Coisas Quebradas escrita por Adriana Swan


Capítulo 20
Gendry Waters




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GENDRY

O por do sol havia sido tão gelado que Gendry sentia medo do anoitecer. Desde que largaram os corpos dos Freys manchando a neve de vermelho haviam andado o dia inteiro, com uma pausa rápida para se alimentar e descansar os cavalos. O grupo agora era liderado por Lord Umber que guiava a todos através de uma trilha que só ele conseguia ver. Para o rapaz da Baixada das Pulgas toda a floresta parecia branca, gelada e cheia de árvores iguais.

Ao anoitecer pararam sob a copa das árvores, próximo a um lago congelado. Haviam andado muito mais rápido em um grupo menor. Enquanto alguns dos homens acendiam uma fogueira os nortenhos orientavam os outros a como enrolar as patas dos cavalos para evitar que congelassem. Se as pernas congelassem os cavalos morreriam bem mais rápido o que explicava a grande quantidade de cavalos que o grupo de Sor Jaime havia perdido desde que saíram das Gêmeas vinte e um dias atrás.

Não ergueram tendas, dormiriam sob a proteção das árvores. Para alívio de Gendry não havia represeiros ali, pois o rosto com aparência sangrenta lhe dava medo. Lá no fundo de sua mente ainda podia ouvir os gritos desesperados de Ryman Frey mais cedo e ver seu sangue contrastando com o branco da neve sempre que fechava os olhos. Quando terminaram os trabalhos pegaram um pouco da carne de cavalo que tinham trazido e assaram na fogueira, todos sentados ao redor tentando se aquecer. Todos com exceção de Robb Stark que sentava num tronco caído um pouco afastado, mais próximo ao lago, observando o que pareciam ser corvos voando pela superfície, mas naquela escuridão era impossível para Gendry ter certeza.

A conversa era baixa e bem pouca entre os homens ali, o frio roubando toda animação do grupo. Durante o dia era ruim, mas a noite conseguia ser muito pior. Lady Brienne se levantou e foi levar um pedaço de carne assada para o jovem rei afastado do grupo.

— Aqui – ela ofereceu a ele – deve se alimentar, milorde. Amanhã será mais um dia longo.

— Obrigado – ele agradeceu recebendo o pedaço de carne da mão dela.

— Só temos carne de cavalo.

— Está bom para mim.

— Queria poder servi-lhe algo melhor.

— Ele não é uma moça, Brienne – Jaime cortou impaciente. Por conta do silêncio a conversa dela com o Rei era audível para todos ao redor da fogueira assim como para o Regicida sentado próximo a fogueira junto a todos – Carne de cavalo estava bom o suficiente para Stark ontem, não vai ficar ruim de repente só porque você agora pode trata-lo como um Lord.

Brienne mudou de postura parecendo amuada pela repreensão.

— Eu só queria ter certeza de que ele está bem – ela respondeu ao Regicida, emburrada – Ele não está perto da fogueira conosco e está muito frio aqui

— Os Reis no Norte eram chamados de Reis do Inverno. Se Lord Stark não sobreviver a uma nevasca de Outono então está no cargo errado – Jaime desdenhou.

— Sor Jaime tem uma certa razão – o Jovem Lobo falou e pelo tom parecia um pouco divertido com a atenção dela. – Agradeço sua preocupação Lady Brienne, mas estou bem. Não precisa ficar preocupada.

— Desculpe se minha proximidade lhe incomoda, meu Senhor. Não foi minha intenção.

— Não me incomoda que fique próxima a mim, Lady Brienne – Robb falou lançando um olhar para o Regicida sentado ao redor da fogueira. – Embora que sua proximidade a mim pareça incomodar bastante ao Sor Jaime.

Essa foi a vez de Sor Jaime ficar amuado e não soltar nenhuma gracinha enquanto Brienne voltava para perto do fogo parecendo ter as faces coradas, mas a luz do fogo não dava para ter certeza.

