O Canto do Sabiá escrita por Brave


Capítulo 1
Capítulo I




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26/10/2014. O quarto mandato do esquerdista Partido dos Trabalhadores, o segundo de Dilma Roussef. A eleição é acirrada, majoritariamente decidida pelo Nordeste, que é o maior beneficiado do PT. A revolta separatista do Sul toma maior consistência, mas não realiza nenhum ato.

O ano de 2015. Políticos corruptos começam a ser presos, os mais fracos primeiro.  Dilma Roussef é a presidente com maior rejeição da história da república, mesmo sem estar envolvida com nenhum ato de corrupção. Seu vice, Michel Temer, o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o Presidente do Senado, Renan Calheiros, são alvos diários de matérias por estarem diretamente envolvidos com a corrupção e com discursos de ódio. Eles ainda são mais queridos que a presidente.

17/04/2016. Ocorre a votação no plenário para o Impeachment de Dilma, liderado por Eduardo Cunha, que no momento, leva onze processos. 367 deputados votaram a favor, suas justificativas eram: “Pela minha família”, “Por Deus”, “Pelo meu filho”, e afins.

29/04/2016. Senado instala comissão especial para analisar a denúncia. Em menos de uma semana, há uma votação pelo parecer da abertura ou arquivamento do processo de Impeachment. Com 68 de 81 votos a favor, o processo é formalmente instaurado. Com isso, a presidente Dilma é afastada de seu cargo temporariamente, por apenas 180 dias.

10/05/2016. Michel Temer assume a presidência da República Federativa do Brasil, sendo a estrutura política presente no nome do Estado a primeira mudança a ser feita. Já não há mais república. Ninguém se importa quando Temer cancela o processo de Impeachment e assume o cargo interminavelmente. Nem mesmo se perguntam se ele possui poderes para tal.

Seria o último ano de Dilma, ou Temer, devido aos acontecimentos. A economia está sim melhor, como era o desejo dos manifestantes de direita em 2015 e 2016. Junto com a economia, cresce também a diferença social. Sem programas como o Sistema de Cotas, a Bolsa Família, Pronatec, Minha Casa Minha Vida, entre outros, a classe mais baixa perde suas poucas maneiras de acessar uma vida ligeiramente mais confortável. Os grandes empresários, em contraponto, estão ocupados demais vendo os dígitos se suas contas bancárias aumentarem para se preocuparem com isso.

Não há eleições.

A classe alta está satisfeita com o atual comando com poder centralizado e não se importa em fazer doações para ajudar Temer a continuar no Palácio do Planalto. Entretanto, as minorias são em maior número. A população marginalizada se esforça em mostrar descontentamento, mas é violentamente reprimida, tanto por oficiais do governo, quanto por iniciativas privadas.

Inconformados com as ações do Nordeste do país, rebeldes do Sul começam a propagar campanhas xenofóbicas, culpando seus conterrâneos de impedirem o Brasil de crescer. Esta ideia se espalha feito baratas pelos três estados meridionais, nem mesmo seus idealizadores poderiam imaginar a proporção que seu sonho toma. De pequenos adesivos escritos “O Sul é o meu País” a uma Guerra Civil.

14/06/2019. É proclamada a República Federativa Brasileira do Sul. O resto do país não aceita, especialmente a região Sudeste. No ímpeto do momento, o Nordeste também se posiciona. Foram o início de tudo aquilo que representa o Estado. Foram o primeiro Brasil de muitos Brasis. É o dever deles governar esta terra.

São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro são massacrados pelas fúrias extremistas. São os estados com melhor economia e menor desigualdade social. Apesar de ouvirem as ameaças, nunca colocam fé que alguém vá fazer alguma coisa, afinal, essa foi a sua realidade por anos. Quando o Nordeste e o Sul pegam em armas, os três estados não têm tempo de agir, e estão em um lugar pouco privilegiado para o ocorrido. As cidades grandes são esvaziadas conforme tropas rebeldes passam por elas, saqueando-as.

Os estados do Nordeste assumem o nome de Cangaceiros, uma referência histórica a um de seus maiores símbolos populares, são estes: Bahia, Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. São o lado com maior número de adeptos, porém possuem pouca infraestrutura e poucas condições de treinarem soldados. Ainda assim, possuem certa vantagem sobre os rivais.

O Estado de Goiás é transformado num Campo de Refugiados, que abriga primordialmente os antigos políticos e seus familiares. O Distrito Federal se torna uma cidade fantasma e serve de fonte bélica para o Nordeste.

