Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 31
Capítulo 31




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Cheguei em casa na quinta-feira ao mesmo tempo em que meu irmão estacionava o carro em frente ao prédio, pouco depois do meu horário normal. Deixei a bolsa em cima da mesa, chutei os sapatos de salto para o lado e fomos até a cozinha para eu preparar algo para almoçarmos.

—E então, como foi com os sogrinhos? - Perguntou encostado no balcão atrás de mim, não pude deixar de notar o tom levemente irônico.

—Melhor do que eu imaginava, os pais dele são muito simpáticos e acolhedores.

—Pelo jeito a senhorita foi bajulada o final de semana inteiro, nem gosta dessas coisas… Já basta esse moleque fazendo tudo o que você quer, agora os pais dele também.

—Ele não faz tudo o que eu quero, Ron. - Rolei os olhos, mesmo estando de costas para ele. - Mas então, a mãe dele é um caso a parte, daquelas pessoas que você se sente bem só de ficar perto.

—Sorte sua, porque a única sogra que eu tive era uma sugadora de energias vitais.

A referência à mãe intragável da minha ex cunhada me fez gargalhar.

—Acho que com a mãe da Mione você vai ter mais sorte. - Peguei a travessa de macarrão de cima da pia e me virei para levar até a mesa de jantar. - Pelo menos comigo ela é muito legal, mas eu não estou dormindo com a filha dela, então…

—Suas frases tranquilizadoras são uma decepção. - Observou, se servindo.

Quando ele se levantou do sofá em que estava deitado para ir embora, já passava alguns minutos da quatro da tarde.

—Você está com pressa?

—Não, por que?

—Vou jantar com uns amigos do Harry hoje, não quer esperar eu me arrumar e me levar até o trabalho dele? É só um pouquinho fora do caminho da sua casa.

—Ta bom, vai logo.

Tomei um banho rápido e me vesti em poucos minutos, usando toda a minha praticidade. Mandei uma mensagem para o Harry dizendo que o encontraria em seu horário de saída e acompanhei meu irmão até o carro dele.

—Obrigada, Ron. - Trocamos um abraço rápido quando ele estacionou em frente ao prédio comercial. - Manda um beijo pra Mione.

—Ah, verdade, ela me pediu para confirmar nosso jantar no sábado.

—Por mim tudo certo.

—Vou avisá-la. Tchau, Gin.

Já passava alguns minutos das cinco da tarde quando mandei uma mensagem dizendo que já estava esperando por ele.

“Tive um problema e vou demorar uns minutinhos. Sobe aqui, 22º andar, vem direto até o fim do corredor e vira à direita.”

Eu já tinha vindo encontrá-lo aqui algumas vezes antes, mas nunca tinha entrado nem na recepção do prédio, muito menos ido até o escritório.

“Eu posso subir aí?”

“Pode, é só dizer o meu nome na recepção. Vou ligar e autorizar sua entrada.”

Escorreguei o celular para o bolso da calça e passei pelas portas de vidro automáticas, entrando no saguão muito elegante do edifício, repleto de pessoas bem vestidas e apressadas andando e direção à saída.

Me debrucei sobre o balcão onde uma moça muito simpática estava sentada, informei o nome do Harry e o meu, o andar e entreguei o documento de identificação que ela me pediu. Esperei ela registrar meus dados, uma foto que tirou na hora com uma câmera acoplada ao computador e só então me devolvê-lo junto com um crachá de acesso onde se lia “visitante”.

Desci do elevador no andar que ele me informou e à minha frente, do outro lado do hall decorado com um jardim de inverno, estava a porta dupla de vidro que dava acesso a um escritório amplo e elegante, repleto de mesas praticamente vazias. O que eu achei ótimo, porque de outra forma seria muito difícil encontrar o Harry em meio a tanta gente vestida igual a ele.

Atravessei o corredor e virei à direita ao fundo, passando por uma copa pequena e bem equipada com uma máquina muito moderna de café, uma sala com a porta aberta onde havia apenas um acumulado de máquinas de xerox e mais algumas mesas vazias. Olhei em volta procurando, mas ele me viu antes e chamou minha atenção batendo no vidro transparente de uma sala reservada ao fundo, a poucos metros de mim.

