Weight of Love escrita por Stormborn


Capítulo 11
A quiet desperation is building higher


Notas iniciais do capítulo

Notas ao final do capítulo, como sempre. Boa leitura! ❤️



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Naruto nunca conseguia ser o primeiro a chegar no ponto de encontro quando o Time 7 tinha uma missão, mas naquele dia, ele se esforçou para acordar antes mesmo do despertador tocar e tomar seu café da manhã numa velocidade recorde. Ele fez malabarismos para se vestir e simultaneamente arrumar todo o equipamento que precisaria na mochila que usualmente carregava, sem querer desperdiçar um segundo sequer.

Ele não chegou a olhar o relógio antes de sair de casa, mas Naruto sabia, pela intensidade e duração dos bocejos que dava pelo meio do caminho, que ele definitivamente estava adiantado.

Ao andar pela rua principal de Konoha, o rapaz observou com certo deslumbramento a vila ganhar vida gradualmente com o nascer do sol no horizonte. Civis abriam seus estabelecimentos ou montavam suas barracas, andando para lá e para cá com caixotes repletos de mercadoria e sorrisos nos rostos, se preparando para a agitação das feiras matutinas.

As pessoas já não o olhavam com aversão quando ele passava, ou cochichavam pelas suas costas. 

Quando ele percebia alguém com dificuldade em alguma tarefa, imediatamente desviava de seu caminho para ajudar, e em resposta ouvia palavras sinceras de agradecimento. Algumas pessoas o reconheciam ao passar por ele e paravam para acenar, e Naruto sempre retribuía o gesto com uma leve vermelhidão na ponta das orelhas.

Era bom fazer parte da comunidade, ser um membro estimado da vila. Ele lutara bastante para ser reconhecido. Missão após missão, ele provara não só para seus companheiros o excelente shinobi que se tornara, mas também para a população a medida que seu nome ganhava corpo nos boatos e fofocas que circulavam pela aldeia. 

Tsunade também trabalhava muito para consolidar sua imagem diante da opinião pública; ela não admitia ser a autora de algumas das campanhas a seu favor, mas também nunca desmentia quando ele insinuava, e Naruto estava longe de ser ingrato.

Naruto passou por um grupo de policiais da Força dobrando na esquina da rua principal quando não só sentiu intenções maliciosas vindo dos Uchiha como ouviu trechos da conversa cujo tópico era definitivamente ele. Ainda que os jovens conseguissem disfarçar o intento e os olhares, o ódio refletido em suas palavras era inconfundível.

O loiro parou há alguns metros do grupo e suspirou, fechando automaticamente a mão contra a lateral da perna. Ele ouviu uma provocação ou duas e ponderou se deveria falar alguma coisa; em sua mente, a última conversa que tivera com Jiraiya sobre as crescentes tensões entre Konoha e os Uchiha ainda estava viva como se tivesse acabado de ouvir as ponderações do seu experiente tutor. Ainda que Jiraiya tivesse pedido para que ele não interferisse, era difícil ficar de braços cruzados estando no meio do fogo cruzado.

Naruto não era o mais inteligente do mundo, mas ele definitivamente sabia que seus atos hoje tinham ainda mais peso no cenário político do que há alguns anos. Bem como, ainda que ninguém o vigiasse formalmente - que ele soubesse, claro -, parecia que todos os interessados estavam apenas a espreita, sempre atentos, para caso ele desse uma brecha mínima para o bote.

Ele sentiu um leve toque no seu ombro esquerdo e, deixando toda a tensão prévia evaporar, virou-se para dar de cara com Hyuuga Hinata. Ele não ficou exatamente surpreso - subconscientemente, ele sempre conseguia distinguir seu chakra em meio a outros - mas a gratidão por tê-la por perto em um momento de tensão era o suficiente para fazê-lo sorrir, agradecendo silenciosamente.

— N-Naruto-kun, bom dia. — ela cumprimentou, corando graciosamente ao falar seu nome e reverenciando de leve para esconder seu rosto com as longas mechas escuras de seu cabelo.

Naruto levou uma mão a cabeça e coçou a cabeleira dourada. — Hinata, ei! — ele disse, notando que ela trajava seu usual equipamento ninja. — Está saindo em missão?

Hinata endireitou a alça da mochila que carregava. — Não, n-não, só vou passar alguns dias na floresta treinando com o Neji-nii-san. — ela respondeu em sua voz baixa e calma, e Naruto se sentiu levemente embaraçado por falar alto até mesmo nas primeiras horas do dia. — E v-você, está saindo em missão? — ela terminou, certa preocupação marcando seu tom de voz.

