Caminhantes escrita por Serin Chevraski


Capítulo 110
O preço da culpa




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Lucy POV

Algo que não deveria estar nesse mundo, apareceu na minha frente. Como um milagre surgido de uma pequena esperança.

Uma pulseira de couro negra. Que eu mesma encantei com uma magia de Horologium e dei de presente para Rogue Cheney em seu aniversário.

— Lucy, as regras... -Erza franziu as sobrancelhas.

— Erza, por favor -encarei determinada. Minha voz saiu estranha pelo dano do estrangulamento.

A ruiva comprimiu os lábios, com uma expressão relutante. Mas eu também não cedi. Logo com um suspiro, ela se levantou, me puxando para cima junto.

— Você, se deita primeiro.

Me ajudando a sentar na cama, seus olhos me encararam meio estranhos. Então percebi que posso ter agido fora do personagem de "Lucy Knightwalker". A fitei meio nervosa.

— Erza... -chamei relutante.

— Haaa... -seu suspiro caiu profundo. Então ela se virou, com uma ruga muito profunda nas sobrancelhas- Entendi, entendi. Lucy Knightwalker também tem dias de capricho?

Ela sorriu de canto e deu um peteleco na minha testa.

— Ugh? -toquei com a ponta dos dedos aonde ela me acertou e a encarei confusa.

— Eu não vou expulsar, então pense bem no castigo dele.

— Obrigada -abri um sorriso.

Com isso ela congelou e esfregou os braços, como se um arrepio passasse por todo o corpo.

— Não... Só não mate ninguém...

— Matar?

— Sim, sua expressão diz que você vai esquartejar algum infeliz de novo...

Mas eu estou só sorrindo....

Ela balançou a cabeça freneticamente e virou de costas, não se esquecendo de agarrar o braço de Ryos, o arrastando para a entrada da tenda.

— Vou sair agora pra resolver algumas coisas, e... -ela se virou e sorriu- mais tarde posso te chamar para comer com todo mundo?

— Sim... -me senti envergonhada.

Erza esteve me trazendo comida todos os dias na cama.

E ela nunca demonstrou irritação ou raiva comigo por estar dando todo esse trabalho. Na verdade os olhos dela tinham um verdadeiro sentimento de alívio.

Desculpe Erza.

Eu quase esqueci a minha promessa de reencontrar não apenas Rogue. Mas todos que são importantes para mim.

E fitei o pulso do moreno. Aquele pequeno pedaço de couro ainda está ali. Encarei até eles sumirem pela entrada da barraca.

Quando tudo ficou em silêncio novamente, olhei para o corvo empoleirado na cadeira.

— Você já sabia? -murmurei.

— O que eu sabia? -sua cabeça tombou de lado.

— A pulseira. Também a marca de Natsu em mim. Nem Erza sabe e ela parece muito próxima à Lucy desse mundo.

— ... Lucy. Eu sou um corvo. Mas um corvo que viveu por quatrocentos anos nesse mundo.

— O que? -arregalei meus olhos de surpresa.

— Ninguém consegue me escutar e eu também não consigo usar nenhuma magia do meu eu original. Mas por alguma razão, pude viver eternamente.

— Você... Então....

— Sim, eu vivi por todo esse tempo, sem poder fazer nada. Então sei de algumas coisas. Como um espectador.

Um espião. Um espectador.

— De repente sinto que você mudou nada -respondi meio pasma- Na minha vida passada também você só xeretava as coisas e vivia me enchendo nos meus sonhos. Mas agora ficou pior, eu te vejo acordada.

— ... Obrigado pelo elogio?

— Não é um elogio.

— ... Então... De nada?

— ... De nada?

— Sim, porque eu te ajudei.

Fiquei pasma. Me assustar nos sonhos e ficar fazendo comentários sobre minha vida amorosa é ajudar? Foi muito desagradável!

Mas vou ficar quieta. Mesmo como um corvo ainda sinto que não devo ofender o Senhor das Trevas e da Morte.

— Então você esteve espionando Lucy Knightwalker desde que ela nasceu?

— ... Não é assim que funciona. As memórias das minhas vidas passadas retornaram aos poucos ao longo dos anos. Estou te seguindo faz pelo menos um ano, só quando terminei de lembrar a nossa separação no caminho do tempo-espaço dimensional.

