Whatever happens here, we remain escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 1
Whatever happens here, we remain. (Único)


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, pessoal!
Como vocês estão?

Aos que não me conhecem, sou acostumada a escrever histórias sobre casais de meninas (Faberry, Fleurmione e até mesmo Lauricity e Skimmons), porém, nunca tinha me aventurado em Clexa por medo de deturpar uma storyline tão sensacional quanto a delas e de não conseguir me expressar por meio de personagens tão delicadamente construídas... Pois bem, eis que minha mente me pregou uma peça.

Eu escutava "We Remain" da Christina Aguilera na madrugada passada e me vi pensando em Clexa. Enfim, o enredo dessa one veio praticamente formado na minha cabeça e eu não pude deixar de escrever.

E aos que me conhecem, espero não decepcioná-los. Sejam sinceros e maravilhosos como sempre, por favor!

Portanto, convido-os a ler e criticar mais um fruto da minha imaginação maluca ao som dessa música linda. Espero que gostem, boa leitura!



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“All the ways that you think you know me, all the limits that you figured out had to learn to keep it all below me... Just to keep from being thrown around.”

 

Ao redor delas só existia o fogo e a escuridão.

Tudo que elas escutavam eram os gritos daqueles que caíam feridos e os disparos daqueles que derrubavam vitoriosos.

O que sentiam resumia-se ao calor...  Da batalha, de uma, da outra, dos corpos que caíam aos seus pés conforme avançavam de encontro ao seu derradeiro objetivo.

E tudo que enxergavam era a destruição terrena e, particularmente, no caso de Clarke, a destruição de si mesma.

Wanheda contemplava o cenário de caos não como a “Comandante da Morte” e sim, como uma mera criança da guerra sem motivos contundentes. Era culpada o bastante por atos que sequer imaginava, um dia, cometer. Os olhos azuis de Clarke estavam úmidos, não pela fumaça dos diversos incêndios espalhados pela clareira onde, um dia, Arkadia existira. Mas, sim, úmidos pelas lágrimas que ela furiosamente tentava conter e esconder de quem a acompanhava.

Lexa, ao seu lado, nunca a vira chorar motivada por todos os atos imperdoáveis que cometera para salvar o seu povo... Entretanto, naquele momento, uma camada desconhecida da Heda ocupava as feições de Clarke. Era uma faceta que Lexa vislumbrara vagamente, somente uma vez, quando Clarke a atacara em seu quarto da Polis. Era o rosto de quem despia a máscara de juiz e carrasco e, finalmente, enfrentava as assombrações que não lhe permitiam dormir. Era o rosto de uma vítima da violência, das situações, da sina. Lexa dera a entender que não queria ter transformado-a em uma espécie de monstro quando, na verdade, tudo que acontecera desde que Clarke pisara na Terra, transformara-a em mais uma vítima.

Talvez, a vítima mais debilitada e mais destruída dentre todos aqueles que vieram dos céus e invadiram a Terra.

Wanheda realmente comandava a morte... Mas, qual o preço a ser pago por arrancar as almas daquele que assassinara?

Clarke não pedira, em momento algum, pelo poder que tinha em mãos. Ela não pedira pelas vitórias banhadas a sangue, nem pela distância de quem amava. Muito menos pedira por encontrar-se tão perdida entre o que era, agora, e o que fora, no passado. Clarke não quis perder amigos e aliados e tampouco quis jogar homem contra mulher, jovem contra velho... Irmão contra irmão.

Já não mais se tratava de pessoas que ela desconhecia e ameaçavam o seu grupo, do outro lado do campo de batalha estavam pessoas com as quais ela convivera na Ark e que ela, naquele momento, via serem assassinadas por aqueles que ela adotara como sua família e seu clã. Clarke não mais sabia quem era o seu povo por que ela, afinal, mal sabia quem era.

Clarke, filha talentosa de Abby e Jake Griffin, que foi condenada por um ato falho após a morte do pai? Sky Princess? Mountain Slayer? Wanheda?