— Sim. — ele deu um passo a frente para ficar mais próximo dela. Naruto colocou a mão do lado da boca para tapar a visão de quem quer que estivesse prestando atenção e falou em voz baixa: — vai ser minha última missão antes de sair da vila para treinar com o ero-sennin.

Hinata soltou uma exclamação em voz baixa, se remexendo nervosamente sobre os pés juntos. Naruto se afastou, pensando estar incomodando-a com a sua proximidade repentina e olhou ao seu redor por um instante; o grupo de rapazes de antes já não estava mais no início da rua.

— Vai f-ficar fora por m-muito tempo? — ela perguntou quase num suspiro, os olhos nunca encontrando os seus.  

Ele a viu ajeitando pela segunda vez a mochila no ombro e estendeu uma mão em sua direção. Ela, pega de surpresa com o ato, deu um passo para trás e arregalou os olhos perolados. Naruto sorriu antes de se explicar, secretamente achando uma graça vê-la passar por várias gradações de emoção numa única e breve conversa.

— Não, — ele respondeu, rindo brevemente. — me dê a mochila, eu te acompanho até seu destino. 

A garota entreabriu a boca e ficou olhando de sua mão estendida para seus olhos azuis, logo sentindo-se envergonhada pela indiscrição e desviando o olhar, suas bochechas inflamando. Alguns segundos depois, porém, Hinata tirou a bolsa pesada das costas e entregou cuidadosamente para Naruto, desculpando-se pela inconveniência. Ele apenas estalou a língua e pôs-se a andar pelo chão batido, sabendo que ela acompanharia. 

Eles fizeram metade do trajeto em silêncio. Pelos olhares rápidos e incertos que ela lançava em sua direção, Naruto estava quase certo de que ela estava ciente da agitação que tomava seu coração antes dela fazer contato; Hinata parecia sempre saber o que se passava com ele, afinal.

Eles tinham uma espécie esquisita de conexão, e às vezes ele se pegava pensando nela. Na solidão da sua cama, se permitia admirar sua beleza e compaixão, e todo o carinho que Hinata mostrava por ele desde sempre, mesmo quando ele não fazia ideia de que precisava tanto de alguém como ela olhando suas costas.

— Naruto-kun, — ela chamou timidamente, olhando para os próprios pés. — você não vai acabar se atrasando para a sua missão?

Ele olhou para o céu por alguns segundos antes de responder. — Não, tenho tempo. — Naruto respondeu, satisfeito com o próprio feito. De repente, lhe veio a mente a cara de descrédito que Sakura faria ao vê-lo na ponte antes mesmo dela.

Isso se ela de fato aparecesse para a missão.

— Hinata, — ele chamou, sua voz um pouco mais séria do que anteriormente. Ela olhou para cima, encontrando seu olhar fixo nela. — posso te pedir um conselho?

A Hyuuga piscou algumas vezes antes de assentir, voltando a olhar para frente. Seus ouvidos permaneceram atentos, no entanto. Naruto suspirou, segurando com mais força a alça da mochila que levava numa das mãos.

— Você é amiga da Sakura-chan, não é? — ele perguntou.

— Nós não nos falamos com muita frequência, m-mas somos amigas sim. — ela respondeu, passando a mão pelo cabelo. — Por que, N-Naruto-kun?

— Ela… — ele estalou a língua. — ela quer entrar para a ANBU, acredita? O pior é que sei que ela tem capacidade para isso, mas não combina com ela, certo? — ele perguntou, sua voz contrastando com a certeza que queria exprimir.

Hinata olhou para ele. — Sakura-san nunca comentou nada comigo, N-Naruto-kun… mas ela deve ter pensado m-muito sobre essa decisão. — ela disse, gentilmente.

— É verdade, mas às vezes a Sakura-chan faz as coisas mais para provar um ponto ou mostrar que pode do que por querer. Tenho medo dela perceber tarde demais que esse caminho não é para ela.

Hinata sorriu tristemente e cessou os passos, colocando uma mão firme, mas delicada, no seu braço livre para que ele desse uma pausa também. Seus olhos claros brilhavam com uma sabedoria que Naruto não conseguia distinguir a origem.

— Às vezes, precisamos descobrir nosso próprio caminho através da tentativa e erro. — ela disse suavemente, sem gaguejar ou recear. — Todo mundo desacreditava que eu pudesse me tornar uma kunoichi de verdade, até mesmo eu. Eu quis desistir várias vezes ao longo dos anos... — ela fechou os olhos, afrouxando o aperto em seu abraço até se desfazer por completo. — Ainda que eu tenha um longo caminho pela frente, gosto do curso que decidi trilhar.  

Pela primeira vez em muito tempo, Naruto sentiu-se extremamente envergonhado.