A porta estava aberta, mas não deixei de notar a pequena placa grudada a ela onde se lia “Harry Potter”. Ele estava ao telefone quando entrei e fez sinal para eu fechar a porta, depois me chamou e grudou silenciosamente a boca na minha por alguns segundos antes de indicar a cadeira na frente dele e me pedir para esperar um pouco enquanto terminava a ligação.

Me acomodei do outro lado da mesa e aproveitei para olhar tudo em volta, porque eu nunca havia entrado em um escritório antes. A sala não era muito espaçosa, mas acomodava confortavelmente a cadeira dele e mais duas do lado onde eu estava, um armário de duas portas, um frigobar e a mesa, grande o suficiente para comportar o notebook, um segundo monitor de tamanho exagerado, um monte de papéis e algumas pastas. A parede de vidro, que ficava à direita, contava com uma persiana que neste momento estava aberta e ficava de frente para uma janela grande.

Ele desligou o telefone depois de se desculpar várias vezes por algum motivo e respirou fundo, parecendo irritado.

—Só mais uma ligação, ta? – Me falou já com o telefone no ouvido

—Não se apresse.

Levantei e cruzei o pequeno espaço para olhar lá de cima, era uma vista bem legal e muito mais ampla do que a que eu tinha da minha casa, da dele ou do hospital. Debrucei no parapeito da janela e me acomodei para esperá-lo, mas o grito inesperado me fez dar um pulo e virar para trás.

—Eu te mandei isso nove da manhã, são quase seis da tarde!

Além da vista da cidade do vigésimo segundo andar de um prédio, eu também nunca tinha visto o Harry nervoso com mais ninguém além de mim, então me acomodei novamente do outro lado da mesa dele e prestei mais atenção na conversa.

—Ele acabou de me ligar perguntando por que não aparece no extrato o investimento que me pediu para fazer no primeiro horário, claro que ele sabe! Esperar até amanhã? Você está brincando, né? – Riu sarcástico e passou a mão no rosto, exasperado. – As bolsas de valores fecham daqui a pouco e ele quer as taxas de hoje. Eu sei que você já foi embora, só deveria ter feito seu trabalho antes!

Eu estava tão acostumada a ver o Harry sempre feliz, simpático e com um sorriso no rosto, que essa versão autoritária, séria e direta me deixou meio fascinada. Ele parecia tão familiarizado com essa autoridade toda que comecei a entender a facilidade em me convencer a fazer tudo o que ele queria.

 -Acontece que essa não é a primeira vez que você faz isso, Alex, assim não dá pra manter a conta desse cliente na sua carteira. Eu faço o de hoje e amanhã resolvo o que fazer com isso, não precisa mais se preocupar. Ok, amanhã conversamos, tchau.

Ele bateu o telefone irritado e se virou para o computador.

—Vou demorar um pouquinho, Gin. Quer água, café, alguma coisa assim? – Perguntou num tom bem mais ameno, mas não com a expressão alegre com a qual eu estava acostumada.

—Não, Ursinho, obrigada.

Ele digitou concentrado por alguns minutos, sem sequer desviar os olhos da tela.

—O que você faz aqui? – Perguntei, apoiando os cotovelos na mesa.

—Investimentos de risco.

—Isso eu sei, mas você faz o que além disso? Tipo cuidar das contas, ou sei lá o que, é responsável pelo trabalho de alguém, essas coisas.

—Ah, o meu cargo?

—Isso.

—Sou gerente.

Olhei surpresa para ele, porque a informação era nova.

—Eu estou saindo com um gerente esse tempo todo e nem sabia? Isso diz muito sobre mim. – Falei convencida.

—Diz mesmo, que você não presta atenção nos outros.

Olhei feio em sua direção, mas ele não estava olhando para mim.

—Eu quis dizer que não sou interesseira. – Expliquei.

—Uhn. – Murmurou sem prestar muita atenção e puxou um pequeno aparelho retangular de cima da mesa, onde apertou alguns botões e deixou de novo de lado para voltar ao teclado.

—O que é isso? – Perguntei, puxando-o para mim e olhando com atenção todos os sinais numéricos que exibia e eu não conhecia.

—Uma calculadora financeira.

—Pra que tanto botão? – Comentei mais para mim mesma. – Eu achava que porcentagem era o mais avançado que uma calculadora precisava ter.

Olhei cada uma das teclas, que pareciam ter três funções cada, e a deixei de novo sobre a mesa.

