Caminhantes escrita por Serin Chevraski


Capítulo 52
Diário




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/685286/chapter/52

Frosch POV 

Rogue e Fada-san se dão bem. Fro está tão feliz, Fada-san é muito legal e gentil e Rogue parece bem feliz com ela. 

Ficamos vendo o horizonte mais um pouco. Fro dormiu com os raios da manhã, porque depois de dois dias acordado cuidando de Fada-san, Fro ficou cansado! 

— Frosch? -chamou alguém, Fro abriu os olhos e viu Fada-san me encarando de perto- Desculpa, estava dormindo? Deve ter se cansado muito por cuidar de mim... 

— Fro está bem! -sorri e levantei a pata. Fada-san sorriu e disse: 

— Obrigada Frosch, eu devo ter dado muito trabalho para você. 

— Fada-san é importante! Uma companheira! -exclamei, acionando Aera e voando para a altura dos olhos dela- Fro não se importa em cuidar de Fada-san. 

— Parece que eu tenho um protetor bem responsável -riu. 

— Fro também acha -concordei, então falei- Fada-san disse que protegeria Rogue e Fro, então Fro também vai proteger Fada-san! 

— Ele está certo -Rogue me apoiou, Fada-san o encarou- Se você quer proteger todo mundo, quem vai te proteger? -e ele sorriu- Pode deixar que eu ajudo o Frosch com esse cargo. 

Fada-san corou e ficou com lágrimas nos olhos. Ela sorriu e me pegou no ar. 

— Mas eu tenho um cavaleiro verde tããão lindooo! -ela derreteu. 

— Fro também acha! -concordei, agora sendo carregado por ela. 

— Lucy, você vai transformar o meu exceed num arrogante como o Sting -murmurou ele em tom reprovador. 

— Eu não -Fada-san fez bico- Só digo verdades. 

— Oh bem, se Frosch é um cavaleiro, eu sou o quê? -quis saber. 

— Aaaah... Você? Hummm... Tente descobrir sozinho -fez mistérios. 

— Hã? -ele frisou as sobrancelhas. Mas não insistiu- Venha Lucy, vamos terminar a missão. 

— Huh!? -ela se surpreendeu- Mas não é melhor se curar primeiro? 

— Já estamos aqui -Rogue contrariou- Vamos fazer o que temos de fazer e pronto. 

— Hmm... -Fada-san ficou preocupada, com uma mão me segurou e o outro pegou uma chave- ABRE-TE! PORTÃO DO LEÃO! LOKI! 

— Oh! Finalmente me chamou, minha mais bela musa... -o homem suspeito apareceu, pegado e beijando a mão de Fada-san, ela puxou o braço e falou: 

— Olá Loki -sorriu- Faz um tempo mesmo. 

— ... -ele olhou para Rogue e Rogue encarava de volta- Um tigre... Lucy... -o homem do cabelo laranja pegou com as duas mãos a mão de Fada-san- Então é verdade o que Plue falou... Você mudou de guilda. 

— Ha ha... É isso mesmo -sorriu Fada-san, tentando se soltar das mãos dele- Mas você sabe entender o que o Plue fala? 

— Hum -deu de ombros, então lágrimas brotaram nos olhos do Loki e se fez dramático- Mas eu não acredito... 

— ... Não acredita no quê..? -ela perguntou meio receosa. 

— Que trocou a mim, o seu mais perfeito amante... -apontou grosseiramente para Rogue- Por ele! -Hum... Fro não gostou muito disso. 

Rogue engasgou e Fada-san corou.  

— Q... Q... Quê!? -ela se exaltou, Rogue desviou o olhar, com a cara vermelha- Desde quando você é meu amante e eu não estou sabendo!? 

— Desde... -o alaranjado se aproximou- Aquele dia de nossa promessa na cascata, bem em frente do túmulo e o Rei dos Espíritos nos abençoando. 

— ... Aquilo com certeza foi nada romântico... -respondeu Fada-san, desacreditada. 

... Ele está muito perto. Fro morde a mão dele. 

— Ai! -ele exclamou, olhou para mim com as sobrancelhas frisadas e eu o soltei, Fada-san me olha surpresa- Lucy, parece que você tem um cão de guarda bem bravo aí. 

