Aquamarine escrita por Miss_Miyako


Capítulo 1
.oneshot


Notas iniciais do capítulo

FORAM. FUCKING. 199. CAPITÚLOS. PRO IDIOTA. DO RAKU. TOMAR VERGONHA NA. DROGA DA FACE!!!!!!!!!!!!

MANO, EU JURAVA QUE EU TINHA CERTEZA QUE NISEKOI NÃO TINHA MAIS SALVAÇÃO, VOCÊS NEM IMAGINAM A MINHA CARA DE SUPER CHOCADA QUANDO EU VI ESSE CAPITULO.

Agora, se vai melhorar de vez ou não, eu já não sei e sinceramente, não vou segurar minhas esperanças, mas a empolgação toda soltou a minha franga e eu danei a escrever rakuge! A fic ficou mais longa que o esperado, mas tá valendo. Só para vocês verem a intensidade dos meus feels.

Espero que gostem e boa leitura!



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Numa cidadezinha portuária no litoral do Japão, existia um garoto herdeiro de uma rica família de mercadores que eram donos de diversos navios e armazéns. Devido a reputação do seu pai, no entanto, esse mesmo garoto não podia dizer que tinha muitos amigos já que tinham medo demais para se aproximar dele, não importava o quão gentil fosse.

Mas claro, Raku fazia o possível para viver a vida mais normal que pudesse. Mesmo que tivesse só um amigo, tinha certeza que podia considerar Shuu o seu melhor amigo e tinha até mesmo uma queda que o fazia ficar nas nuvens por uma garota de sua sala, a gentil e sempre carinhosa Onodera Kosaki.

Então sim, Raku tinha uma vida boa, apesar das dificuldades.

E ele tinha em mente torná-la ainda melhor, como por exemplo: Finalmente declarar-se para a garota. Não seria apenas uma declaração, porém, aconselhado pelo seu amigo, Raku teria que fazer algo grande, algo que colocasse a prova sua força de vontade, sua determinação e amor por ela.

Por isso, ele passou semanas tentando convencer o seu pai a deixá-lo ir na próxima embarcação em alto-mar. Não como um convidado, não como o filho do capitão e dono daquele navio, mas como um marinheiro qualquer que trabalharia e ajudaria a tripulação. Sem ter mais como recusar - visto que Raku não desistiria - o líder da família Ichijou cedeu e concordou em colocá-lo a bordo.

Na noite anterior a sua partida, ele contou a Onodera que quando voltasse dali a dois meses a diria algo muito importante e aquela viagem era apenas para provar do quão certo ele estava do que sentia por ela.

Infelizmente, Raku se esqueceu que o oceano era um lugar muito vasto, vasto demais.

***

 

—Raku, o convés hoje é seu! Pode começar a limpar! - Seu pai ordenou, atrás do leme. - E pode limpar tudo sozinho por ter sido um maria-mole preguiçoso!

—S- Sim, senhor! - Raku correu para pegar o esfregão no compartimento debaixo do navio, mas não antes de reclamar em pensamento. - Maria-mole preguiçoso... Eu só dormi por 3 minutos a mais!

Bom, você colhe aquilo que planta. Seu pai estava cumprindo - até bem demais - sua promessa em tratá-lo como um simples marinheiro.

Que fosse, ele estava fazendo aquilo por ela. Tinha de aguentar!

Afundou o esfregão no balde de água misturada com sabão e se pôs a limpar o convés, correndo por toda sua extensão e, vez ou outra, querendo jogar o balde nos marinheiros que estragavam todo o seu trabalho ao passarem por lá desavisados.

No final daquela tarde, quando terminara seu trabalho e ouvira as engrenagens rangerem alto enquanto puxavam a rede de pesca, Raku teve seu primeiro encontro com o que poderia muito bem ser sua primeira história de marinheiro, uma igual as que só acreditara quando era bem pequeno.

Porque, de frente para o mesmo, com os pulsos enroscados nas cordas e longos cabelos loiros aparecendo por entre os peixes que haviam parado de se debater, estava uma garota...

...Com uma cauda rósea coberta de escamas brilhantes como conchas no lugar das suas pernas.

Sim, uma sereia.

...

Uma sereia!?