—Você sabe usar todas essas operações?

—Sei.

—Posso ver? – Apontei a primeira pasta sobre a pilha.

—Pode, só não tira da ordem.

Folheei tudo o que havia dentro, identificando apenas os números expressos sem entender muito bem o que eles significavam, e voltei no lugar porque não tinha nada muito interessante para matar o tempo.

—O que o seu funcionário fez foi grave?

Harry virou para mim forçando um sorriso e segurou minha mão que estava apoiada no tampo da mesa.

—Gin, amor, você pode ficar quietinha só um minutinho, por favor? Só até eu terminar isso aqui.

Pensei em falar quão irônico era ele me pedir para ficar calada, mas foi tão engraçado que só consegui rir.

—Ta bom.

Ele voltou a se concentrar e fiquei sem ter o que fazer além de bater o pé e olhar em volta. A espera se arrastou por longos minutos, e qualquer pessoa já teria ficado entediada.

—Deixa eu olhar o que você está fazendo?

Ele riu e afastou a cadeira para o lado para me dar espaço.

—Vem cá, curiosa.

Arrastei minha cadeira e sentei do lado dele, tentando entender alguma coisa da tela que tinha muitos termos desconhecidos e nada além de números. Achei que essa não era uma boa hora para perguntar o que todos eles significavam, então só acompanhei com o olhar pelos próximos minutos até que ele clicou no botão que aparentemente salvava o que tinha feito e desligou o monitor.

—Pronto. – Anunciou, relaxando no encosto da cadeira. – Desculpa a demora.

—A sua postura profissional é encantadora, foi um prazer conhecê-la. Mas só porque eu não sou o Alex, pra ele deve ter sido bem chato.

A gargalhada que ele deu espantou a expressão séria que exibia até então. Harry abriu os braços, me convidando para um abraço, e eu me acomodei encostada no peito dele. Trocamos um beijo lento e carinhoso, não afastei meu rosto quando nos separamos e continuei olhando para ele:

—Esse Harry nervoso é bem excitante, sabia?

—Essa persiana aqui fecha, sabia? Muita privacidade.

Gargalhei da proposta implícita na informação e dei outro selinho antes de me afastar e voltar minha cadeira ao lugar certo, do outro lado da mesa.

—Vamos? Já é mais de sete horas.

Descemos até o subsolo e, ao invés do saguão, o que encontrei assim que as portas do elevador se abriram foi a garagem do edifício. Harry me guiou por entre os carros até onde estava o dele e me acomodei para continuar ouvindo-o responder às minhas perguntas sobre seu trabalho.

Passamos pela portaria do apartamento do Mike e da Lisa sem ser anunciados, e ele abriu a porta para nós segundos depois de tocarmos a campainha.

—Lindinha, que saudade de você. - Falou exagerado, me dando um abraço. - Agora isso é de verdade ou o Harry vem daqui duas semanas chorar no meu colo de novo?

Nós dois rimos e meu namorado se adiantou para cumprimentá-lo também.

—Pode deixar que eu o consolo da próxima vez que ele quiser chorar, vou poupar o seu colo. Oi, Lisa. - Fui até o sofá onde ela estava sentada e me abaixei para cumprimentá-la.

—Oi, Gin.

—E essa mocinha? - Pousei a mão com cuidado sobre a barriga dela.

—Está me dando uma canseira, mas o médico me disse que a partir de agora ela pode nascer a qualquer momento.

Harry se sentou do outro lado dela e colocou a mão ao lado da minha, o que foi o suficiente para o bebê chutar.

—Ela reconhece o papai. - Falou presunçoso. - Oi, Li, minha mãe mandou um beijo para você também.

—Obrigada, espero que eles venham conhecer a Meg quando ela nascer.

—Com certeza virão.

Estendemos nosso encontro agradável por algumas horas depois de terminarmos a pizza que pedimos para o jantar e encerramos a noite quando já passava das onze. Harry me deixou em casa antes de ir embora e não demorei a me acomodar para dormir.

Não me espantei no sábado a tarde quando ele trocou o antigo hábito de me acordar com uma ligação pela praticidade de fazer isso pessoalmente, era o tipo de coisa que eu conseguia imaginá-lo fazendo assim que tivesse oportunidade, além disso o abraço e os beijos no meu pescoço eram muito mais gostosos que o toque estridente do meu celular.