— Frosh é um gato -murmurou Rogue. 

— Fro concorda! -falei como se nada tivesse acontecido. 

— Não foi isso que eu quis dizer -murmurou o alaranjado. 

— B... Bom Loki, eu te chamei hoje para ajudar o Rogue -Fada-san se aproximou do moreno, me levando no seu colo. Ela me colocou no chão, Fro só observa. 

Ela levantou a capa ensanguentada com cuidado e mostrou os ferimentos assustadores. Meus olhos marejaram por apenas ver. Rogue fez uma careta de dor e ele sussurrou teimando: 

— Eu não vou ficar feliz com a ajuda desse cara irritante. 

— Fro pode morder ele de novo! -sugeri. 

— Quietos, os dois -Fada-san advertiu, logo sorriu pro Loki- E então? Pode ajudar? 

— Hum -ele se aproximou e observou, então suspirou- Eu não gostaria de ajudar um rival... 

— Loki, você pode ou não? -a loira ergueu uma sobrancelha. 

— Se insiste, oh minha amada Lucy! -ele fez pose, cantarolando um poema- Que o pôr-do-sol tinja seu coração bondoso de uma deusa mais bela que Afrodite, e nele semeie um amor propício a noites puras de praze.... 

— LOKI! -Fada-san exclamou impaciente. 

— Certo, certo -deu de ombros, ergueu as mãos e se iluminaram. Nele tinha um calor bom e cheio de paz. 

— Eu ainda não estou feliz -sussurrou Rogue. 

— Fro concorda! -sussurrei junto. 

Fada-san nos lançou um olhar e nos silenciamos. O rosto pálido do Dragon Slayer ficou mais colorido, parece que a magia está dando algum efeito. 

Assim que a cura foi completada, o homem alaranjado sorriu. 

— Acho que isso é o suficiente. 

— Sim -aprovou a Fada-san olhando para as feridas com um pouco de tristeza, mas sorrindo- Muito obrigada Loki. 

— Sempre será um prazer te ajudar, minha amada e musa... 

— Aaah! Como sou ocupada! -Fada-san balançou a chave dourada- Até mais Loki, conversaremos depois. 

E o portão celestial se fechou. 

Rogue suspirou. 

— Isso foi cansativo -comentou. 

— Ha... Ha... Ha... -tentou rir a loira, mas logo suspirou também- Sim... De certa forma foi cansativo. 

— Fro acha que não gostou muito do homem do cabelo laranja! -falei. 

O Dragon Slayer sorriu para mim. 

— Bom, vamos terminar o que viemos fazer aqui. 

Fada-san assentiu e Fro também. Rumamos para mais fundo do salão. 

Lucy POV 

As condições do Rogue ainda me preocupam... Mas ele insiste em continuar a missão, então a única alternativa seria usar a magia de Loki. Eu apenas espero que os ferimentos do Dragon Slayer não sejam tão graves como parecem. 

A primeira coisa que pousou aos meus olhos foi uma grande estátua. Não tinha reparado nela direito quando chegamos aqui em cima, mas ela estava lá. 

Feito de pedra, um dragão adormecido e encolhido, em cima de sua escamosa cauda, uma jovem bela ajeitada delicadamente de olhos fechados. As grandes asas do dragão os circulavam como uma proteção e deixava os dois de forma bela. 

Fui afundada pela beleza e meu coração em tristeza... Por quê? 

Ao lado do dragão, bem na parede, mais escrituras iguais as que vimos em toda a fortaleza abandonada. 

— Há mais daquelas escrituras -observei- O que será que está escrito? 

Rogue parou ao meu lado, enquanto eu observava com cuidado as palavras tão antigas. Não que eu tivesse esquecido do que acabou de acontecer... Mas a forma como aquelas palavras estavam gravadas na parede me atraiam. 

— Transformção especial: Olhos do Dragão das Sombras -murmurou o moreno.  

Eu sem querer encarei descaradamente para os olhos rubis que ficavam com os olhos em pupilas verticais, eram estranhos e atraentes ao mesmo tempo. Assim que ele virou as orbes para mim, desviei o olhar para as escrituras. 

Cheney pareceu ler rapidamente o que estava escrito, então olhou para a estátua de dragão, surpreso. 

