Três Desejos escrita por Kayra Callidora


Capítulo 7
Capítulo Sete


Notas iniciais do capítulo

Oi meus amores ♥
Hoje voltei com uma surpresa... DOIS CAPÍTULOS DE VEZ O/
Espero que gostem, e que me perdoem pela demora de um mês quando machuquei a mão.
Beijos.



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Capítulo Sete

Atena se aprumou no sofá, com o interesse completamente desperto. Já Poseidon parecia mais nervoso do que ela jamais o havia visto: batia o pé no chão consecutivamente, cutucava os botões do pijama que usava, parecendo sequer reparar no que fazia, e mordia o lábio inferior de um modo que seria atraente se não fosse agoniante. A força que ele fazia para abandonar o orgulho daquele jeito era, na verdade, muito admirável; Atena sabia que o orgulho de Poseidon era tão facilmente ferido quanto o seu, e ela não sabia se faria o mesmo no lugar dele.

— Tudo bem, olhe... - ele disparou. - Me desculpe pelo que eu disse. Quando eu falei que queria me livrar de tudo isso... Eu me referia à essa missão, ao perigo de vida que corremos aqui. Eu não quis dizer que quero me livrar logo de você. Você não... Você não é problema nenhum para mim. Além do quê eu nunca me livraria de você de verdade, já que somos olimpianos imortais.

Atena rolou os olhos. Até pedindo desculpas o indivíduo conseguia ser um babaca. No entanto, ela não podia deixar de notar que o que ele dizia soava estranhamente sincero.

— Não é o pedido de desculpas mais verdadeiro do mundo - Atena retorquiu. - Mas, vindo de você, já é muita coisa.

Foi a vez de Poseidon rolar os olhos.

— Estou perdoado? - indagou.

— Talvez - Atena coçou o queixo, fingindo estar pensando. - Quem sabe se você fizer o almoço e o jantar para nós dois pela próxima semana...

Poseidon suspirou.

— Fechado - cedeu, derrotado. - Já posso ir tomar um banho para dormir?

— Claro que não! - Atena exclamou. - Eu vou primeiro.

— Ei! Não é porque a senhorita é muito sensível que eu vou me submeter aos seus comandos - Poseidon protesta. - Até porque eu estou bem pior do que você.

Foi só então que Atena reparou. Passando um olhar pelo corpo de Poseidon, registrou arranhões e cortes por toda a extensão, inclusive no rosto. A perna estava menos mutilada porque era protegida pela calça jeans, mas o estado da cintura para cima era, no mínimo, de se dar pena. Atena se perguntou como infernos não havia visto aquilo antes.

— Oh - ela soltou, envergonhada por seu egoísmo. - Eu, hum... não tinha visto.

Poseidon sorriu de lado, não parecendo afetado.

— É claro que não. Será que eu poderia ir tomar banho, majestade?

— Cinco minutos.

Poseidon gargalhou e subiu as escadas correndo.

***

— Poseidon, sabe o que eu estava pensando?

— Não, e não tenho interesse em saber agora - Poseidon resmungou, com voz de sono.

Se ele não estivesse virado para o outro lado, de costas para Atena, provavelmente teria rido do olhar fulminante que ela lançava - embora ela não pudesse julgá-lo por não querer ouvi-la quando já era de madrugada. A deusa tinha esse péssimo hábito de nunca desligar seu cérebro, e ficar torrando neurônios até conseguir cair no sono - o que demorava muito para acontecer. Para sua sorte, no entanto, Poseidon tinha um sono incrivelmente leve, e ao mais mais baixo som de sua voz, o deus já estava acordado.

— Agora eu entendo porque você é o pai dos cavalos - disse venenosamente.

Poseidon resmungou, mas se virou para Atena, apoiando o cotovelo no travesseiro para se fazer mais alto, e colocando a cabeça sobre a mão. A deusa reparou que seus músculos ficavam mais ressaltados quando ele fazia isso, ondulando em um molde perfeito sob a pele bronzeada. Talvez se ele não insistisse em dormir seminu, esse tipo de coisa não aconteceria. De repente, o ambiente parecia até mais quente.