Me espreguicei e fui até o banheiro escovar os dentes antes de voltar a me juntar a ele sob o emaranhado que estava meu edredom.

—Isso vai virar um hábito? Quando eu não for te acordar no sábado seis da manhã você vem me acordar a tarde?

—A gente também pode combinar uma semana de cada.

—Ah não, odeio ser previsível.

—Então pode se orgulhar, porque você não é.

—Que horas são?

—Umas três, você marcou com seu irmão que horas? - Perguntou, deitando o rosto no meu peito.

—Sete, mas a gente pode chegar um pouco mais cedo se quiser, o Ron não liga.

Apesar da minha observação, nenhum de nós dois parecia muito apressado para sair dali e acabamos chegando alguns minutos depois.

—Ron, chegamos. - Anunciei quando passamos pela porta destrancada da casa do meu irmão.

—Vem cá, estou na cozinha. - Me respondeu um com um grito.

Afastei a bolsa da minha cunhada um pouquinho para o lado para colocar a minha sobre o aparador também, e puxei o Harry pela mão até onde nosso anfitrião estava enquanto ele tentava dirfarçar e olhar tudo em volta.

—Oi. - Fiquei na ponta dos pés e dei um beijo no rosto do meu irmão, que estava concentrado espalhando queijo sobre uma lasanha de aparência ótima. - Cadê a Mione?

—Terminando de tomar banho. Oi, Harry.

Os dois trocaram um aperto de mãos e meu namorado voltou a se acomodar atrás de mim com os braços ao redor da minha cintura.

—Vai demorar aí ainda?

—Não, só aquecer e derreter o queijo. Quer beber alguma coisa, Harry?

Me desvencilhei dele e fui até a geladeira do outro lado da cozinha.

—Refrigerante, água, suco, cerveja, vinho… - O olhei e esperei decidir.

Antes que ele respondesse, meu irmão entrou na minha frente, pegou duas garrafas de cerveja e lhe entregou uma. Peguei um copo de suco para mim e o puxei para a sala, seguindo o dono da casa.

—Oi, Gin. - Mione me cumprimentou assim que me sentei no sofá, os cabelos molhados e vestindo uma roupa confortável, ainda assim escolhida para combinar até com a cor do tapete. - Oi, Harry.

Eles trocaram um abraço rápido e ela foi se acomodar sobre as pernas do Ron, acomodado na poltrona em frente ao sofá onde nós dois estávamos.

—Como foi a viagem de vocês semana passada?

—Foi ótimo, me diverti muito e os pais do Harry são… - Olhei para ele sem saber como completar a frase. - São como ele, mas com vinte anos a mais de experiência na arte de fazer as pessoas se sentirem bem.

Antes de continuarmos a conversa, o apito do forno anunciando que nosso jantar estava pronto chamou a atenção e o Ron se levantou para buscá-lo. Saí do meu assento também e me apressei a ajudá-lo.

—Devo perguntar a ele quais são as intenções, para fazermos direito esse papel? - Perguntou rindo.

Gargalhei com isso e peguei o vinho que ele me indicou e quatro taças para colocar sobre a mesa ao lado dos pratos já distribuídos.

—Você vai tomar vinho também? - Harry parou ao meu lado na mesa e perguntou para que só eu escutasse.

—Vou, por que?

—É que eu bebi cerveja, quem vai dirigir?

—Quando eu venho para cá no sábado a noite, raramente volto para casa, sempre fico para dormir. Você se importa?

Ele não fez uma cara muito confortável assim que falei.

—O Ron não liga?

—Duvido muito, acho que ele vai achar mais estranho eu ir embora.

Terminei o que estava fazendo e parei de frente para ele.

—Eu não trouxe nada para passar a noite fora. - Falou passando os dedos pelo cabelo.

—Se esse for o único problema, você pode dormir só de cueca e eu te empresto minha escova de dentes, que não tem novidade nenhuma, mas se você não quiser ficar, tudo bem, pode ir.

—Se você diz que não tem problema, eu fico. - Concordou por fim.

Depois de um final de semana inteirinho na casa dos pais dele, eu considerava uma decisão justa que ele ficasse, e não consegui esconder o sorriso de satisfação. Me aproximei mais e fiquei na ponta dos pés para lhe dar um beijo, mas meu irmão vindo da cozinha com o jantar nos interrompeu e acabei apenas grudando os lábios rapidamente no rosto dele.