Os Estados do Norte são, em partes, isolados. Tornam-se fonte de suprimentos para ambos lados do conflito, aparentemente imparciais. Entretanto, a maior parte da população apoia os Cangaceiros, fornecendo suprimentos ao Sul apenas por questões financeiras.

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul lucram com a guerra de maneira ilegal, mas lucram bem. Drogas, armas e informações são a sua especialidade.

O outro lado se chama Farroupilha, também uma memória histórica. Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Por sua vez, contam com o apoio dos grandes empresários, que trocaram o Sudeste pelo Sul. Não porque acreditam em sua ideologia, o único pensamento destas pessoas é o formato de um cifrão, mas porque o Sudeste mantinha a balança no país. Uma balança que enviava, mesmo que uma miséria, dinheiro para os pobres. O Sul pode lhes garantir que esse desperdício seja acabado.

Sul e o Nordeste julgam-se tão diferentes um do outro, tão superiores um em relação ao outro. A ideia “Brasil” é distante, estão todos tentando esquecê-la. Talvez porque as últimas imagens que tiveram dela fossem bem diferentes daquelas escritas por Gonçalves Dias. Ninguém se lembra dos sabiás ou das palmeiras, apenas dos números. As datas. As baixas.

A guerra civil está para completar dois anos e nenhum lado poderia estar pior.

Maria mantem-se em posição militar, mesmo não sendo uma, olha fixamente para qualquer ponto a sua frente, apenas para ignorar o julgamento que ocorre ali. Entretanto, a voz do pai se faz ouvida por todo o ambiente, apontando as acusações do réu. A mulher, a princípio, não estava incomodada com a situação e até se deu ao luxo de olhar para ele. Era óbvio o porquê dele ser o centro das atenções nesta noite.

Os cangaceiros estão reunidos no Farol da Barra. Talvez um local de fácil ataque marítimo, se não fosse tamanho o poder bélico deles – o único que vale a pena citar. Em cada homem e mulher neste local, pode-se ver o olhar firme, a pele queimada do sol e o ódio estampado como cicatrizes.

O mesmo sentimento está estampado nos olhos do homem acusado. E as diferenças acabam no ponto de início. A pele clara, cabelos loiros e olhos azuis já são o suficiente para um leigo saber que ele não pertence a este ambiente. Todavia, suas roupas reforçam o pensamento. O lenço amarrado no pescoço não deixa dúvidas de sua origem farroupilha.

Bernardo mantem a cabeça erguida, mas os olhos baixos. Está sujo e maltrapilho. Há dias, talvez semanas – perdeu a noção do tempo depois de dois ou três dias sem ver a luz do sol – tinha acesso apenas ao mínimo de higiene possível. E isto não incluía roupas novas. Não que ele fosse aceitar vestir algo de cangaceiros. Morreria, mas morreria em nome do seu país – ou em nome de sua ideia -, a República Federativa Brasileira do Sul, e trajado como tal. Não presta atenção no que o tal coronel fala. Quer apenas acabar com esta humilhação.

Sabe que não é seu erro estar ali, muito menos mérito de seu inimigo. É apenas fruto do ato errôneo de um traidor qualquer. Entretanto, Bernardo tem fé que será vingado. Quando seus conterrâneos vencerem a guerra, ele será lembrado não apenas como um mártir, mas como um herói.

— Por conta de todos os teus crimes contra a República Federativa Brasileira, – Bernardo faz uma careta ao ouvir o nome. – O réu deverá ser morto por fuzilamento.

É a morte o seu destino, o destino de heróis. O destino de salvadores. Um sorriso sádico atinge os lábios do rapaz, que mal completou vinte e cinco anos de vida.

Maria também sorri. Não que a morte lhe cause algum sentimento bom, contudo ela não pode evitar o pensamento que, a cada Sulista morto, é um passo que seu povo dá em direção ao futuro.

“Tolos” Julia, ou melhor, Coronel Oliveira sussurra. Sua voz é um misto de dor e deboche, uma pitada de arrogância também se faz presente. Acaba de receber a notícia de que os Cangaceiros mataram um dos líderes farroupilhas, o jovem Bernardo, há pouco mais de uma semana.

A mulher dispensa seu mensageiro e volta aos seus afazeres. É quarta-feira, dia de visitar os Centros de Educação Brasileiros. Quando tiveram que abandonar suas capitais, os estados Sudestes levaram a briga para o lado pessoal. Os Belo-Horizontinos ocuparam antigas fazendas da Era do Ouro, onde estavam seguros e livres de infortúnios. Os cariocas foram para ilhas. Os paulistanos ocuparam os subúrbios e subsolos. Ter que abandonar a Terra da Garoa, a Cidade Maravilhosa e a Cidade Jardim por conta de cidadezinhas que estavam brincando de serem um país foi ultrajante.