Quando soube por Itachi que Sakura queria entrar para a organização secreta, sua primeira reação tinha sido ficar ultrajado. Ele não conseguia acreditar que sua melhor amiga tinha tomado tamanha decisão sem consultá-lo, ou sequer informá-lo. Uma parte ínfima de sua revolta, ainda, tinha sido por um recém-chegado na vida dela aparentemente saber mais das coisas do que ele, que estava sempre por perto.

Contudo, agora ele entendia. Pelo menos uma parte.

Itachi era paciente e solícito, e sem dúvida alguma se mostrara uma pessoa aberta a vê-la por seu potencial e força de vontade de chegar mais longe. Ele não a conhecia tão bem quanto Naruto e não tinha porque deixar suas opiniões e sentimentos atrapalharem seu julgamento profissional. Sakura acreditava na sua própria capacidade, e isso era o suficiente para Itachi.

Naruto, com certo pesar, percebeu que se ela não confiara nele, a culpa era inteiramente sua. No cenário onde ela lhe desse a notícia, ele teria mostrado toda sua incredulidade com a escolha, teria revelado preocupação, duvidaria dela sem querer, e em todo o seu choque, talvez nunca teria pensado em simplesmente ouvi-la, entendê-la como Itachi provavelmente fizera.

Ele pegou na mão de Hinata e ela arfou em surpresa. 

— Eu preciso apoiá-la independente do motivo, não é? — ele perguntou firmemente, apertando as mãos delicadas da garota a sua frente.

Hinata sorriu de leve, estremecendo sob o toque de Naruto. — S-sim, Naruto-kun. É o que a Sakura-san g-gostaria… eu a-acho. — ela mordeu o lábio inferior e desviou o olhar. O Uzumaki assentiu de forma imperceptível, e antes de soltar a mão de Hinata, deu uma última olhada para onde suas peles se tocavam.

Eles estavam a meros passos do portão de entrada do campo de treinamento que ela costumava usar com Neji. Naruto deu um longo suspiro e ofereceu de volta a bolsa dela que carregava. Ele queria acompanhá-la até o final, se fosse sincero, mas sabia que causaria mais problemas a ela do que ajudaria; Neji podia ser ridiculamente protetor quando queria.

Então, era a hora de dizer adeus, e com o coração apertado, ele percebeu que sentiria bastante falta de esbarrar periodicamente com Hinata, falar sobre tudo e nada com ela, durante seu tempo fora de Konoha. 

Ela pegou vagarosamente a bolsa de sua mão e a colocou sobre os ombros, ajeitando o longo cabelo preto azulado no processo.

— Espero que dê tudo certo, N-Naruto-kun. — ela sussurrou ao fim, prestes a sumir dentre as árvores do campo de treinamento, seus lábios tremendo com alguma coisa que ela simplesmente não conseguia falar. E ele não conseguia adivinhar. 

Ele deu um sorriso de canto e levantou uma mão para acenar uma triste despedida.

— Você me ajudou muito, Hinata, obrigada. 

Ela prestou uma pequena reverência, corando, e quase saiu correndo. O sorriso de Naruto se alargou monstruosamente quando ele observou o balançar suave de seus cabelos ao vento, e no impulso, ele gritou seu nome antes mesmo de pensar no que falar em seguida.

Hinata parou de supetão e virou completamente para encará-lo. De longe, ele já não conseguia discernir tão bem suas feições, mas ela ainda parecia graciosa.

— Quando eu voltar, te pago um ramen de agradecimento. — ele gritou, perturbando o silêncio da manhã e deixando o vento carregar suas palavras e intenções.

Ela colocou as duas mãos ao lado da boca para responder na mesma altura, mas ainda assim ele não conseguiu ouvir uma só palavra, visto que sua voz era muito suave. Rindo, ele acenou mais uma vez antes de dar as costas e se dirigir ao ponto de encontro do Time 7, o coração tão leve que poderia flutuar em seu peito.

Ele teria de voltar para casa são e salvo para descobrir o que ela havia gritado para ele.

Sem se preocupar tanto com a hora como antes, ele se dirigiu calmamente até a ponte mais ao final da vila. Ele sentiu a presença de Sakura antes mesmo de conseguir discernir sua silhueta contra a grade vermelha, e instintivamente ele sorriu em antecipação.

Naruto fez questão de deixar seus passos mais audíveis quando percebeu que ela estava distraída, os olhos verdes vagando pelas nuvens no céu, e por um momento se perguntou em quem ela estaria pensando. 

Sakura percebeu sua aproximação e virou a cabeça para encará-lo. Seus lábios ficaram ligeiramente trêmulos, como se ela estivesse decidindo entre ficar e fugir; ela não o esperava tão cedo, pelo visto, e Naruto não pôde deixar de franzir o cenho. 