O vento soprou frio no silêncio enquanto todos se alimentavam. Gendry queria ter coragem de ir até Robb Stark como Brienne fizera, mas não sabia o que dizer. Sem contar que nunca falara com um Rei em sua vida, nem sabia se devia. Já havia trocado algumas palavras com Lord Umber, mas não falara com Stark nem quando o chamava de Prisioneiro Sem Nome. O que um garoto da Baixada das Pulgas teria a dizer para o Rei no Norte?

Enquanto Gendry se decidia o rapaz Blackwood se ergueu, bateu a neve da roupa e foi até o Jovem Lobo com passos lentos.

— Vossa graça? – falou timidamente.

Era a primeira vez que alguém ali chamava o jovem Rei assim. Gendry prestara atenção nos tratamentos ao longo do dia, todos ali o chamavam de Senhor, com exceção de Sor Jaime que por vezes o chamara de Lord (ou garoto) e de Lord Umber que o chamava de Lord ou apenas de “Stark”.

Robb desviou o olhar fixo nos corvos a distância para dar atenção ao jovem.

— Vossa graça eu... – Blackwood começou, parecendo não saber bem como dizer o que queria dizer. – Eu... eu queria lhe dizer que minha espada é sua, Senhor. Digo, não a espada, mas meus serviços. Não que seja de grande importância, eu não sou bom com uma espada. Eu não sou bom com nada na verdade, por isso meu pai me entregou de refém a Sor Jaime, eu acho. Sou bom com livros na verdade. Não acho que vá ter alguma serventia para o senhor, mas quero que saiba que sou um homem juramentado a Casa Stark e aos deuses antigos, Vossa graça. Queria que soubesse disso.

Sem esperar uma resposta o rapaz deu as costas ao Rei e voltou para junto do fogo, se fugindo do frio ou do olhar de Robb, isso Gendry não tinha como saber.

— Blackwood – Robb o chamou o fazendo parar antes de se sentar com os outros.

— Você sabe meu nome? - Blackwood falou admirado se voltando para olha-lo de novo. – Digo, o Senhor. Claro, estamos na mesma comitiva há três semanas, mas... não achei que me conhecesse.

— Hoster Blackwood – Robb repetiu, deixando claro que sabia sim quem ele era. – Seu irmão lutou a meu lado bravamente. Lucas Blackwood. Ele morreu no Casamento, lamento muito por isso. Era um bom homem assim como tenho certeza que você também é. Será uma honra ter você a meu serviço.

Hoster ficou parado um tempo, olhando para Robb sem saber o que dizer. Não achava que o Rei no Norte soubesse quem ele era; não achava que ele se lembrasse de seu irmão.

— Obrigado, vossa graça.

Blackwood se sentou e parecia estranhamente feliz consigo mesmo por aquele pequeno gesto de reconhecimento. “Será que um pouco de reconhecimento seria o suficiente para mim também?”, Gendry pensou, reunindo coragem para levantar. Stark havia sido educado com todos que falaram com ele, até gentil. O máximo que poderia fazer com Gendry era não dar-lhe nenhuma atenção. Respirou fundo tomando coragem e se levantou.

Gendry caminhou até Robb, não mais que sete ou oito passos de distância, mas o frio o envolveu imediatamente assim que deu as costas pra fogueira. Enfiou as mãos nas vestes sem saber o que fazer com elas.

— Eu queria dizer uma coisa a você – começou, se arrependendo em seguida – digo, dizer ao Senhor. Lord Stark. Rei. Vossa Graça. Sete infernos, eu nem mesmo sei como devo te chamar.

O ferreiro desviou o olhar para o chão, sem saber como encara-lo, sentindo que não devia ter ido até ali.

— Lord Stark está bom – Robb respondeu gentil.

— Não quis ofendê-lo, Lord Stark.

— Não me ofendeu.

Gendry ficou em silêncio, sem saber o que dizer e ciente que as pessoas na fogueira deviam estar ouvindo. Deviam estar rindo dele.

— Eu sou o Gendry.

Ergueu o olhar e encontrou o de Robb.

— Prazer, Gendry. Não me lembro de você, me desculpe.

