Capítulo 107 - Hotel Himura

    Na semana seguinte, após passar por dias cheios de cálculos e orientações de relatório na faculdade, Thiago parecia dormir o sono dos justos no sábado. Estava com sorte por poder estudar sem trabalhar devido ao quiosque ainda estar aguardando a mudança, mas é verdade também que estava preocupado com seu aluguel (a única coisa que seu Joaquim não esquecia). Apesar disso, a sorte do rapaz estava prestes a mudar, quando, naquela manhã, tia Joana bate na porta do quarto do rapaz com o telefone nas mãos.

- Thiago. Thiago, meu filho, acorda. Telefone pra você! - dizia tia Joana, batendo com força na porta.

- Ah, tia...quem é tão cedo? Fala que eu tô dormindo... - reclamou ele, sem vontade de levantar mesmo que fosse para atender a Angelina Jolie.

- Vai, menino, levanta! É do seu trabalho!

- Do meu trabalho?! - gritou Thiago, quase que imediatamente, abrindo a porta e pouco se importando em aparecer diante de tia Joana só de regata e sua cueca samba-canção de bolinhas.

- É...aquela menina que ganhou na loteria e comprou o hotel...como é que era o nome dela?

- A Katia. Ah, sim. Ela mesma. Obrigado, tia! - agradeceu ele, pegando o telefone e tentando ser o mais gentil possível. Não podia irritar sua futura patroa (principalmente por ela já ter tentado matá-lo várias vezes. E quando se fala matar é matar mesmo) - A..Alô.,

- Apareça no hotel Himura em uma hora - disse a voz do outro lado da linha, sem pronunciar um único cumprimento - E avise a irmã da sua namorada para comparecer lá também.

- Em uma hora? Tão rápido assim?

- As reformas no prédio já terminaram. Se quiser manter seu emprego, apresente-se aqui em uma hora. Você não tem nenhuma desculpa. Sua amiga Raquel já está aqui desde cedo ajudando nos preparativos.

- S-Sério? Pode deixar, estarei aí dentro de uma hora e...

- Cinquenta e nove minutos.

- Hã?

- Já se passou um minuto desde que liguei para você. Tem cinquenta e nove minutos para aparecer aqui. É tudo.

 A japinha desliga o telefone deixando Thiago desesperado. Ah, não tem melhor despertador do que a necessidade. Ele se troca rapidamente procurando as roupas mais apresentáveis que tinha no armário, pega celular, carteira e corre para o quarto das meninas.

- O que foi, filho? Que pressa é essa? - estranhou dona Joana, enquanto passava pelo corredor dos quartos e via Thiago ainda ajeitando as próprias calças.

- Preciso avisar a Renata, tia. Ela também tem que estar no hotel em uma hora..quer dizer, cinquenta e nove minutos.

- Mas não vão nem tomar café? - perguntou ela.

- A gente leva alguma coisa para comer no caminho. Agora preciso avisar a Renata imediatamente. Renata! - gritou ele, abrindo a porta do quarto das menina sem bater em tanto desespero. Infelizmente, ele abriu a porta no mesmo instante que Mariana trocava de roupa.

- Aaaaaah!  Thiago, o que pensa que tá fazendo? Não bate mais na porta, não? - gritou ela, obviamente lançando tudo que tinha por perto na cara do rapaz.

- Desculpa, desculpa. Precisava avisar a Renata - disse ele, caído no chão após levar tantos projéteis de pelúcia na cara.

- Hã? O que tem eu? - falou uma sonolenta Renata que acabara de sair do banheiro, vestida apenas de camiseta e calcinha. Claro que foi o suficiente para deixar Thiago gago.

- R-Renata...bem...é que...

- Sim? Pode falar? É importante.

- Importante, bem - ele ainda estava meio hipnotizado pelas poucas roupas no corpo da cunhada, mas a necessidade falou mais alto mais uma vez - Ah, claro! Troque-se logo! A Katia ligou e disse que precisamos estar no hotel Himura em menos de uma hora!

- Ah, sim, a Raquel tinha comentado que iriam abrir algum dia dessa semana, só não pensei que fosse no sábado. Tá bom...eu já me troco. Espera só um pouquinho, tá?

"Como ela consegue ficar tão calma?", pensou Thiago, claro, enquanto a olhava por trás. Felizmente, Mariana estava bem alerta quanto à natureza de seu namorado.

- Se tá com tanta pressa, levanta logo e para de olhar pra bunda dela! - bronqueou a namorada, jogando mais um urso de pelúcia na cara de Thiago. Mais uma manhã normal na pensão. Por sorte, eles conseguem chegar a tempo no local do hotel. Renata se lembrava de onde ficava o antigo hotel que, agora, recebeu uma reforma monstruosa.

- E-Esse é o hotel? - perguntou Thiago, espantado com a grandiosidade do local. O hotel antigo já era um cinco estrelas com mais de dez andares. Agora era um prédio ainda mais luxuoso e cheio de pompa. A pintura era nova, o cheiro era novo e o espaço era gigantesco. Uma diária ali deveria ser caríssima. Certamente, o maior hotel de Marinário (talvez do litoral paulista inteiro).