— Sakura-chan! — ele cumprimentou ao pisar na ponte, suavizando a expressão. Ela olhou para ele, tentando decifrar seu estado de espírito. Naruto quase bufou diante de tanta cautela. — É a primeira vez que chego antes do Sasuke-teme e você não fica nem surpresa? — ele disse, parando na frente dela, uma sobrancelha arqueada.

A Haruno abriu a boca para responder, mas nenhum som saiu. Naruto estava começando a ficar exasperado, imaginando que ela seria densa a ponto de não perceber seu bom humor. Segundos depois, ela apenas lhe deu um sorriso apologético.

Naruto lhe lançou um último longo olhar antes de balançar a cabeça levemente e se escorar contra a grade oposta da ponte, de costas para Sakura. Ele colocou os braços no ferro vermelho e observou o calmo rio que corria abaixo da ponte; as águas nunca eram as mesmas ao longo do tempo, e ainda assim sempre se encontravam no mesmo lugar, exatamente como o Time 7. Ele sorriu distraidamente para o nada, relembrando do passado, e quando Sakura suspirou audivelmente, ele virou a cabeça para encará-la.

— Por que você está tão tensa? — ele perguntou.

Sakura o olhou visivelmente surpresa. — Eu? Eu não estou tensa. — ela tentou desconversar, mas sua voz soou ligeiramente alterada. Percebendo seu próprio deslize, ela fechou os olhos momentaneamente.

Naruto não se deixou enganar por um segundo sequer, mas resolveu que era melhor entrar no jogo dela. — Ah! Está só cansada, então? — ele perguntou, virando completamente para a kunoichi. — Como andam as coisas no hospital? — ele sorriu gentilmente.

Sakura o olhou cautelosamente, mordendo o interior da bochecha. — O mesmo de sempre. Poucos médicos, muitos ferimentos de kunai. — ela deu de ombros, sem deixar de observá-lo atentamente. 

Naruto assentiu. — É, genins são bem atrapalhados. — ele disse. 

— Genins? Antes fossem. São jounins que não sabem seus próprios limites e pervertidos que gostam de estar cercados de enfermeiras bonitas que lotam o hospital. — Sakura respondeu, revirando os olhos; ainda que ela estivesse usando o assunto para desviar a atenção de Naruto, dava para ver que sua indignação era real.

O Uzumaki riu. — Aposto que o Kakashi-sensei se encaixa no segundo grupo. — ele disse.

Sakura o olhou por um segundo e relaxou contra a grade, bufando em escárnio.

— Felizmente, as únicas enfermeiras que interessam ao Kakashi são as dos livros. — Sakura disse, sorrindo de canto.

Naruto retribuiu o gesto e cruzou os braços atrás da cabeça, olhando para o céu. — Mas deve ser cansativo, — ele disse, fazendo alusão ao início da conversa. — trabalhar no hospital e treinar todos os dias. — ele voltou o olhar para ela e esperou, se perguntando se ela entenderia a deixa.

Sakura inclinou a cabeça e se endireitou contra o encosto. — Nada que eu não faça já há anos, Naruto. — ela disse, com uma forçada despreocupação.

— Bem, — ele deu de ombros. — é que imagino que o Itachi seja um professor muito mais rigoroso que o Kakashi-sensei.

Antes mesmo que ele terminasse sua fala, Naruto pôde ver se alastrando pelo rosto de Sakura a apreensão inicial que ele sentira no momento em que revelara sua presença. Estava claro desde o início que Sakura temia que isso fosse acontecer, que ele revelasse que sabia de seu “segredo”, esperando uma espécie de confrontação. 

Durante toda a interação ele tentara deixá-la relaxada, mostrando com pequenos sinais que já sabia das coisas, que não precisava de explicações mais, e que principalmente não estava bravo ou coisa do gênero, mas aparentemente ele deveria ter sido claro e direto desde o início. 

Agora que parava para pensar, parecia que ele tinha orquestrado uma emboscada; seus olhos verdes diziam tudo sobre como ela se sentia encurralada no momento.

Naruto suspirou pesadamente, odiando não ser tão inteligente às vezes.

— Sakura-chan, — ele começou, em voz baixa. — Esse é o meu jeito de dizer que sei da ANBU, do Itachi... e que estou aqui por você.

Um momento de silêncio se instaurou, onde Naruto só conseguia ouvir o riacho e as folhas farfalhando ao seu redor. Ele esperou, pacientemente, com o sorriso mais sincero que conseguiu reunir. Quando Sakura entreabriu a boca para responder e seus olhos finalmente brilharam em entendimento, Naruto sentiu seu coração esquentar.