— Não, não, o senhor não me conhece. Como poderia? – ele riu nervoso – você é o Rei no Norte e eu sou um garoto da Baixada das Pulgas. A menos que o senhor já tenha ido á Baixada das Pulgas. Claro que nunca foi, porque mesmo que tenha ido á Porto Real deve ter ficado na Fortaleza Vermelha, só gente pobre vai á Baixada das Pulgas, lá só tem pobres, bandidos e putas. Sete infernos, o que eu estou dizendo? Meu perdoe, Lord Stark, não devia ter incomodado o senhor. Quer saber, esquece que eu falei.

Dando as costas a Robb, Gendry voltou para a fogueira a passos largos, as mãos tremiam dentro das vestes. Sentou no tronco que estava antes olhando para a fogueira enquanto evitava o olhar dos outros homens que deviam estar rindo dele. Nunca fora bom com palavras. Tinha a cabeça dura como uma muralha de castelo, seu antigo mestre ferreiro costumava lhe dizer. A muralha de castelos como Winterfell, onde o Jovem Lobo havia sido criado.

Winterfell.

Gendry levantou de novo e voltou até Robb.

— Quer saber, eu tenho uma coisa pra lhe dizer sim, Lord Stark.

Toda atenção do jovem Rei estava nele, parecia realmente curioso com a conversa, mas não respondeu nada esperando que ele falasse.

— Eu era da Baixada das Pulgas, mas sai de lá há muito tempo. Nem sei quanto tempo faz. Éramos um grupo de homens: garotos, velhos e meninos, subindo pela estrada do rei rumo a Muralha. Ninguém valia muita coisa naquele grupo com exceção do patrulheiro negro que nos levava. A guerra tinha acabado de começar, os Sete Reinos já estavam nos sete infernos.

O rapaz falou tudo muito rápido, de um fôlego só, as mãos enfiadas nas vestes tremendo. Stark ouviu em silêncio e ficou esperando que Gendry continuasse seu relato, mas o ferreiro parecia nervoso demais para falar com ele.

Gendry respirou fundo.

— Quando saímos de Porto Real tinha um moleque no nosso grupo. Baixinho, magrelo e muito irritante. Tinha os cabelos negros bem curtos e sujos, uma língua afiada. Fedia como um cão, nunca tomava banho, nunca. Era um moleque bem esperto, lutava como um dançarino de Dorne. E tinha uma espada fina, aço bom, forjada em castelo. Sou aprendiz de ferreiro, entendo dessas coisas, era mesmo aço do bom. O nome da espada era Agulha. Era só um moleque faminto em que ninguém prestava atenção. Quando fomos atacados por soldados da Rainha, ninguém lhe deu atenção. Quando fomos caçados e nosso grupo destroçado, ninguém lhe deu atenção. Era só um moleque sujo e mal educado, até que um dia ele me contou o nome dele. Era Arya Stark.

O nome pareceu ressoar quando Gendry o disse. A expressão de Robb Stark mudou de imediato, a surpresa iluminando seus olhos frios quando o Rei se levantou para encarar Gendry face a face.

Arya Stark— Gendry continuou. – Quando Lord Stark foi decapitado nas escadarias do Septo de Baelor, Arya cortou os cabelos e saiu de Porto Real disfarçada de garoto num grupo de homens que ia se juntar a Patrulha da Noite, como Danny Flint da canção nortenha. Era pequena e magra, não tomava banho para que os homens não vissem seu corpo e não descobrissem que não era um menino. Tinha uma espada fina com a qual matou muitos homens grandes para escapar, enquanto andávamos juntos. Tinha língua afiada como um moleque safo, sabia se virar. Era uma criaturinha pequena, mas feroz como um lobo. Os soldados Lannisters a viram, nos pegaram em Harrenhal, mas nunca a reconheceram. Arya esteve embaixo do nariz de Lord Tywin Lannister em Harrenhal, mas ele nunca descobriu que a serviçal que servia seu vinho era a irmã do Jovem Lobo. Se soubesse a teria capturado ou matado e Arya era muito boa em sobreviver. Eles jamais a encontrariam, pois estavam procurando uma Lady bem nascida e Arya parece muito mais um moleque do que uma Lady.