- E reformou rápido, né? Com grana no bolso tudo vai mais rápido - disse Renata, usando uma camiseta branca, shortinhos e sandálias simples.

- Concordo - disse Thiago - Ei, não acha que deveríamos estar mais formais?

- Ah, relaxa, acha que a Katia não vai arranjar um uniforme aonde vamos trabalhar? - respondeu ela - Vem! Vamos entrar logo!

 O saguão de entrada era gigantesco, com vasos de plantas em vários locais, uma fonte jorrando água bem no meio do cenário e várias pessoas conversando animadas. Certamente eram os funcionários do hotel. Em um canto, tio Natan e Júlio estavam aguardando o aviso de Katia.

- Ei, Thiago, Renatinha! Aqui! - acenou Júlio, uma figura de camiseta rosa e jeans. Tio Natan simplesmente vestia sua camiseta floral, bermuda e sandálias. Realmente, Thiago era o único mais neurótico quanto ao visual ali.

- Ah, vocês já chegaram? - perguntou Renata, ignorando o beijinho no rosto que Júlio queria dar de cumprimento - Esse hotel ficou enorme, não acham?

- Demais-  falou tio Natan - Estou curioso para saber onde nosso quiosque vai ficar.

- Normalmente fica perto da piscina - disse Júlio - Já visitei esse hotel algumas vezes...quando ainda estava em minha vida capitalista.

- Que você abandonou, não é? - perguntou Renata.

- Tudo por você, Renatinha - respondeu ele.

- Já falei que nossa história não rola. Vouter que repetir isso quantas vezes?

"Piscina", pensou Thiago, "Bom saber que não vou ficar longe das gatas de biquini..hehe"

- Animado, Thiago? - perguntou tio Natan, interrompendo os pensamentos lascivos dele.

- Ah, sim, claro. A Katia realmente mandou bem comprando esse hotel. Ela pode ser mau-humorada e ter uma cara de dar medo, mas é muito racional e empreendedora.

- Obrigada pelo racional e empreendedora - disse a própria, surgindo do nada logo atrás de Thiago, fazendo o pobre rapaz quase pular no colo de Tio Natan.

- Ah...e tem uma presença marcante, sem dúvida. Hehe - falou Thiago, rindo amarelo.

 Katia estava com um vestido social que a deixava realmente com cara de empresária. De seu lado estava a irmã sorridente Kate e do outro Raquel, também sorrindo simpaticamente. As duas também estavam bem apresentáveis. Thiago ficou espantado em quanto Raquel tinha crescido profissionalmente em tão pouco tempo.

- Atenção,  todos! - exclamou Katia - Dirijam-se à sala de reuniões no setor sul do prédio para que sejam dadas as primeiras instruções. Minhas secretárias guiarão vocês.

- Por aqui, por favor - disse Raquel sorrindo.

- Você é secretária mesmo? - perguntou Thiago ao passar por ela.

- Bem, nas horas vagas. Na verdade, junto com a Kate-san, sou gerente do quiosque Katana que vai ficar logo ao lado do de vocês.

- Você realmente se deu bem - disse o rapaz.

- Mudar para o ramo dos negócios foi a melhor coisa que fiz - comunicou a ruivinha.

 Na sala de reuniões, Katia inicia um discurso sério sobre como é importante se dedicar ao trabalho, entre outras coisas. É meio estranho ouvir de trabalho da boca de alguém que ganhou na loteria, mas no caso de Katia, ela era trabalhadora mesmo, só teve um empurrão (e um belo empurrão) com o prêmio que recebeu. E preferiu investir tudo que ganhou em um negócio lucratico ao invés de se dedicar ao lucro pessoal. Embora ela tivesse uma richa com Thiago, o rapaz a admirava muito. E ele também percebeu que roupa sociais e maquiagem contribuiam bastante para a silhueta da japinha. O problema é que se concentrar na silhueta de alguém, não faz você se concentrar em outras coisas e talvez por isso Thiago não tenha ouvido praticamente uma palavra do discurso dela. Bem, essas coisas acontecem. Não demora muito para que Katia conversasse em separado com cada setor e logo era a vez de nosso quarteto do ex-quiosque Twin conhecer seu novo estabelecimento.

- Uau! - tio Natan quase cai para trás ao ver que comparado com seu antigo quiosque meia-boca, agora ele estava diante de um local que parecia um restaurante de verdade.

- Isso é...isso é... - Thiago procurava palavras.

- Isso é muito melhor do que aquele buraco em que a gente trabalhava! - disse Júlio.

- Exatamente e...o que foi que você disse?! - tio Natan bronqueou.

- Calma, gente, calma. Mudanças fazem parte da vida. Mas o quiosque Mermaid realmente ficou fantástico, Katia! Está de parabéns- elogiou Renata.