São Paulo toma dianteira como líder dos três estados. Com ajuda de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e até de alguns países desenvolvidos, consegue montar um forte militar, onde treina pessoas de todas as idades e gêneros para reorganizar o país. Aceita membros cariocas e mineiros somente. Não ocorrem apenas aulas de luta, estratégia ou tiros, mas também de história. O objetivo é mostrar a soberania verdadeira do eixo Café-com-leite desde os primórdios do Brasil. Voluntários vêm de baciada, o orgulho do Sudeste ainda é maior do que o do Nordeste e Sul juntos.

Assim como seu poder bélico e tecnológico.

Coronel Oliveira segue seu caminho até uma sala num terceiro andar subsolo. Todo o quartel é grafitado, para lembrar aos soldados suas origens, todo ele, salvo aquela sala. O laboratório. A quantidade de pessoas trabalhando nesta área é quase tão grande quanto às do lado de fora. Nanotecnologia, biotecnologia, biologia sintética, robótica, entre muitas outras áreas, estão presentes na sala. Cada qual com recursos ilimitados.

“Tolos” Coronel pensa outra vez, com um sorriso nos lábios. “Enquanto eles brincam de Cabo-de-guerra, nós construímos um país. ”Aprecia cada trabalho com honesto sentimento enquanto atravessa o ambiente, até chegar em uma sala selada com uma chave de reconhecimento de retina.

Enquanto Sul e Nordeste se preocupam em conquistar Terras, eles se destroem no processo, agindo de maneira arcaica. Fazem jus ao pensamento de Coronel Oliveira, que zomba de ambos lados, enquanto brinca com seus robôs e faz conferencias com o Presidente Estadunidense. Quando forem atacar, não vão ficar de “tira e põe”, vão fazê-lo de uma forma que não haja outra opção senão a rendição.

A verdade é que eles não querem propriamente pegar em armas. De que adianta ter uma país para governar sem ter a quem governar? As coisas têm que voltar a ser do jeito que eram antes, cada um em seu canto e São Paulo, Rio e Minas e no centro. Portanto, toda esta estrutura só será usada em última instancia, de acordo com a Coronel. Ao contrário das outras duas regiões, não intenta machucar ninguém, apenas mantê-los debaixo de sua asa.

Sua decisão desafia seus investidores. China, Estados Unidos e os Países Baixos, maiores exportadores do Brasil nos últimos anos foram os primeiros e receberem contato do Sudeste assim que este começou a se reorganizar. Publicamente, alegam que não vão se intrometer na situação atual, porém são os grandes financiadores do terceiro lado da guerra. Eles gostariam de ver seu dinheiro resultando em sangue, seria a maneira mais rápida e efetiva de voltar a ser o que era antes. Entretanto, o Conselho Extraordinário Brasileiro concorda que é mais sensato esperar, tanto para enfraquece-los quanto para desenvolver algo que pode assustá-los o bastante para evitar mais conflitos.

Coronel Oliveira está olhando para este Algo.

Preso em uma gaiola de vidro, está um único sabiá. Ele não voa, apenas passeia por sua casa, mexendo a cabeça de um lado para o outro. Ao notar uma estranha, o pássaro abre o bico, porém nenhum som chega aos ouvidos da Coronel.

— Depois do último incidente, desenvolvemos um vidro ainda mais resistente. – Além da Coronel, as pessoas com acesso àquela sala eram um Engenheiro Físico, uma Química, um Biólogo, um Engenheiro Genético e uma Engenheira de Computação. – Se formos aumentar a potência do nosso Chiquinho aqui, teremos que continuar desenvolvendo mais gaiolas. – O Engenheiro Físico para de escrever e olha para a chefe. – E isso irá requerer mais verba do que o previsto.

A mulher considera a informação.

— Continuem trabalhando no pássaro. Encontrem um meio seguro de controla-lo. Depois, aumentem a sua potência. Só então o reproduzam.

Os três homens e as duas mulheres batem continência e voltam ao trabalho, fazendo rascunhos e anotações em papeis e na parede, onde quer que pudessem visualizar melhor.

Chico foi o nome que escolheram para batizar o primeiro sobrevivente do projeto Passárgada 1.0. Os sabiás são uma espécie muito simbólica para os paulistas e mostraram uma força biológica incrível se comparados a outras espécies.

Os sulistas amarram lenços no pescoço.

Os nordestinos colocam seus chapeis.

E os paulistas transformam pássaros em robôs.


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