— O... O que está escrito? -fiquei apreensiva ao ver sua expressão. 

O rapaz de orbes vermelhas engoliu seco, franziu as sobrancelhas e passou o dedo nas linhas gravadas da parede. Começou a lê-lo. 

“Meu Senhor disse ‘Cuide do pomar, torne-se o mestre dele. Eu lhe darei o poder dos quatro elementos, se torne o Senhor da Montanha Sagrada’ e assim obedeci. Desci à terra e peguei esta montanha como moradia. Este era meu dever, meu único dever.Passei meu dia a dia como bem entendi, dormindo quando tinha sono. Comia quando tinha fome. Apenas vivia dia após dia. 

Um pequeno grupo de humanos vive aqui perto. Não sei quantos anos se passaram, mas aos poucos percebi que eles chamam minha montanha de sagrada. Não estão errados, bem no subsolo dessa montanha, está o pomar dourado. 

No canto mais escuro da montanha, bem abaixo dela, está a fruta milagrosa. 

Foi num dia de inverno turbulento. Uma garotinha se esgueirou para as montanhas. Ela estava prestes a morrer.  

Não tenho interesse em humanos e soube que os dragões estavam fazendo alguma guerra para saber que raça era a soberana pelas terras do mundo, também não me importo com isso. Mas por um capricho, salvei aquela garota de cabelos longos e encaracolados. 

A trouxe para meu lar. No começo ela pareceu assustada, mas tinha determinação nos olhos. 

— Eu preciso salvar meu pai! A enfermidade do inverno vai matá-lo! -foi sua resposta quando perguntei o que ela tinha vindo fazer nas montanhas- Escutei... Que por aqui tinham um fruto mágico... Pensei que com isso o salvaria. 

O que ela disse eram verdades, mas não tinha como uma mera humana conseguir o fruto sem que eu lhe desse. 

— Sou o dono do pomar, aquele que o guarda. 

— Senhor Dragão. Quer dizer que o Senhor é o guardião do fruto milagroso? -foi sua pergunta, em voz trêmula. 

— Sim -assenti. 

— Aah... -ela ficou deprimida- Certamente o Senhor não dará tal fruto precioso para uma mera humana... Correto? -e seus olhos marejaram, ela era jovem, muito jovem. Nem mesmo tinha chego à sua maturidade- Mas meu pai... Preciso salvá-lo! O... O que posso fazer pro Senhor me dar o fruto? -implorou. 

— Não posso entregá-lo -respondi- Meu trabalho é quarda-lo -com isso, ela abaixou a cabeça. 

A tempestade estava forte, então até que o tempo melhorasse um pouco, deixei a humana ficar. 

De inicio, me encarou temerosa e entristecida, mas aos poucos, os tuneis frios da minha fortaleza encantada se preencheram com seus risos. Conversávamos sobre os humanos e suas desventuras, sobre o verão onde tem uma seca, mas a cada ano o grupo de humanos conseguia sobreviver, na primavera a montanha se enchia de flores e zumbidos de abelhas. 

— Mas quando papai achou que eu nunca pegaria aquele peixe, eu pulei no rio! -ela ria, fazendo gestos com as mãos, como se fosse a coisa mais incrível que tivesse acontecido- Eu o peguei! Papai fez uma cara tão engraçada que acabei deixando o peixe fugir dos meus braços... -e se deprimia, mas logo estava contando outra coisa sobre sua vida. 

A vila dela e a minha montanha eram vizinhos e ambos completamente isolados do mundo, era como se os problemas do exterior não nos alcançassem. Como as guerras dos dragões e dos humanos. 

— O Senhor não acha aqui solitário? -a garotinha perguntou- Se fosse eu... Me sentiria muito sozinha... 

De fato, fiquei surpreso com aquela pergunta. Nunca havia parado para pensar assim, eu apenas... Vivia ao longo dos anos. 

Assim que a tempestade parou, a garotinha estava se preparando para ir embora.  

Não sei o porquê, talvez fosse por um capricho, estendi minhas grandes garras e lhe dei um fruto dourado do pomar. 

— Aqui, leve isso. Se seu pai comer este fruto mágico, qualquer enfermidade será curada. 