Ele sabia que ainda precisava falar e, principalmente, fazer muito mais por ela. Mas por enquanto, só isso bastava. Naruto esticou seus braços num impulso e Sakura não demorou muito para entender a mensagem, quase imediatamente se jogando nos braços de seu companheiro de time. Ela não disse nada, apenas lhe envolveu de forma apertada, e Naruto retribuiu com toda a saudade e amor que sentia.

— Você consegue fazer qualquer coisa que quiser, Sakura-chan. — ele sussurrou, com medo de quebrar o feitiço. O sorriso que ele sentiu contra o seu pescoço foi a única resposta que ele teve antes de sentir a assinatura de chakra de Kakashi e Sasuke se aproximando da ponte. Se desvencilhando para poupá-la do embaraço de ser vista daquele jeito, ele sorriu uma última vez para Sakura antes de se virar para os dois shinobi.

Naruto estava acenando e gritando provocações para Sasuke quando jurou ter ouvido um agradecimento em voz baixa de Sakura, quase como uma oração.

 

[...]

 

— Estou com um mau pressentimento, Shizune. — Tsunade contou distraidamente, tamborilando as unhas vermelhas na mesa de madeira.

A Quinta era uma mulher supersticiosa, todos sabiam disso. Tendo crescido em meio a jogos de azar e casas de aposta, uma de suas especialidades era discernir falta de sorte de maldições ou sinais do universo. Pelo menos, era o que ela achava.

Tsunade era experiente, uma kunoichi com anos de sabedoria acumulados, e quando espelhos teimavam em rachar sem razão e seus copos mais finos de saquê escorregavam de suas hábeis mãos até o chão, se partindo em micro pedaços, ela sabia que alguma coisa não estava certa.

— É por isso que estamos aqui e não na Torre, Tsunade-sama? — Shizune perguntou em voz baixa, olhando ao seu redor quase conspiratoriamente. 

Elas estavam numa casa tradicional de bebidas que Tsunade frequentava para escapar do trabalho. No entanto, para a surpresa de ambas, a Hokage ainda não havia feito nenhuma tentativa de pedir sequer um copo de álcool, se contentando com um bule de chá fumegante enquanto revisava documentos e formulários de missões.

Se estivesse no clima, ela certamente teria respondido com alguma tirada sobre trabalhar melhor em qualquer lugar de Konoha que não fosse aquela Torre enfadonha, mas Tsunade apenas suspirou e se endireitou na poltrona da cabine. Shizune lhe direcionou um olhar de preocupação e lhe serviu mais um pouco da bebida.

Tsunade teve a impressão de ouvir o copo de porcelana trincar quando ela estendeu a mão para apanhá-lo.

— O que você está procurando nesse relatório? — sua assistente perguntou, tentando ler o conteúdo da pasta aberta na frente de Tsunade.

— Não sei ainda. — ela respondeu, bebericando o chá e virando o documento para Shizune com a mão livre. — Esse é o registro de missões da semana. Eu já revisei ele do início ao fim e não consigo ver nenhuma irregularidade… e ainda assim, alguma coisa me faz voltar para ele toda hora.

Shizune puxou a pasta para si e voltou as páginas até chegar na primeira, começando a ler atenciosamente; ela nunca duvidaria dos instintos de sua mentora. Tsunade sorriu de canto e pegou o haori verde jogado ao seu lado no banco, levantando-se subitamente. Ela disse antes mesmo de Shizune perguntar que só iria esticar as pernas.

Seu salto estalava contra o taco de madeira, mas não havia ninguém mais no salão para ouvir. Quando Tsunade passou pela madame, debruçada na recepção com seu livro de contabilidade, ela a cumprimentou e pediu que servisse seu próximo bule quando estivesse disponível. Sempre muito eficiente, a mulher se desculpou e parou tudo o que estava fazendo para se dirigir a cozinha.

A Hokage lançou um olhar para o armário de bebidas finas que ficava atrás do balcão e estalou a língua. Hoje não, ela pensou, vestindo o haori antes de deslizar pela porta de entrada para espiar as ruas movimentadas de Konoha. A manhã transcorria num ritmo frenético com civis e shinobi passando apressadamente, o sol no alto do céu limpo de nuvens em contraste com a brisa refrescante vinda do leste.

Era um belo dia, e ainda que ela não tivesse dormido de ontem para hoje a ponto de conseguir apreciá-lo com o bom humor apropriado, ela ficaria bastante irritada quando alguém decidisse arruiná-lo com alguma inconveniência, o que aconteceria inevitavelmente mais cedo ou tarde.

Não era seu dia de sorte, afinal.