Quem era ela, afinal?

Clarke sabia que aquela dúvida perturbava a sua mente há muito tempo, mas não sabia a resposta a essa pergunta. Sua identidade estava deturpada desde que pisara na Terra, seus valores se confundiam quando teve que matar, pela primeira vez. Agora, era a sua origem que estava nublada e manchada... Ela não queria pertencer a um povo que matava para dominar, assim como não sabia se pertencia a outro que matava para se defender.

Ela era, afinal, uma Comandante sem pátria. Uma heroína sem país. Uma mercenária sem missão alguma.

O familiar sentimento de esgotamento amargou sua boca e apertou sua garganta, ela apertou o cabo da espada quando, na realidade, a sua única vontade era a de fugir. Seus pés estavam presos ao chão coberto de cinzas. Tudo que ela queria era desaparecer novamente, embrenhar-se na mata por tempo o bastante até que fosse esquecida.

Até que sua lenda se perdesse nas palavras e histórias populares. Até que ela, finalmente, pudesse voltar a ser, apenas, Clarke Griffin.

Porém, Clarke bem sabia o preço de suas ações e se não sabia o peso das almas que carregava, sabia sobre as conseqüências de ter que carregá-las. Suas mãos estavam manchadas de sangue, ela era uma líder e, para tanto, ela abriu a mão de sua própria humanidade para que o seu povo pudesse ter um pouco do que ainda restava naquele mundo a ser desbravado.

Líderes viviam tempo o bastante para tornarem-se vilões ou mártires e, voltando-se contra seu povo e auxiliando os Grounders, Clarke tinha certeza que era a vilã de uma história em que, tampouco, existiam heróis.

Clarke, como sempre, seguira seu julgamento e sua intuição. O massacre covarde da tropa que Lexa enviara para proteger “Aqueles que Vieram do Céu” pelo então Chanceler Pike não era muito diferente da tentativa da Ice Nation tomar o poder de Lexa. Era um ato de guerra e, mesmo que fossem seus semelhantes que estivessem do outro lado, ainda deveria existir punição.

Jus dren jus daun.

Na lógica, aquilo fazia sentido. Emocionalmente? Era aquilo que, essencialmente, destruíra Clarke.

Clarke olhava para suas mãos como se as enxergasse rubras pelo sangue, hipnotizada e alheia ao campo de batalha, quando um corpo colidiu de encontro ao seu, jogando-a ao chão, protegendo-a. Lexa a salvara de uma sequência de tiros e, agora, as duas encontravam-se deitadas e protegidas por um dos destroços de Arkadia.

Aquela que veio do céu viu-se refletida nos olhos daquela que comandava a Terra.

A pintura de guerra negra cobrindo-lhe a pele pálida, os olhos azuis dilatados e afobados, o sangue que discretamente escorria-lhe de um corte no queixo, a pele suja por cinzas e terra... Não era uma Comandante, não era uma heroína... Apenas a imagem de uma sobrevivente.

 

 

“Every single time the wind blows... I see it in your face. In a cold night, there will be no fair fight, there will be no good night to turn and walk away.” 

Sobrevivência... O ato de viver nas mais debilitadas e piores situação, o ato de contentar com o pouco e viver a partir dele. Clarke não queria ser vista daquela forma, não por Lexa. Afinal, a vida não fora feita para muito mais, além da sobrevivência?

Aquelas palavras pareciam tão distantes de onde Clarke estava naquele momento, mas ainda assim, elas ecoaram em sua mente enquanto os tiros ricocheteavam na imensa estrutura de metal que lhe proporcionava proteção. Com as costas apoiadas no metal frio e tremeluzente, Clarke observou Lexa olhar astuta ao seu redor, sem manifestar qualquer reação para os corpos de seus soldados que caíam ao redor delas.

