a carta tremendo levemente em sua mão, antes de finalmente explodir.

Você fez o quê?! – Snow falou, até a educação sendo posta de lado ao tratar o Rei por ‘você’ – Está me dizendo que eu desertei da Patrulha da Noite por causa de uma mentira sua?!

— Desertou porque quis, era isso que você queria fazer. Só precisava de um motivo, então te dei um.

— Eu quebrei meus votos, minha honra – a voz de Jon demonstrava toda raiva que estava sentido, a frieza dos lobos deixada de lado – eu fui chamado de traidor, fui esfaqueado, tudo por causa dessa carta. E agora o senhor este me dizendo que fiz isso baseado em uma mentira?

— Você preferia esperar até que fosse verdade? – o Rei o confrontou, também demonstrando irritação.

— O senhor percebe o que fez comigo?! O que me obrigou a fazer? Eu sou o Lord Comandante da Patrulha da Noite, eu era, eu não poderia tomar partido nas guerras do Reino...

— Mas você tomou – Stannis falou se levantando para encara-lo apontando o dedo para o rapaz – Você fazia esse discurso bonito de imparcialidade, mas por debaixo dos panos tramava seus próprios planos sobre Winterfell. Só quando capturei Theon Greyjoy que entendi o que você estava fazendo.

— Eu jamais tomei partido.

— Você tomou sim.

— Eu honro minha palavra e eu jamais...

— Fui eu que escrevi a carta, Lord Snow – o Rei o cortou – eu sei sobre Mance.

Jon se calou.

O Lobo Bastardo engoliu em seco percebendo que havia sido pego, embora Davos não soubesse no quê. A postura agressiva que o rapaz havia assumido na discursão mudou um pouco, como se de repente se desse conta da presença de todos os Lords ao redor.

— Eu... – começou a falar hesitante com a voz bem mais branda – eu não tive escolha.

— Você tinha sim: não fazer nada.

— Achei que minha irmã estivesse em Winterfell – falou e sua voz era quase um sussurro.

— Se um dos irmãos da Patrulha tivesse chegado até você, o Lord Comandante, e tivesse dito que tinha uma irmã com problemas em algum lugar dos Sete Reinos, o que você teria dito a esse homem?

O Lord Comandante engoliu em seco, claramente envergonhado.

— Eu responderia que ele não tinha irmã. Somente irmãos juramentados.

— E mesmo assim você tomou partido.

— E mesmo assim eu tomei partido.

O rapaz se calou, mordendo o lábio, envergonhado. “Deserção é o crime mais grave que um Patrulheiro Negro pode cometer. Tomar partido numa guerra é o maior crime de um Lord Comandante da Patrulha. Jon Snow cometeu os dois. Se não parece bom aos ouvidos de um contrabandista, imagino aos ouvidos desses lords e cavaleiros que não gostavam dele antes. Jon deve estar pensando o mesmo”.

— Quando pegamos Theon Greyjoy eu o interroguei – o Rei continuou – e ele me falou que fugiu com a ajuda de um cantor e suas seis putas que haviam surgido do nada para cantar no casamento da falsa Arya com Ramsay Snow. O restante eu deduzi – Stannis quase sorriu, quase— você não tomou partido na espada, então resolveu interferir pela astúcia. Você é esperto, Jon Snow, mas eu sou mais que você.

— O senhor não entende – o rapaz falou, sua voz vacilante – eu faria qualquer coisa por Arya.

— Então você mandou Mance Rayder com seis esposas de lanças se infiltrarem em Winterfell e tirarem sua irmã de lá na surdina. Foi você mesmo quem quebrou seus votos, Lord Comandante, não eu.

O rapaz ficou quieto um momento, plenamente consciente do julgamento daqueles que assistiam a cena, e seus olhos voltaram a se tornar desafiadores quando respondeu.

— Eu não me arrependo. Eu fiz por Arya, e faria de novo mesmo que custasse meu cargo, minha honra ou minha vida.

— Eu sei, foi por isso que te mandei essa carta – Stannis contornou a mesa se aproximando de Jon – é um desperdício ter o último filho da casa dos lobos preso na Muralha.

— Fiz votos á Patrulha...

— A Casa Stark criou esses votos – o Rei o cortou – os Starks de Winterfell construíram a Muralha, criaram a Patrulha e a manteve por oito mil anos. Se ela os criou, então acho que a Casa Stark tem o poder de perdoar seus votos com a mesma facilidade. Lord Eddard teve quatro filhos homens e você é o último deles.