O silêncio seguiu as palavras de Gendry, as faíscas crepitando mais altas na fogueira. Robb Stark estava parado na sua frente e o rapaz reparou que tinham praticamente a mesma altura.

— Você não acredita em mim, não é?

— Na verdade – Robb respondeu – nunca ouvi nada sobre Arya que fizesse tanto sentido quanto o que você me diz. Com certeza é algo que Arya faria.

— Já faz algum tempo que nossos caminhos se separaram, eu realmente lamento pelo que os Freys disseram sobre ela ter sido obrigada a casar com o tal bastardo. Só de pensar que ela possa estar sendo estuprada eu...

— Não está – Robb o cortou. – A garota que está em Winterfell não é Arya.

O quê?!

Stark olhou para o Regicida buscando uma confirmação.  Gendry se virou e pode ver que todos ao redor da fogueira encaravam os dois surpresos pelo desenrolar da conversa, o dia inteiro parecia ter sido uma sucessão de revelações.

— Minha família nunca encontrou Arya – Jaime confirmou. – Cersei mandou uma garota nortenha qualquer para Winterfell para se passar por Arya Stark. Ninguém conhece a garota e os outros Starks estão mortos. Ninguém no Norte deveria saber que era uma farsa e ela herdaria o castelo.

Não é Arya”, o coração de Gendry acelerou só de pensar, “os Freys disseram que ela era brinquedo do bastardo, mas ela nunca voltou a Winterfell. Será que fugiu do Cão de Caça ou ele não a vendeu? Será que ela está viva? É claro que está, lobos são difíceis de matar, ou eu não estaria de frente com Robb Stark agora”. Ainda olhando para Sor Jaime sentiu uma mão em seu braço e se virou. Robb colocara a mão sobre seu braço gentilmente, o rosto tinha um leve traço de um sorriso.

— Mandei meus homens procurarem Arya pelos Sete Reinos durante muito tempo antes de desistir. Achei que estivesse morta. Obrigado por me dar essa esperança de que minha irmã possa estar viva.

— Eu não sei se ela está viva, Lord Stark, mas se eu fosse apostar em alguém para sobreviver a isso tudo, apostaria todo o ouro de Rochedo Casterly em Arya Stark.

Robb Stark cruzou os braços como se de repente o frio tivesse começado a incomoda-lo e desviou o olhar para o lago. Deu um longo suspiro e Gendry podia ver nos olhos dele que aquela conversa tinha tirado um peso enorme dos ombros do jovem Rei.

— Antes de me contar quem era, Arya as vezes me falava do senhor. Ela sempre falava do irmão favorito dela. De como ele a ensinara a andar a cavalo, a brincar com facas, de como lhe dera uma espada de presente. Arya sempre dissera como o irmão mais velho era a única pessoa no mundo que estava ao lado dela quando ela se sentia perdida, quando ela sentia que não se encaixava. Mesmo sem nunca dizer seu nome, todos os dias ela falava de você, Lord Stark.

Robb ficou quieto, o olhar ainda distante como se evitasse encarar o rapaz que parecia ter mexido em feridas que já haviam cicatrizado. Se o Jovem Lobo acreditava mesmo que a irmãzinha estava morta, isso já devia ter bastante tempo.

O ferreiro preferiu deixa-lo com seus pensamentos (que deveriam ser muitos) e voltar para o calor do fogo. Em silêncio, deu as costas ao jovem rei sendo aquele gesto a maior privacidade que poderia dar a ele para lidar com sua dor. Voltou para fogueira onde todos pareciam se forçar a olhar o fogo, como se não quisessem lidar com mais nada naquele dia longo demais.

— Gendry – Stark o chamou quando ele estava prestes a se sentar, sua voz pareceu ligeiramente embargada quando se forçou a falar. – Arya disse que era o irmão favorito dela?

— Sim – o ferreiro respondeu com um sorriso. – O favorito. Aquele de quem ela mais sentia falta.

Stark sorriu com amargura.

— Não era de mim que ela estava falando – Robb respondeu – era de nosso irmão bastardo, Jon Snow.