Os olhos estóicos e calculados que, mesmo permanecendo firmes e objetivos, traziam fios de emoções quase imperceptíveis que, mesmo contidos, ainda conseguiam se manifestar. Lexa não surtou, mas não deixou de sentir. O aperto no cabo da espada tornava-se mais forte a cada corpo que ela via cair. Os olhos eram de uma líder, mas o coração ainda era de uma mulher... Uma jovem mulher, em cujos ombros estava depositado o enorme preço da manutenção de uma paz cada vez mais ameaçada.

Clarke desencostou-se do metal e pelo canto dos olhos, viu quando um corpo colidiu violentamente contra Lexa. Não pode reagir porque, enquanto o rosto de Lexa era batido de encontro ao metal, existia um cano frio apontando para sua nuca e um gatilho trêmulo sustentando a arma. Heda foi rudemente posta em pé após ser agredida várias vezes, o sangue negro escorria de seu nariz e boca, ela estava grogue e ainda assim, debatia-se, a sua espada fora de seu alcance, no chão.

A visão dos ferimentos de Lexa finalmente acordou algo dentro de Clarke e, talvez, tenha deixado mais claro quem ela era. Ela era a mesma que não queria assistir, paralisada, a morte de Lexa; ainda era a mesma que lutaria dezenas de vezes, de forma limpa ou não, para manter a Comandante viva. Clarke era a mesma que honraria um acordo de sobrevivência e, surpreendentemente, era a mesma que se ajoelharia em frente a Lexa sabendo que ela, ainda que no silêncio de um quarto escuro, faria o mesmo por ela e ainda prometeria protegê-la.

Clarke era, acima de toda e qualquer definição, aquela que estaria do lado de Lexa. Até o fim.

Aquela que veio do céu se debateu enquanto também era colocada em pé e não foi facilmente arrastada pelo campo de batalha. Conforme as duas Comandantes eram carregadas, observavam mais dos seus sendo rendidos de forma violenta e, até mesmo, animal, pelo campo de batalha que atravessavam. Os sons de tiros diminuíam conforme as rendições e os sons de ossos sendo quebrados aumentavam. Clarke sabia que, se estivesse claro, ela encontraria um gramado tingido pelo vermelho do sangue de seus companheiros.

O sangue derramado só a fez pensar em seu fracasso e em como se distraíra por tempo o bastante para não perceber que estavam sendo massacrados. Ela deixara que sua individualidade falasse mais alto do que a coletividade e as vidas daqueles que confiavam nela e em seus julgamentos.

Jamais existira uma luta honesta e justa ali, eles não seriam capazes de vencer, não naquelas condições... Era exatamente como em Mount Weather. Se eles, os Grounders, tinham a vontade e a razão, os Sky People tinham as armas e a violência a seu favor. Clarke só conseguia conseguia sentir o ácido gosto da falha e do fracasso inundar sua boca e preencher o seu interior e pensar quantas outras almas carregaria em suas costas. Na realidade, ela só conseguia pensar que o peso de uma, em particular, seria insustentável.

Clarke não viveria caso se tornasse a responsável pela morte de Lexa. Se ela saísse daquilo com vida, ela iria, justamente, sobreviver. Viver do pouco e necessário sem, jamais, encontrar aquele algo mais que, de fato, permitira que ela vivesse plenamente.

Algo que ela já encontrara e que permitiu ser manchado por traições que não existiram e por um ódio que não mais lhe pertencia. Algo que ela encontrara somente em Lexa.  

Não era a hora e, tampouco, havia como fugir.

As duas permaneceriam e pereceriam juntas, como haviam prometido, como haviam sentenciado e planejado.

Exatamente como era para ser, independente do que fosse acontecer.

 

“So, burn me with fire, drown me with rain! I’m gonna wake up screaming your name! Yes... I’m a sinner, yes, I’m a saint. Whatever happens here... We remain.” 

