A História Entre Nós escrita por Mylanessa


Capítulo 1
A História Entre Nós


Notas iniciais do capítulo

Eu comecei a escrever essa oneshot enquanto assistia à apresentação do Grammy ontem à noite. Terminei ela hoje de madrugada. É um daqueles mini-surtos de inspiração que a gente aproveita ♥ O estranho é que sempre que me vem de escrever qualquer coisa em primeira pessoa (coisa que não curto muito), acontece nesses surtos que vêm do nada. Enfim. Espero que gostem. Boa leitura para vocês!



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Há uma história entre nós.

Eu a leio em seus olhos que perambulam pelo salão, bem-aventurados demais para se atropelarem nos meus. Você está à procura, à espera. E eu sou apenas uma sombra, agigantando-se em expectativa num canto qualquer. Mas, não diferente de mim, o seu corpo também extravasa. Sua pele cozinha em nervosismo, o suor das mãos arruinando a lapela engomada pela mãe. Você teme que ela não apareça; mas o seu medo é o que alimenta a minha esperança.

Há uma história entre nós.

Suas páginas estão em branco. Em minhas mãos, as palavras ainda erram em linhas incertas. No meu cérebro, são abafadas por vibrações cardíacas e cenas piegas que roubo descaradamente de filmes e videoclipes que rodam na monotonia das madrugadas. Você é o papel principal, o pôster famoso na parede do meu quarto. Eu sou secundário, ninguém se lembra do meu nome. Gravitamos em torno do mesmo sol, mas não apareço nos créditos. Sigo seus passos, sou o seu satélite.

Há uma história entre nós.

Eu finalmente pego a caneta. O bolo de saliva escorre pela garganta apertada. Meus dedos tremem enquanto tento ajeitar a gravata. A página me espera, me encara, seu vazio de branco e ausência implora pela tinta assim como a coisa em mim implora pela coisa em você. Bebo todo o resto do meu ponche num gole único. A ardência do álcool se espalha pela cabeça como uma bofetada. O rapaz do som me lança uma cara feia. Ele sabe que tem algo de errado comigo. Olho para você, minhas pernas começam a ensaiar os primeiros passos. Mas então ela chega, vestido azul, cabelo escovado, bolsinha de brilhantes na ponta dos dedos. Você se torna ridículo, exaltado, sorri feito imbecil. Seus braços a envolvem pela cintura e vocês desfilam pelo salão. Minha sombra encolhe.

Há uma história entre nós.

Mas então eu acordei. Um sonho juvenil e estúpido, abastecido por horas de vigília silenciosa, secreta, religiosa. Depois da aula, vou para a biblioteca, sento na janela que dá para a quadra e te assisto treinar. Aos sábados, passo na sua porta para te ver sair. Aos domingos, escrevo cenas forjadas sobre nós dois. Você não sabe, mas os poemas que encontra todas as semanas, debaixo da sua carteira, são meus. Sei que os guarda. Sei que pensa que é de alguma menina tonta e apaixonada. Mas eu sou homem. Não menos tonto e apaixonado. Eu tenho medo do que sinto por você.

Talvez haja uma história entre nós.

Não tenho mais tanta certeza. Você a olha como se dependesse dela para viver. Seus gostos musicais não combinam e isso me revolta. Mas ela é uma namoradinha devota, e finge gostar quando você aumenta o volume sempre que Bowie toca no rádio. Ela até canta junto contigo, uma letra que não entendeu, mas que passou a semana toda tentando decorar só para te impressionar. E então ela te convence de que é a garota certa, a princesinha do seu filme. Agora você a tira para dançar, seus rostos estão próximos, sei que vão se beijar. Sob as luzes da pista de dança, percebo o óbvio: você é realmente muito bonito. Ela também percebe a mesma coisa, te abraça e sorri, com o rosto de boneca deitado no seu ombro. Você se sente vitorioso.

Havia uma história entre nós.