Ela pegou o fruto com cuidado e o rosto iluminado sorriu abertamente. 

— Muito, muito obrigada! 

— Mas em recompensa, um dia de tua maturidade, irei buscá-la -falei. Ela assentiu, talvez por ser muito pequena, não houvesse compreendido minhas palavras, mas quando crescesse mais, com certeza os compreenderia. 

E assim, ela foi-se embora. 

Foi apenas um dia. Apenas um dia que passei com ela e nunca pensei que nos próximos dias iria sentir tanta falta de uma companhia. Não sei se meu Senhor iria me punir por dar um dos frutos para um humano, mas fiquei surpreso que pouco me importei com isso. 

Dia e noite passei a sonhar com os risos límpidos dela, do dia em que eu iria buscá-la, imaginando sua forma de adulta, do tempo em que eu viveria com ela. A tentação de querer ir buscá-la logo. Tudo isso pareciam ser pesadelos que me corrompiam pouco a pouco. 

Às vezes ela aparecia na floresta e eu a via de longe, quanto mais o tempo passava ela se tornava mais bela. 

Numa primavera de vários anos depois, decidi que já havia esperado tempo o suficiente e ergui minhas asas, voei sob a montanha e rumei para o vilarejo. As pessoas me encararam assustados e surpresos, girei algumas vezes sobre as casas em busca de uma jovem de cabelos encaracolados. 

— Oh, Grande Dragão! -apareceu um homem envelhecido com ar de importante- O que fazes aqui? Que desejais de nossa humilde vila? 

Não tive vontade de responder, mesmo assim pousei esmagando algumas casas e as pessoas recuaram com leves gritos.  

— Quem é você? -questionei para aquele homem. 

— Sou o líder dessa vila! -foi a resposta. 

Aquele homem que se dizia líder estava de pé me encarando firme, sem medo ou receio. Achei isso completamente fascinante, ele se colocava de pé em frente de mim, um dragão, sem tremular nem um pouco. 

Meus olhos em fendas passaram por toda a vila em busca de apenas uma pessoa. Logo a encontrei, mas estava agarrada a um homem desconhecido. Não me importei com os detalhes e apontei minha garra a ela. 

— Aquela jovem, eu vim para levá-la -falei. 

— Minha filha!? -se surpreendeu o líder da vila. As pessoas em volta da jovem sussurraram e ficaram com expressões de medo e pena- Mas... O que a minha filha lhe fez, Grande Dragão? 

Bufei e antes que pudesse responder, o homem que estava junto à jovem que eu ia levar deu um passo em frente. 

— Não deixarei que você a leve! Ela é minha esposa e eu a amo! Não interessa se é um Dragão ou um ser da Montanha Sagrada, jurei proteger minha amada! 

— Q... Querido... -murmurou a jovem. 

Diante aquelas palavras, meu coração apertou. Ira. Uma grande raiva me ascendeu. Traição. Era tudo o que tinha em minha mente. 

Ergui as asas e voei alto, com o vento do bater delas os frágeis humanos caíram para trás. Em apenas um rugido, metade da vila se tornou em chamas, os moradores gritavam apavorados e assustados, chorando por piedade. Voei deslizando pelo vento a meu favor e num outro rugido, inundei a outra metade da vila em uma enchente. 

Não me interessam as vidas dos humanos, mas de preferência não gostava de machucá-los, prefiro fazer uma justa avaliação e dar a todos um julgamento que desse a chance de saírem vivos. Mas minha mente tinha se tornado em uma besta cheia de ira. 

Entre o fogo que ainda crepitava na madeira das casas, desci e encontrei a jovem, ela estava agarrada ao marido ambos entre as cinzas. A matarei. Eu a matarei por me fazer de trouxa em uma promessa que ela não iria cumprir. 

Abri a minha boca para rugir, então a bela voz dela, a voz que sonhava dia e noite preencheu meus ouvidos. 

— Senhor Dragão... Então aquele dia na minha infância não foi um sonho? 

— Mas o quê...? -murmurou o marido dela, incompreendido. 

— Por favor... Por favor me desculpe por descumprir a promessa! -ela se ergueu- Não me importo que me mate... Mas por favor, vá embora, não machuque mais a minha amada vila! 