Lexa tropeçara em algo, caindo ao chão. Os homens que a carregavam chutaram-lhe o rosto, ela tossiu e o pegajoso sangue negro saiu de sua boca, manchando o chão próximo ao seu rosto. Clarke voltou as suas tentativas de libertação de seus agressores, um forte golpe atingiu-lhe a parte de trás do joelho, ela caiu ao chão, imersa na dor e à mesma altura de Lexa, seus olhos encontraram os dela. Ainda existia certa dureza nos orbes verdes, mesmo que a dor se fizesse presente na leve umidade que começava a tomá-los. O medo também estava lá. E não era o medo pela derrota, era o medo de perdê-la.

E como Clarke sabia? Porque se via refletida nos olhos de Lexa e sabia muito bem o que sentia. As duas poderiam sobreviver desde que uma não visse a queda da outra. Elas estavam destinadas a permanecer juntas, seja com uma em vida e a outra na morte. Quem matasse uma das Comandantes teria cegado a outra pela vingança e, também, teria enfraquecido-a... Pelo amor.

Mais um golpe atingiu Lexa quando ela se levantava, ela fora chutada no estômago e Clarke impulsionou o corpo para frente, protegendo-a enquanto gritava:

— Lexa! Você está bem?

— Calada, traidora! - Uma voz masculina gritou repleta de ódio, puxando-a para trás e derrubando-a no chão, distante de Lexa. Mais um golpe lhe atingiu, dessa vez, uma coronhada na têmpora esquerda. Clarke caiu no chão, sentindo o líquido quente e rubro misturar-se a tinta de sua pintura de guerra. Lexa tinha o rosto de lado, pressionado ao chão pela bota de um de seus agressores e olhava para Clarke, fitando os olhos da Comandante da Morte quando a sua própria estava prestes a acontecer.

Porém... O olhar e a postura de Lexa não eram feitos de desistência. Muito pelo contrário, Clarke se equivocara ao achar que ela lhe fitava porque queria encontrar a morte. Lexa a fitara porque queria permanecer ao lado dela.

O rosto sujo de terra e sangue negro, as mãos fechadas em punho e os olhos calculistas e íntegros, olhos que disseram muito mais do que palavras poderiam dizer. Clarke entendeu que Lexa não estava derrotada e muito menos estava disposta a desistir. Por isso, Clarke olhou ao seu redor para avaliar a atual situação, deparando-se apenas com quatro homens as observando com sorrisos vitoriosos nos rostos, empunhando rifles de forma orgulhosa e, até mesmo, arrogante.

Um deles aproximou-se e cuspiu em direção a Clarke. A saliva tocou a pele da jovem e ela contorceu-se, enojada. Risadas roucas romperam o silêncio da noite, seguidas do escárnio:

— Quem você acha que é agora, Griffin?

Clarke e Lexa trocaram um último olhar, não precisando de palavras para se entenderem, não depois de tanto tempo lutando lado a lado.

Heda exerceu uma força descomunal sobre o pé que pressionava seu rosto. Ela colocou-se em pé mais rápido do que os homens previam e empunhou duas adagas a partir do cinto às suas costas. Primeiro, ela apunhalou a carótida do homem mais próximo e quando o outro tentou reagir, ela já segura-lhe o pulso e a outra adaga encontrava-se fincada firmemente em seu coração. Ao mesmo tempo, Wanheda derrubara um de seus agressores com uma rasteira, correndo em direção a ele enquanto uma faca era sacada de sua bota, furiosa e violenta, exatamente como a Morte, ela cortou a garganta do homem embaixo de seu corpo.

E quando Clarke se virou para derrubar o último homem, ele estava ajoelhado diante de Lexa, ele tinha uma adaga fincada em seu ombro e, quando ele ergueu os olhos para as duas e sua boca ensaiou mais uma ofensa, a Comandante torceu-lhe o pescoço e o corpo dele desabou, silenciosamente, aos seus pés. Lexa desviou os olhos do corpo, suas mãos estavam sujas de sangue, mas elas encontraram a armadura de Clarke e ela, finalmente abandonando a figura da Comandante e assumindo a postura humana de Lexa, perguntou preocupada:

— Você está bem?