—Harry, estamos desenvolvendo a versão dois do Animanix. - Ron informou depois que terminamos de nos servir. - Já está em fase de testes.

Vi os olhos da pessoa ao meu lado quase saltarem para fora.

—Tem previsão de lançamento? - Perguntou tão interessado que eu tenho certeza que se controlou para não pegar o celular do bolso para procurar se já havia link de download.

—Ainda não, mas se você quiser eu instalo no seu celular.

Para isso até eu olhei meio suspeita.

—Ron, se isso for um daqueles programas que controlam mensagens recebidas e enviadas, já adianto que você não vai gostar do que ler.

Ele não me deu a menor atenção, Mione riu com vontade e Harry me olhou como se eu tivesse quebrado o clima.

—Mas aí eu queria que você me reportasse todos os erros e falhas do aplicativo. - Acrescentou.

—Sem problemas, te envio todas elas.

—Então me dá seu celular depois.

—Como é esse jogo? - Minha amiga perguntou interessada, o rosto voltado para o meu irmão.

Ele resumiu as regras e explicou a ela mais ou menos como funcionava, acrescentando ao final as novidades que seriam incluídas na nova versão.

—É muito legal. - Harry acrescentou.

—Ron deu um show num cassino a que fomos em Bariloche, você também tem aptidão para jogos, Harry?

—De cartas não muito, mas eu e a Gin já brincamos algumas vezes de Poker.

—Ouvi dizer sobre a sua fama nisso. - Ela acrescentou me olhando.

—Você ganha dele, não é? Eu espero que sim! - Ron praticamente me exigiu uma resposta afirmativa.

Eu não admitiria ao meu mentor que um principiante tinha descoberto meu vício, então optei por meia verdade.

—Eu também sou uma boa professora, então a briga é boa. - Dei de ombros com ar de superioridade e ouvi o Harry rir baixinho do meu lado, mas não negou minha teoria.

—Eu prefiro passar um tempo com meus livros mesmo. - Mione afirmou.

Ron também lia um pouco as vezes, então os três começaram um assunto cansativo sobre livros, que eu acompanhei olhando de um para o outro sem entender muita coisa enquanto eles trocavam recomendações e opiniões sobre os títulos que coincidiam.

—Se você lesse poderia participar da conversa. - Ron me falou e se virou novamente para eles, sem o menor ressentimento.

—Agora os três vão ficar insistindo, é isso? Já bastava Ron e Mione, eu tinha que arrumar mais um. - Lamentei olhando de canto para o Harry, que era a última pessoa ali que tinha entrado na minha vida.

—Já perdemos as esperanças, Gin. - Minha amiga deu de ombros, rindo.

Harry pousou os talheres sobre o prato vazio e passou o braço sobre o encosto da minha cadeira.

—Quando eu achar que preciso conversar sobre algum deles com alguém, já sei como te fazer ler, Ratinha, é só te dar um monte de vodca de novo. - Afirmou brincalhão.

A frase soou de maneira diferente para nossas companhias:

—De novo essa história de Ratinha e eu ainda não sei o que significa… - Mione me olhou determinada ao dizer, me fazendo ter certeza que talvez não hoje, mas um dia ela me arrancaria a explicação.

—Ginny bebendo vodca? - Ron apontou para mim com descrença.

—E foi hilário. - Harry confirmou rindo.

—Essa eu tenho que ver.

—Isso nunca mais vai acontecer, a dor de cabeça não compensa no dia seguinte. - Neguei com uma careta ao me lembrar da sensação horrível.

—Não mesmo. - Mione concordou comigo e o Ron a olhou sem entender também.

Para falar a verdade nem eu achava que a Mione entendesse com propriedade dos efeitos colaterais do excesso de álcool.

—A Ginny bebendo vodca é tão estranho quanto imaginar a Mione enchendo a cara num boteco qualquer num dia de semana. - Fez uma comparação exagerada e eu rolei os olhos para ele.

As reações foram simultâneas: Mione corou com a expressão culpada e o Harry se virou para o Ron num impulso.

—Foi isso mesmo, mas no caso da Mione era tequila, não vodca.

