Registro Panorâmico escrita por Titi


Capítulo 37
Confiança


Notas iniciais do capítulo

Eu estou quase acabando, gente... Provavelmente o próximo capítulo é o último.



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Fatos psíquicos do Hebrom

Eu estou muito preocupado com a Quésia. Eu avisei meus pais que iria sair no meio da noite e disse que era uma emergência com uma amiga minha. Minha mãe fez cara de brava, mas meu pai só pediu para que eu tomasse cuidado, porque percebeu o quão aflito eu estava.

Fui até a casa de um amigo que vendia jornal logo cedo com coisas que eu pretendia dar à Quésia amanhã, mas resolvi entregar hoje por causa do imprevisto. Bati no portão dele e consecutivamente pedi desculpas a ele por tê-lo acordado (Eu sei que à essa hora ele costuma estar dormindo, porque acorda muito cedo). Peguei a bicicleta dele emprestado, avisando que devolveria amanhã. Saí pedalando com pressa e orando ao mesmo tempo:

“Deus, por favor, não deixe que nada de ruim aconteça com a Quésia... Por favor... Mas, se já tiver acontecido, eu peço pra que o Senhor esteja com ela. Ela é muito preciosa pra mim, um presente que o Senhor me deu, mas eu não estou podendo cuidar dela agora. Só Você tem poder pra isso... Não permita que ela fique sofrendo... Pelo menos não sem se lembrar de Você, porque nós não conseguimos levantar sem a sua ajuda.

Eu sei que uma vida com o Senhor não é isenta de coisas ruins, mas o seu braço se torna um apoio imenso pra quem confia no que Você pode fazer por nós. Por favor, que ela sinta a sua presença... Eu não quero que ela se machuque. Você é o meu melhor amigo e me ajuda quando passo por momentos difíceis... “Eu queria que o Senhor fosse o melhor amigo dela também.”.

Fatos psíquicos da Quésia

Eu estava tomando banho e chorando alto. A água caindo no chão impedia que as pessoas me ouvissem. Através do espelho eu notava já estar com os olhos vermelhos. A dor de cabeça era quase que insuportável. Eu me sentia uma verdadeira idiota por ter vindo... E o único que eu tinha para conversar agora era Aquele que há um tempo eu duvidava existir...

“Por que eu tive que suportar toda essa gente até aqui? Por que elas me odeiam tanto? Eu não entendo, porque eu nunca fiz mal para nenhuma delas. Eu fico no meu canto e elas se incomodam com o fato de eu estar ali. Por que eu não posso simplesmente ser quem eu sou sem que ninguém zombe de mim? Eu me sinto uma piada... Nem a menina que eu pensei que fosse minha melhor amiga me defende ou fica do meu lado. Meu irmão até gosta de mim, mas pela personalidade dele eu já sei que não é alguém pra se contar tudo e pra confiar em todo momento... Tudo que eu tenho é Você e o Hebrom... Mais ninguém.

Eu deveria estar feliz por isso, mas sinto uma dor que acredito ser incapaz de suportar. Por que todo mundo se acha superior a mim? Por que eu sou só mais uma memória que provavelmente ninguém mais vai se lembrar, assim como daqueles idosos no asilo? Eu não quero que soe como insulto, mas não quero terminar como eles. Eu quero fazer alguma diferença na vida de alguém... Do Hebrom, pra ser específica, porque ele é o único que fica sempre comigo... Logo depois de Você.

Por favor, leve essa dor pra longe de mim, eu não aguento... As pessoas são tão fúteis, parecem que se esquecem que, vistos do Céu, somos todos pequenos. Não há alma no planeta que seja melhor que a outra... Me tira daqui... Por favor... Eu não agüento mais... Só Você pode me salvar disso. Pelo que eu li sobre o Senhor, Você também sabe o que é sofrer e ser rejeitado... Por favor, não deixe que eu passe por isso... Pelo menos não sem a Sua força.”

Eu já não conseguia me sustentar de pé. Se fosse vista por uma terceira pessoa, ninguém diria que eu chorava copiosamente (apesar dos meus olhos avermelhados), porque a água disfarçava tudo aquilo. Minha dor ia se amenizando à medida que eu conversava com Deus. Ela não foi embora totalmente num passe de mágica, mas eu admito que senti um conforto bem grande...

Olhei meu reflexo no boxe. Eu me achava horrível, por dentro e por fora. Eu tive vontade de quebrar aquele espelho. Sinto que sou um verdadeiro monstro... Um monstro que deveria ser exterminado. Por que eu não posso me importar só com a opinião de quem quer o meu bem? Por que eu tenho que dar atenção a quem quer me colocar pra baixo?...

