Atendimento #048: Herança

Qualquer atendimento por mais simples que este seja é uma resolução de problemas. Quando alguém é contratado para atender ele está, na verdade, sendo pago para resolver problemas. Todos sabemos o que acontece quando estamos com algum problema; trabalho, amigos, família, pegar a mulher na cama te traindo com uma pelúcia de unicórnio, tudo isso acaba conosco.

Agora imagine Ezequiel, um cara que já pegou a mulher traindo ele com uma pelucia de unicórnio tendo de resolver problemas dos outro. É um porre inimaginável.

— Oi eu falo com a senhora Melissa? — Ezequiel ligava para a cliente após ler um extenso formulario de solicitação de contato. O documento com mais de dez páginas parecia ser alguma sacanagem, porém cada palavra tinha sido digitada pela cliente.

— Sim sou eu mesma, você é o suporte?

— Não, eu sou DO suporte, se eu fosse O suporte todo essa empresa tava mais que lascada. — O atendente percebeu naquele instante que a cliente emitiu uma risada.

Para nosso herói ser recebido com uma risada sincera por um cliente era garantia de um dia tranquilo, talvez fosse alguma bruxaria que o fazia abstrair todos os problemas, ou só o efeito da cachaça mesmo.

— Ai ai, você é ilário. Bom eu to com um problema aqui nos meus dispositivos de casa, parece que nenhum deles está se conectando a rede. Eu já verifiquei os cabos falei com a operadora, chamei um exorcista que tirou uns dois encostos aqui da minha sobrinha, mas nada de resolver meu problema.

O atendente se afastou um pouco da mesa fazendo um sinal da cruz sobre o peito.

— Tá certo...

— Eu sei que você têm o registro de tudo o que eu quero mas eu vou contar do inicio para fica mais fácil de você entender. — A mulher pigarreou.

O atendente do outro lado da linha apertava os lábios apreensivos, sabia o que aconteceria dali em diante e por isso mesmo se controlava para não ficar irritado. A cliente era gentil e portanto, não seria bom se ele também não agisse assim.

— Primeiro ela vai falar a vida dela inteira, depois vai falar como comprou os produtos, depois como a vida dela era boa quando eles funcionavam e no final vai dizer como aconteceu os problemas. — Divagou Ezequiel no mudo enquanto a cliente contava os feitos de sua vida.

— Foi ai que eu comprei a televisão, o notebook, o celular e os outros eletrônicos da minha casa. Foi a comemoração para o plano da nossa herança ter dado certo. Depois que minha tia foi sequestrada e assinou os papeis me deixando tudo, soltamos ela e mandamos uma passagem só dia ida para a Grécia. Agora ela vive lá em um asilo para pessoas com distúrbios pós traumáticos.

Com o gravador do celular Ezequiel registrava tudo o que a cliente dizia, aquilo era mais que a história da vida de uma pessoa, era a clara confissão de alguém que usara a própria tia para enriquecer. Os olhos arregalados. A boca aberta com os relatos sórdidos da cliente.

— Acho que posso trabalhar como investigador. — Falou para Amanda ao seu lado, que sem entender, apenas arqueou uma das sobrancelhas como que se pergunta “Que peste essa peste tá falando?” Tirou o telefone do mudo. — Senhora só pra efeito de curiosidade, onde a sua tia está exatamente na Grécia.

— A em um cortiço bem chechelento em Atenas, não vou manter ela lá por muito tempo não, depois mando despejarem ela.

— Entendi, a senhora está próximo dos produtos? — A resposta não demorou, a cliente respondeu afirmativamente. Nosso herói conferiu o endereço. Registrou em um papel. — Perfeito senhora eu estou ouvindo pode continuar.

Enquanto a mulher falava puxou a segunda linha, discou o numero da policia.

— Delegacia de policia boa tarde.— A atendente da policia respondeu de pronto.

—  Alo eu queria fazer uma denuncia.

— Mais uma Ezequiel? — A atendente detectou de onde a ligação vinha e logo constatou do que se tratava. — O movimento de criminosos tá tão alto assim ai na central?

— Pra você ver...