Eu e Kedon estávamos de frente ao famoso Gordo, pode se dizer que o apelido o definia bem: um homem grande e barbudo, que fazia questão de deixar a barriga grande de fora.  Estávamos em uma espécie de caverna, no pé da montanha que servia como ferraria, o fedor de ferro queimado empestava todo o local.

— Então, Gordo, como estamos de artilharia?  - perguntou Kedon.

 - Bom Sr. Kedon, infelizmente estamos com pouco ferro - ele respondeu, sua voz era grossa como um trovão.

 - O que podemos fazer? - perguntei curiosa.

— Eu aconselharia a fazer apenas espadas e escudos, o que sobrar podemos fazer alguns coletes... - gordo respondeu, ele me olhava sinuosamente, como se quisesse decorar cada membro do meu corpo - ou capacetes - Kedon ficou pensativo.

— Onde você arranja ferro? – perguntei curiosa.

 - Geralmente trazemos da capital, ou das aldeias vizinhas, podemos fazer pequenas excursões para trazer mais sem chamar atenção - pensei em uma solução, o nosso objetivo principal era espadas e escudos - o que você acha, Aika?  - peguei um escudo e olhei meu reflexo. A garota que eu olhava, não era mais uma simples garota do Sul.  Ela tinha um olhar feroz, eu podia sentir o desejo de sangue que emanava daquele olhar.

 - Não faça capacetes - falei - deixe que eles vejam nossos rostos enquanto vencemos a guerra! - Gordo me olhou assustado, mas logo se animou.

— As suas ordens, Princesa - ele falou - aliás, eu vou fazer um traje especial pra você...

— Nada de vestidos, por favor! - brinquei, Kedon sorriu.

— Não se preocupe, será um traje de ferro -  ele se aprumou e pegou um cordão - só preciso de suas medidas, levantes os braços, por favor - ele tirou minhas medidas rapidamente, depois se abaixou e contou as medidas de Zandor.

— Você quer se aproximar dele? - perguntei.

— Não precisa, vou fazer algo mais simples pra ele.

— Assim é melhor, esse lobo fica maior a cada dia que passa - Kedon comentou. Olhei pra Zandor e finalmente notei que ele estava maior que o dia que nos encontramos. Ele ficaria do tamanho de Titus? 

— Mais uma coisa, eu tenho algo especial  pra você guardado aqui - ele puxou algo comprido que estava enrolado em uma toalha - isso é pra você - ele estendeu o objeto  pra mim, puxei a toalha que cobria e suspirei, era uma espada prata muito parecida com a de Nana. Peguei a espada pelo cabo com delicadeza, ela era pesada, mas não incomodava. Tinha desenhos entalhados por toda parte, percebi que eram lobos. 

 - É linda! - sussurrei - Obrigada por tudo Gordo – disse por fim. 

— Tudo pelo fim dessa guerra, Princesa - ele respondeu com os braços levantados. 

— Até mais Gordo - Kedon o cumprimentou. Saímos em direção a aldeia, Zandor ia à minha frente sem se importar com os galhos que lhe cutucavam no meio do caminho. Kedon sorriu.

 - O que foi? - perguntei.

 - Aquilo sobre mostrar nossos rostos, - ele começou - Era algo que seu pai falaria – sorri com cumplicidade, isso significava que eu estava no caminho certo.

Cheguei ao Centro de treinamento com Zandor aos meus calcanhares e com a espada em mãos.  Karol me aguardava, ela estava em uma pose que me lembrava de Nana quando ficava zangada. 

— Desculpe a demora, Karol - falei. Ela revirou os olhos, mas logo minha espada chamou sua atenção, ela estendeu a mão, entreguei a espada cuidadosamente.

— Quer beleza, em? Gordo que fez pra você? - ela perguntou enquanto examinava a espada.

— Sim... – respondi um pouco envergonhada.

— Muito bonita, espero que ela alcance nosso objetivo – ela disse por fim, senti um peso enorme cair sobre as minhas costas. Começamos a caminhar entre as pessoas que estavam treinando arco e flecha, nos deparamos com Luke, que parecia um genuíno guerreiro com o seu arco e flecha em mãos.  

