À Espada Pelo Sangue escrita por LahChase


Capítulo 32
Capítulo 26 - Clair De Lune


Notas iniciais do capítulo

Olááá
Eis mais um capítulo para vocês ^^
Eu recomendo que leiam este capítulo ouvindo à música Clair de Lune, principalmente o começo e o final. Eis o link: ( https://www.youtube.com/watch?v=pVJsEKbz3S0&index=1&list=PLAXQ7LqyLUylqvZIKz9hCZf75-viNOpQp )
Então, gente o próximo capítulo também já tá pronto então vou postá-lo logo em seguida ^^
Agradeço de coração pelos comentários de Leta Le Fay, Kally e Minoran ^^

Vejo vocês no final ♥



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Quando todos os seis me alcançaram, com expressões confusas no rosto, caminhei meio amortecida até a porta de casa.

“Por que?” A pergunta martelava em minha cabeça. Por que tínhamos que voltar ali?

Estendi minha mão trêmula para a porta branca e bem-entalhada da entrada. O número 7 brilhava em dourado, bem como a maçaneta que eu hesitava em girar.

— May-san! – ouvi a voz de Izumi – Não pode entrar na casa de JJ-sama assim!

Não lhe dei ouvidos. A casa de JJ, não é? Então era realmente isso... Obriguei-me a abrir a porta, que deslizou silenciosa, revelando o interior da casa. Eu me vi de frente a uma sala de estar ensanguentada e bagunçada. O sofá fora virado, bem como as poltronas. Os livros das estantes foram espalhados pelo chão, os quadros derrubados das paredes e o armário tivera suas gavetas reviradas. Era como se além da bagunça que a luta do dia anterior causara, alguém tivesse revirado toda a sala à procura de alguma coisa.

E, quem quer que tenha sido, havia levado o que eu mais temia ver: o corpo do meu pai.

Um pé após o outro, adentrei na sala, pisando em cacos de vidro e coisas espalhadas. Com meus pensamentos pasmos diante da visão, parei no lugar onde meu pai morrera, e me ajoelhei ali.

Izumi e o restante do grupo vieram atrás de mim, mas pararam à porta, extasiados. Eu ergui os olhos para seus rostos, todos com uma expressão chocada. Ian parecia transtornado. Com os olhos vidrados, ele de repente deu meia volta e saiu da casa.

— Mas o que foi que aconteceu aqui? – Kess balbuciou.

Eu não pude me fazer responder, fixando meus olhos de volta no carpete cinza manchado em vermelho à minha frente. Não consegui evitar a enxurrada de pensamentos que vieram a seguir: “Papai e eu compramos esse carpete para substituir aquele vermelho horrível que Layla detestava” lembrei.

Imagens invadiram minha mente. Meu pai e eu na loja de produtos de casa, brincando entre os tapetes, cortinas e carpetes. Minha espada perfurando o corpo de Layla. Minha madrasta grávida de Laura, abraçada ao meu pai, que estendia a mão apara mim após contar que eu teria uma irmãzinha. Eu atravessando as costas dele com a lâmina. Nós dois em um dueto no piano clássico em seu quarto, divertindo-nos para espantar meu nervosismo por ter que me apresentar no show de talentos da nova escola. Minhas duas mãos descendo a espada rumo ao seu coração. Ele me ensinando a tocar violão no meio da floresta, em volta da fogueira, em um de nossos acampamentos. A dor em seus olhos ao proferir suas últimas palavras. O brilho dos mesmos toda vez que eu lhe contava que havia ido bem na escola. Seu último suspiro...

Minha respiração estava pesada. Lágrimas incontroláveis caíam dos meus olhos e se misturavam ao sangue seco no chão, apesar de meus lábios estarem selados, impedindo qualquer choro de escapar. Minhas mãos, apoiadas com os punhos bem fechados em meus joelhos, começaram a tremer.

— Matt-kun... – Izumi disse baixo – O que está acontecendo?

— E-eu não... – o garoto gaguejou – Izumi, ela disse que foi possuída e a fizeram matar seu pai. Acha que...?

— A criança bastarda...? – A outra sussurrou de volta.