O deus dos mares arqueou as sobrancelhas, sorrindo torto, como se soubesse o que ela pensava, e Atena se deu conta de que estava sem silêncio por muito tempo. Pigarreou antes de falar.

— Mais cedo, lá na ilha - ela começou, se recompondo -, eu estava perto de um titã. Sabe, realmente perto. Mas ele não sentiu a minha presença.

Poseidon assentiu, indicando para que ela prosseguisse.

— Você não teria nada a ver com isso, teria?

— Bem... - Poseidon hesitou. - Talvez eu tenha feito algo.

— Talvez? - questionou Atena. - E o que você, hipoteticamente, teria feito?

— Hum, eu hipoteticamente posso ter feito exatamente o que você me disse para não fazer - Poseidon confessou, tomando o cuidado de se afastar um pouco ao falar. - E talvez eu tenha te dado um pouco do meu poder.

— VOCÊ O QUÊ? - Atena se exasperou tanto que sentou na cama, mal se importando que as alças finas do pijama que usava caíam pelos ombros pela brusquidão com a qual ela se levantou. - Co... como?

— Sendo mal agradecida de novo - Poseidon resmungou. - Eu segurei seu pulso por tempo suficiente para conseguir fazer a transição antes que você corresse de mim. Foi isso.

— Oh meus deuses - Atena olhou para o pulso agarrado, o esquerdo, pasma. - O que eu vou fazer agora?

— Não se matar já estaria de bom tamanho - Poseidon puxou quase que completamente o edredom que dividiam e se virou para o outro lado, ignorando a expressão horrorizada de Atena.

Ela, por sua vez, bufou profundamente ofendida. Então, imitando o gesto de Poseidon, se virou para a extremidade da cama, não se dando ao trabalho de puxar o edredom para si, e dormiu.

***

— Você não pode me forçar a fazer isso!

— Mas é claro que posso! Esse é o meu domínio.

— O mar, não eu!

Há pelo menos quinze minutos que Atena estava na frente da casa de praia, de braços cruzados e com a expressão mais mortífera do mundo, encarando o mar enquanto Poseidon apresentava mil e um motivos para convencê-la a deixar que ele a treinasse para usar o domínio sobre os mares para seu benefício. Como sua arqui-inimiga declarada e encarregada olimpiana de tornar a vida dele um inferno, Atena não cedeu à proposta nem quando ele ameaçou amarrá-la com algas no fundo do oceano, cercada de tubarões famintos. Aparentemente, o pedido de desculpas da última noite já não era nada na cabeça de nenhum dele, e a antiga trama para assassinar um ao outro estava de volta.

— Eu não vou deixar que você me treine! - Atena gritou. - Pode simplesmente pegar seus poderes de volta.

— Para que os titãs sintam a sua presença e venham atrás de nós? - Poseidon retrucou. - Não, muito obrigado, eu sou jovem demais para morrer. Agora pare de ser mimada e me deixe te ensinar.

Atena permaneceu emburrada, mas tinha que admitir sua derrota diante do argumento de Poseidon. Então, descruzou os braços e resmungou:

— E então, quando começamos?

Com toda a naturalidade do mundo, Poseidon caminhou até onde Atena estava parada e se posicionou logo atrás dela, segurando seu braço esquerdo com o seu próprio. Durante alguns segundos, Atena sequer conseguiu se mover; estava mortificada. E não só pela ousadia do deus dos mares ao tocá-la daquela forma, mas pelo modo como seu próprio corpo casto reagiu: um arrepio percorreu toda a sua espinha, como um balde de água gelada, ao sentir a respiração quente de Poseidon em seu pescoço, e o sangue subiu furiosamente às suas bochechas quando suas costas tocaram o peitoral dele, assim como quando o nariz dele roçou ligeiramente no lóbulo de sua orelha. Era simplesmente inaceitável. Era uma deusa casta, e jamais, em hipótese alguma, deveria reagir naturalmente a um homem.