Clarke acenou afirmativamente, colocando-se em pé e olhando ao seu redor. Silhuetas caminhavam de encontro a elas, cambaleantes e derrotadas, muitas delas feridas e na iminência da morte. Lexa vociferou um comando de retirada e todos se embrenharam na mata, caminhando para longe da clareira que acabara de tornar-se um cemitério a céu aberto.

Entre as árvores, eles escutaram os gritos vitoriosos daqueles que vieram do céu. Clarke fincou os pés no chão e virou em direção ao som, sua mandíbula estava tensa e seus olhos refletiam o fogo dos incêndios do campo de batalha. Seus punhos se fecharam e tudo que ela podia pensar eram que aqueles homens e mulheres estavam dançando sobre o sangue e os corpos de dezenas dos seus.

Aqueles animais, sejam lá quem eram, não eram reconhecidos pelo seu julgamento e sim, pela sua vingança.

Seus olhos procuraram Lexa e a encontraram à frente, discutindo com Indra a respeito do que dera errado. A postura dela estava tensa e ela disfarçava a dor dos próprios ferimentos para que o seu povo, espalhado miseravelmente por entre as árvores da floresta, pudesse encontrar força em sua figura. Clarke caminhou até ela e colocou-se ao seu lado, olhou de Indra para Lexa e silenciosamente assentiu.

Lexa, mesmo ferida, sorriu e Clarke lhe retribuiu discreta.

Clarke permaneceu ao lado de Lexa e, finalmente, descobriu quem era.

Era a Mountain Slayer.

Era a Embaixadora do 13o Clã.

Era Wanheda.

E, indubitavelmente, era aquela que marchava lado a lado a Heda.

 

“Now, we talk about our wasted future, but we take a good look around... We know it hasn’t been for nothing ‘cause we never let it slow us down.”

Era uma das que viera do céu por nascimento, mas seu sangue era derramado e tão negro quanto o de Lexa. Sua lealdade pertencia aos Grounders que lhe acolheram e ela, definitivamente, pertencia a Lexa.

O que ela era e, principalmente, o que ela se tornara pertencia a Lexa. A traição que, por tanto tempo, ela julgara e deturpara em seu interior, era o acontecimento que definira, de uma vez por todas, o que ela era.

Clarke não pediu pelas decisões, mas elas a buscaram. Também não pediu pela liderança e ela alcançou. Principalmente, Clarke não pediu por todo o sangue que ela teve que derramar, mas ela era a única que possuía a coragem necessária para fazer sangrar todos os inimigos do povo que, até então, protegia.

O papel de líder a encontrou porque ela fora feita para ele. Ela podia não ter o treinamento de Lexa, mas todas as qualidades necessárias àquela posição estavam intrínsecas a si. Sua imagem, de Clarke Griffin, jamais poderia ser desvinculada de sua liderança e dos atos realizados a partir dela porque era justamente isso que a definida.

Clarke aceitou todos os títulos que recebera assim como abraçou todas as almas que, covardemente ou não, justa ou não, ceifou. Ela liderara aqueles que vieram do céu, passara a controlar a morte quando dera a eles a chance de sobrevivência a partir da vitória e, naquele instante, ela voltaria a lançar a morte sobre todos aqueles que atacavam o povo que dominava a Terra.

Claro que liderar um povo exigia abrir mão da individualidade, da humanidade e, por muitas vezes, da emoção. Clarke agia de forma racional e distante da situação e sempre, desde que ela e Lexa estivessem do mesmo lado, era encontrada pela Comandante, por mais longe que estivesse.

Lexa, com todo o seu poder, inteligência e manipulação, ainda precisava ser completada pelos estratagemas e pela astúcia de Clarke. As duas comandavam um exército e lideravam uma nação. E, principalmente, as duas se encontravam nas batalhas, internas ou não, que travavam. Nenhuma outra pessoa, fosse do céu ou natural da Terra, entenderia todas as privações pelas quais as duas passavam. Ninguém mais poderia cogitar o peso que as duas carregavam nos ombros. O peso dos segredos, das mortes, da omissão de poucos para a salvação de muitos... O peso de pensar nos outros e esquecer do próprio bem-estar.

