Capítulo 98 - Sorte e investimento

 Sem muita vontade (e tampouco coragem), Thiago se aproxima lentamente das garotas. Katia mantinha um olhar como sempre e Kate um sorriso mais simpático. Mariana, Renata, Júlio e Natan observavam o movimento do rapaz que ia mais lento do que deveria. Mariana atira uma bolinha de papel na cabeça dele e mexe a frase "anda logo"com a boca. Thiago engole seco e chega até a mesa.

- B-B-Bom dia - gaguejou ele, não esperando muita coisa boa. Suas últimas experiências com aquelas garotas não foram as melhores.

- Thiago Correios - disse Katia - Já faz algum tempo, não?

- Oh, sim. Hehe. Posso ajudá-las em alguma coisa?

- Gostaríamos de falar com o gerente - disse Katia, sendo direta.

- Oh, só isso? Claro...vou chamá-lo agora mesmo!

 As duas olham para Thiago que corre na direção da cozinha, chegando gritando para seu chefe.

- Aí, tio Natan. É com o senhor - falou ele.

- Comigo? O que elas querem comigo? Normalmente é você que elas querem matar! - retrucou ele.

- Obrigado pela sensibilidade - ironizou Thiago - Mas ela disse com todas as letras que gostaria de falar com o gerente.

- Tsc. Aí tem coisa.

- Tio...tome cuidado - falou Renata - Se elas ficarem nervosas vai ser difícil controlar...daqui só o Thiago consegue derrotar as duas.

- Eu?! - reclamou o garoto.

- Ué? Você ganhou da Katia duas vezes. Teve uma que a Stephany ganhou...mas essa a gente não conta - falou a loirinha.

- Como você são infantis. Já pararam pra pensar que pessoas adultas conversam civilizadamente? - intrometeu-se Mariana.

- Fala isso para aquela Katia quando ela tenta me matar - retrucou Thiago.

- Tem certeza que é comigo que elas querem falar? - questionou o tio.

- Quer ir logo? Já tô perdendo a paciência! - reclamou Mariana, praticamente jogando o tio para fora da cozinha com um arremesso (e quando se diz praticamente não é quase, mas na prática). As pessoas abusam só porque não trabalham mais lá, não é?

 De qualquer forma, o grupo fica de ouvido ligado na conversa do tio. Ele chega na mesa das irmãs Himura (ou irmãs Katana, como apelidadas pelos meninos devido ao quiosque), também sem muita coragem e suando frio.

- P-Pois não - gaguejou o tio - Gostariam de falar comigo?

- Oh, você é o gerente daqui? - perguntou Katia.

- Já nos conhecemos, lembra? - retrucou o tio.

- Oh, acho que me lembro vagamente - falou Katia.

- Bom dia - cumprimentou Kate - Err...caso o senhor não se lembre de nós...sou Kate Himura e essa é a minha irmã mais velha Katia Himura. Gostaríamos de fazer uma proposta para o senhor e...

- Eu falo com ele - disse Katia - Não precisa se intrometer.

- Oh, desculpe.

- Nossa, aquela Katia é uma grossa - comentou Mariana, que fazia o maior esforço para ouvir o que se passava - Tsc...queria ouvir melhor...

- Como vocês são fofoqueiros - criticou Júlio - Não é um assunto particular?

- Então tá...vai descascando as batatas enquanto isso ao invés de ficar escutando aqui - respondeu Mariana.

- Ah, tá bom, eu confeso...também quero escutar!

 De volta as meninas, Katia parecia mesmo séria.

- Bem, senhor Natan, a proposta que tenho é bem simples

- E seria?

- Quero comprar o seu quiosque.

- O QUÊ?! - Tio Natan grita.

- O QUÊ?! - Thiago e as meninas também gritam em uníssono.

- Vocês estavam ouvindo tudo? - perguntou Katia, não muito contente.