— Oh...

Engoli seco. 

Então ele viveu e vagou por ai como um corvo? De certa forma, um ser que observa e existe sem morrer. Senti algo complicado e franzi as sobrancelhas. Zeref esteve assim por quatrocentos anos.

Balancei um pouco a cabeça para dispersar esses pensamentos e resolvi entrar numa questão que está me incomodando.

— ... Zeref, tenho uma pergunta.

— Sim.

— Quando possui esse corpo, não tive nenhuma lembrança, memória ou seja o que for de Lucy Knightwalker.

Respirei fundo, as lembranças pareciam tão reais, como se estivesse vivenciando ele ao vivo.

— Mas algumas lembranças dela aparecem como flashs na minha frente, como se assistisse um filme.

— Flashs? De memória? -o corvo abriu as asas e planou, dando duas voltas antes de pousar na colcha aos meus pés.

— Sim, eu vi como Natsu colocou a marca nesse corpo, e... foi algo forçado. E depois a cena em que vi Rogue pequeno, com Frosch...

Frosch...

Uma bola ensanguentada aos meus pés, não dava para entender sua forma, havia muitos buracos. Tantas partes estavam afundadas e quebradas.

— Fro... sch...!! -engasguei, com as lágrimas fluindo novamente.

Tampei minha boca com as duas mãos. Lucy realmente matou Frosch?

Meu corpo tremeu. Por que diabos você fez isso? E...

As mãos segurando o martelo. Eram pequenas. Uma criança que matou um ser vivo.

Por quê?

— Lucy.

Oh meu Deus. Por que você fez isso?

— Lucy!

Pisquei atordoada com Zeref me chamando. Os olhos ônix do pássaro estavam um pouco mais perto, ele pousou no meu colo, erguendo o bico para cima.

— ... Lucy. Esse é o pecado de Lucy Knightwalker. E um passado que já aconteceu.

— Um passado...

— Sim. Mesmo que você colapse aqui, essas coisas não irão mudar a forma que aconteceram antes.

Mordi meu lábio inferior com força.

— Você precisa focar no que tem que fazer no futuro.

Eu sei disso.

Mesmo assim. Eu não consigo deixar de me sentir perturbada por isso.

— E não é você quem fez isso -sua voz é tão imperturbável, com um tom sério.

... Não sou eu o culpado...?

Mas esse sentimento sufocante encheu meu peito.

— ... Zeref... Por que eu estou vendo essas lembranças?

— ... Quando você viu a lembrança com Natsu?

— Depois que você colocou o pingente no meu peito.

— E a de Rogue?

— Depois... Que ele falou de Frosch.

— ... Parece que as lembranças dela estão sendo influenciadas a retornar quando algum gatilho é acionado.

Fiquei em silêncio por alguns segundos.

— Vou continuar vendo as pessoas que Lucy matou? -abaixei meus olhos. Isso é um sentimento horrível.

— Não foi você quem matou.

— ...

Encarei minha palma. Ela tem muitos calos, é óbvio que treinou até sangrar. E não só isso, as cicatrizes também mostram que sua vida não era fácil, com muitas lutas e perigos. Então fechei a mão em punho, até esse movimento me faz perceber que a força desse corpo é muito melhor que o meu eu original.

Não que eu fosse frouxa, mas dá para sentir que o treinamento de Knightwalker chegava ao auto-abuso.

Mangas longas nos braços e calças que ia até o calcanhar.

Puxei a borda das roupas e rapidamente cicatrizes de vários tamanhos apareceram. O corpo está completamente desfigurado, sem sobrar nem um pouco de pele intacta.

Então me levantei, pousando os pés descalços no chão. Como é uma tenda num acampamento perto da floresta, a areia entre meus dedos foi inevitável.

Mesmo assim fitei um espelho próximo, está meio sujo, mas pude ver meu cabelo louro curto e o rosto coberto por uma máscara prateada. Escondendo desde a ponte do nariz à testa.

Levantei a mão para tocar o metal frio, e retirei aquilo que cobria meu rosto.

Então arregalei meus olhos para o que vi.

A testa, a área dos olhos, desde a parte acima da bochecha indo ate à ponta do nariz, não havia pele. A cor é mais avermelhada e seca, com rugas. Como uma cicatriz após uma queimadura de alto grau.