Talvez, um dia, aquilo as enlouquecesse o bastante e elas fossem retiradas dos seus postos... Mas, as conseqüências permaneceriam e elas somente teriam uma à outra.

Agora, Clarke sabia disso.

Porque Lexa realizara uma verdadeira caçada para que ela não parasse nas mãos da Rainha Nia, fora a Comandante quem acolhera a si e a seu povo que fora, covardemente, banido de Arkadia após a eleição de Pike e foi Lexa quem definiu o que ela seria desde o ocorrido em Mount Weather. Foi Lexa quem lhe protegeu quando os opositores a cercavam.

Portanto, Clarke abraçava a guerra, as batalhas, as mortes, o sangue derramado... E abraçava Lexa. Clarke fazia as pazes com seu passado e enfrentava o seu presente de braços abertos. Aquela derrota a faria marchar novamente, ela não deixaria que a injustiça e a covardia perpetuassem naquela Terra.

Clarke tornou-se mais do que uma sobrevivente. Ela compreendeu e assumiu existia várias outras vidas atadas a sua e ela, de forma alguma, poderia falhar com elas.

O seu futuro e o de cada uma daquelas vidas dependiam do que ela faria em seguida. Suas escolhas se tornaram as escolhas de todo um povo. Sua batalha se tornou a luta de Grounders e Sky People banidos. Sua existência foi justificada pela vida de uma líder, de uma Comandante... De uma heroína para seu povo e de uma vilã para aqueles que ameaçassem os quais ela protegia.

Naquele momento, a simples alcunha de Clarke Griffin não era capaz de defini-la por completo.

 

“Every single time the wind blows... I see it in your face. In a cold night, there will be no fair fight, there will be no good night to turn and walk away.”

O Conselho de Guerra estava elétrico, agressivo e intimidador. Lexa procurava manter-se fria o bastante para pensar racionalmente nas perdas, no planejamento e no quanto aquela retirada a fizera perder. Mais do que a vida de centenas de homens, era a sua reputação que estava em jogo. Não se tratava de um conflito externo e sim de um problema interno.

Sua liderança e sua vida estavam em jogo, assim como seu legado.

Lexa sentou-se esgotada em seu trono, aquele assento parecia mais desconfortável do que o normal. Sentiu que um par de olhos, em especial, observava-a. Sabia de quem se tratava muito antes que seus próprios olhos se erguessem. Olhos azuis a encontraram, do outro lado da sala, Clarke tinha aquela expressão de quem se preocupava sem demonstrar.

Uma expressão com a qual Lexa se acostumara. Era melhor ter alguma coisa como aquela do que não ter nada ou ter o ódio inflamando o que elas possuíam. Lexa pigarreou e toda a balbúrdia ao seu redor silenciou, ela olhou para cada um dos embaixadores dos clãs que formavam sua coalizão, demorando-se em Clarke, antes de dizer:

— Deixem-nos!

Lexa não se preocupou em ordenar em seu idioma nativo, visto que, através do idioma de Clarke, deixava claro quem deveria ficar na sala do trono. A Comandante ignorou todo e qualquer protesto, tampouco estes perduraram, já que todos estavam muito fatigados, tanto pela guerra quanto pelo fracasso.

Clarke manteve-se sentada em sua cadeira e, finalmente, seus olhares encontraram-se efetivamente. Aquela mesma chama teimosa e insistente inflamava os olhos azuis e Lexa deixou-se queimar por ela, mais uma vez. Foi a Comandante quem cedeu e levantou-se, ela caminhou até o centro da sala do trono e pigarreou nervosa, antes de dizer:

— Eu ainda acho que não é uma boa ideia você voltar ao campo de batalha.