— O que você pensa que está fazendo?

Poseidon olhou para ela, atônito, e por um segundo a proximidade de seus rostos fez com que Atena se esquecesse do que estava dizendo.

— Eu estou te ensinando - Poseidon respondeu como se fosse óbvio. - Você anda sofrendo de perda de memória recente?

— Claro que não - disse Atena empinando o nariz. - Por que, isso acontece quando começamos a virar peixes?

Poseidon rolou os olhos.

— Você não está virando um peixe. Você tem o domínio da maior força da natureza. Pode parar de ser tão ingrata?

— Eu não estou... argh, esqueça - Atena sacudiu a cabeça. - Não era disso que eu estava falando. COMO VOCÊ OUSA ME AGARRAR ASSIM?

Um minuto de silêncio se passou, enquanto Poseidon encarava Atena como a mais interessante das criaturas. E em seguida ele se curvou para trás e começou a gargalhar desenfreadamente, de forma tão real e viva que até as ondas pareceram subir, alegres.

— Você é paranóica, Atena - ele anunciou assim que se recompôs. - Por que eu agarraria você?

— Eu não sei o que se passa nessa sua mente imunda - Atena respondeu. - Só sei o tipo de pessoa que você é.

— É mesmo? - Poseidon inclinou a cabeça para o lado, curioso. - E que tipo de pessoa eu sou?

— Você é maníaco por mulheres e por sexo - Atena despejou enojada. - É o que eu sei.

— Além de você ter se esquecido da parte que eu não sou o tipo de pessoa que agarra uma mulher sem o consentimento dela, as duas afirmações estão erradas. Eu não sou maníaco por mulheres - Poseidon justificou, e sorriu. - E tampouco por sexo. Sou normal. Você saberia como é se não fizesse escolhas tão estranhas. Aliás, me surpreende que você fale sobre isso.

— Tenho certeza que falar não quebra o meu voto de castidade - Atena deu de ombros. - Mas, de toda forma, não deveríamos conversar sobre isso. Você pode voltar a me ensinar, desde que não me agarre de novo.

Com um suspiro de exasperação incontida, Poseidon apenas ficou atrás de Atena - tomando um extremo cuidado para que não se tocassem - e, tão lentamente quanto pudesse fazer, segurou seu braço. Claro que Atena não disse em voz alta, mas mesmo daquela distância, ela ainda tinha uma sensação estranha ao toque do corpo de Poseidon.

— Olhe, eu não acho que você seja tapada - Poseidon admitiu, - então não vou te treinar como uma. Você pode fazer mais rápido.

— Foi o elogio mais tocante que eu já recebi na vida.

— Eu vou trazer uma onda do fundo do mar - Poseidon explicou, ignorando sua ironia. - E você vai fazer ela parar antes que chegue na areia.

— E se eu não conseguir?

— Eu paro ela pra você.

Atena ponderou.

— Você não vai me deixar morrer afogada, certo? Quero dizer, mesmo sendo imortal, é claro...

Poseidon soltou uma risada baixa.

— Não, não é desse jeito que eu vou te matar; eu planejei uma maneira muito mais especial - ele ironizou, e logo acrescentou ao sentir o olhar furioso de Atena. - Eu não vou deixar a onda chegar aqui, Atena. Até porque estragaria a linda casa de Afrodite...

— Humpf. Como se você pudesse me matar - Atena levantou o queixo, sempre muito digna. - Eu luto bem melhor do que você.

— Eu não disse que ia te matar em uma luta.

— O que você...

— Você está se desviando do assunto - Poseidon avisou. - Vamos logo, eu não tenho o dia todo.

Atena rolou os olhos. Ele falava como se não vivesse na mesma casa que ela e tivesse exatamente os mesmos afazeres.

— Certo - Atena se preparou. - Pode começar.

O que veio do fundo do mar não era bem uma onda. Era literalmente um tsunami que, se não fosse impedido a tempo, cobriria aquela ilha toda num piscar de olhos.