Raku se beliscou só para segurar um grito de dor e perceber - com olhos comicamente arregalados - que ele não estava sonhando.

O garoto levou suas mãos até seus cabelos roxos ao mesmo tempo que se forçava a acreditar na cena. Sereias eram criaturas de livros, apenas alucinações de homens que sofreram de ensolação e por estarem muito tempo navegando.

Elas não eram reais!!

—Então o que raios é isso- Quer dizer ela- Quer dize- ARGH! - E cobriu os olhos antes de respirar fundo para tentar se acalmar, ele provavelmente estava ficando louco. Era melhor chamar logo alguém para recolher o conteúdo preso na rede e depois ir deitar um pouco, ele aguentaria os gritos de seu pai mais tarde.

Mas enquanto andava em direção a porta que dava ao interior do navio, seus olhos o traíram e ele se pegou olhando para ela mais uma vez.

Sua expressão era desconfortável, como se estivesse com dor, mas continuava desacordada. Percebeu que seus pulsos estavam vermelhos e esfolados, ela devia ter lutado para se soltar daquela rede.

O que será que fariam com ela quando a descobrissem? Venderiam para um museu? Para cientistas? Um circo? Nenhuma das opções que vinham a sua cabeça pareciam amigáveis.

Raku fechou os olhos com força, provavelmente se arrependeria do que iria fazer.

Escalou o parapeito do navio e se segurou nas cordas. Perto daquele jeito, ficava ainda mais difícil de acreditar que ela era uma simples miragem da sua cabeça.

Bem, que se dane, ele já estava lá mesmo!

Assim que tocou nos pulsos dela, porém, a garota abriu seus olhos imediatamente, revelando duas orbes azuis cristalinas e tão brilhantes quanto a sua cauda.

Passaram alguns longos minutos se encarando antes que o cenho dela ficasse franzido e ele sentisse uma estranha necessidade de engolir em seco.

—ME SOLTA! - Ela berrou a plenos pulmões.

Ah, claro, ela estava presa, era normal que ela pensasse que ele fosse fazer algum mal a ela.

—C- Calma, eu só quero te aj-

—MENTIROSO! ME SOLTA, SEU MARINHEIRO IMUNDO!

—Fala baixo, os outros vão te ouvir! - Pediu mais uma vez, sussurrando.

—NÃO, ME LARGA!

—Moça, espera-! - Não adiantava, ela não lhe daria ouvidos, sua única alternativa era tentar soltar seus pulsos enquanto ela esperneava e antes que alguém aparecesse.

—NÃO ENCOSTA EM MIM, SEU IDIOTA!

—Eu estou tentando ajudar!!

—SEU IMBECIL COM CARA DE BROTO DE FEIJÃO, JÁ MANDEI ME LARGAR!

Quer saber? Ele não tinha que aguentar aquilo.

—EU ESTOU TENTANDO TE SOLTAR SE É QUE VOCÊ AINDA NÃO PERCEBEU, SUA IDIOTA! - Retrucou. - O QUE VOCÊ É?! UMA SEREIA OU UM GORILA!?

Olhos azuis faiscaram.

—O QUE VOCÊ DISSE?!

—AH, CALA A BOCA.

—CALA VOCÊ!

—RAKU?! - Uma terceira voz soou, grave e irritada, vinda de dentro do quarto do capitão e o garoto xingou baixinho.

—Droga, droga, droga! - O garoto tirou um estilete do bolso - o que apenas fez a sereia gritar mais - e se pôs a cortar a parte da rede em volta dos seus pulsos. Quase levou um soco e quase a cortara, mas no fim conseguira soltar suas mãos e abrir um buraco enorme por onde a fizera cair de volta no mar, a perdendo de vista...

... Junto com todos os peixes que haviam pescado.

Quando seu pai o encontrou enrolado numa rede vazia e arrebentada, sabia que não haviam conveses o suficiente para limpar como castigo que com certeza levaria.

A segunda vez que a encontrara fora dois dias depois. Não havia sido tão turbulenta quanto a primeira, mas também não havia sido algo que ele chamaria de agradável.

Estava limpando o casco - sim, casco - do navio quando sentiu um olhar queimar na sua nuca e se virou para trás, só para encontrar os meus olhos azuis o fuzilando.