Eu fico me perguntando... Quantas vezes Você me ouviu chorar alto daquela maneira? Eu estava gritando, mas minha voz não saía... Eu clamava por socorro... Eu estou completamente despedaçada. Será que eu realmente nasci inferior? Não consigo entender o motivo de tudo parecer que se volta contra mim enquanto eu só quero viver em paz... Eu nunca fiz questão de viver, me vejo como um incômodo pra sociedade... Uma marginal que, por alguma razão, acabou se infiltrando no meio dela.

Será que tudo o que me fez ficar próxima do Hebrom foi o fato de termos algo grande em comum: a rejeição? Seja como for, eu prefiro crer que foi uma providência... Eu não sei o que seria de mim se Deus não tivesse mandado aquele garoto. A presença deles dois é tudo o que eu quero. Sempre tive tudo o que preciso... Alguém que olha por mim... Mas eu precisei de ajuda pra enxergar. Por mais que eu viva no meio de pessoas quebradas com corações partidos de lares desfeitos, eu sei que posso ficar inteira se tiver fé.

Eu estava ficando tonta por ter chorado tanto... Mas eu não estava sem norte. Terminei o banho, coloquei o pijama... Disfarcei a cara de choro e voltei para o quarto. Deixei no colchão que Judith havia me emprestado... Eu comecei a molhar o travesseiro com as minhas lágrimas, mas não era só tristeza que eu sentia agora, eu estava emocionada. Eu me lembrava de todas as coisas que Brom me disse sobre Jesus e o quanto ele me ama... Eu realmente encontrei gente que não me considere como qualquer uma.

Me doía estar ali, mas ainda era capaz de sentir cheiro de esperança no meio da poluição daquela cidade... Eu consegui ouvir os comentários que as duas meninas faziam sobre mim enquanto eu estava deitada de frente para a parede.

 Fatos psíquicos de Hebrom

Pedalei desesperadamente até a casa de Judith com aquele bicho no colo. Quando finalmente cheguei no prédio (parecia que aquele edifício tinha criado pernas e ido pra mais longe ainda da minha casa), chamei a Quésia quatro vezes. A primeira é porque eu sei que ela não vai achar que é com ela, a segunda e a terceira são pra ela levantar e a quarta é pra ela vir até aqui... Eu já sei mais ou menos como ela funciona nessas situações... Eu acho. Talvez eu que seja neurótico e esteja inventando regra, além de ficar observando os movimentos dela.

Quando ela veio até a sacada do prédio, ficou se segurando nas barras de ferro:

—Hebrom?... –ela ficou olhando o animal de pelúcia bem grande O que é aquilo na sua bicicleta? –dava para ver pelos seus olhinhos escuros e pela sua voz que ela havia chorado... O meu sorriso se desfez na hora. A namorada... A ex-namorada do meu irmão veio logo em seguida.

—Sim! Eu vim buscar você, mas eu queria que suas colegas vissem uma coisa antes... Se você quiser, eu posso repetir tudo o que for dito aqui pra quem você quiser que ouça, mas o principal mesmo é a senhorita, Quésia Cortês. –eu falei bem alto pra que ela pudesse me ouvir.

—O que tá acontecendo aqui? –Greta também apareceu curiosa na sacada com uma lanterna e apontou bem no meu rosto. Aquilo incomodou meus olhos, mas não me faria desistir de dizer o que eu já tinha planejado desde a semana passada.

—Eu quero que você fique com isso. –peguei os balões que havia prendido no guidão, eram de várias cores. Neles eu tinha amarrado um envelope cheio de poemas (alguns eu acho que ela não vai entender, porque nem estavam em português) que fiz pra Qué e fotos que tirei dela. –Se você estiver interessada em ouvir o que vim dizer, por favor, pegue. –soltei os balões me aproximando do prédio, numa distância que ela poderia pegar se quisesse.

—Cuidado, sua suicida! –Greta segurou Quésia pela blusa do pijama, porque ela estava com metade do corpo pra fora da sacada, tentando pegar o envelope que subia com os balões.

—Solta! –Qué brigou com a menina, pegou o pacotinho com as cartas e saiu correndo para o térreo do prédio. Ela saiu correndo para me ver...

Chegou à minha frente em dois minutos. Respirava ofegante e estava com sua mochila na mão... Eu sei bem como a escadaria daquele prédio cansa.

—Oi... –eu disse sorrindo. –Era pra você ter ficado lá em cima, seria uma cena mais romântica.

—Eu não ligo pra romantismo, eu só quero ir embora daqui com você... –ela parou por um instante e me analisou. –O seu cabelo está ridículo.

—Eu sei, mas isso faz parte da história.

—História?

—Daqui a pouco eu digo... Eu quero que todo mundo saiba o quão apaixonado por você eu estou! –falei bem alto, de um jeito que fez Quésia se acanhar.

—Para com isso!

—Por favor, deixa eu falar, eu quero que essas meninas entendam que eu até aceito que falem mal de mim, mas eu nunca vou engolir que façam pouco caso do que sinto por você. Elas não sabem o que sinto. Meu sonho é ter você do meu lado e fazer você sorrir, desde o primeiro momento que pisou no bairro.