— Poseidon - Atena tentou parecer confiante, mas seu tom de voz a entregava. - Quando você disse uma onda...

— Estava sendo proporcional a quem a controla - Poseidon respondeu, curto e grosso. - Agora se concentre. Não quero os meus domínios nas mãos de uma incompetente.

Segurando o golpe que aplicaria no deus se ele tivesse dito aquilo em qualquer outra situação, Atena olhou para a onda e cerrou os olhos. Num instante, estava só vagamente alerta da presença de Poseidon atrás dela. Olhar para o mar e pensar que poderia se afogar lhe causava absoluto pavor. Ela nunca contaria para Poseidon que temia alguma coisa, principalmente o próprio domínio dele, mas nem mesmo aranhas eram tão assustadoras para Atena quanto o mar.

Faltava pouco. Poucos metros, e tudo estaria inundado. Além do quê, a promessa de Poseidon quanto a não deixar que onda chegasse na praia era o menor conforto possível, se é que era verdade. Ele não era nada incapaz de deixar que ela se afogasse por puro prazer. Agora, Atena tinha no máximo cinco segundos até que a onda a atingisse. A proximidade de Poseidon mal era um incômodo agora que estava tão nervosa. Quatro segundos. Tinha que conseguir. Não o aguentaria falando em seu ouvido sobre sua incompetência pela eternidade. Três segundos. Era agora ou nunca. Mais um pouco e talvez tivesse sua primeira visão do Tártaro. E quando até as raízes da ilha começaram a tremer...

A onda parou.

Atena levantou a cabeça para olhar para Poseidon.

— Foi você? - ela perguntou, mal se permitindo acreditar que havia feito aquilo, mas o deus balançou a cabeça negativamente, os lábios repuxando para os lados.

— Foi você - ele respondeu.

Ela conseguira.

Mal podia acreditar, mas conseguira.

A onda agora era uma enorme muralha de água próxima da costa, onde uma variedade de peixes que deveriam estar no fundo do mar nadavam de um lado para o outro. Atena não sabia se estava mais encantada ou feliz. Era extraordinariamente lindo, muito mais perfeito do que o espetáculo mais ensaiado do mundo.

Poseidon a soltou, sorrindo e ao mesmo tempo parecendo aliviado, e Atena, sem pensar no que fazia, soltou um grito de alegria e o abraçou, inundada de pura felicidade. O deus dos mares pareceu chocado, e por um segundo sequer se moveu, mas no segundo seguinte seus braços passavam pela cintura de Atena e ele gargalhava.

— Eu consegui! - ela exclamou, os olhos brilhando como Poseidon jamais os havia visto.

— É, conseguiu - Poseidon concordou, sorrindo. - Mas não se empolgue tanto, ainda nem chegamos à parte das tempestades.

Atena se afastou, soltando uma risada alta e alegre. Pouco importavam as tempestades. Havia realmente conseguido. Não estava feliz por ser o domínio de Poseidon, mas porque, mais uma vez, provou que podia fazer mesmo o que ele achava que ela não podia, e nada podia deixá-la triste naquela hora. Atena fez a onda retornar ao fundo do mar, e só quando seu momento de êxtase passou, se deu conta do que tinha feito.

Oh, droga. Ela abraçara Poseidon. Espontaneamente e sem pensar.

Não que fosse grande coisa - ao menos nada que quebrasse o seu voto, é claro -, mas não era o que ela faria se não estivesse fora de si. Poseidon não era seu amigo nem nada parecido. Ou era? Sentiu o sangue subir às bochechas, envergonhada, mas decidiu que, só daquela vez, deixaria passar.

Estava feliz, afinal, e isso era raro de acontecer. Ainda mais na presença de Poseidon. E ela iria aproveitar.

***

Durante o almoço, Poseidon observou Atena. Não deixou que ela reparasse, é claro, mas nos breves momentos em que ela se distraía com alguma coisa, seu olhar se demorava sobre ela. Ele estava se lembrando da cena na praia, enquanto a ensinava. Tudo o que passava por sua cabeça era a alegria no rosto da deusa.