—Mas o quê?! - Ele exclamou, mas mordeu a língua com medo que alguém ouvisse. - O que você tá fazendo aqui?!

"Você não era uma miragem, droga?!" Pensou em adicionar. No fim, achou melhor ficar quieto.

—C- Cala a boca! - A sereia loira devolveu. - Não estou aqui porque eu quero!

—Então por que raios você tá aqui?! - Balançou um pouco na corda que o prendia, não se importando com a possibilidade dela arrebentar.

—Não é da sua conta!

Uma veia pulsou na sua testa.

—Ora, vá catar conchinha, sua sereia gorila!

—Vai você, broto de feijão! - E apontou para ele, o dedo esticado em sua direção.

Naquele momento, notou que o pulso dela continuava num estado péssimo, dando a impressão que chegara até a sangrar e por isso esqueceu-se da sua raiva por um segundo, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa,  a loira voltou a mergulhar.

Sua cauda fez água respingar em seu rosto e ele não a viu pelo resto do dia.

***

 

Ela devia ter gostado muito daquele navio, sinceramente.

Já era a quinta vez que a tinha visto circundando o navio só naquele dia e apesar de se tão barulhenta com ele, ela estava tomando o máximo de cuidado possível para que a tripulação não a visse. Talvez fosse fácil para ele porque já tinha se familiarizado ao menos um pouco com as cores da cauda dela.

Mas o que o intrigava, era o fato de por que a sereia continuava ali se a aversão dela a marinheiros, pescadores ou humanos no geral era tão grande? Raku chegou a pensar na hipótese que ela era do tipo curiosa, mas tinha medo quando chegava muito perto e faria sentido, caso ele não se lembrasse de como os olhos azuis cristalinos dela faiscavam durante as brigas que tiveram, como se realmente não suportasse sua presença.

Enquanto permanecia debruçado sobre o parapeito da proa e a observava nadar de um lado para o outro, permitiu-se pensar em várias teorias sobre o porque de seu comportamento estranho ao mesmo tempo que seu subconsciente comentava o quão linda a figura dela parecia envolta por água, apesar de tudo.

Sentiu suas bochechas esquentarem ao perceber seus pensamentos escondidos e balançou a cabeça diversas vezes, mantendo os olhos fechados com força. Que idiotice! Seu coração já tinha dona, ele não havia se esquecido do porquê estava no meio do oceano.

Quando os abriu, deparou-se com orbes azuis encarando as suas roxas e ele não conseguiu evitar de pensar em alguma analogia para compará-las com algum cristal. Porém, a dona das mesmas franziu o cenho e deu língua antes de mergulhar completamente.

Raku afagou seus próprios cabelos e respirou fundo. Devia ser o charme de sereia dela o afetando.

***

 

Durante a primeira parada da viagem, ele finalmente descobriu a razão dela continuar os seguindo.

Um laço. Um laço vermelho sedoso e pelas marcas, parecia ser muito usado.

Ele o encontrou enrolado na rede usada naquele dia, jogada em algum canto do compartimento de baixo do navio. O moreno pegou o lenço e o examinou de perto e se perguntou de onde raios aquilo havia surgido.

Mais tarde naquele dia, teve a confirmação que ela era a dona dele.

Estava sentada numa pedra afastada, na praia que ficava há alguns quilômetros do porto onde o navio de seu pai tinha atracado. Seus longos cabelos loiros desciam pelo seu torso e cobriam quase que completamente, encarava algum ponto a sua frente com a cabeça abaixada e a sua expressão - que ele percebeu quando se aproximou o suficiente - era cansada e triste.

Bem triste.

Raku xingou em pensamento quando a viu, pensando que seu passeio na praia para relaxar tinha sido arruinado, mas quando percebeu a situação em que a sereia se encontrava, todos esses pensamentos evaporaram.

Ouviu um pequeno click soar na sua cabeça e sentiu como se tivesse colocado a ultima peça de um quebra-cabeça.

—Ei. - A loira levantou a cabeça rapidamente antes de se virar para encará-lo, a viu franzir o cenho e comprimir os lábios antes de se preparar pra sair dali. - Espera, espera!

Para sua surpresa, ela o ouviu.