- Nós? Ah, não...ouvimos isso por acaso e... - Thiago tentou se desculpar. Kate dá um risinho, mas Katia não mudava a expressão séria.

- Bah! Que seja...iriam acabar sabendo disso de qualquer maneira. Sim, quero comprar o seu quiosque - continuou a garota.

- Meu quiosque? E porque eu venderia? - perguntou Natan.

- Todo mundo sabe que esse lugar está às moscas. Não vai demorar muito para falir. Gostaria de incorporá-lo ao meu novo projeto.

- Novo projeto? - perguntou Renata.

- Sim. Remanejar o Hotel Alma Feliz e transformá-lo no Hotel Himura.

- Hotel?! - todos ficam pasmos de novo.

- Como assim remanejar aquele hotel? Não é o hotel mais caro da cidade? Como vão conseguir comprá-lo? - retrucou Mariana.

- Ah, sim, esquecemos de falar, irmã - disse Kate.

- O quê? - perguntou Katia.

- Do que aconteceu hoj.

- Ah, sim...é verdade. Esqueci desse detalhe.

- O que aconteceu hoje? - perguntou Renata.

- Liguei o rádio e descobri que meu bilhete de loteria foi premiado - falou ela - Comprei sem nenhuma expectativa, mas acabei ganhando. No momento sou milionária.

- O QUÊ?! - todos se espantaram ainda mais.

 "E como é que ela fala isso tão naturalmente?", pensou Thiago.

- Isso quer dizer...que você é mais rica do que eu! - disse Júlio apontando para ela - Esse tipo de coisa realmente acontece..

- Não falem tão alto - criticou Mariana - Pode ser perigoso falar que tem dinheiro por aí.

- Tudo bem, as notícias correm rápido. Já sofremos até uma tentativa de sequestro relâmpago hoje - falou Kate.

- E ainda estão aqui? - estranhou Mariana.

- Fiz o sequestrador implorar pela própria vida - falou Katia - Ainda tenho algum conhecimento de defesa pessoal.

"Algum? Ela é um monstro", pensou Thiago em todas as vezes que quase morreu lutando com a japonesinha.

- O fato é que é muito dinheiro, muito mesmo, mas perde-se rápido se eu não investir em algo lucrativo. Considerando que Marinário é uma cidade turística, decidi comprar o hotel. Parece ser um bom negócio?

- E você en tende de hotelaria? - perguntou Mariana.

- Mais do que você garanto que sim - respondeu ela.

 "Grossa", pensou Mariana, se segurando para não enforcar a garota (mas sabia que não conseguiria enfrentá-la).

- Mas você ganhou na loteria hoje...e já comprou o hotel? - perguntou Renata.

- Bem, planejo comprá-lo, eles é que não sabem disso ainda - respondeu Katia - Mas imagino que não tenham muitos motivos para recusar....vi a ficha daquele hotel e embora seja o mais caro, a situação deles também não é das melhores.

 "Ela pesquisou tudo...a mina é uma psicopata", pensou Thiago, preocupado.

- Mas e daí? O que isso tem a ver com o meu quiosque? - perguntou Natan.

- Tudo a ver. Seu quiosque está indo de mal a pior. Se transferi-lo para o meu hotel vai ganhar o dobro do que está ganhando aqui.

- E como posso saber que o hotel vai dar lucro na sua mão? - retrucou Natan.

- Por que sou eu quem estará administrando. Isso já basta - falou Katia, com toda a naturalidade possível.

- Modéstia à parte, minha irmã é uma excelente administradora - disse Kate.

 "Bota à parte nisso", pensou Thiago.

- Hmm...não sei não - respondeu Natan - De quanto estamos falando?

 Katia pegou uma caneta do bolso e escreveu um número em um guardanapo. O valor era grande, bem grande.

- Quantos ões, né? - comentou Renata.

- Da compra do hotel e do quiosque, ainda vai sobrar uma boa parte - falou ela - O prêmio da loteria acumulou bastante mesmo.