                Assim que terminou a frase, ele parecia profundamente arrependido de tê-la dito e minha amiga afundou o rosto nas mãos constrangida.

—Tequila? – Ron perguntou com a sobrancelha arqueada, virado para a namorada.

—Com você? – Perguntei da mesma forma, encarando um Harry sem graça como raras vezes até então.

—Lembra que eu te contei que encontrei o Harry saindo da sua casa no dia em que brigaram, Gin? E por isso eu sabia que ele estava triste? – Ela me perguntou e eu assenti. – Eu estava saindo de casa também, aí resolvemos ir juntos.

—Tomar tequila num boteco? – Ron acrescentou.

—Não, a gente só resolveu ir até algum lugar, mas já estávamos no boteco mesmo e pedimos tequila. – Ela explicou o que, na minha opinião, dava no mesmo. – O Harry pediu, na verdade, eu experimentei e gostei, depois pedi mais.

—Foi isso, e eu ainda terminei a noite sendo assediado repetidas vezes sem nem precisar sair da mesa. – Harry falou tranquilamente, como se isso encerrasse a história com a melhor explicação.

Ron e eu viramos os rostos para minha cunhada, ambos incrédulos e sem saber o que fazer com aquela informação. As bochechas dela se tingiram imediatamente de vermelho.

—Mione? – Meu namorado perguntou para nós dois, apontando para ela com o cenho franzido e se dando conta do que tinha acabado de falar. – Não! Foi pelo Ced.

Deve ter sido uma cena bem próxima do absurdo Mione e Harry bêbados enquanto Ced, que sei lá o que estava fazendo ali, o assediava. Era tanto absurdo numa frase só que quando percebi já estava rindo com vontade.

—Ced? – Meu irmão perguntou confuso. – Aquele Ced?

—O único Ced que eu conheço, Ron. – Ela explicou, olhando com diversão para sua expressão de entendimento.

—O que o Ced estava fazendo lá? - Perguntei com o cenho franzido, porque ele não encaixava na história.

—O Harry não me deixou voltar dirigindo, aí ligamos para ele nos buscar. - Mione respondeu.

—Você também conhece o Ced? - Meu irmão me perguntou.

—Claro, o Ced é tipo o Colin da Mione. Mas com roupas mais estilosas.

—E um pouco mais direto, ou talvez seja porque só vi o Colin no hospital. – Harry ponderou.

—O que mais aconteceu? – Perguntei me virando para ele e Mione. – Contem tudo.

Os dois trocaram um olhar meio apreensivo e o Harry se virou para mim com cara de bom moço:

—Te conto depois, ta bom?

Arqueei a sobrancelha para sua afirmação, mas concordei com um aceno. Ron não disse nada, mas eu sabia que Hermione passaria por um interrogatório pior do que o meu.

Todos nós já tínhamos terminado de comer há vários minutos, depois disso nos reunimos no sofá da sala e continuamos conversando sobre assuntos que passaram bem longe de qualquer coisa relacionada à tequila e demais assuntos constrangedores para um de nós.

—Acho que vou dormir. - Mione falou em meio a um bocejo. - Boa noite para vocês.

—Vocês vão embora hoje? - Ron me perguntou, segurando-a pela mão e impedindo de ir até o quarto.

Neguei com um aceno, respondendo por mim e pelo Harry.

—Então já vou também, boa noite. Harry, pode ficar a vontade, se você precisar de alguma coisa, a Gin sabe onde está tudo aqui.

—Obrigado, Ron.

Quando ele se levantou ocupei o resto do sofá me deitando no colo do meu namorado, que ainda não parecia totalmente relaxado. Assim que ouvi a porta do quarto se fechar, olhei para ele com minha melhor expressão ameaçadora:

—Vai, me conta.

Ele passou a mão no rosto, parecendo um pouco desconcertado, mas começou a falar.

—Eu saí da sua casa aquele dia e encontrei a Mione no hall, minha cara devia estar péssima, porque ela se tocou na hora o que tinha acontecido e disse que estava indo pra qualquer lugar esquecer do péssimo dia dela também, aí eu fui junto.

—E o que o Ced estava fazendo lá?

—Ela ligou para ele ir nos levar para casa, porque eu disse que você odiava gente que bebia e dirigia.

Ele falou como se isso fosse fazê-lo ganhar uma estrelinha de bom comportamento.