—Vamos começar por aqui – disse Karol. Luke se aproximou de mim e sussurrou:

—Você conhece as histórias do Quinto inferno de Khosmos, Princesa? – ele olhou para Karol e depois voltou-se a mim – você está prestes a vivenciar ele... – segurei a risada, porque pressentia que Karol não estava muito contente com a minha distração.

— Muito bem, estamos divididos em espadas, arcos e lanças. Acredito que você vá ficar com as espadas? – disse Karol, eu assenti – Você tem algum conhecimento sobre arco e flecha ou lança? – ela perguntou como seu fosse um pato desprovido de qualquer conhecimento. Pedi o arco a Luke e peguei uma flecha da sua aljava. Armei a flecha no arco com muita facilidade e mirei em um alvo que estava posicionado em uma árvore a mais de um quilometro de distancia, suspirei e soltei a flecha, que facilmente atingiu o meio do alvo.

— UOW! – Luke gritou. Dei de ombros e devolvi seu arco.

— Aprendi com 12 anos, mas não gosto muito ...

— Muito bem – Karol falou sem muita emoção – então vamos lhe preparar para o combate de espada, ele me levou para uma área com varias espadas espalhadas, ela pegou uma qualquer e a ergueu em minha direção – para começar você precisa estabelecer uma postura – Karol abriu as penas, flexionou os joelhos e firmou os pés no chão – uma postura errada faz com que você perda a luta em segundos – imitei seus movimentos – agora segure a sua espada com força, mas apenas para lhe manter bem firme – fiz o que ela mandou. Ela saiu da sua posição e veio na minha direção, ela me rodeou como um leão faminto. Sem mais, nem menos, me chutou, eu caí como uma fruta madura.

— Mais forças nas pernas, Princesa – ela falou com sarcasmo. Levantei-me num salto e restabeleci a posição. Eu sabia que todos estavam me olhando e provavelmente me julgando. Eu tinha que ser forte, não só por eles mais também por Nana e Kedon. Fiquei com o corpo mais firme, Karol tentou me derrubar, mas não conseguiu.

— Outro fator muito importante é confiança e atenção – ela recomeçou – Esteja concentrada na luta e no seu alvo, acerte golpes em lugares fatais e confie na sua espada. Vou lhe ensinar alguns golpes, que são uteis em batalha – ela passou golpes fatais e simples, depois de horas repetindo os mesmos movimentos ela me levou a alguns troncos em formato de pessoas e mandou que ensaiasse os golpes neles.

Havia uma garota treinando movimentos assim como eu ao meu lado.

— Ola, princesa – ela me cumprimentou – meu nome é Agatha.

— Ola – respondi com uma voz cansada, ela sorriu.

— Karol não é fácil – ela falou – imagino que Naila tenha sido melhor tutora que ela... – olhei ao redor a pra checar se Karol estava perto e sussurrei:

—Melhor? Não sei dizer, mas Nana tinha mais paciência – Agatha sorriu e voltou ao treino assim como eu. Depois de algumas horas batendo no modelo de madeira, notei que Zandor estava inquieto, ele ficava me rodeando com impaciência, seu olhar ia do boneco para mim.

— Algum problema, Princesa? - Karol perguntou com um toque de sarcasmo na sua voz. 

— Quero Tentar algo... - respondi sem olhar pra seu rosto. Afastei-me do Boneco-de-Madeira, enfiei a espada na neve, me agachei e sussurei: Zandor, ataque!
Como se esperasse esse comando há anos, Zandor saltou em direção ao boneco e o derrubou com apenas um golpe.

— Oh - Agatha sussurrou perto de mim. Eu estava boquiaberta com a força de Zandor, ele voltou e se colocou ao meu lado mais uma vez.

— Bom garoto - sussurrei para ele. Karol que parecia tão assustada quanto eu, encarou Zandor como se fosse um monstro.
— Você treina ele - disse por fim. 