Não sabia se tinha sido o destino ou seu instinto prevendo o futuro, mas pelo motivo que fosse ele tinha levado o lenço consigo. Quando o tirou de lá, viu olhos azuis como o mar brilharem profundamente.

—Isso é seu, não é? - Ele esticou o braço em sua direção para mostrar melhor. - Era isso que você ficou procurando esse tempo todo?

—O- Onde... Onde você achou? - A voz dela estava fraca, incrédula.

—Na rede onde você ficou presa. - Ele se aproximou com passos lentos, olhos fixados nela. A loira inclinou-se para trás, pronto para pular no mar, mas congelou quando ele se agachou a sua frente e estendeu-lhe o lenço.

—Toma.

Ela piscou. Raku notou que seus pulsos continuavam machucados.

A sereia levantou sua mão timidamente e segurou o lenço vermelho com a ponta dos dedos, o moreno o soltou e foi então que ela se permitiu segurá-lo com mais força e trazê-lo para perto de si, abraçando o pano.

O garoto sentiu todo o seu corpo relaxar diante da visão dela, parecendo tão feliz e tão calma.

Ela se virou para encará-lo, parecia incerta e aliviada ao mesmo tempo, ainda com a guarda levantada, pronto para fugir a qualquer momento.

—... Obrigada. - Mas no fim, a voz agradecida dela o pegou de surpresa outra vez e só então ela mergulhou, desaparecendo de vista.

Raku continuou encarando o mar antes que um dos marinheiros viesse chamá-lo.

***

 

Ele aprendeu seu nome durante um pôr-do-sol, com o mar calmo e o cabelo dela estava preso pelo laço.

A sereia loira olhava para cima, diretamente para ele que terminara de organizar o estoque de suprimentos da tripulação. Raku encarou de volta, sem saber o que fazer.

Ela fraziu o cenho.

—T- Tá olhando o quê?

O moreno bufou.

—Não me venha com essa, foi você que começou!

Ela olhou para baixo, em direção a água e permaneceu em silêncio.

Esperou alguns minutos e quando se convenceu de que ela não falaria mais nada, começou a andar de volta para dentro do navio.

—Por que?!

Mas parou quando ouviu a pergunta dela. Levantou uma sobrancelha.

—"Por que" o quê? - Raku se apoiou no parapeito, encarando-a com uma sobrancelha levantada.

—Por que você... Me soltou daquela rede... E devolveu meu lenço?

—Ué? Você preferia ter ficado lá?

—Claro que não! - Ela bufou. - Mas... Eu não valho alguma coisa? Humanos não querem... Você não queria me vender?!?

O moreno permaneceu em silêncio e ela continuou.

—Não é assim que vocês sempre fazem?? Nos procuram, nos capturam e depois nos vendem como se fossemos alguma mercadoria?!  Foi assim que vocês fizeram com quase todos nós então... Com a minha mãe...

Ele percebeu pequenos pontos brilhantes se formarem nos cantos dos olhos dela.

—Então por que?!  - Ela tomou um susto quando o viu perto dela, sentado no suporte que usou naquele dia que limpava o casco.

—Se você acha isso mesmo de nós, então por que você veio tirar satisfação comigo?

A loira comprimiu seus lábios.

—Digo, mesmo que eu tenha feito tudo isso, poderia muito bem ser pra te atrair e te capturar depois?

Ele viu um brilho triste cruzar os olhos dela.

—Mas se você veio até aqui, então é porque você quer acreditar que não é esse o caso.

Ela abriu a boca, espantada. Ele tinha acertado, ela era do tipo curiosa, mas que tinha medo.

—Bom, pode ficar calma. Não tenho interesse em vender uma sereia. - Raku sorriu para acalmá-la. - Pescamos peixes e não sereias-gorila.

Brincou, pensando que talvez assim pudesse tirá-la desses pensamentos.

—Cala a boca, broto de feijão!! - Ela bufou, enrugando seu nariz. - Eu tenho nome, é Chitoge!

—Ah, prazer, Chitoge. Eu sou o Raku. - O moreno se ajeitou no suporte. - Como estão seus pulsos?