Seu começo era o seu próprio fim. Você nem sabe o meu nome, não está nem aí para mim. Eu deveria me envergonhar. Saio das sombras e meu rosto arde sob a luz. Vejo vocês rodopiarem como idiotas, sem seguirem o ritmo da canção. Abro meu caminho em meio às mesas e casais. Olho para trás, e agora estão colados novamente. Sei que vai acontecer. Ela inclina o pescoço, você ajeita as mãos na cintura dela. Eu desvio, e mando vocês dois se foderem. As palavras escapam mais alto que o planejado, só para me tornar consciente daquele embargo úmido que estremecia minha voz. Finalmente, alcanço a porta. O peito quente, o coração saltando contra as costelas. Ah, todo um ensino médio perdido, dividido em três partes: você, a escola e eu. Mais você que os outros dois. O ar frio do estacionamento me acaricia como se Deus o enviasse para fazer um milagre em mim.

Nunca houve história nenhuma.

Porque você é burro. Porque qualquer um com um mínimo de inteligência e atenção já teria começado a reparar. É a sua própria luz que te cega? Ou é a minha sombra que é grande demais? Seus sensos de observação e cautela só não são piores que suas notas de química. São as únicas coisas pelas quais você chora, não é verdade? Suas malditas notas de química. Seu pai te mata se você não passar no vestibular. Eu te ouvi, inundando as palavras, os pedidos de desculpa. O sol já havia ido embora e você juntava as suas coisas depois do treino. Seu celular tocou. Era o seu pai. Você prometeu a ele, entre um soluço e outro, que iria se recuperar no próximo bimestre. Eu poderia te ajudar, mas você não olha direito ao seu redor. Não se importa em olhar. É noite e estou sozinho, fumando para o céu nublado. Você está lá dentro com ela, sob as luzes da formatura, beijando seu pescoço perfumado de porcelana, de moça de família. Você acha que depois da festa ela vai abrir as pernas e permitir ser beijada onde os pais dela te matariam se descobrissem. Estou sozinho na noite, assoprando a dor no meu peito para as nuvens. Mas é você quem está no escuro.

Eu realmente queria que tivéssemos uma história.

E então a porta do salão irrompeu, como um livro pesado que despenca da estante. Suas páginas abertas, amassadas, abraçando o chão. Um guarda-roupa de pernas grossas, braços curtos e fortes, saiu lá de dentro arrastando a filha, a sua garota. A pobrezinha martelava o asfalto com seus saltos de cristal, falhando em acompanhar a velocidade do pai-raptor. A bolsinha cintilava, chacoalhando como uma cigarra de asas dardejantes. Ele a empurra para dentro do carro. Nesse momento, abro mão do orgulho e sinto pena. Você também irrompe da porta. É como uma mão desastrada que puxa um livro da estante e deixa o outro cair. Você cai com as páginas para cima e deixa que o vento assopre seus versos para o céu. Meu coração parece inchado como um balão de ar quente. O carro dá partida, os pneus cantam. Ouço sua voz rasgando aquela atmosfera de gasolina e borracha queimada. Seu grito não os alcança, mas me atropela no caminho. Meu cigarro está quase no fim. Você xinga e chuta o lixo vazio pro ar. Começo a ouvir a voz do álcool na cabeça. Ela diz: "essa é sua chance". Mas então, eu ouço você:

— Ei, se importa de abrir mão de um cigarro?

— Só se eu tivesse mais de onde veio esse — eu disse, mentindo. Sei ele que não fuma, e não valia a pena começar agora.

Seu peito carrega mágoa e raiva, mas o rosto sorri. Acho que sorrisos — mesmo os tristes como esse —, te vestem melhor do que cigarros. Abaixo a cabeça, envergonhado pela minha típica e incontrolável pieguice. Tento relaxar, mas dentro de mim os demônios estão em festa.

— Sei. E de companhia, abre mão?

— Só se tivesse alguém melhor à vista.

Há uma história entre nós, e ela está prestes a acontecer.


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Notas finais do capítulo

Não deixem de comentar suas impressões.

Não larguem a autora no vácuo ♥


Leiam a continuação!
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