Os olhos dela assumiram um azul que causaria inveja no mais lindo céu do meio-dia, ao mesmo tempo em que brilhavam como as estrelas à meia noite. O sorriso... há quantos séculos ele não a via sorrindo daquele jeito, tão genuinamente? Talvez ele nunca houvesse visto. Ela estava sorrindo de verdade. E ria de verdade, também. E que belo sorriso Atena tinha. Poseidon se perguntou como nunca havia reparado no sorriso dela, que parecia iluminar todo o seu rosto e todos os seus arredores. Ele fazia o rosto de Atena parecer mais leve, e por um instante a deusa era apenas... Ela.

Poseidon decidiu que gostava mais da Atena sorridente do que daquela com quem brigava todos os dias. Gostava mais da Atena viva do que da Atena congelada em solidão. E decidiu que faria o que pudesse para voltar a vê-la abrir aquele sorriso precioso e iluminado.

— Hum... - Poseidon ergueu uma mão enquanto mastigava sua comida, chamando a atenção de Atena, do outro lado da mesa. - O que você planejava fazer agora à tarde?

Atena deu de ombros.

— Ia apenas estudar o que você registrou sobre a ilha - ela respondeu, baixando os talheres. - Por quê a pergunta?

— Bom, eu acho que devíamos aproveitar que já estávamos treinando hoje cedo - Poseidon começou a sugerir, - e treinar mais um pouco à tarde, mas dessa vez as nossas habilidades em luta.

Atena abriu um sorriso presunçoso.

— Seria meio injusto com você, não? - ela perguntou. - Você deve estar meio atrofiado.

— Atrofiado? - Poseidon perguntou, em tom de desafio. - Por que eu estaria atrofiado?

— Bom, você já está um pouco velho - Atena respondeu, e o deus ergueu uma sobrancelha para ela. - E já não luta há um bom tempo.

— Muito engraçado ouvir uma pessoa de quatro mil cento e vinte e um anos me chamando de velho - ele retrucou sorrindo. - Você é um exemplo de juventude, é claro.

Atena não conseguiu conter seu queixo de cair a tempo.

— Como você sabe a minha idade?

Poseidon apenas deu de ombros, como se não fosse nada, mas para ela aquilo era algo grande. O fato era que 99% dos deuses não sabiam nem a própria idade. Depois de alguns séculos de vida, isso já não importava mais. Atena, no entanto, via certa relevância nisso, meramente por ser um detalhe que os deuses nunca sabiam uns sobre os outros, e Poseidon saber a sua idade quando outros deuses já não contavam mais... Bem, não dava para ignorar aquilo.

— Eu só sei - ele respondeu. - E também sei que eu ainda luto dez vezes melhor do que você.

Atena ainda estava se recuperando da surpresa que era ele saber exatamente quantos anos ela tinha quando respondeu:

— Ainda? Você nunca lutou melhor do que eu.

— Não é o que eu me lembro - Poseidon retrucou, meramente provocando.

— Tenho como provar - Atena afirmou.

— Isso é um sim? - Poseidon sorriu, maquiavélico.

Atena se levantou de sua cadeira, o prato em mãos e um sorriso diabólico nos lábios.

— É sim.

Poseidon também se levantou, simplesmente fazendo seu prato desaparecer com um estalar de seus dedos.

— Já está pronta para treinar agora ou quer um tempinho para se preparar? - ele provocou.

— Poseidon, eu literalmente já nasci pronta - Atena passou na sua frente e seguiu na direção da escada.

O deus a seguiu, sabendo que ela ia até o cômodo onde estavam as armas para treinarem. Atena abriu a porta para revelar as dezenas de espadas, machados, lanças, vários tipos de facas e até armas de fogo (o que era um método de luta muito primordial, na opinião de Poseidon). A deusa da sabedoria se colocou a andar diante de todas as armas, analisando qual melhor serviria seu estilo de luta.