Ela piscou surpresa e levantou seu pulso para olhá-lo. Embora a água salgada possa ter ajudado na cicatrização das feridas, o estado não era dos melhores, muito provavelmente porque os pulsos da jovem ainda estavam presos em pedaços da corda com os machucados abertos quando ela caiu no mar aquela vez.  

—Eles... Vão ficar bem...

—Uhum. Aqui. - Ele estendeu uma mão para ela, pedindo silenciosamente que lhe entregasse o pulso.

—O que você-?

—É melhor cuidar da sua ferida ao invés de deixá-la assim. - E lhe mostrou as bandagens que pegara na dispensa. - Não é muito, mas é alguma coisa. O problema é que você vive na água então talvez as bandagens saíam rápido... Hm..

—Isso vai mesmo me ajudar?

—Um pouco, pelo menos, mas eu teria que trocá-las de quando em quand-

Foi interrompido por duas mãos que se estenderam diante de si e ele piscou. A expressão dela - de Chitoge - permanecia séria e ele soltou um pequeno sorriso.

—Certo, me avise se doer.

***

 

Talvez o principal motivo em ela ter concordado em usar as ataduras e se dar ao trabalho de visitar o navio para trocá-las - correndo o risco de ser vista pelo resto da tripulação - tenha sido sua própria curiosidade.

Chitoge se lembrava com clareza as histórias e os avisos de seu pai a respeito dos humanos. Ela também se lembrava do dia que sua mãe sumira e de como chorara abraçada ao seu lenço, suas lágrimas se misturando com a água e rezando para que fosse apenas um pesadelo.

Mas ainda assim, nunca se livrou daquele maldito sentimento, daquela maldita vontade de saber mais sobre aqueles seres que eram tão parecidos com ela, mas que ao mesmo tempo eram tão diferentes. Como será que eles conseguiam se mover com aquelas coisas - pernas -  no lugar da cauda? Como será que eles conseguiam nadar com aquilo?

Apesar de toda sua raiva, sua curiosidade se equiparava no mesmo nível e por isso ela não resistiu quando o primeiro humano que se mostrou tão diferente de todos os outros que vira ou ouvira sobre, estendeu a mão para ela.

—Ei, broto de feijão! - Chamou e não demorou para uma cabeça com cabelos arroxeados olhar para ela de volta.

—Que que você quer, gorila? - Ele retrucou, mas já devia imaginar o que era visto que apenas assentira quando ela lhe mostrou o pulso e as bandagens que se soltavam.

Demorou alguns minutos para que ele abaixasse o pequeno barco reserva que ficava preso na lateral do navio, ela sabia que já tinha recebido castigos do seu pai por baixá-lo outras vezes sem dar uma explicação - já que no caso seria, bem, ela -, mas mesmo assim, o garoto continuava fazendo a mesma coisa, só para ajudá-la com seus ferimentos.

E aquilo, inevitavelmente, trazia uma sensação quente no seu peito.

Seus ferimentos haviam quase que cicatrizado completamente, graças a ajuda dele e tudo isso se deu as várias visitas que ela o fez durante sua estadia em alto-mar. Suas brigas estavam sempre presentes, é claro, mas também haviam momentos relaxados em que eles trocavam histórias a respeitos dos mundos de cada um.

—Pera! Você come peixe?! - Raku a encarou com os olhos arregalados e ela devolveu o olhar, surpresa pela pergunta dele.

—... Você sabe que o alimento de peixes maiores são peixes menores, não sabe?

—M- Mas vocês... - E desviou seus olhos para a sua cauda e ela franziu o cenho.

— Não é porque temos caudas e barbatanas que somos parentes ou da mesma espécie ou o que for! - A loira rebateu e piscou ao pensar em algo, antes de soltar um pequeno sorriso. - Você fala de mim, mas e você que come brotos de feijão!

O garoto piscou um par de vezes, mas quando finalmente entendeu, foi a vez dele de franzir o cenho.

—Ah, fica quieta, sua gorila!

Chitoge se viu cada vez mais interessada nas histórias dele e cada vez com mais vontade de encontrá-lo. Ela aprendeu sobre um lugar chamado escola, onde os humanos adquiriam conhecimento através de livros. (Ela comentou que já havia encontrados alguns flutuando algumas vezes e era por isso que ela conhecia o tal animal ao qual ele parecia gostar de chamá-la ou brotos de feijão em si.)