— Eu sou bastardo, senhor.

— Ajoelhe-se, Jon Snow, e eu o farei se erguer agora como Jon Stark, legítimo herdeiro da Casa Stark e Senhor de Winterfell.

Todos na pequena sala pareceram prender a respiração ao mesmo tempo.

O rapaz fechou os olhos um instante, antes de abri-los de novo com um olhar muito mais decidido do que antes.

— Eu não posso.

— Eu não acredito que não queira isso.

— Eu não disse que não quero, disse que não posso. Minha irmã...

— Não tem como saber se a verdadeira Arya está viva.

— Mas Sansa está.

Casada com o Duende.

— Continua sendo minha irmã.

Sete infernos— Stannis exclamou e só os deuses sabem o quanto é difícil ver Stannis Baratheon praguejar – será possível que encontrei justamente o único bastardo dos Sete Reinos que não quer ser legitimado.

— Lord Snow – Davos falou se intrometendo pela segunda vez. Jon Snow olhou para ele que estava quieto a um canto assistindo a discursão enquanto pensava com seus botões – se me permite dizer, reparei que o broxe de prata que usa é o brasão da Casa Stark; o cabo de sua espada é um lobo. Tomou partido para ajudar sua irmã, arriscou morrer por deserção para vir até aqui. Eu sei que foi bem criado por sua família, basta ver em sua educação, seu fino porte, suas roupas caras que com certeza não ganhou na Muralha. O senhor tem orgulho de ser reconhecido como um dos lobos, então não consigo entender. Por que não quer ter o nome deles? Achei que fosse se sentir honrado. Por que recusa a maior glória que pode acontecer a um bastardo?

— Com todo respeito, Sor Davos – o rapaz respondeu voltando ao tom frio que lhe era habitual – isso é um problema meu.

Ele tem um motivo. Algo que o impede de aceitar, mas que não contará a ninguém. Alguma mágoa, provavelmente, algo forte o suficiente para preferir continuar a viver sob o estigma de bastardo do que receber o nome Stark”.

— É teimoso feito seu pai – o Rei reclamou voltando a se sentar, parecendo cansado. Virou-se para os senhores nortenhos – contem a ele sobre os meninos Starks. Ele merece saber.

— Meus irmãos?

— Eles estão mortos, mas não como você imagina. Não foi Theon Greyjoy que passou Winterfell a fogo – os nortenhos hesitaram – o que foi? Ainda acham que o rapaz tem planos de tomar o castelo porque é bastardo? Não sei se vocês notaram, mas acabei de oferecer Winterfell ao Lord Comandante e ele recusou.

— Vossa graça – o rapaz falou, com certo pesar – eu não sou mais Lord Comandante. Eu desertei. Não sou mais Lord de nada.

— Lord Comandante – Stannis repetiu – esse título fica bem em você.

Os nortenhos então começaram a contar a história toda desde o início, com mais detalhes até do que haviam contado ao Rei. Como encontraram um homem de ferro vivo quando Winterfell fora passada a fogo e como ele lhes contara que fora Ramsay Snow quem passou o castelo a fogo. Como a partir de suas palavras seguiram a trilha dos meninos Starks até encontrarem um lobo gigante vivo e um túmulo. O bastardo escutou calado, o olhar frio e meio distante, guardando qualquer reação ou sentimento para si. Quando finalmente terminaram de contar a história ele suspirou.

— Theon Greyjoy é seu prisioneiro? Ele está aqui?

— Sim.

— Eu gostaria de falar com ele, se o senhor me permitir.

— Quando quiser.

— Ótimo – o rapaz falou, voltando a ter um olhar agressivo – eu quero olhar nos olhos dele e perguntar por quê.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

TEORIA DA CARTA ROSA

A “Carta Rosa” aparece no livro 5 no último capítulo de Jon e está transcrita aqui exatamente igual. Existem muitas teorias e análises da Carta Rosa e é quase certo afirmar que ela não foi escrita por Ramsay. Se for verdade então quem mandou a carta tinha a intenção de fazer Jon ir a Winterfell e as teorias mais votadas para o verdadeiro autor da carta são Mance Rayder ou Stannis Baratheon.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Coisas Quebradas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.