— O que você prefere? - ela perguntou para Poseidon. - Espadas? Facas? Talvez lanças? Eu sou realmente boa com lanças.

— O que você preferir, amor - Poseidon deu de ombros. - Eu já estou na vantagem mesmo.

Atena se virou para ele, as sobrancelhas erguidas. Ficou tão curiosa que até se esqueceu de corrigi-lo por chamá-la de amor.

— Por quê você está com a vantagem?

— Porque eu já luto melhor do que você. A arma não importa.

Atena sorriu, contendo a vontade real que tinha de sufocar Poseidon com as mãos.

— Bem que você queria - ela retrucou. - Por sorte, vamos poder provar logo, logo que isso não é verdade.

A deusa alcançou uma espada à sua frente que parecia a melhor daquela sala. Bronze celestial, dois gumes, bem afiada, e, ela percebeu ao tocá-la, não muito difícil de manusear.

— Acho que encontrei a minha arma - ela declarou.

— Certo - Poseidon se virou para avaliar o resto das espadas, mas não se deu ao trabalho de procurar muito; escolheu a mais próxima de si, uma muito parecida com a de Atena. - Vamos?

A deusa apenas assentiu e saiu da sala, balançando a espada para um lado e para o outro simplesmente para se acostumar com ela. Ela já tinha uma espada com a qual lutava desde sempre, um presente de Hefesto, e numa luta de verdade, jamais a trocaria por nenhuma outra. No entanto, naquele treino simples com Poseidon, não via problema em abrir mão de sua melhor arma para enfrentá-lo numa luta amadora.

Eles saíram da casa para treinar na areia da praia, onde, eles concordaram mesmo que não verbalmente, parecia ser o melhor lugar para treinar.

— Você ainda pode desistir se quiser - Poseidon realmente não se cansava de provocá-la. - Eu te poupo dessa humilhação.

— Digo o mesmo para você - Atena respondeu enquanto se posicionava na frente dele, analisando a postura do corpo do deus para entender que movimento ele faria.

Poseidon se erguia no mínimo vinte centímetros acima dela, mas isso não a preocupava, não muito. Atena lutava com a mente, e o corpo era meramente um executor. Ela não se aqueceu, não pensou em métodos de ataque ou qualquer coisa assim. Um tempo de observação: tudo o que era necessário para saber exatamente como ganhar aquela luta.

Poseidon não parecia atrofiado, afinal - mesmo que Atena jamais fosse admitir isso. Podia perceber enquanto ele se posicionava: pernas bem afastadas, ombros para trás, espada equilibrada na mão direita. Tudo sugeria que ele sabia exatamente o que estava fazendo. E Atena também.

— Pronta? - ele perguntou, e Atena, que não era muito de falar enquanto lutava, apenas assentiu.

Tão logo ela terminou de mexer a cabeça, o deus fez sua primeira investida contra ela - atacar com a espada vindo de cima, algo que, é claro, Atena já havia previsto. Sua altura não muito razoável era sempre o primeiro fator contra o qual o inimigo investia, e isso de certa forma era sua maior vantagem. Além de um menor tamanho lhe garantir mais velocidade, garantia também uma defesa padrão para os ataques. A deusa bloqueou o golpe erguendo sua própria espada sobre a cabeça, e logo tirou a espada de Poseidon do caminho, visto que não aguentaria o peso por muito tempo. Os próximos ataques vieram como esperado: na direção do abdômen, do pescoço, do braço, das pernas, todos sucessivamente defendidos.