—E você deixou seu carro onde?

—Na rua da sua casa, só lembrei no dia seguinte quando acordei atrasado para trabalhar e não o encontrei na garagem.

Ri com vontade ao imaginar o Harry se deparando com a vaga vazia e a frustração que isso deve ter causado.

—Não tem graça. - Ele resmungou, se fingindo de emburrado.

—Todos os relacionamentos que você terminou te fizeram terminar a noite assim ou eu fui a primeira a causar o efeito?

—Foi meu primeiro porre por dor de cotovelo, mas isso não é um motivo para se orgulhar. - Repreendeu quando eu ameacei abrir um sorriso.

—E o que tanto você falou de mim?

—Eu não lembro muito bem de tudo, Gin, mas até a parte em que eu estava totalmente consciente, reclamei que você não me contava nada e me tratou com o maior descaso. Ah! E também falei pra Mione que você me chutou, e depois tive que explicar que era um chute psicológico, porque ela ficou horrorizada com a violência.

Gargalhei ao imaginar essa cena, que deve ter sido realmente ótima.

—Mas eu quero saber o que você falou mal de mim.

—Por que você acha que eu falei mal de você? - Perguntou olhando de canto, me dando a certeza que eu não tinha de que ele realmente tinha falado mal de mim.

—A gente termina, você sai com a minha melhor amiga, que por acaso tinha terminado com o meu irmão, enche a cara e fala que eu te chutei. - Enumerei com os dedos levantados. - A lógica me leva a crer que você falou mal de mim.

—Eu não falei mal de você, não, amor. - Negou com um sorriso muito pouco convincente, fazendo carinho no meu rosto.

O gesto só me fez arquear a sobrancelha, numa repetição muda da pergunta.

—Ah, Gin, mas nem foi muito e eu estava triste pra caramba. - Justificou sem nem mesmo me dizer o que era.

Segurei a vontade de rir do tom levemente rosado em suas bochechas.

—E o que você falou?

—Me lembro vagamente de ter falado que você só me usava. - O tom dele não indicava que isso era tudo. - E a Mione disse que era só a foda fácil do seu irmão, isso eu lembro.

—Que mais?

—Eu disse que você era… uhn… uma vaca total. - Contou extremamente sem graça, quase se desculpando.

—Uma vaca total… - Repeti as palavras lentamente, ponderando o peso delas.

—Acho que eu também disse alguma coisa sobre seus olhos serem lindos.

A tentativa de desviar o foco do assunto me fez rir, mesmo eu tentando manter minha pose séria.

—Você me achou mesmo uma vaca naquele dia ou era só modo de falar de bêbado? - Ele abriu a boca para responder imediatamente, mas o interrompi com o dedo em riste. - Não mente!

Seu rosto ficou levemente vermelho de novo.

—Ah, Gin, eu achei mesmo, mas também olha o tanto de coisa que você me falou e eu só queria entender por que você tinha ficado triste.

Achei bonitinho ele ter sido sincero, mas achei bastante incabível dizer isso em voz alta.

—Você não está brava comigo, não é?

—Não, só estou aqui pensando que agora quando a gente brigar vou usar todo meu repertório em você sem culpa, já que eu sou uma vaca.

—Eu acho que é justo você lembrar que meu repertório de elogios é muito maior. - Se defendeu, meio apreensivo.

Olhei de canto e não falei nada. Levantei do colo dele e fiquei de pé em frente ao sofá.

—Vamos dormir?

Harry me acompanhou quando apaguei a luz e fui até a penúltima porta do corredor, onde ficava o quarto que era praticamente meu. Fechei a porta depois que ele entrou e fui direto ao banheiro, de onde retornei alguns minutos depois e ele entrou em seguida. Dispensei a calça e o suéter e deitei na cama para esperá-lo. Assim que saiu do banheiro, ele ficou só de cueca, apagou a luz e se juntou a mim.

—O que você fez aquele dia depois que eu saí? - Perguntou puxando uma mecha do meu cabelo e brincando com ela entre os dedos.

—Vim ser uma vaca chorona com o Ron.

Ele riu do jeito que formulei a frase.

—E o que você falou de mim?

—Só que você foi um idiota incompreensivo, e também cogitei comprar um cachorro e batizá-lo de Ursinho, para ter quem chamar assim.