- E quanto você está disposta a pagar? - falou Natan.

 Katia voltou a escrever e o número era grande também.

- Putz - Thiago deixou escapar - É bastante, né?

- Mais do que ganhamos em um ano - falou Renata.

- Se vender o quiosque agora poderá continuar trabalhando no hotel e ainda com mais funcionários e qualidade. Aqui a fiscalização sanitária deve fazer uma vista grossa daquelas, não acham?

- Epa! Olha lá como fala! - reclamou Mariana - Nosso quiosque é bem limpinho, não é, tio?

- Claro que sim! É só olhar para o certificado de garantir da fiscalização - falou ele - Tá bem ali..

- Aquele de 1998? - perguntou Katia.

- O fiscal sanitário não é aquele seu amigo que joga truco com você, tio Natan? - perguntou Thiago.

- Shhhh! Quieto, Thiago! 

- Não precisam se preocupar - falou Katia - Teremos toda segurança e limpeza dentro do hotel. Os serviços de lá irão continuar normalmente, mas claro que comigo no comando tudo irá correr da melhor forma possível.

 "Como é que a Raquel aguenta uma chefe marrenta dessas?", pensou Mariana.

- Eu tenho mais uma pergunta - disse Natan, ainda meio com o pé atrás.

- Sim?

- Por que está me ajudando? - perguntou ele.

- Pelo que investiguei nos documentos do hotel a área de alimentação deles estava bem desfalcada. Juntando meu restaurante de comida japonesa e o seu quiosque popular, seria interessante...além disso...

- Além disso?

- O seu quiosque é o único da região com karaokê. Isso ajuda nos negócios.

- Ela tem uma visão bem racional, né? - comentou Renata.

- Minha irmã é um ás quando se trata de negócios.

- E então? Vai vender ou não? Preparei um contrato justamente para isso - falou ela, tirando um papel organizado da bolsa.

- Você ganhou na loteria hoje de manhã e já preparou tudo isso? - retrucou Mariana.

- Em duas horas dá pra pensar e fazer muita coisa - respondeu Katia.

"Ëla realmente não é normal", pensou a loira. Katia se volta para Natan.

- E então? Compra ou não?

- Hmm.....e como posso ter certeza de que ganhou na loteria ou não? - falou Natan.

- Por que estaria mentindo? - perguntou Katia.

- Sei lá. Mas preciso saber se vou ser mesmo pago.

 Katia mostrou o bilhete e a gravação do rádio. De fato, os números batiam.

- Droga! Você é mesmo mais rica do que eu - reclamou Júlio - Posso trabalhar no hotel também, não posso?

- Veremos - disse Katia - E então? Satisfeito?

- Vai dizer que também pensou nisso nessas duas horas? - perguntou Mariana.

- Como disse, em duas horas dá pra pensar em muita coisa - retrucou a japinha.

- Hmmmm... - tio Natan pensava-  Tá. Tá bom. Mas quero manter o nome do quiosque e tudo o mais. Só vamos mudar de local, não é?

- Claro - disse ela - Mas o karaokê está no nome do hotel.

- Por mim tá beleza - falou Renata.

- Renata! Mas você era a voz do nosso quiosque

- Já enjoei de cantar. Prefiro trabalhar como garçonete - respondeu a loirinha.

- Tá legal. Eu aceito. Dá aqui esse contrato. Vou dar uma boa lida

- Chame os advogados que quiser. Aliás, posso até pagar alguma advogado pra você.

- Também não é pra tanto - reclamou tio Natan.

- Mas se você vai administrar o hotel, o que será do seu quiosque antigo? - perguntou Mariana.

- Achei que já tivesse falado. Também será incorporado à área de alimentação do hotel.

- Mas...vocês vão tomar conta do hotel e do quiosque ao mesmo tempo? - a loirinha continuava a perguntar.