Atena sabia muito bem que Poseidon não estava tentando de verdade; odiaria ser o inimigo que ele realmente quisesse machucar, porque, querendo ou não, o deus era muito mais velho que ela e tinha mais experiência em batalhas, além de seu tamanho que com certeza contava muito. Ela conseguia perceber que todas as suas investidas eram cuidadosamente calculadas para que não a machucassem caso ela não conseguisse se defender. E a deusa até apreciava seu cuidado, mas só porque aquilo estava ficando muito entediante, Atena, que até então estava apenas se defendendo, decidiu atacar. Ela deu um giro completo antes de cortar com a espada na diagonal (sabendo, contudo, que Poseidon conseguiria parar seu ataque), e chegou muito perto de tocar o ombro do deus com a lâmina, mas ele se desviou bem a tempo de ela só fazer contato com o ar do local onde ele estava anteriormente. Poseidon ergueu as sobrancelhas para ela, como quem pergunta "então é assim que vai ser?" e Atena só fez sorrir, como se confirmasse sua pergunta. E então as coisas começaram a ficar mais intensas.

Os movimentos agora eram de verdade, com Poseidon colocando toda a sua força nos ataques, e depois de não muito tempo, o peso da espada de Poseidon se chocando contra a sua começou a adormecer os braços de Atena. Ela geralmente lutava com o Aegis, que era imbatível em segurar ataques, mas com a espada, o peso caía inteiramente sobre si. A deusa não parou, mas procurou se desviar dos ataques mais do que segurá-los com sua própria força. Poseidon, no entanto pareceu perceber seu cansaço, e parou por um instante.

— Até que você não está tão ruim assim - ele sorriu, enquanto a deusa largava a espada no chão e apoiava a mão nos joelhos.

— Não estou tão ruim?! - Atena perguntou, franzindo o cenho. - Mais cinco minutos e eu te derrubaria. Espere só.

— É mesmo? - Poseidon continuava em posição, a espada firmemente empunhada. - Eu aceito.

A deusa tomou um fôlego profundo antes de pegar sua espada do chão e voltar a se erguer com dificuldade. Aquele cansaço era muito comum quando treinava. Afinal, ela não havia escolhido aquele corpo com propósitos de luta diretos. Sua participação geralmente era mais indireta nas batalhas, planejando os movimentos para que outros deuses lutassem e vencessem; não que perdesse uma luta, se fosse desafiada, mas tinha que admitir que não era páreo para um embate tão longo, ainda mais com um deus relativamente quase tão poderoso quanto ela, que era Poseidon.

Dessa vez, foi Atena quem começou atacando, usando movimentos mais leves enquanto recuperava as forças. Poseidon acompanhava seu ritmo, que, para ser honesta, estava um pouco lento, então o deus começou a falar:

— Sabe, amor, considerando quantos titãs existem guardando aquela ilha - ele se desviou de um corte particularmente veloz enquanto falava - e como eles são tão poderosos quanto nós dois, eu sugeriria uma estratégia diferente da luta direta.

— Mesmo? - Atena se abaixou para impedir que a espada de Poseidon a partisse no meio, e levantou numa tentativa de derrubá-lo com os pés. - E qual seria essa estratégia?

Estava realmente curiosa para ver Poseidon propondo uma estratégia pela primeira vez, ainda mais uma diferente da que ela mesma havia proposto.

— A forma mais antiga de trapaça - ele sorriu. - Distração, é claro.

Mesmo em meio à luta, Atena teve um tempo para revirar os olhos.

— Não é um método eficiente de confronto - ela afirmou. - Pode dar errado de muitas maneiras.

— Ah não, senhora deusa da estratégia? - ele perguntou, usando de um movimento surpresa para passar para o espaço atrás da deusa, onde pôde atacar quase livremente. - E o que você sugere?

— Confronto direto é sempre uma opção - disse Atena. - E se pensarmos bem antes de cada movimento, tenho certeza que dará certo.

— O problema do confronto direto - Poseidon voltou a passar para a frente de Atena, - é que existe o fator do cansaço, que pode nos enfraquecer. Como agora.