— Nós já discutimos isso, Lexa. - Clarke resmungou irritada, também se levantando de sua cadeira. Toda a sua postura estava tensa e ela estava, visivelmente, em modo de ataque. Lexa suspirou derrotada. Aquela discussão era mais uma que não levaria a lugar algum, exatamente como todas as outras que elas tiveram. - Não adianta você querer me privar do perigo, eu vou voltar.

A Comandante deixou que as palavras flutuassem no espaço físico que as separassem. Era claro que queria proteger Clarke, até porque aquele era mais um plano suicida do que um estratagema militar. Porém, o que ela verdadeiramente queria era privar Clarke de ainda mais rejeição por parte daqueles que eram o seu povo de origem.

Caso a derrota da coalizão Grounder se confirmasse, Clarke poderia voltar ao seu povo e ser perdoada. Lexa pensava em um futuro derrotista em que Clarke poderia continuar a viver ainda que todo o seu povo fosse dizimado. Não estava, de forma alguma, deixando seu povo de lado. Autorizou as manobras necessárias e acatou as sugestões do Conselho porque verdadeiramente acreditava naquele plano suicida. Mas, não podia deixar de avaliar quão perigoso era tudo aquilo...

E, frente a frente com o perigo, ela precisava pensar em Clarke.

Lexa ousou aproximar-se de sua embaixadora, parando a menos de um metro dela. Clarke a olhou, teimosa e irredutível, como sempre. A Comandante engoliu em seco e respirou fundo, não estava acostumada a ser questionada e nem enfrentada, mas tratando-se de Clarke - daqueles que vieram do céu - ela estava ligeiramente familiarizada com toda a energia que teria que gastar para derrubar um pouco da postura exigente daquela que era tão líder e tão cheia de fardos quanto ela.

Os Grounders acreditavam na liderança a partir da hereditariedade do sangue negro, porém, Clarke era uma líder cujo sangue rubro não perdia, em nada, para a coloração que corria pelas veias de Lexa. Ela já provara mais de uma vez que tinha coragem para fazer o que era necessário e ela despira-se completamente do seu próprio eu em favor dos outros quando derrubou aqueles que habitavam a montanha.

Clarke era uma líder admirável, cuja força estava exatamente no que ainda restava de sua humanidade. E, muito mais do que isso, ela era uma jovem mulher que trazia em si a sabedoria daqueles que perdiam e se reerguiam, daqueles que enfrentavam a morte e a olhavam nos olhos, daqueles que não sobreviviam e sim, viviam.

Ela caíra dos céus e parecia pertencer a Terra muito mais do que alguns dos que flanqueavam Lexa. Na verdade, Lexa sabia que Clarke compreendera isso muito antes dela, como muito do que era posto em duas, porque ela escolhera ser leal aos Grounders sem que Lexa precisasse questioná-la. Era uma decisão tomada por uma líder de pessoas banidas e desgarradas e, ainda assim, era a decisão de uma mulher. A identidade de Clarke estava nos Grounders.

Ela era Wanheda e, por mais que tivesse se curvado frente a Heda, ela ainda comandava a Morte e esta era justa, para todos, na hora que chegasse. E era exatamente a justiça, a partir do julgamento de uma mulher como qualquer outra, que fizera Clarke voltar. As figuras de líder e mulher se misturavam nela e era exatamente isso que Lexa admirava e, principalmente, eram essas duas facetas tão misturadas que a fizeram se apaixonar à primeira vista.

Em seu primeiro encontro, Lexa vira o rosto de uma jovem perdida entre fazer o que achava certo e aquilo que era justo, para todos. Lexa sabia dos feitos de Clarke em relação aos seus 300 guerreiros mortos, sabia que ela era uma líder a ser respeitada e não esperava encontrar tanta fragilidade nos feitos que foram exigidos de Clarke na noite em que se conheceram.

