Registro Panorâmico escrita por Titi


Capítulo 2
Análise rápida


Notas iniciais do capítulo

Agradeço por continuarem lendo.



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Um taxista, cabelo castanho extremamente claro, piercings nas orelhas, vinte e sete anos na sala de espera. Fazia força demais pra ser gentil. Não gosto disso, só mostra que a pessoa é mais irritante no dia-a-dia... Mas é melhor ele do que o orfanato. Eu não implorei pra ele me levar, como eu deveria ter feito. Eu estava plenamente comportada, já que a tia que entrou “delicadamente” no meu quarto estava ali do lado prestando atenção na nossa conversa, fazendo cara de brava pra mim. O homem me fez algumas perguntas:

—Quantos anos você tem?

—Catorze.

—Bem... Eu soube que você gosta de desenhar, é verdade?

—Pois é... Se você deixar, eu pego meu bloco de desenho...

—Não precisa, eu já peguei. –a mulher deu meu bloco na mão dele.

—Onde você conseguiu isso?!

—No seu quarto, aonde mais? –ela fez jeito de indignada.

—Se importa de eu ver?

—Não... –foi até incomum ver que tinha alguém ali que se preocupava com a minha opinião.

—Caramba, você desenha muito! E parece ser uma menina agradável... Eu não sei mais o que te perguntar... Eu nunca adotei ninguém antes.

—Então eu vou fazer as perguntas agora. –falei.

—Quésia! –a tiazinha lá se intrometeu.

—Ué, vai que ele é um psicopata?! Eu tenho o direito de saber alguma coisa, ele vai ser meu parente, não vai?

—Eu não me importo de responder... Não, eu não sou um psicopata. Eu só sou uma pessoa muito solitária.

—Você não tem família?

—Ter eu tenho, mas mora bem longe.

—Por que não arruma uma namorada?

—Eu sou bom demais pras mulheres.

—Ah, tá, to sabendo... Qual é mesmo o seu nome?

—Edgar Cortês.

—Uma última coisa... Se você me levar, eu vou ter que estudar?

—Claro! Você quer que eu seja preso, garotinha?

—Isso depende.

Ele me olhou com uma cara séria por alguns instantes depois começou a rir.

—Ela é engraçadinha, né? Vou levar. –o Edgar falou como se eu fosse um produto. Já estou até vendo que isso não vai ser uma família muito amável.

Alguns meses depois eu estava arrumando as malas. Era Novembro. Não tinha muita coisa pra levar do orfanato, então foi uma coisa fácil de fazer. Quando eu saí, o Edgar já estava buzinando lá fora. Eu entrei no carro, sem precisar me despedir de ninguém. Eu pensei que tudo seria melhor dali pra frente. Finalmente, livre!

—Olha, Quésia, eu vou ditar algumas regrinhas pra você.

—Vai falando...

—Primeira: Não fale com estranhos.

—E você é o que mesmo? –ele me olhou como se eu fosse uma daquelas comediantes baratas.

—Chega de gracinhas, ok? Eu paguei pra ser seu parente. Se não for pra parar com essa zoeira até chegarmos em casa por gostar de mim, faça pelo menos pelo dinheiro que eu gastei.

—Que seja. –eu peguei um pacote de biscoito na minha mochila.

—Menina, que ousadia é essa?! A segunda regra é: Não coma nem beba nada dentro do carro.

—Você é o pior parente do mundo.

—Eu já disse, espera até a gente chegar em casa, aí vai poder fazer a zoeira que quiser e também comer tudo o que quiser, até sair pelo seu nariz.

—Quer que eu passe fome até chegar lá? Eu não precisaria comer nada se você tivesse vindo me buscar depois do café da manhã. –abri o pacote.

—Você vai acabar derrubando, garota...

—Vou nada, para de neura. –ele deu uma freada e caiu metade em mim e metade no chão... Que coisa linda.

—OLHA O QUE VOCÊ FEZ!

—Que droga, né?! Vou ficar sem comer... Eu não sou cega, tio. E foi você quem fez isso.

—Não tenho nada a ver com a quantidade de incompetentes que tem na rua!

—Quando você é um deles, tem a ver sim...

—Como é que é? Não te tirei daquele orfanato pra isso! Você é muito resmungona, parece uma velha! Não é por nada que te abandonaram. –tá, até uma coisa que nem eu ficaria triste ouvindo isso... Depois de um tempo parando pra pensar ele se arrependeu. –Eu... Eu não quis dizer isso...

—V-Você quer que eu vá embora?

—Não. Vamos pra nossa casa. Não foi nada grave... Depois eu cato.

Eu preferi ficar quieta depois da bronca. Até que o carro fez um barulho estranho.

—O que foi? –perguntei.

—Ah, não... Misericórdia. HOJE NÃO! QUE DROGA! –ele saiu do carro praguejando.

—O que houve? –saí também.

—A PORCARIA DO PNEU FUROU! LOGO AGORA! –Edgar já foi pegando o estepe.

—Sou seu amuleto da sorte.

—NÃO! Você não fez nada errado. Para de falar essas coisas, parece até que quer que eu te devolva. Só espera eu dar um jeito nisso...

—Tá... –então eu fiquei ali, só observando. Até que eu cansei. – Edgar...

—Qual o problema?

—Eu não entendi o que você quis dizer com “Eu sou bom demais pras mulheres”.

—Prefiro não falar sobre isso...

—Quer dizer que você não consegue ficar muito tempo em um relacionamento?

—É, é isso sim. Obrigado por respeitar meu espaço.

—Pra isso que serve a família.

E foi assim que eu fui parar aqui. Casa nova, quarto decente, olhando pro teto, pensando na vida, primeiro dia de aula, me fazendo perguntas antes de levantar...

Eu já conheço o Edgar há uns quatro meses, e até agora eu não sei qual o objetivo dele em me adotar... Ele só vai perder ainda mais dinheiro. Realmente parece que o cara é um sem vida social... Mas mesmo assim, ele poderia ter arranjado companhia melhor que eu, e isso fica cada vez mais evidente à medida que ficamos mais tempo perto um do outro. A gente discute tanto que parece até que somos familiares de sangue.


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