Gendry abriu a boca surpreso, mas não soube o que responder. Stark voltou a se sentar no tronco dando as costas completamente ao grupo e ficando de frente para o lago vazio. Não era possível que não sentisse frio. Talvez o frio o incomodasse tanto quanto a Gendry, mas ainda assim o frio fosse a coisa que menos machucasse o coração de Robb Stark.

X

Quando Gendry acordou estava tão frio que seu corpo doía. Haviam esticado mantos no chão ao redor da fogueira e dividido pessoas para ficar de vigília. Só de pensar em se mover já sentia o corpo estremecer. O silêncio agora estava muito maior que antes, os dois únicos homens acordados falavam em sussurros quase inaudíveis para não acordar os outros.

— Deveria tentar dormir de novo. Dormi a primeira parte da noite, estou descansado – a voz do Regicida chegou a ele num tom baixo. – Você quase não dormiu, não vai aguentar a jornada se passar as noites em claro. É tolice.

— Não é tolice – a voz de Robb era ainda mais baixa que a do outro. – Simplesmente não consigo dormir – fez silêncio por alguns instantes. - Como você consegue dormir, depois de tudo que já viveu?

Gendry abriu os olhos, a luz da fogueira bem mais fraca agora sendo alimentada aos poucos pelo Regicida sentado num tronco próximo a ela. Stark estava sentado sobre seu manto na neve, como se estivesse deitado ali pouco antes. O ferreiro não saberia dizer, pegara no sono muito antes do jovem rei se juntar a eles.

— O que foi? Suas vítimas tiram seu sono? Está ouvindo os gritos de Ryman Frey em sua cabeça? – apesar das palavras parecerem sarcásticas, o tom do homem era amigável. – Não consegue dormir pensando naqueles que já matou?

— Estou pensando em Arya e no destino que os deuses deram a Danny Flint da canção – Robb respondeu num tom ainda mais baixo, quase inaudível. – Aqueles que matei não tiram meu sono; o que tira meu sono são aqueles que não consegui salvar.

O olhar do Regicida era estranho. Parecia até empatia.

— É uma guerra, acontece.

— Eu desisti de Arya – Robb falou, o tom um pouco mais alto, mas ainda abaixo do outro homem. – Desisti de Sansa. Meus irmãos foram mortos por um erro meu. Minha mãe foi morta por um erro meu, todos os meus homens foram. E meu pai... tudo que eu queria era salvar meu pai.

A voz dele morreu no fim da frase como se não fosse capaz de continuar. O Regicida suspirou.

— Nós somos pessoas realmente únicas, Stark. Você e eu – Jaime falou, olhando o fogo em vez do encara-lo – com todo o sangue que temos nas mãos, resolvemos nos culpar justo por aquele que não derramamos.

A fogueira crepitou enquanto ele mexia no fogo, distraído.

— Pelo sangue de quem você se culpa?

— Pelo de meu pai.

— Foi Tyrion quem matou Lord Tywin.

— Sim – Jaime deu um sorriso amargo. – Tyrion seria executado por matar Joffrey e eu não suportaria ver meu irmão ser morto, por isso eu o ajudei a fugir. Abri sua cela, silenciei seus guardas, comprei sua fuga da cidade e o deixei a meio caminho de ser um homem livre. Mas em vez de ir embora, ele foi até os aposentos do senhor nosso pai e o matou, por causa do que eu lhe disse. Tyrion já estava indo embora, mas eu tinha que contar a verdade a ele antes, a verdade sobre as mentiras que nosso pai havia contado a ele. Sete Infernos, foi por causa de minhas palavras que ele o matou.

Houve silêncio enquanto Stark absorvia a informação.

— Cersei não sabe disso, não é?

— Não.

— É por isso que você não quer mais voltar a Porto Real?

— Cersei me mandou matar Tyrion – Jaime sorriu de novo, um sorriso triste – e tenho certeza que se Tyrion voltou a Westeros, ele vai tentar matar Cersei. Meus irmãos vão tentar matar um ao outro e não importa qual deles vença, eu já perdi.