Em um golpe muito baixo de sua parte, o deus passou o pé por debaixo dos pés de Atena, algo que, em qualquer outro momento, ela saberia evitar, mas dado seu estado, o ato forçou o corpo já dormente da deusa para baixo. Mas antes que ela pudesse atingir o chão, os braços do deus estavam firmemente enlaçados ao redor de sua cintura. Atena prendeu a respiração por um instante, absorvendo os movimentos muito rápidos. Já esperava o impacto da colisão com o chão, e então sentiu que Poseidon a segurava, mas seu corpo mal sabia como associar isso. Ela abriu os olhos, e de repente pareceu se tornar consciente de todos os acontecimentos em todo o espaço ao seu redor. A respiração ofegante de Poseidon fazendo cócegas em suas bochechas, os olhos intensamente verdes em contato direto com os seus. O braço rígido segurando seu peso com firmeza, enquanto suas pernas se tocavam de um modo estranho, dado o fato de que Atena usava shorts. Se com tudo isso já estava petrificada o suficiente, todo o universo pareceu se desligar quando o deus dos mares começou a aproximar o rosto do seu lentamente. O toque de Poseidon a estava inebriando do modo mais estranho, esvaziando sua mente para qualquer outra coisa, e tudo o que Atena conseguia pensar era no quão próximos aqueles lábios rosados estavam dos seus.

No entanto, para sua surpresa, o deus rapidamente enrolou a mão na espada de Atena e a lançou no chão, ao mesmo tempo em que erguia a sua própria e pressionava a parte plana da lâmina na costela da deusa.

— E você diz que não é um método eficiente de confronto - ele murmurou, os lábios repuxados para o lado.

Atena estreitou os olhos, sentindo toda a sua euforia ir embora. Por um instante muito curto ela pensou que...

— Isso é baixo, Poseidon.

— Talvez - ele concordou, os braços ainda em volta dela. - Mas funcionou, não foi? Talvez você reconsidere sua opinião agora.

A deusa simplesmente rolou os olhos e se desvencilhou de seu abraço, irritada e só um pouco... Decepcionada.

— Terminamos aqui?

Poseidon encolheu os ombros.

— Acho que nós dois sabemos que essa luta não pode mais dar em nada - ele admitiu. - Seria inútil continuar.

— Sim, é verdade - Atena estreitou os olhos para o horizonte. - E de toda forma, já está quase escuro. Não poderíamos mais lutar.

Poseidon olhou para o sol poente, para o mar, e então para a areia, e Atena quase podia ver uma lâmpada se acendendo sobre sua cabeça.

— Quer subir para tomar banho primeiro? - ele perguntou, e Atena chegou perto de se assustar com aquela concessão tão inesperada. - Eu vou fazer o jantar.

A deusa piscou algumas vezes antes de processar o que ele havia dito.

— Hã... Sim, claro - ela confirmou, recolhendo sua espada do chão. - Eu desço para te ajudar daqui a pouco.

— Tudo bem.

Sem saber o que mais acrescentar, Atena se virou e seguiu na direção do quarto. Ela passou na sala de armas só para pendurar sua espada de volta, e em seguida rumou para a banheira - o melhor lugar que conhecia para pensar um pouco. Enquanto mergulhava na água quentinha, sua mente só conseguia repassar as cenas do dia inteiro. O que raios tinha acontecido entre ela e Poseidon para que subitamente estivessem tão... Bem?

Ela reviu o abraço na praia, o sorriso fácil que veio ao seu rosto. As provocações sutis do deus dos mares, o modo tão cuidadoso como ele lutou com ela e... Ah, o modo como ele a derrubou e depois segurou seu corpo para que ela não caísse de forma tão intencional. Tudo parecia girar em torno daquela única palavra: como?

Parecia tão súbito, e ao mesmo tempo, tão sutil. Em um dia estavam lançando um ao outro no chão, e no outro, já pareciam se entender como se vivessem juntos há décadas. E a pergunta que não calava era essa. Como?

Não podia ser paranóia de sua cabeça, ela sabia. Uma pessoa precisaria ser burra para não sentir a mudança entre ela e Poseidon nas últimas horas - era uma tensão praticamente palpável. Mas a deusa não fazia ideia de como lidar com aquilo ou como fazer parar.

Os questionamentos ficaram rondando a cabeça de Atena até que a água começasse a esfriar e ela saísse da banheira.


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