Ela ficou observando a movimentação nas ruas com certo interesse até Shizune chamar seu nome. Tsunade fez uma careta e se espreguiçou, e estava prestes a voltar para dentro quando uma figura lhe chamou a atenção pelo canto do olho. Ela imediatamente se virou para a pessoa e com desapontamento percebeu se tratar apenas de um dos alunos de Shizune.

Estou ficando paranoica, ela pensou, entrando de volta no estabelecimento e fechando a porta atrás de si. Mas apesar de dizer para si mesma que precisava de algumas horas de sono para colocar a cabeça no lugar, seu pressentimento não deixava ela esquecer por completo do garoto.

Não era como se ele chamasse naturalmente atenção. Pelo contrário, ele era de aparência simples, um garoto quieto, e de tanto vê-lo perambulando pela Torre, Tsunade nem notava mais sua presença. Hoje ela notara, no entanto.

Tsunade apressou o passo e chegou na cabine que dividia com Shizune, e antes mesmo que sua aprendiza pudesse falar alguma coisa, ela puxou novamente o registro de missões para si e começou a procurar pelo nome do shinobi.

— Seu time não tinha uma missão essa semana, Shizune? — ela perguntou, vasculhando página atrás de página, ficando exponencialmente mais impaciente conforme falhava em achar algum registro do time de Shizune.

Era isso, seu instinto lhe dizia, era isso que não estava certo.

Shizune olhou contemplativamente para sua mentora. — Tinha sim, Tsunade-sama. Mas foi cancelada.

Tsunade levantou a cabeça do livro imediatamente, se apoiando com as duas mãos sobre a mesa. — Cancelada?

— É, cancelada. — Shizune repetiu, confusa. — Uryu comunicou ao time que recebeu o aviso de um mensageiro e no mesmo dia fui conferir no quadro de missões, e realmente havia sido cancelada.

A Godaime estreitou os olhos, se endireitando. — Eu não cancelei a missão.

— Então o contratante cancelou, Tsunade-sama. Isso já cansou de acontecer. — Shizune explicou, sem entender a preocupação de Tsunade. — Normalmente quando é uma missão de rank baixo você não é notificada, e a mudança é registrada direto no quadro.

Tsunade ainda não estava convencida de que não havia nada suspeito nessa história, no entanto. Ela se afastou da mesa e começou a andar de um lado para o outro, mordendo a unha do polegar.

— Tsunade-sama? — Shizune chamou, incerta.

— Como era a missão? Você se lembra dos detalhes? — A Hokage perguntou ao parar subitamente, encarando intensamente sua assistente. Shizune se remexeu no assento, balançando a cabeça negativamente.

— Não, eu não estava quando eles receberam a missão e o pergaminho estava com o Uryu, já que eu não iria com eles. — Shizune se desculpou. 

Tsunade estalou a língua e voltou a se sentar na cabine. Ela estava se sentindo completamente derrotada e cansada, mas seu cérebro estava enérgico, e ela sabia que seria impossível descansar enquanto não aquietasse o comichão que sentia.

Ela não conseguia parar de pensar que alguma coisa estava errada.

— Os garotos mencionaram alguma coisa sobre o País dos Pássaros, se isso ajuda. — Shizune disse, cautelosamente.

— PÁSSAROS? — Tsunade gritou, batendo com as duas mãos na mesa, que não aguentou o impacto e partiu ao meio, derrubando tudo o que estava em cima e quebrando as porcelanas no processo. Shizune soltou uma exclamação de horror e olhou em volta, seu primeiro instinto sendo o de se desculpar com a dona do estabelecimento. — Eu sabia, Shizune, eu sabia. — ela completou, chutando os pedaços de madeira para o lado e se abaixando para pegar o livro que estivera debruçada por toda a manhã.

A madame se aproximou das duas e lançou um olhar feio a Tsunade, mas esta nem ao menos reconheceu sua presença. Shizune se apressou para falar em seu nome enquanto Tsunade vasculhava o registro pela última vez, passando as páginas com tanta força que ameaçavam rasgar.

— Mas que droga! — ela disse quando finalmente achou a prova que precisava. 

A Quinta fechou o livro agressivamente e se levantou do banco em que ainda estava sentada, passando por cima do que havia derrubado sem nem piscar até chegar ao final do corredor que dava para a saída. Ela lançou um olhar para trás de si e Shizune choramingou, correndo para recolher o máximo que dava dos documentos da Hokage, simultaneamente acertando as contas com a madame. 

— O que foi isso, Tsunade-sama? O que aconteceu? — Shizune perguntou exasperada ao alcançar sua mentora, equilibrando vários livros que teimavam em tombar da pilha precária.