Os olhos dela se preencheram em lágrimas. Seu rosto se contorcia em tristeza, o vento trazia o cheiro da destruição, mas balançava os seus graciosos cabelos encaracolados de forma tão bela. O corpo cheio de terra, aquela sujeira não conseguia esconder a beleza da mulher que ela havia se tornado. Eu vacilei. Meu coração se tornou dolorido e aflito. Fechei meu maxilar e ergui minhas asas. Voei para voltar à minha montanha, à minha solidão. 

Não importa o quanto de raiva eu tinha, assim que vi as lágrimas dela, toda minha ira se foi. Eram como se tivesse me cortado em milhares de pedaços, em apenas um instante, em apenas uma expressão dela. 

Me encolhi na boca da montanha, uma caverna que fica bem no topo da montanha e que me permitia ver toda uma paisagem dela, principalmente a vila. Os sonhos mais belos com a moça continuaram a me atormentar, eram pesadelos, doces pesadelos. 

A vila foi se estabilizando aos poucos e voltou a prosperar. Eu apenas assistia essa rápida mudança. Para os dragões que vivem centenas de anos, essa mudança era veloz, mas ironicamente, minhas noites foram se tornando lentas. 

Até que chegou um verão diferente dos outros verões. Era mais quente e insuportável, mas continuei a viver calmo na boca da montanha. 

— Senhor Dragão! Senhor Dragão! -para a minha surpresa, uma voz muito familiar me chamava. 

Fiquei em dúvida se ignorava ou ia encontrá-la. Resolvi descer a montanha e fui me encontrar com a jovem de cabelos encaracolados. 

— Ora, ora. Se não é você - grasnei irônico. Ela tinha mudado muito desde aquele dia na sua meninice, seus olhos agora eram determinados como os do pai e ao mesmo tempo estavam um pouco fundos- O que quer? 

— O verão desse ano está um castigo mais forte que a dos outros anos... Minha vila não irá sobreviver a ela -percebi que ela apertara os punhos- Tenho um pedido Senhor Dragão, por favor, salve minha vila e eu te darei tudo. Minha vida, minha liberdade, tudo. 

— Hummm... -a encarei desdenhoso- E teu marido? 

— Ele... Morreu no inverno passado. Pela enfermidade. -foram palavras cheias de pesar, mas isso não me abalou. 

— Desta vez não veio até mim pedir o fruto para salvá-lo -sorri sarcasticamente, mas ela continuou séria e firme. 

— Eu não tinha o direito de vir pedir uma coisa tão egoísta. Mesmo desesperada... Não tive coragem para vir até o Senhor. -ela continuou me encarando, seus olhos estavam cheios de vergonha... E ao mesmo tempo, com uma determinação, cheio daquele brilho que me tinha tanto cativo. 

Fiquei pensativo, mesmo estando zangado com ela, ainda tinha uma profunda vontade de ajudá-la. 

Concordei e a levei para o topo da montanha, para a caverna. Dali, rugi. A terra tremeu em obediência e logo a caverna inundou, de sua boca caiu um rio que deslizou por toda a floresta. 

— Isso deve ser o suficiente -falei. 

— Muito obrigada -sorriu ela. 

No início, era um sentimento estranho, eu finalmente a consegui para mim, mas não me sentia realizado. Ela nunca parecia estar feliz, mesmo sorrindo sempre que me via. Mesmo ela tendo me causado tantos pesadelos, eu queria que a moça fosse feliz.  

Foi assim que descobri que estava realmente apaixonado por uma mera humana. 

Lhe trazia as mais ricas comidas feitas por magia, os mais belos tecidos para vestidos luxuosos, lhe trazia tudo que conseguia, com a esperança que algo em seu humor demonstrasse os risos com qual eu sempre sonhava em escutar. Mas o único momento em que demonstrava alguma felicidade, era quando molhava os pés da caverna inundada e via sua vila de longe. Ela sentia falta de seus amigos, sua família e seu lar, mas estava presa por sua promessa comigo. 

Se desejasse mesmo sua felicidade, eu deveria permitir que ela voltasse à sua vila. Mas não consegui dizer as palavras para libertá-la. Se realmente desejasse seu sorriso... Teria que permitir sua ida. Eu me pergunto o que devo fazer, a resposta está na minha frente mas me recuso a aceitar. 