Sua gargalhada preencheu o quarto escuro e me fez rir também.

—Você quer um cachorro? - Perguntou achando estranho.

—Eu mal tenho tempo para você, que come, toma banho e passeia sozinho, imagina para um cachorro. - Descartei a possibilidade com uma careta que a falta de luz não o deixou ver.

—Mas eu exijo mais atenção.

—Mas não late de madrugada, o que é um ponto muito positivo a seu favor.

Me arrastei para mais perto dele e me deitei encostada em seu peito.

—É tão gostoso dormir assim com você. - Harry comentou, me apertando em um abraço.

—Mesmo eu sendo uma vaca?

—Para com isso, você não é uma vaca. - Repreendeu, dando um beijo no meu rosto.

—Você disse que sim.

—Eu estava bêbado, não sabia o que estava dizendo.

—Tarde demais para desculpas esfarrapadas, já falou. - Teimei, me aconchegando melhor no abraço dele.

—Eu fiquei a maior parte do tempo lamentando a sua falta, você pode lembrar dessa parte também.

—Essa parte é uma gracinha, mas não posso usar como arma de chantagem.

—Você joga muito baixo, doutora. - Afirmou rindo.

—Impressão sua, Ursinho. - Neguei com meu tom bondoso e me virei para ele. - Boa noite.

—Durma bem, Ratinha.

Ganhei um beijo gostoso antes de me virar para frente de novo.

—Você já está dormindo? - Perguntei alguns minutos depois.

—Não.

—Você saiu com alguém naquelas três semanas que ficamos separados?

Talvez fosse a incerteza se eu queria mesmo saber a resposta para essa pergunta, mas meu tom de voz saiu mais baixo que o normal.

—Não, você deixou tudo bagunçado demais para essas coisas quando saiu. E você?

—Também não.

—Também te baguncei?

—Eu não tive tempo mesmo. - Respondi rindo.

—Estava ocupada demais lendo as regras do War? - Debochou convencido.

—E decidindo a raça do meu cachorro.

Minha frase o fez rir com vontade.

—Esse seu dom de sempre manter a pose é engraçado. - Comentou, arrumando meu cabelo para afastar do seu rosto.

—O amor próprio tem que prevalecer, meu bem.

—Mas o orgulho pode ficar de lado um pouquinho, meu bem. – Repetiu a última parte numa imitação péssima da minha voz.

—Mas ele já ficou para você, muito mais do que eu gosto de assumir.

—Valeu a pena? – Perguntou, presunçoso.

—Valeu. – Confirmei pensativa. – Sabe, você é um homem de sorte.

—Sou mesmo, não é? – Me apertou num abraço satisfeito.

—Mas nem sempre, porque as vezes eu sou uma vaca.

Harry bufou desanimado atrás de mim e eu gargalhei.

—Não vou me preocupar em negar mais. – Ameaçou.

—Nem precisa se incomodar, já sei o que você pensa a respeito.

—Você está muito engraçadinha hoje, vai dormir.

Tentei contestar, mas quando percebeu que eu ia dizer algo ele tapou minha boca e não deixou.

—Credo, que sem graça. – Reclamei enquanto ele ria. – Não quero mais conversar com você também.

—Amanhã você vai querer. – Garantiu. – Boa noite. Tudo bem, não precisa responder. –Acrescentou quando percebeu que eu não ia dizer nada e virou meu queixo para cima para me dar um beijo.

—Durma bem, Fofuxo. – Falei um tempinho depois, o tom propositalmente provocador.

—Hoje é o dia das exceções para apelido de mãe?

—Não.

—Então pare de trapacear suas próprias regras. – Exigiu, se acomodando atrás de mim.

Eu já estava sentindo minhas pálpebras pesarem, e dormi poucos minutos depois de ficarmos em silêncio.

 


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoas lindas, como estão?
Eu amo essa versão do Harry sincero dizendo que a achou uma vaca e pedindo pra ficar quietinha, até assim é fofo! hahaha
Aguardo ansiosa pelos comentários de vocês!
Beijos e até o próximo.

Crossover: Com certeza o Ron também não deixa para lá essa história da Mione enchendo a cara por aí com o namorado da irmã, a conversa deles no capítulo de amanhã de Backstage!
https://fanfiction.com.br/historia/692675/Backstage/