Não há cílios ou sobrancelhas, completamente morto sem deixar as raízes de pelos crescerem. Mas os olhos castanhos continuaram iguais.

Chocada com a aparência revelada, fui surpreendida com outra lembrança.

Repentinamente estou no pátio dentro de algum grande castelo, dava para ver o exterior da arquitetura medieval. Um chão de pedras lapidadas de uma área aberta bem grande.

Olhei para cima, me deparando com duas figuras que me olharam de longe.

Um garoto de cabelos rosados na sua adolescência que ainda não saiu da imaturidade. Talvez uns quatorze... Treze anos. Bastante jovem.

Ele me encarou com ódio, seus pulsos bem fechados e veias salientes dos ombros expostos pela camisa de manga curta. Seu corpo tremeu, tão óbvio que mesmo longe pude ver isso.

E ao seu lado, uma mulher madura de cabelos brancos e curtos. Ela usava um vestido pálido e esvoaçante, parecendo uma fada bondosa. Até mesmo sua expressão calma o encarou com tristeza.

Eu sei quem é ela.

Lisanna estranhamente parecia mais velha que Natsu. Enquanto ele tem um rosto de treze anos, ela já parecia ter mais de vinte, fazendo que a albina fosse alguns centímetros mais alta que o menino.

Então as mãos dela pousaram nos ombros do garoto, e os lábios dela sussurram algo para ele. Quando Natsu a escutou, seus olhos ônix se arregalaram com mais raiva, me encarando como seu inimigo mortal.

Os sussurros de Lisanna continuaram. O tremor de Natsu se tornou mais feroz e a tez mais sombria.

Logo ele saltou em minha direção. Os olhos fervendo e o punho em chamas, acionada pela magia do fogo.

Perigoso. Toda sua aura assassina emitiu um grande perigo. Mesmo assim, nesse espaço aberto, com várias rotas de fuga e suficiente lugar para desviar, continuei parada.

Fechando os olhos, esperando por isso. Aceitando essa agressividade cheia de rancor.

— LUCE!!

Seu grito carregou uma emoção explosiva, e senti a palma aberta dele cheia de fogo mágico agarrar meu rosto, bem acima das minhas pálpebras.

— ARGH! -não consegui reprimir o grito de dor.

Está queimando, a magia de Natsu está me queimando. Junto com sua força e peso, meu corpo caiu para trás, batendo minha cabeça no chão com um estrondo. Escutei as pedras se quebrando e meus ouvidos zumbirem, junto com a tontura pelo impacto. Mas as mãos do garoto continuaram a pressionar meu rosto.

Queimando e apertando.

— ARGH! UGH!

— LUCE! EU NUNCA VOU TE PERDOAR! VOU QUEIMAR SEUS OLHOS PARA QUE VOCÊ NUNCA MAIS ENXERGUE NESSA VIDA!

— AACK!

Minha carne fritando e o cheiro de queimado, junto com a dor alucinante mal me permitiram escutar o que ele estava dizendo.

Ainda assim, não me rebelei. Apenas deixando Natsu continuar a usar sua magia em mim.

— EU VOU FAZER DA SUA VIDA UM INFERNO!

Quem foi agredido sou eu. Mas a voz de Natsu que mal pude escutar, além do ressentimento, também havia uma dor e tristeza misturadas, como se o machucado fosse ele.

Então despertei do meu estupor, finalizando a memória.

Toquei a parte superior do meu rosto, é enrugado e feio. As sequelas do que Natsu me fez. Embora ele não tenha conseguido me cegar, por maldição ou milagre minha visão é muito boa.

Comprimi meus lábios.

Então sussurrei para Zeref:

— Culpa.

— ... O que?

— O gatilho é a culpa.

Por mais que Natsu me agredisse unilateralmente. Não houve contra ataque.

Mas um sentimento de culpa para com ele que surgiu no meio, pareceram algemas que paralisaram para receber o golpe.

E esse sentimento eu pude sentir claramente quando vi a lembrança.

Ela não se importou em se machucar, todo seu corpo está com cicatrizes.

Por mais que ela tivesse feito coisas ruins, não estava orgulhosa disso. Pelo contrário, se culpava.

A ponto de renunciar a amizade de Erza e o amor anti-natural de Natsu. Acreditando que não merecia a felicidade.


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