—Pena que eles não duram muito aqui.

—É, papel e água nunca foi uma boa combinação.

—Que que é "papel"?

Também aprendeu sobre como evitar ser pega em rede de barcos pesqueiros, já que Raku lhe contou os lugares que eles preferiam pescar. Aprendeu que humanos conseguiam seu alimentos em lugares específicos, trocando-os por pedaços do tal "papel" e objetos de metal redondos, chamados de dinheiro.

Ela também tirou dúvidas que tinha sobre alguns objetos que encontrara em navios naufragados. Aprendeu sobre fotos, porta retratos, caixas de música, jóias, talheres, quadros e mais tantas outras coisas.

—Então... Pra quê vocês usam aquele negócio que parece um mini tridente e que espeta?

—Hm? Ah, o garfo? Usamos pra comer.

—Comer? Eu achei que era pra usar no cabelo...

—... Acho que funcionaria melhor se você fosse ruiva, Chitoge.

—Como é?

—Nada não.

De fato, conversar com ele se transformara em um dos seus passatempos favoritos. Ela se sentia relaxada e cada vez mais feliz com as coisas que descobria, além de gostar de ter uma companhia com quem pudesse conversar. Sentia-se levemente culpada, no entanto, caso as suas visitas cada vez mais frequentes colocassem o garoto em mãos lençóis.

Também sentia-se culpada por ter sido tão rude com ele na primeira vez que se encontraram, ela o tinha atacado com paus e pedras enquanto ele não fez nada mais do que ajudá-la... Bom, claro, ele havia retrucado vários de seus insultos, mas ainda assim...

Chitoge observou-o encarar o horizonte, seus olhos roxos como os lugares mais profundos que já vira do oceano pareciam mudar seus tons conforme a luz do sol, que ia sendo lentamente engolido pelo mar, refletia neles. A sereia estava sentada na ponta do barco reserva, ao seu lado e vez ou outra o encarava timidamente pelo canto dos olhos.

Sentar do lado dele tornou-se uma atividade recorrente e agradável, mas ao mesmo tempo a lembrava com clareza mais do que suficiente que eles eram diferentes, de lugares diferentes, de mundos diferentes e que um dia, iriam ter que se separar.

A loira não gostava daquele pensamento.

—Ei, Raku? - Ela o chamou assim que as estrelas começaram a aparecer no céu escuro.

—Que foi? - O moreno se voltou para ela e piscou algumas vezes.

—Por que você quis se tornar um marinheiro? - Ela balançou a cauda para cima e para baixo, impaciente.

—Ah... - O garoto voltou sua atenção para sempre depois de alguns minutos de silêncio. - Para provar para a menina de que eu gosto que meus sentimentos são sérios...

A sereia soltou sua cauda e a ouviu fazer um splash baixo, seus ombros e pescoço pareciam ter sido atingidos por uma forte correnteza de água fria que descia lentamente pelo resto do seu corpo.

...Ele tinha alguém de quem gostava. Uma garota pela qual ele estava disposto a enfrentar dois meses em um ambiente tão imprevisível e misterioso quanto o mar.

Já existia alguém que fazia o coração dele bater mais rápido assim como ele fazia o dela bater mais rápido.

—Enten-

—... Eu acho.

Ela parou.

—Como?

—Quer dizer, foi por isso que eu vim, sim! Mas minha determinação parece tão fraca agora, comparado há dois meses atrás...

Chitoge continuou o olhando.

—Claro, a Onodera é incrível e eu... Ainda sinto algo por ela, mas... Estou começando a pensar que ela talvez... Não valha o sacrifício... Quer dizer...

Ele pôs a mão na cabeça e olhou para baixo. Onodera Kosaki era uma garota maravilhosa, o sonho de qualquer um, mas... Verdade seja dita... Ele não a conhecia...

Sua queda provavelmente derivara dos poucos momentos em que passara com ela e de um possível amor a primeira vista cujas sensações nublaram seus pensamentos, mas no fim não passava disso. Uma simples queda.