Eu não pude entender o que aquilo significava, mas não me esforcei para tanto. Eu queria me levantar, queria me fazer seguir em frente e enxugar as lágrimas para nunca mais chorar por aquilo. Mas meu coração doía de mais. Parecia ter sido quebrado até que não sobrasse nem um pedaço inteiro.

Senti alguém se ajoelhar ao meu lado. A pessoa passou o braço por meus ombros e me puxou para seu peito. Vislumbrei os cabelos cor de canela de Charlotte, sua mão afagando meus cabelos gentilmente. Agarrei sua blusa, soltando o choro baixinho preso em minha garganta e deixando as lágrimas rolaram.

Voltar àquela cara era doloroso de mais, desesperador de mais. Eu encarava todo o meu passado com o meu pai, assim como todo um futuro sem ele. E isso me desesperava. Eu nunca mais iria às compras com ele, nunca mais seguraria sua mão novamente, nunca mais faríamos um dueto no piano. De agora em diante, teria que aprender sozinha as músicas no violão, teria que resolver meus problemas sozinha, teria que acampar sozinha.

“Sozinha” a palavra ecoou em minha mente “Sozinha...?”

Como se em resposta, rostos apareceram para mim: Laura, Luther, Shayla, Kyle, Michael, Drake, Annabeth, Sean, Link, Jake, mesmo os que eu havia conhecido recentemente... Dezenas deles pipocaram em minha mente como se dissessem “Você não está sozinha”. Aquilo me atingiu como uma flecha, e então de repente meu medo, minhas lágrimas e minha dor começaram a se esvair. Sim. Eu realmente não estava sozinha, não é? Podia estar sofrendo agora, podia ter perdido meu pai para sempre e podia até vir a perder Layla também. Mas não era o fim. Eu ainda tinha muitas pessoas por mim.

A última lágrima que correu por meu rosto foi de alívio.

 

 

— Jack Jacobs Greno. – eu finalmente fui capaz de falar. Soltei Charlotte devagar e fiquei de pé, direcionando meu olhar ao restante da equipe.

Ian, que estivera sentado nos degraus da entrada, juntou-se aos outros, ainda sem me olhar nos olhos. Pela sua expressão, eu soube que se ele não gostava de mim antes, agora deveria estar querendo me matar.

Toquei minha testa com os dedos, fechando os olhos e me obrigando a continuar.

— Então, o vidente JJ era o meu pai. – soltei um suspiro.

— Mayara Jacobs? – Kess parecia extasiado – Quer dizer... Você é a criança bas..

— Kess-kun. – Izumi interrompeu, impedindo-o de completar a frase, e então se virou para mim – May-san, por favor conte-nos o que aconteceu.

Eu baixei a cabeça, resignada.

— Eu estava vindo aqui de metrô antes de me dirigir à Reunião. – falei – Fui descuidada, e acabei sendo possuída. Acontece que eu não tinha ideia do que fazer, então entrei em desespero quando percebi que o demônio me usaria para matar minha família. Se eu tivesse prestado atenção ao sonho que tive... Mas como podem ver, fui completamente inútil. Meu pai e Layla não resistiram. Layla foi curada e possuída, e meu pai morreu. Ele me disse como expulsar o demônio, mas não resistiu aos ferimentos. Peguei meus irmãos e fugi, Ian nos encontrou e exorcizou Layla, e foi quando nos conhecemos. Depois disso, nós nos separamos.

Izumi passou a mão pelos cabelos.

— JJ-sama morto... – ponderou – Isso não é bom, não é bom...

— Eu sinto muito não ter percebido mais cedo que meu pai era JJ – falei – Se tivesse prestando atenção, poderia ter poupado o trabalho de vir aqui.

Ela afastou a fala com um gesto, imersa em pensamentos.

— Izumi Nee-san. – Hiro chamou. Ele estivera observando as coisas espalhadas e os móveis revirados – Alguém esteve aqui, e estava procurando por algo.

Izumi se aproximou dele.

— Poderia ser que...? May-san – ela se virou para mim – Você sabe alguma coisa sobre um Livro?