- Claro que não. Deixarei o quiosque aos cuidados da minha irmã, Kate...e da nossa empregada Raquel.

- QUÊ?! - todos gritaram.

- Como vocês gritam - reclamou Katia, com a mão direita no ouvido - Sim. Raquel se mostrou uma funcionária competente. Será promovida a co-gerente do nosso restaurante. Simples assim.

 "A Raquel vai ganhar mais do que eu...mesmo estando um ano depois de mim na faculdade", pensou Thiago, "Putz...agora estou me sentindo pra baixo mesmo".

- Vou ler esse contrato e dar minha resposta depois - falou Natan - Algum problema?

- Nenhum. Não temos pressa - falou Katia, se levantando - Também precisamos conversar com o presidente do Hotel Alma Feliz.

- Ah, sim, tem esse detalhe - falou Kate - Bem, estamos indo. Acho que conseguimos chegar a tempo de abrir o quiosque, né?

- Acho que sim. Essa reunião não deve demorar muito.

 ""Vocês vão comprar o hotel de alguém que ainda nem sabe que vai ser comprado e dizem que não vai demorar muito?!", pensou Mariana, totalmente inconformada. "Alguém me mate!"

 Elas se curvam em cumprimento e saem de cena. Mariana estava pasma.

- Tio! Vai mesmo cair numa palhaçada dessas? Elas podem até bancar as inteligentes, mas tudo tem limite! Acha mesmo que elas vão conseguir comprar o hotel?

- Também acho difícil. Mesmo assim, vamos ler esse contrato com calma.

 Como não havia muitos clientes, eles se sentam em uma das mesas e começam a estudar o contrato. Parecia tudo bem planejado e organizado. Eles demoraram cerca de vinte minutos para ler tudo com calma. E ela conseguiu elaborar tudo aquilo em menos de duas horas. E sendo apenas uma leiga em direito.

- Cara, ela deve ter estudado alguma coisa de Direito - falou Júlio - Tá muito bem feito.

- Talvez ela seja um gênio mesmo - comentou Renata.

- Bom, dizem que orientais tem conhecimentos absudos. Mas ela exagerou - falou Thiago - Ela cozinha bem, luta bem, é boa em negócios e é gostosa. Tem algo que ela não sabe fazer?

- Te matar é uma delas - disse Mariana, dando um tapa no braço dele - Mais respeito quando falar de outra mulher com a namorada do lado.

- Ops...me escapuliu.

- Mas o contrato é muito bem feito...se elas conseguirem comprar o hotel seria um negócio e tanto.

 Nisso, o telefone do quiosque toca. Renata atende.

- Alô? - perguntou ela - O quê? Katia? Claro. Só um minuto.

- Quem é? - perguntou tio Natan.

- É a Katia - falou ela.

- Será que ela esqueceu alguma coisa? - falou Natan, pegando o telefone.

- Bom, o telefone do quiosque está em qualquer lista telefônica - disse Thiago - Mas será que ela esqueceu alguma coisa?

- Alô? - atendeu Natan.

- Senhor Natan - falou Katia do outro lado - Consegui comprar o hotel. Espero que o senhor dê a resposta o quanto antes. Obrigada.

- Já comprou o hotel?! - exclamou Natan.

- O QUÊ?! - gritou Mariana.

- Ela é rapida mesmo, né? - falou Renata.

- Como é que...não passou nem uma hora e...aaaaah! Desisto! - conformou-se Mariana.

- Bem - disse Natan, depois de desligar o telefone - Acho que...vou aceitar. Gente, vamos mudar de área!

  Mariana ainda estava cética e Thiago não sabia o que falar. Bem, o que ele podia pensar é que realmente muita coisa iria mudar naquele ano. O quiosque mudando para um hotel? E como seria esse hotel? É...muita coisa iria mudar. E claro que vamos conferir todas essas mudanças em detalhes...