Tsunade abriu a porta da casa de bebidas, estreitando os olhos contra os raios de sol.

— Alguém adulterou o quadro de missões. Um time está no País dos Pássaros nesse momento e tenho certeza de que estão na missão que deveria ter sido do seu time. — ela explicou, fazendo um gesto com a mão para avisar sua escolta de ANBU que gostaria de ser teleportada para a Torre da Hokage.

— Qual? — Shizune perguntou apressadamente, sentindo os shinobi se materializarem ao redor de Tsunade. — Qual time?

— Adivinha. — Tsunade respondeu sem humor, antes de desaparecer num redemoinho de folhas.

 

[...]

 

Sasuke se posicionou na copa de uma árvore e ajeitou o intercomunicador na orelha. Ele tirou o rádio do bolso e mexeu na frequência até a voz de Sakura ficar clara do outro lado da linha. Ele avisou que o seu comunicador já estava configurado e ela parou a contagem que fazia.

Ele deu uma boa olhada na área que conseguia cobrir e calculou mentalmente os pontos possíveis de fuga que o alvo teria a sua disposição. 

— Não se preocupe demais. — a voz de Sakura soou pela linha, levemente marcada pela estática.

Sasuke automaticamente procurou por ela dentre as árvores ao seu redor e avistou seu cabelo rosa refletindo a luz do luar entre as folhas e galhos. Ela estava a uma distância considerável, então só poderia ter deduzido o que ele estava fazendo ao invés de ver em seus olhos.

Ele deu um sorriso de canto.

— Seu cabelo chama atenção demais. — ele disso, ignorando seu comentário. — Vai alertar nosso alvo.

Sakura bufou em escárnio no seu ouvido. — Duvido que ele olhe para cima. 

Sasuke não respondeu. Apesar de Sakura ter levado sua fala como o que realmente era, uma provocação, ela remexeu em sua bolsa até achar um prendedor e amarrou o longo cabelo rosa num coque, fazendo-o sumir dentre a escuridão da noite. Sasuke observou-a com interesse por alguns segundos.

— Por que você ainda não cortou? — ele falou em voz baixa contra o microfone, recostando contra o tronco para poder observar melhor a estrada de terra que passava dentre a floresta. — Você sempre corta quando passa do ombro. 

Ele a ouviu soltar a respiração e apenas esperou.

— Eu não sei. — ela sussurrou. — Eu nem lembrei dessa vez. Eu deveria? Cortar, no caso. 

Sasuke pensou por um momento, apreciando os sons da madrugada antes de perturbá-los minimamente. — Só se você quiser. — ele disse simplesmente.

— Sua opinião é parcial demais. — ela respondeu, suspirando teatralmente. — Você gosta de garotas com cabelo longo, afinal. — e ela riu baixo, as vibrações ecoando por todo o seu corpo, aquecendo seu interior.

Sasuke agradeceu internamente ao véu da noite por esconder o rubor na ponta de suas orelhas.

— Não sei de onde vocês tiraram essa história. — ele sussurrou, se referindo ao antigo boato que circulava entre as garotas.

Sakura apenas riu mais um pouco.

Reencontrá-la após o desastre daquele almoço havia sido esquisito no início, ainda mais quando a última conversa que tivera com seu irmão ainda ecoava em sua cabeça, sem nunca lhe deixar em paz. 

Sakura evitara olhar em sua direção pela maior parte da jornada da Aldeia da Folha até a fronteira com o País da Grama, só lhe dirigindo as primeiras palavras para conversar sobre estratégias para a missão, ainda assim falando apenas o necessário. 

Isso deveria ter lhe irritado na hora; ela estava sendo infantil, faltando com profissionalismo, lhe punindo quando ele que tinha o direito de descontar nela os últimos acontecimentos. 

No entanto, ele não tinha mais forças para jogar esse jogo.

Ele ignorou a distância que ela tentou colocar entre eles aquele dia inteiro. Como era rotineiro, ele viajou protegendo sua retaguarda, fazendo comentários ocasionais sobre o que via, se preocupando com ela a ponto de fazê-la parar a corrida para reabastecer as energias. 

E pouco a pouco, a guarda de Sakura foi rachando.

Quando eles pararam pela noite numa clareira, Kakashi ficou com o primeiro turno da guarda e Naruto se aninhou perto da fogueira. Ele a conhecia como ninguém, então esticou o futon ao lado do dela e assistiu ela se render a proximidade, deitando-se sem se afastar. Sasuke estava dizendo que confiava suas costas a ela enquanto dormia.

Ele estava quase adormecendo quando sentiu um leve toque nos dedos de uma das mãos, tão breve que na hora ele julgou como fruto de sua imaginação. 