Ergui os olhos. Livro? Ela devia estar se referindo ao Livro dos Greno, Daímonas, que estava comigo em minha mochila. Mas Quíron havia dito muito seriamente para guardar segredo sobre aquilo.

Antes que eu fosse capaz de decidir o que responder, Ian se adiantou:

— Ela não teria como saber. Afinal, só descobriu que é uma semideusa há um mês.

Eu o encarei, confusa. Como ele sabia disse? Ele me lançou um olhar ladeado, como quem diz “fique quieta se sabe o que é melhor para você”. Não tive vontade de afronta-lo: estava cansada de mais para aquilo. Meus ferimentos da batalha mais cedo se juntaram ao fato de eu ter chorado e de repente eu me senti esgotada.

— Ian tem razão – Matt falou – E até onde sabemos, JJ não está em posse do Livro há muito tempo. Na verdade, o boato de que ele algum dia já o teve é um tanto questionável.

— Assim, a pessoa que veio aqui ou não sabia disso, ou estava procurando outra coisa. – Kess completou.

— E quem quer que tenha sido, também levou o corpo dele. – Hiro disse, sombrio.

Fitei o chão novamente.

— Izumi, poderia ser que alguém da família tenha chegado aqui primeiro? – Matt perguntou.

A líder balançou a cabeça.

— Não tenho como saber. Mas acha que alguém dos Greno tenha feito isso? Não me parece do feitio do Conselho, apesar de aquele Cullmann...

— Izumi Nee-san está certa – Hiro disse – Seria mais provável afirmar que os demônios o levaram.

— Mas as relações de JJ com o Conselho seriam motivos suficientes para isso. – Matt rebateu – Não podemos esquecer que ele tinha um comportamento bem duvidoso em certas questões e...

— Gente. – Charlotte chamou.

— ... apenas o fato de a May existir já é uma...

— Gente! – todos olharam para ela. Eu ainda tinha os olhos cravados ao chão – Pelos deuses, não sejam insensíveis.

Matthew fechou a boca, e Izumi pareceu constrangida.

— Eu sinto muito, May-san, se soamos dessa forma. Mas receba meus sentimentos. Seu pai sempre foi uma pessoa incrível, e eu o respeitava muito.

Assenti com a cabeça e levei a mão à nuca.

— Izumi, agora que JJ... Que meu pai está morto, suponho que teríamos que refazer os planos, certo? – ela confirmou – Eu... Gostaria de sugerir que ficássemos aqui até que tudo seja resolvido.

Ela abriu um sorriso gentil.

— É uma ótima ideia. Por favor, receba-nos em sua casa. – E se curvou.

Baixei o olhar.

— Sejam bem-vindos – murmurei – Agora, se me dão licença, eu vou...

Passei por eles e caminhei até a escada, subindo para o quarto do meu pai, onde me joguei na cama, de barriga para cima.

Inspirei profundamente, sentindo cheiro de café espalhado pelo ar do quarto, como se Layla tivesse acabado de trazer uma xícara cheia da bebida quente. Devido ao seu trabalho, meu pai costumava ficar acordado nas madrugadas, e sua esposa sempre lhe trazia uma garrafa inteira para que ele pudesse aguentar a maratona, já que ele podia cair no sono em qualquer momento. Acabei herdando dele o gosto pelo café, e o fato de a própria Layla compartilhar disso tornou a família Jacobs uma verdadeira família de amantes do café. Até Laura estava começando a tomar também.

“Mas, lembrando disso agora” pensei “Desde que fui para o Acampamento, não tomo uma boa caneca de café”.

Fechei os olhos e tentei lembrar da última vez que tomei o café de Layla. Sim, fora naquela manhã... A última vez em que bebi despreocupadamente aquela bebida deliciosa, que eu julgava que teria para o resto da vida. Abri um sorriso melancólico.

“Droga”.

Abri os olhos e encarei o teto acima de mim.

O quarto do meu pai era o meu lugar preferido em toda a casa. Veja bem, aquela era uma casa grande e espaçosa, daquelas que fazem seus amigos brincarem dizendo que você é rico. Bom, a julgar pelo tanto de dinheiro que havia na conta Greno do meu pai, imagino que nós na verdade estávamos perto disso. De qualquer jeito, o quarto do casal valia por três quartos comuns.