Eu estava sentada entre Zandor e Luke em um tronco próximo ao refeitório, esperávamos ansiosamente o momento da janta depois do meu primeiro dia de treinamento. Eu tinha gostado em maior parte do treinamento, Karol era durona e malvada, mas sabia o que estava fazendo, além disso, eu não estava sentindo nenhum cansaço. Observei Luke, ele estava com seu cabelo negro puxado para trás, eu sabia que ele era um mestiço, mais eu estava com vergonha de perguntar algo. Como se lesse meus pensamentos, ele falou:

—Pode perguntar, eu não vou me importa – ele sorriu.

— Eu. Eu... – gaguejei.

— Aika, não se preocupe, eu não ousaria ficar com raiva da princesa! – ele debochou. Dei uma cotovelada nele de brincadeira.

— Tá bom! Tá bom! – comecei – Luke, você é um mestiço certo?

— FINALMENTE ELA PERGUNTOU! – ele brincou, revirei os olhos – sim, princesa Aika, eu sou um mestiço!

— Posso perguntar como aconteceu?

— Acredito que como futura governante do reino, você tem todo o direito de saber – ele brincou mais uma vez – Bom, um belo dia, um soldado do Norte veio para o Sul, conheceu minha bela mãe e bem acredito que você saiba como...

— LUKE! – o repreendi envergonhada, ele sorriu – o que aconteceu depois?

— Pode-se dizer que ele não soube bem lidar com minha vinda a esse mundo e bem, voltou para o Norte – ele falou um pouco mais triste – e antes que você pergunte, minha mãe faleceu na grande era glacial.

— Sinto muito, Luke – falei com pesar. Ele assentiu, seus olhos perderam toda a alegria que eu tanto conhecia e ele ficou cabisbaixo.

— Foi assim que vim parar aqui, cansei de ver crianças ficando órfãos como eu... – ele olhava concentrado para o chão, seus punhos estavam cerrados, eu podia sentir sua raiva eu sabia pouco sobre a nação do Norte, apenas que eles eram a nação mais poderosas de todas e possuíam como símbolo a Águia.– bom, pelo menos você nos da esperança de melhorar...

— E pensar que tudo isso começou por causa da maldição de Khosmos, se meu pai tivesse sido obediente as leis, nós não estaríamos nessa situação – comentei. Luke despertou do seu transe e me olhou.

— Bom, se isso não tivesse acontecido, eu não teria conhecido você – ele disse com um sorriso.

— Eu também não existiria, provavelmente – meu comentário me fez entender uma coisa, talvez eu só existisse para evitar uma guerra. Se meu pai tivesse casado com qualquer dama do Sul, vai saber o que teria acontecido, eu só era um peão naquela história?

— Oh! Como nós viveríamos sem essa sua cara emburrada! – Luke brincou, dei outra cotovelada nele e me levantei.

— Vamos jantar ou Dinah vai vim me arrastar pelos cabelos, ela não gosta de me ver com fome.

Entramos no refeitório e esqueci completamente que Zandor nos acompanhava, seu rabo chicoteava as pessoas que estavam sentadas nas mesas.

— Zandor, pra fora – falei segurando o riso. Ele resmungou mais logo saiu.

— É engraçado como esse lobo parece com você – comentou Luke enquanto sentávamos no mesmo local do dia anterior, assim que sentamos Agatha, que já estava no local, começou uma conversar com Luke. Eu estava sentada mais uma vez frente a frente com Kaio, assim que sentei ele abriu um meio sorriso.

— Você foi bem no treinamento hoje – ele comentou.

— Bater em árvores sempre foi meu forte – brinquei – Mas, espera, você estava lá? Não lembro de ter visto você...

— Eu era o tronco que você batia – sua forma de brincar era diferente, ele não era animado como Luke, mas carregava um olha sério.

— Sinto muito pelas garras de Zandor então – respondi. Ele abriu mais uma vez seu meio sorriso e saiu.

— Ele gosta de você – Luke sussurrou, como se tivesse sido pega no flagra virei o rosto – é raro ele gostar de alguém – ele observou, eu queria afundar meu rosto no chão – a pergunta a se fazer é, você gosta dele? – ele fez uma pose de pensador, todos na mesa estavam nos observando, dei uma cotovelada nele – Ai! Você tem que parar de fazer isso, Princesa – ele gargalhou.