Percebi que ela se tornava mais e mais magra, estava ficando doente. Acredito que a infelicidade era a causa. Mas não consigo me permitir dizer ‘Pode ir embora’. 

Então criei duas salas vizinhas mais ou menos no coração da montanha, uma grande e uma pequena. A grande deixei instruções e a pequena uma magia. 

Assim que o fiz, chamei a humana para a caverna inundada. A levei para o pedestal que criei,que fica bem no centro do fundo da caverna. 

Me enrolei nesse pedestal e a fiz deitar na minha cauda, então perguntei: 

— Você está na beira da morte, mas não deixarei que a enfermidade seja seu assassino. Se importaria que eu lhe desse a beleza eterna? 

— Grande Dragão -sorria- Eu lhe disse que te daria tudo, principalmente minha vida. 

Eu esperava que ela demonstrasse alguma resistência. Eu queria que ela me culpasse. Eu queria que ela ficasse com raiva de mim. Eu queria mais do que tudo, que ela mostrasse algum interesse em mim, nem que fosse por ódio. Mas ela simplesmente vai me deixar levar tudo, me deixar levar sua vida. 

— Eu... Consegui tudo seu. Mas nunca vou conseguir seu amor, não é? -murmurei em frustração. 

— Realmente quis te dar tudo... -foi sua resposta- Mas apenas isso não consigo te dar... Me desculpa. 

Eu sabia... Eu já sabia... Mesmo sabendo que não conseguiria aquilo que realmente quis, não pude deixar de sonhar que meu desejo se tornaria realidade. Certamente ela me usou para salvar seus amados, mas em troca me deu tudo o que podia me dar... Eis justo, não? 

Uma lágima caiu no meu rosto de escamas, ela fechou os olhos e eu rugi gentilmente. Sua feição foi se tornando de uma pedra, um rosto pacifico esboçando um sorriso. 

Meu coração doeu como nunca havia doido antes. Insuportável... Completamente insuportável. 

Nesse segundo, estou escrevendo na parede da caverna. A dor de perdê-la é maior do que imaginei, então arrancarei meu coração. Mesmo ela tendo se tornado a razão de meus pesadelos, quero cumprir com a minha parte da promessa, assim como ela cumpriu a dela. Se eu morrer, a caverna parará de ser a nascente do rio, mas arrancando meu coração, ela se tornará a lácrima que trabalhará em meu lugar. 

Infelizmente, meu coração certamente se tornará numa lácrima maldita por aqueles que a tocarem, sei disso pois é nela que habitará um fragmento da minha alma, cheia de meus pesadelos. Por isso deixei para trás as duas salas que poderão quebrar essa maldição. 

Pretendo morrer me tornando pedra, assim como minha mais amada, sendo eterno... Me pergunto se ela me perdoaria por prendê-la num túmulo junto a mim. 

Ah... Acabo de me lembrar... Eu nunca te chamei pelo nome, certo? Ou proferi as palavras que eu deveria ter te dito... Então os escreverei nessa parede... 

Eu te amo muito... Karynne” 

Com isso, Rogue terminou a leitura, eu toquei as letras que eram desconhecidas aos meus olhos, mas que transmitiam tanto sentimento. Lágrimas rolaram de meus olhos. 

— A mente porta os sonhos e pesadelos, o coração a cura e o abismo, a boca um túmulo e a vida -falei. 

— Isso... -disse o morno ao meu lado, desfazendo a magia dos olhos- É o que diz o poema que Tern recitou... Não só isso, como era o que estava escrito na sala grande. 

— Então esse e o significado do segredo. 

Rogue POV 

As escrituras na parede me chocaram muito. A história de um dragão que se apaixonou por uma humana... Eu consigo pensar em muitas formas de ter impedido esse final trágico, mas não consigo proferir uma palavra em reprovação aos atos do dragão. 

Lucy caminhou até a frente da estátua, se pôs em joelhos e juntou as mãos, numa reza humilde. Eu me pus ao lado dela e juntei as mãos também. Pelo canto do olho vi Frosch fazer o mesmo, mas do outro lado da loira. A Heartphilia começou a balbuciar coisas, mas com os meus ouvidos de Dragon Slayer, eram facilmente audíveis. 