Era uma situação difícil, Gendry tinha que reconhecer. Rainha Cersei nunca fora conhecida por ter um bom coração e se metade do que diziam do Duende fosse verdade, era ainda mais perigoso que a Rainha. O Regicida continuou.

— Posso lhe dar um conselho de amigo?

— Somos amigos?

— Não, porém não vejo nenhum outro homem aqui para desempenhar esse papel ao lhe dar um bom conselho.

— Grande Jon...

— É seu vassalo, não seu amigo. Além do mais, creio que esteja lhe dando os conselhos errados sobre determinado assunto.

— E seus conselhos são os certos? Nunca cantaram sobre seu lado sábio.

— Nunca cantaram sobre meu lado estúpido também – Jaime suspirou. – Admira o homem que seu pai foi?

— Claro que sim – Robb respondeu rápido, na defensiva.

— Então se torne o seu pai - Jaime olhou para Robb – não o meu.

— Não o... seu?

— Sei o que pretende fazer. Pretende cantar a sua própria Chuva de Castamere para a Casa Frey. Não faça isso.

Robb não desviou o olhar dos olhos verdes de Sor Jaime, mas não respondeu.

— O Norte se Lembra – Jaime continuou – e você está furioso. Hoje você é só um garoto ferido, quase prisioneiro, sem nada além do próprio orgulho, e ainda assim matou Ryman Frey friamente e com um toque de crueldade. Nem imagino o que fará quando voltar a Winterfell e tiver homens, meios e poder. Se o poderoso Lord Tywin quase não conseguiu parar você, com meu pai morto, ninguém será capaz de segurar o Jovem Lobo. O que pretende, Stark? Passar as Gêmeas na ponta da espada?

Dessa vez o rapaz desviou o olhar para o fogo. Levou tanto tempo para falar que pareceu que nem responderia, mas por fim respondeu.

— As vezes em Winterfell quando era jovem – Robb disse, Jaime deu um longo olhar nele – quando era mais jovem – corrigiu amuado – eu conversava com meu irmão Jon sobre a canção. Nos perguntávamos o que diabos passou na cabeça do senhor seu pai quando massacrou a Casa Reyne e a Casa Tarbeck. Entendíamos que haviam se rebelado, que havia motivo para retaliação, mas matar todos os seus servos por um erro de seus senhores? Massacrar homens, mulheres e crianças? O que diabos havia passado pela cabeça de Lord Tywin naquele momento, eu me perguntava – Robb suspirou. – Agora eu sei exatamente o que passou pela cabeça dele naquele momento.

— Então entende o senhor meu pai melhor do que eu. Eu entendo a batalha, a guerra, mas nunca entendi o que passa na cabeça de um homem que massacra um grande número de inocentes. Imagino o quão difícil deve ter sido para ele batalhar contra você... você era o filho que ele gostaria de ter tido – Robb pareceu incomodado com aquela frase. – É um elogio, Stark.

Elogio ou não, a ideia de ser o filho que Lord Tywin queria ter tido não parecia dizer algo muito bom sobre ele.

— Eu lembro do rosto de todas as mulheres da Casa Frey... dançando comigo – a voz dele voltara ao tom frio que usava quando era apenas o Prisioneiro Sem Nome. – Dancei com cada uma delas, sorriam, rodopiavam em meus braços, disputavam para saber quem seria a próxima. Duas até tentaram roubar um beijo meu. Seduziram meus homens com palavras doces, os encheram de vinho barato. Elas sabiam que estariam todos mortos antes do amanhecer. Não me diga que foram obrigadas pelos seus senhores, Sor Jaime, elas sorriam em meus braços enquanto tentavam me encher de vinho que não tomei. Eu estava sóbrio quando tudo aconteceu. A primeira chuva de flechas disparada foi sobre mim, para me matar no primeiro minuto, não morri por bondade dos deuses e uma dose de incompetência dos músicos arqueiros. Depois disso o inferno. Pequeno Jon Umber morreu ao meu lado, de pé sobre meu corpo caído tentando me proteger. Não havia mais mulheres Freys no salão, elas haviam saído levando meu Tio Edmure ao leito nupcial e seduzindo alguns dos meus senhores para fora, aqueles que poderiam ter valor como prisioneiro depois. Todos os que ficaram no salão foram mortos. Todos. Entre taças de vinho e um banquete. Por último degolaram minha mãe, mas não antes de enfiarem uma faca em meu peito diante dela e me deixarem ao chão. Ela pensou que eu tinha morrido. “Meu primeiro e meu último filho”, foram as últimas palavras que ela disse, enquanto cortava o próprio rosto com as unhas em desespero. Ai eles a degolaram. Eu ainda estava consciente, eu vi. A última coisa que lembro foi de ouvir o riso deles sobre nossos corpos.