—O quê?... Onde você quer chegar com isso, Hebrom? –ela ficou tímida.

—Quer ser minha namorada? –eu estava com o urso de pelúcia na mão e ajoelhei.

Fatos psíquicos da Quésia

Eu fiquei perplexa por alguns momentos, parecia ocorrer uma luta interna dentro de mim. Um lado meu queria ficar ali parada de olhos arregalados e o outro queria dizer...

—Sim! –pulei em cima de Hebrom, dando um abraço. Retornei a chorar, mas dessa vez era de felicidade.

—Eu não quero que você fique chorando... O seu Deus e o seu namorado te acham linda. –ele riu e me abraçou de volta, com uma força ainda maior e deu uma risadinha. –“Seu namorado”... Eh... Qué, você tem que parar de se importar tanto com a opinião de quem não gosta de você. Eu quero conversar contigo com mais calma na minha casa, que é pra onde a gente vai.

Ele me fez levantar, beijou minha mão e depois levantou também. Se a intenção de Hebrom era me fazer sentir como uma princesa, ele estava tendo sucesso. Sentei na garupa da bicicleta, abracei-o por trás bem firme. Eu ainda olhei para cima e vi Greta dando as costas e batendo os pés... Já a Judith estava com uma cara de remorso e tristeza. Talvez ela não seja má pessoa, mas ela também não serve para ser minha amiga... Eu agora sei que preciso de pessoas que me aceitem do jeito que estou para que depois elas me ajudem a melhorar; não por interesse, mas por gostar de mim... Me mostrem coisas novas, coisas que me farão feliz... Assim como Hebrom fez.

Ele começou a pedalar e nós estávamos em silêncio. Eu havia parado de chorar, mas não significava que tinha ficado menos feliz do que estava...

—As flores que estão aqui na frente da bicicleta também são pra você... –Salamander avisou.

—Obrigada!... Poemas, balões, um urso, flores e um namorado... Tudo no mesmo dia...

Ele não disse nada, mas eu era capaz de ouvir seus batimentos cardíacos. Estavam acelerados... É incrível quando você é amado verdadeiramente por alguém... É algo... divino.

Nunca pensei chegar até aqui, muito menos com fé... Acontece tanta coisa em tão pouco tempo. As circunstâncias mudam e nós mudamos com elas (ou pelo menos deveríamos)... Mudar para melhor.

A noite estava linda, mas fria. O céu estava repleto de estrelas. Parece que tudo isso foi planejado. Não o fato de encontrar Hebrom ou de ele me pedir em namoro, mas... A minha vida como um todo. Agora eu sei que não sou qualquer uma... Ninguém tem uma história como a minha. Eu sou única para Deus... Realmente não sou uma garota qualquer, não interessa o que as pessoas digam. Eu não sou o que as pessoas dizem, não sou o que eu digo... Eu sou o que Ele vê em mim, por mais que eu não tenha total noção do que é.

Depois de alguns minutos pedalando, nós chegamos até a casa dele. Ele fez questão de segurar as flores e o urso, então eu fiquei apenas com os balões. Colocamos os presentes no quarto dele.

A mãe e o pai eram os únicos na casa que não estavam dormindo ainda. Eles me cumprimentaram e a mãe dele, que, apesar de se demonstrar meio estressada por ter arrumado a casa e esquecido de se arrumar, pareceu gostar de mim.

Fomos para a cozinha, onde ela ofereceu um lanche. Salamander não aceitou, porque disse que já havia passado da hora de comer.

—É um prazer, Quésia! Meu nome é Crisbell. Hebrom gosta muito de você, sabia? –ela disse enquanto tomava uma xícara de chá.

—Sim, por isso a gente está namorando.

—Namorando? –ela se engastou.

—Ah, é! Eu esqueci! Mãe, ela é minha namorada.

—Agora que você me diz, peste?!... Enfim, que bom. Ao menos parece ser uma menina de respeito. É bom que não faça meu filhinho sofrer, viu? De qualquer forma, eu vou deixar vocês dois à vontade. Vem, Ramon. –a mulher puxou o marido pelo braço até a sala.

—Qué, você ficaria no jardim de trás comigo? Precisamos conversar. –Brom me olhou.

—Ah... Claro. –eu estava meio nervosa.

Caminhamos até o lugar que ele indicou. O jardim era muito bonito, era até um pouco grande para o tamanho da casinha amarela em que eles moravam. Hebrom me levou até a rede, pegou o cobertor que estava nela e nós sentamos lá juntos.

Ele nos cobriu de um jeito acanhado... Era estranho ter contato físico depois do pedido que me fez.

—Hebrom... –chamei.

—O que foi?

—O que você quer me falar?

—Sobre aquilo que eu adiei... Meu passado com o Richard.

—Quem?

—Richard Folker.


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Notas finais do capítulo

Confiar é uma medida importante num relacionamento.



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