— Grande Dragão... Ironicamente, consigo te compreender. Acredito que é porque somos parecidos. Me fizeste rever meu passado doloroso, mas não lhe culpo por tal artimanha. Eu... Também amei um rapaz, mas ele já era completamente de uma outra garota, mesmo assim... Mesmo que fosse mentira, a frase ”Somos parceiros” me deixava muito feliz, eu já sabia que tínhamos deixado de ser parceiros faz muito tempo, mas apenas porque essa era a única coisa que ainda me conectava a ele, me deixava completamente feliz e não queria desfazê-lo. Assim como você não quis deixar Karynne ir embora, pois aquilo que os conectava era a promessa sua e dela, uma promessa de apenas vocês dois, isso era o que lhe conectava a ela e você quis proteger isso até o final, não é? 

Escutei com muita atenção as palavras dela. Eram frases cheias de humildes verdades, ela continuou a falar com a estátua em sua reza, como se desabafasse com um velho amigo. Isso me surpreendia, Lucy estava sendo compreensiva com uma alma que já ha muito tinha falecido, mas tive o pressentimento que ele podia escutá-la. 

— A sua maldição na lacrima, acredito que também foi um desejo seu. Você tinha seus pesadelos e era atormentado por eles, acredito que daí a lacrima teve seu lado ruim mas... Penso que queria ser salvo desses pesadelos, por isso fez as salas do ritual, você queria acreditar que poderíamos ser salvo desses pesadelos. Espero que eu e o Rogue tenhamos conseguido mostrar isso a você. 

Me lembrei do dragão dourado que encontrei no final dos pesadelos de Lucy, então esta era a razão verdadeira? Nunca poderia ter imaginado isso. 

— Mas o que mais me surpreendeu, foi a forma que estão escritos as suas palavras nas paredes. Reconheci a forma em que está escrita... Me lembra um diário... Sei disso, porque eu vivia em uma mansão muito solitária, então vivia escrevendo em diários -ela riu envergonhada- Eu escrevia cada coisa engraçada... Depois passei a escrever romances, e tem uma frase que em particular gosto muito, é “Por que escrever meus sentimentos em uma folha que pode ser apagada várias vezes por uma borracha, se posso gravá-las em uma pedra que será eterna?”. Grande Dragão, você fez da sua fortaleza, um grande diário. 

Eu fiquei mais surpreso ainda, com aquelas palavras. Então a loira retirou a lacrima do bolso, se aproximou da estátua e dobrou-se para frente. 

— Dizem que quem é parecido consegue compreender o que o outro sente. Por isso, acho que sou parecida da você... Colocarei a lácrima aqui, do lugar que nunca deveria ter saído. O seu coração está voltando para aquela que o recebeu. 

E ela pousou a lacrima vermelha no colo de Karynne. 

Eu peguei Frosch no colo. A caverna tremulou, por baixo no pedestal começou a brotar água, subindo rapidamente a um palmo de altura, o engraçado que a caverna se enchia e não criava correnteza, ela apenas trasbordava para fora da boca da montanha criando um rio deslizando para o além do horizonte. 

— Vamos embora Lucy -disse. 

— Sim -ela assentiu. 

Assim que subimos os poucos degraus da grande entrada para dentro da montanha, a loira virou o rosto para trás e eu escutei o que ela ouvia. A voz do dragão dourado. 

— Está completamente certa, tive receio em perder a única coisa que me conectava à minha amada. Em algum lugar senti que desejava sair de meus pesadelos, mas não consegui fazê-los sozinho... E minha fortaleza que já perdeu a magia de proteção é a única coisa que usei para escrever sobre o que sentia e pensava. Creio que somos parecidos... E se fosse em um outro tempo, gostaria de ter te conhecido... Obrigado... Lucy. 

A lacrima cintilava, era o restante da alma do dragão que bravejava seus agradecimentos. A Heartphilia sorriu e seus olhos marejaram. Viramos para a saída e começamos a descer as escadas. 

— De nada, Grande Dragão, eu também gostaria de ter te conhecido -sussurrou a loira. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Caminhantes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.