Um silêncio se abateu sobre eles tão pesado quanto as palavras proferidas pelo Jovem Lobo.

— Está a salvo agora – Jaime falou – vá para casa, para Winterfell. Encontre uma bela mulher, tenha meia dúzia de filhos ingratos, siga sua vida. Estava morto, agora ganhou uma segunda chance. Não se torne o demônio que eles dizem que você é.

A salvo?! Eu perdi tudo que eu amava.

— Não perdeu. Os Freys não podem tirar de você quem você é. É o herdeiro da casa dos lobos, no momento em que pisar em Winterfell voltará a ser o Rei no Norte.

— Que prêmio vazio os deuses me deram, uma coroa, foi pela vida de meu pai que orei a eles.

As primeiras luzes da manhã clareavam o céu ao leste, mostrando uma névoa densa e congelante que os envolvia a todos.

— Eu só quis lhe dar um conselho de amigo – Jaime falou querendo encerrar de vez o assunto, logo todos estariam acordado com o amanhecer.

— Não somos amigos – Robb respondeu. – E se eu escutasse bons conselhos não teria me casado.

— Quanto a isso não encontrará julgamento em mim. Sou a última pessoa nos Sete Reinos que pode criticar alguém por amar quem não devia.

— Amor nunca foi meu problema – Stark falou, ligeiramente incomodado. - O problema foi o voto quebrado.

— Entendo tudo sobre votos quebrados também.

— Quebrou muitos, pelo que sei.

— Quebrei sim – Jaime falou olhando o fogo que começava a virar brasas e parecendo ter o pensamento bem longe dali. – Jurei ser leal a minha família em primeiro lugar, mas então me tornei cavaleiro e jurei defender os fracos e oprimidos; então entrei na guarda real e jurei proteger o meu Rei. Mas o Rei mandou que eu matasse meu pai e meu pai planejava matar o meu Rei. São muitos votos para manter. Ai o meu Rei mandou queimar seu povo em suas casas, em suas camas, os homens, as mulheres e as crianças. Então decidi defender os fracos e oprimidos, e matei meu Rei pelas costas. Quando se faz muitos votos é impossível não acabar quebrando um ou dois. Agora só me restou minha família, e minha irmã ordena que eu mate meu irmão; enquanto meu irmão trama a morte de minha irmã. Meus votos parecem trair um ao outro e já não há mais nenhum para manter.

A claridade agora se espalhava no horizonte, tornando a escuridão em uma imensidão branca ao redor deles. Sor Jaime Lannister olhava para as brasas morrendo na fogueira e parecia se sentir perdido.

— Ainda tem um voto para manter. Fez uma promessa à minha mãe de que protegeria os filhos dela – Robb respondeu com suavidade. – Eu fui resgatado, ainda estou vivo e a caminho de Winterfell. Eu diria que você está indo bem nesse.

O Regicida deu um sorriso triste.

— O sol está nascendo. É melhor acordarmos os outros.

— É melhor sim.

Os dois homens encerraram a conversa e se ergueram e começaram a chamar os outros para a jornada daquela nova manhã.


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Notas finais do capítulo

20 Capítulos e finalmente o fim da primeira parte da fic!

Danny Flint O Bravo é uma música muito conhecida nas Crônicas de Gelo e Fogo que não teve versão no seriado.
Procurem no youtube por "The Ballad of Danny Flint (Legendado)"



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