O que ele sabia sobre ela além de que seus olhos combinavam com seus cabelos e que ela era gentil com todos? Se Raku tinha vontade de conhecê-la melhor? Claro, ele já quis isso, mas no momento, parecia algo tão pequeno, tão passageiro.

Raku finalmente se virou para a sereia que continuava o olhando.

O que ele sabia sobre Chitoge?

Ele sabia sobre a curiosidade dela, sobre o quanto gostava de colecionar os objetos da superfície que caiam no mar, sobre o quanto amava o lenço que sua mãe lhe dera, sobre como se irritava fácil, sobre como era teimosa quando acreditava em algo, sobre como gostava de nadar junto de cardumes quando estava entediada, sobre o quanto gostara dos doces que ele dividira com ela numa cidade em que pararam, sobre como empinava seu nariz quando estava certa...

Ela era chata, tinha uma língua afiada, uma personalidade difícil e conseguia ser mais extraordinária que a jóia mais linda de todo o oceano.

Raku engoliu em seco ao observar suas orbes azuis refletindo as estrelas.

—Eu tenho que ir. - Murmurou.

—Tá bom... - Ela assentiu, incerta do que acontecera, mas o olhar que ele lhe dava a impedia de mergulhar de volta no mar.

O moreno também não mostrava sinais de ir embora.

—Raku.

—Hm?

—Você vai voltar pra sua cidade amanhã, não vai?

—Vou.

—O que você pretende falar para a garota que você... Gosta...?

—Eu não sei... Acho que vou explicar o que aconteceu.

—Entendo...

A loira pulou para fora do barco e flutuou perto dele. O garoto acompanhou todos os seus movimentos sem tirar os olhos dela.

—Acho que isso é um adeus então... - Ela murmurou. - Digo, não posso ficar indo pra sua cidade, é muito perigoso que alguém me veja...

—Eu imaginei... - Ele murmurou de volta e ela xingou seu cérebro mentalmente por ter achado que tinha ouvido um tom de dor em sua voz.

A loira respirou fundo e abraçou o inevitável. Que diferença fazia se tivesse se apaixonado por ele? Não havia nada que pudesse fazer, eles eram diferentes demais.

Conforme a via se afastar lentamente, com os cabelos balançando e se enrolando entre a água escura, Raku sentiu um nó imenso se formar na sua garganta e teve medo que aquele mar a levasse embora para sempre.

Ele não queria aquilo. Ele não podia permitir aquilo.

—CHITOGE! - Ele berrou sem se importar caso seu pai ou qualquer outra pessoa da tripulação o ouvisse. A sereia se virou para ele, assustada. - Eu...

Ela esperou, seu pulso acelerado e causa balançando nervosamente.

—EU VOU VOLTAR!

A loira comprimiu os lábios e se voltou para ele.

—O QUE VOCÊ TÁ DIZENDO, BROTO DE FEIJÃO IDIOTA!

—EU NÃO QUERO ME SEPARAR DE VOCÊ, SUA SEREIA-GORILA! - Ele retrucou. - EU VOU VOLTAR PARA VOCÊ!

—Raku?! - Ouviu a voz de seu pai alta e clara, do alto do navio. Eles não tinham mais tempo.

Olhos roxos encararam olhos azuis intensamente e a dona dele assentiu lentamente, antes de mergulhar de volta para o mar fugindo das luzes de lanternas que caíram sobre ele.

***

 

No dia seguinte, quando atracaram em sua cidade natal, Raku pegou emprestado um dos barcos de porte menor de seu pai e sumiu mar a fora durante um pôr-do-sol para nunca mais ser visto.

Quando perguntavam para seu pai, ele apenas negava com a cabeça, sem entender o que poderia ter acontecido com seu pobre filho. Mas quando era com Onodera ou Shun, eles apenas sorriam tristes, mas assentiam e olhavam na direção do mar.

A resposta que davam era sempre a mesma e por mais que doesse - de formas diferentes para cada um - eles sabiam que se fosse pela felicidade do garoto, então valia a pena.

Raku havia achado um tesouro naquele oceano do qual ele nunca mais poderia se separar.


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Notas finais do capítulo

EEEEEEE LAIAAAAA, MAS COMO EU GOSTO DE TERMINAR SENDO PIEGAS, SANTA MISERIC



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