- Fico feliz que tenham gostado - disse ela, embora seu ar sério não mostrasse muito disso - Só vocês como funcionários são suficientes para tomar conta daqui?

- Sempre demos conta - explicou Natan.

- Temos vagas se precisarem de mais ajuda. Agora...vejamos os uniformes - disse ela.

- Opa. Vamos lá - concordou Thiago, lembrando que os uniformes antigos de Mariana e Renata eram muito interessantes. Infelizmente, para ele, agora Renata tinha uma calça comprida para trabalhar, embora também favorecesse suas curvas.

- É meio comprido - disse Renata - Mas como aqui não faz tanto calor quanto na praia.

 A cor predominante não era mais vermelho e sim verde. Camiseta branca e calça verde. Era o novo uniforme do quiosque. Mas tio Natan não pareceu se importar muito com isso.

- Legal. Agora até eu tenho uniforme.

- Sinal de que agora você também é subordinado, tio - falou Júlio.

- Eu sei. Não precisa me lembrar. Mas é melhor do que estar falido.

- Isso me lembra - disse Katia - Preciso conversar em particular com cada um de vocês. Por favor, marquem um horário no meu escritório ainda hoje.

- E o quiosque já funciona hoje? - perguntou Renata.

- Não, hoje a equipe de limpeza vai dar os últimos retoques.

- Limpeza? Ouviu isso, tio? Teremos até uma equipe de limpeza. Não vamos mais precisar nos esconder da vigilância sanitária! - falou Júlio.

- Cale essa boca, moleque! - retrucou Natan, dando um peteleco na cabeça do garoto.

- De qualquer forma, falem comigo. Agora preciso verificar o setor de serviço de quarto - disse Katia - Até mais.

- Nossa! Estamos no paraíso! - comemorou Renata, abraçando o balcão do novo quiosque - Agora sim posso dizer que tenho orgulho do meu trabalho!

- Obrigado pelo reconhecimento, sobrinha - falou tio Natan.

- Ah, tio, claro que eu também amei os anos que trabalhei no quiosque Twin - disse ela, dando um abraço em Natan.

- Mas o que será que a Katia quer com a gente? - perguntou Thiago.

- Simples, Thiago. Iremos discutir isso... - disse Júlio, esfregando o polegar nos dedos indicador e médio. É. Salário. E ele estava certo.

- É ISSO MESMO?! - gritou Thiago - É esse valor mesmo?!

- Se achou pouco posso achar muita gente que aceite - reclamou Katia - Além disso, como você faz faculdade de manhã, não acho justo pagar por período integral.

- Não, pelo contrário, isso...isso é mais do que eu ganhava antes. Muito obrigado! - Thiago praticamente se ajoelhou em agradecimento.

- Tudo bem, agora já pode sair. Você começa a trabalhar amanhã mesmo.

- Obrigado mesmo. E eu achando que você só queria me matar em uma luta.

- Mas ainda quero te matar em uma luta, assim que lutarmos novamente - disse Katia com toda a frieza do mundo - Apenas não misturo negócios com lutas.

 Thiago engoliu seco.

- Bem, então tá..até mais.

- Passar bem, Thiago Correios - disse Katia, voltando para suas anotações. Ela tinha mesmo virado uma grande empresária.

"Legal!", disse ele, "Com esse salário já posso pagar todo o aluguel que devo e...ah, sim, agora posso jogar na cara da Mariana que tenho um bom emprego. Hehe. Ela não vai ter do que reclamar!"

- O salário é maior? Que bom! - disse Mariana na sala da pensão, assim que Thiago dá a notícia, embora não tire os olhos do laptop que usava para escrever seu relatório.

- Viu só? As coisas estão melhorando! Agora você não pode dizer que não estou pensando em minha carreira. Hehe!

- Como não? - Mariana voltou os olhos para Thiago - Vai mesmo querer ser escravo da Katia para sempre?

- Hã?

- Thiago! Você pode estar ganhando mais, mas ainda é um trabalho que não tem nada a ver com o seu curso.

- Tá, tá, eu não vou ficar lá pra sempre. Mas com certeza estou bem melhor, não acha?

- Agora você não tem mais as quartas de folga e no hotel não vai poder levar nas coxas como o tio Natan deixava. Isso não vai atrapalhar sua iniciação?

- Quer relaxar? Eu tenho tudo sob controle.

- Espero que sim - disse a namorada - Não pense que trabalhar no hotel vai ser mais fácil do que trabalhar na praia.

- Tá legal. Agora...que tal a gente comemorar meu novo emprego. Heim?

 Mariana dá um beijo nele, embora não dure muito tempo com a entrada de Stephany na sala.

- Thiago! Não pude deixar de ouvir! - disse ela - Então o senhor recebeu um aumento!

- Hã? Stephany? Ouvindo a conversa dos outros?

- Então..quando vai me levar para passear, tomar uns sorvetes e comemorar sua nova riqueza? Heim? Heim?

 Bem, tudo nessa vida tem seus dois lados, não é?