Clarke teve forças para matar quem amava para proteger um povo que jamais a agradeceria e sim, faria exatamente o contrário, ainda que silenciosamente, Clarke seria julgada por aquele ato até o fim de seus dias.

A alcunha de Wanheda viera somente muito depois, mas a Morte sempre foi companheira de Clarke, desde a derrocada dos 300 guerreiros e do assassinato de Finn. Lexa percebeu de cara quem enfrentava e surpreendeu-se por se ver apaixonada por uma mulher tão forte e tão inalcançável.

E agora, as duas estavam discutindo o futuro de cada uma em uma sala de trono cuja pátria pertencia a ambas. Clarke se curvara, mas Lexa a encarava como igual. A Comandante sabia que não tinha o direito de clamar o direito de proteger Clarke, mas não deixaria de tentar, por isso, mais uma vez, argumentou cansada:

— Eu sei que você quer proteger o que restou do seu povo e, até mesmo, aqueles que permaneceram do lado errado da guerra... Mas...

— Mas, o que, Lexa? Eu não estou fazendo isso por aqueles que assassinaram centenas de homens ontem à noite. Eu estou fazendo isso pelo meu povo. - Clarke respondeu intensa, percorrendo a pouca distância que a separava de Lexa e invadindo o espaço pessoal daquela que comandava a Terra. Lexa engoliu em seco, mas permaneceu firme e procurou não se deixar atingir pela intensidade de Clarke. A outra olhou de seus lábios para sua boca e respirou fundo, ainda intensa e irredutível. - E, muito mais do que isso, eu estou fazendo isso pelo nosso povo, Lexa.

Era uma das poucas vezes que a Comandante encontrava-se sem palavras, mas era uma das muitas vezes em que Clarke Griffin a surpreendia e a calava. Lexa abriu a boca para argumentar, mas não encontrou palavras que pudessem derrubar a força da justificativa de Clarke.

Ela não estava preocupada pelo seu futuro junto daqueles que vieram do Céu, finalmente, Clarke encontrara-se. Ela escolhera um lado pelo qual lutar, ela escolheu a quem liderar e a quem comandar.

Lexa olhava, calada, para os olhos de Clarke, tentando encontrar qualquer resquício de fragilidade naquela discussão, mas encontrou justamente o contrário. A força de Clarke emanava de seus olhos azuis e ela parecia ainda mais colossal do que antes. Não era nem a Clarke que viera do céu e, muito menos, Wanheda que estava em frente a Lexa.

Era uma nova Clarke, uma que até então era desconhecida a Lexa. Uma Clarke que pertencia aos Grounders e, sobretudo, uma que pertencia a Terra e a Lexa.

Era uma Clarke que, abertamente, escolhia permanecer e lutar ao lado de sua Heda.

 

“So, burn me with fire, drown me with rain! I’m gonna wake up screaming your name! Yes... I’m a sinner, yes, I’m a saint.”

Lexa sorriu discretamente e Clarke abrandou a expressão, as duas, então, marcharam juntas.

Wanheda deixou que a Morte comandada por si dragasse as almas e fizesse morada nos corpos terrenos daqueles que interromperam a vida dos seus.

Heda comandou sua coalizão e derramou o sangue daqueles que covardemente atacaram seus guerreiros, tingindo de vermelho a clareira e morada dos que ousaram enfrentá-la e desafiá-la.

Clarke e Lexa lutaram lado a lado, venceram a guerra e, acima de tudo... Permaneceram.

Independente, de tudo que acontecera entre elas e em relação ao mundo que as cercava, ambas permaneceram. Vivas e uma ao lado da outra.

 

"Whatever happens here, we remain..."

FIM


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Mereço reviews?
Como eu disse, é a minha primeira fic Clexa, mas tive todo o cuidado do mundo de não manchar o fandom das duas com uma história relativamente ruim. Espero que tenham gostado e para aqueles que queiram saber mais sobre mim, sigam-me no Twitter (@RedfieldFer).
Nos vemos na próxima, beijos,
FerRedfield.