Sakura havia voltado ao normal na manhã seguinte, no entanto, e, no fundo, ele sabia que tinha vencido essa primeira batalha. Quando ela lhe desejou bom dia ao descer de seu ponto de observação - já que havia ficado com o último turno de vigia -, ele retribuiu com um sorriso de canto e ignorou os olhares de suspeita que Naruto lhe lançou durante o resto da viagem pelo País da Grama.

— Você sentiu falta de sair em missões? — ela perguntou, trazendo-o de volta para a realidade.

Sasuke suspirou. — Sim. — foi sua simples resposta.

Sakura suspirou de volta. — Eu também. Para ser sincera, pensei que você não fosse aceitar vir nessa. — ela adicionou apressadamente, com uma pontada de culpa em sua voz.

O Uchiha estalou a língua. — Eu não ia aceitar, mas o Kakashi apareceu na minha porta e me arrastou até a ponte. — ele respondeu honestamente, dando de ombros.

— Você não queria ou… — a voz dela foi diminuindo até sumir, e ele sabia que ela estava pensando ser culpa sua a inicial recusa dele de participar. Sasuke olhou na direção de Sakura, mais do que nunca desejando poder vê-la.

— Otou-san reclamaria com o Conselho se soubesse que a Godaime convocou o Time 7 para uma missão. Quando Kakashi disse que oficialmente cada um estava na sua própria missão, então pude aceitar. — Sasuke explicou calmamente.

— Ah! — ela exclamou, ainda absorvendo as novas informações.

Eles ficaram em silêncio por longos minutos depois disso, e Sasuke voltou a se concentrar na estrada  por onde seu alvo poderia passar. Ele estava inquieto demais para ligar para uma missão tão simples como aquela agora, porém, Sasuke sem querer acabou soltando um som de frustração que chegou até o outro lado da linha.

— O que? — Sakura perguntou, animada, interpretando seu sinal de forma errada. — Você está vendo alguma coisa daí?

— Não. — ele respondeu, sorrindo levemente. — Absolutamente nada. 

Ela reclamou, ficando igualmente frustrada. — Será que o Naruto e Kakashi-sensei estão tendo mais sorte?

Sasuke deu de ombros, mas lembrou que ela não conseguia vê-lo. — Talvez. A parte da estrada em que eles estão de vigia é mais movimentada que essa.

— Odeio ficar sem fazer nada. — Sakura disse, e o sorriso de Sasuke aumentou. — Sasuke-kun, — ela completou depois de uma pausa; ele prendeu a respiração e sentiu seu coração bater muito forte contra o peito. Ela não chamava mais ele assim, desde que...  — será que não deveríamos botar na mesma frequência que eles para‒

De repente, como se percebendo a deixa perfeita para isso, a transmissão chiou e uma terceira voz entrou em sintonia.

— Sakura! — Kakashi chamou, e o alarme em sua voz imediatamente fez Sasuke levantar e olhar na direção de onde Kakashi estava posicionado, ainda que ele não pudesse ver nada, mesmo com o sharingan.  — Você precisa vir até aqui. Agora! — ele gritou a última parte.

Sakura respondeu afirmativamente e seu lado da linha ficou mudo; pelo canto do olho, Sasuke a viu sair do seu esconderijo enquanto seu rádio de transmissão entrava em queda livre, tendo caído de suas calças. Ela saltou de um galho ao outro, vindo ao seu encontro, e parou bem a sua frente com as mãos levemente trêmulas.

— Me transporte até lá, Sasuke. — ela exigiu nervosamente, sabendo que seu jutsu era mais rápido que o dela. Ele assentiu, e estava fazendo os selos necessários para levar os dois até a posição de Kakashi quando o intercomunicador ativou mais uma vez em seu ouvido.

— Sakura. — Kakashi disse, num suspiro. — Naruto não está respirando.




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Notas finais do capítulo

Bom... eu disse que a história ia começar a andar. :p

Hoje não estou muito inspirada para escrever notas extensas então vou ser breve e aproveitar esse espaço para agradecer a todos que estão comentando, recomendando ou apenas lendo essa história. Se eu ainda posto é porque vocês me incentivam demais. Muito obrigada mesmo!
Caso não tenham notado, modifiquei alguns avisos e ‘tags’ da história. Além disso, aumentei a classificação porque... bem. Risos. Uma hora vocês vão ver. Então, se alguma das novas categorias causa desconforto, peço desculpas, mas eu mesma não tenho muito controle dessa história. Ela tem vida própria, haha.

Se cuidem nessa quarentena. Fiquem em casa, lavem as mãos!

Beijinhos e até o próximo capítulo. ♥