 Tinha uma estante grande para livros, uma parede dividida entre algumas das pinturas que meu pai fazia por diversão e sua preciosa coleção de três violões, uma guitarra elétrica e um contrabaixo. A escrivaninha dele normalmente era repleta de papéis e canecas espalhadas, e outra parede exibia várias fotografias que Layla gostava de tirar. Todo esse conjunto reunido em um cômodo só poderia ser uma ofensa a todos os “designers de interiores” do mundo, mas na minha opinião só deixava claro que aquele lugar pertencia àqueles dois.

No entanto, havia duas coisas que tornavam aquele o melhor lugar da casa.

A primeira era o piano clássico disposto junto aos demais instrumentos musicais. A segunda era o teto.

O teto havia sido transformado pelo meu pai em um quadro para pintura há vários anos. Ele se encantou por um tipo de tinta que brilha no escuro, e passou um tempo pintando quadros com ela. Um dia, quando eu voltei de uma viajem de quatro dias com Layla e Laura, o teto estava todo pintado como se fosse uma janela para o universo: estrelas, constelações, nebulosas... Em um espetáculo, meu pai havia pintado galáxias em seu próprio quarto. Quando as luzes eram apagadas e as cortinas fechadas, era possível contemplar o que não podíamos ver nas noites da cidade.

Naquela noite, a família toda dormiu no quarto, brincando de encontrar as constelações na pintura.

Olhando para aquilo naquele momento, esperei derramar alguma lágrima, mas ao invés de tristeza, meu coração bombeou uma pontada de alegria. Sim, eu havia vivido momentos incríveis com meu pai, e eu levaria essas memórias comigo pelo resto da vida, guardando-as como a um tesouro. Minha história não acabava ali.

Fiquei de pé novamente, e caminhei até o piano. Passei os dedos pelas teclas, sentindo-as com as pontas dos dedos. Sentei no banquinho de madeira e posicionei minhas mãos. Antes que pudesse pensar, meus dedos se moveram, e comecei a tocar a melodia da música que sempre foi capaz de fazer fluir cada um dos meus sentimentos. A hesitação se foi, e pressionei as teclas com mais firmeza, fazendo a música soar por todo o quarto, por toda a casa. Fechei os olhos, ignorando meus próprios erros ao tocar, apenas imaginei meu pai ali do meu lado, olhando para mim com seus olhos doces e seu sorriso aquecedor.

Ele estendia a mão e tocava meu rosto, e então dizia alguma coisa engraçada, ou carinhosamente corrigia alguma falha. Ele sentava ao meu lado e me mostrava como fazer, ou então me acompanhava com o violão. Eu sempre soube que ele não se importava quando eu colocava os acordes errados, ou quando eu cantava fora do tom, apesar de eu mesma me repreender por isso. Ele valorizava nossos momentos. E quando Layla e meus irmãos se juntavam a nós, tudo parecia surreal, feliz de mais, perfeito.

“É isso” pensei, chegando ao ápice da música “Não vou mais lamentar o tempo que não terei com você, pai. Vou ser grata pelo tempo que já tive, e encontrar um jeito de fazer o resto da minha vida ser tão feliz quanto.”

Meus dedos voavam pelo piano.

“Obrigada, pai. Você fez de mim quem eu sou, me protegeu, me amou, me deu uma família. Vou te guardar no meu coração, cuidar do que você deixou para trás, e realizar seu desejo. Um dia, vou te encontrar no Elísio, e te contar a heroína que me tornei.”

Com a luz da lua pintada no teto, acompanhada por estrelas e galáxias, eu toquei Clair de Lune como um adeus à minha dor. E terminei a música com um sorriso.

 

 


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Notas finais do capítulo

Eu de novooo ^^

Então, o que acharam? Erros, críticas, expectativas, teorias? Deixa um comentário me contando tudo ^^
Bom, o que vem por aí é: Capítulo 27 - Procurada. Vem logo em seguida ^^
Até lá ♥