Guertena escrita por KyonLau


Capítulo 16
O Caderno de Desenhos I


Notas iniciais do capítulo

Aí vai-se mais um capítulo e eu continuo achando o Galli a coisa mais fofa u3u
Enfim, aproveitem ;3

Soundtrack: "No One in Sight"
https://www.youtube.com/watch?v=UnpGYAZf4Tk



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Garry sorria de forma quase amável, os olhos brilhando estranhamente, gentilmente, como se algo ali houvesse voltado. As mãos pingando tinta azul balançando molemente ao lado do corpo, ele deu alguns passos vacilantes até a mulher ajoelhada ao chão, como se ainda estivesse indeciso sobre se aproximar ou não. Diferente da última vez em que se encontraram, nada a prendia às paredes ou ao chão. Se algo a deixava imóvel daquela forma, não tinha nenhuma relação com a vontade de Garry.

Quase tão titubeante quando os passos do homem à sua frente, os olhos castanho-avermelhados rodeados de logos cílios delicados se ergueram a fim de olhar a parede defronte, onde as três figuras estavam rabiscadas desproporcionalmente uma ao lado da outra. A menina de cabelos dourados sorria para Ib alegremente, como se partilhassem de um segredo, totalmente alheia ao buraco pintado em cima de seu peito por Garry.

— E então..? — Garry usou uma das mãos para afastar os cabelos retorcidos do rosto, empapando uma das mechas de tinta sem se importar.

Ele parecia ansioso para ouvir as críticas, mas a única palavra que haveria de sair da boca de Ib não era bem o que o homem alto queria.

— Mary... — a outra sussurrou.

A garota da rosa amarela... A garota do quadro.

Aquilo pareceu deixar Garry satisfeito, mas ele não disse nada. Em vez disso, aproximou-se mais de Ib, pondo-se de cócoras em frente a ela de forma que seu rosto fino e pálido ficasse no mesmo nível que o dela. Um viu arrependimento amargo. O outro nada viu.

Garry ergueu as mãos num gesto contínuo e quase cuidadoso e, com elas, envolveu o rosto de Ib com gentileza exagerada, usando os dedos para acariciar suas bochechas e pescoço, colorindo sua antiga amiga de azul. Ele parecia estar se divertindo, concentrado no que fazia, como se estivesse tentando provocar cócegas. Ib, contudo, não esboçou o menor sinal de estar sentindo alguma coisa. Seu semblante permanecia impassível, estático.

O sorriso de Garry se transformou em uma careta e ele retirou as mãos das bochechas macias com rispidez, soltando um muxoxo de impaciência.

— Eu não me esqueci, Garry — disse Ib, os olhos novamente baixados para evitar encará-lo — Estava dormente, mas estava lá... Você e Mary... E a Galeria — uma lágrima saiu do canto de seu olho e tentou cruzar seu rosto, mas se perdeu em meio à todo o azul que lhe cobria as bochechas — Me deixe ajuda-lo a sair daqui, por favor.

A princípio, os olhos de Garry se arregalaram. Seus lábios eram uma fina linha branca e apertada. O silêncio, e então... Um guincho baixinho que foi subindo seu tom e intensidade, transformando-se numa perfeita gargalhada debochada.

A sobriedade do pedido se desfazia a cada acesso que Garry parecia não querer controlar nem um pouco. Ele só parou quando algumas lágrimas saíram de seus olhos, apoiando uma das mãos contra a parede atrás de Ib, os pulmões tentando puxar um pouco de ar, desesperados depois daquele ataque repentino.

— Essa foi ótima! — sua boca ainda não queria permanecer reta e seus cantos tremiam compulsivamente — E como pretende fazer isso, mesmo?

— Eu... Eu prendi dois garotos em uma sala logo atrás — sua voz saiu baixinha, obrigando o outro a se curvar para ouvi-la melhor — Um deles... Um deles pode ser seu substituto. Eu sei como isso funciona, um pouco. Se um deles ficar, você pode sair comigo...!

Sua sentença foi interrompida, pois Garry erguera um dos pés e batera no chão com ele com uma força quase desproporcional, assustando Ib e obrigando com que se calasse.

Nenhum traço de seu último ataque de risos permanecera em seu semblante agora. Seus olhos estavam cobertos novamente pelos cabelos que se contorciam, como se determinados a esconder tudo o que podiam.

— Já chega — sua voz era perigosamente calma — Se ao menos você tivesse se oferecido...

Sua mão mergulhou na direção de Ib e, agarrando com força a gola de sua blusa, puxou a mulher para perto de si num piscar de olhos. Aturdida pelo movimento brusco, Ib tentava colocar-se de pé, mas Garry a segurava de tal modo que ela só podia pender molemente de seu aperto, a blusa sendo quase arrancada de seu corpo. Ele a puxou para tão perto que era possível sentir sua respiração profunda em cima de seu rosto. Cada detalhe de seu rosto agora se despia diante do olhar da mulher, cada poro, cada cílio, completamente exposto. O medo era sobrepujado pela vontade de erguer a mão e tocar aquela pele cinzenta, sentir sua textura e então passar seus próprios dedos por trás da nuca dele, jorrar palavras que ainda não existiam dentro de si...

— O fato é que eu não preciso da sua ajuda, Ib — ela se lembrava daquela voz de um outro jeito, mas ainda assim, era o mesmo timbre que rasgava seu peito e descia até seus pés num arrepio contínuo e dormente — Inclusive, já faz um bom tempo que eu deixei de esperar por algo assim. Aqueles garotos, por sinal, já saíram daquela sala faz um bom tempo. Um golpe de sorte que eu não tive...

Sua mão se soltou da blusa de Ib, empurrando-a para longe e fazendo com que ela caísse novamente no chão, jogada como uma boneca, desajeitada e completamente silenciosa. Cada parte dela que Garry tocara estava coberta de tinta, a blusa amarrotada pingando, encharcada. As mãos dele, no entanto, já haviam parado de pingar e agora estavam secas e envolta numa fina camada de tinta que se rachava mais e mais a cada movimento de seus dedos longos e finos.

A visão de Ib jogada ao chão arrancou uma risadinha dele, mas logo foi abafada.

Garry abaixou-se mais uma vez, estendendo uma das mãos abertas para a sua companhia.

— Venha, Ib! — ele estava doce e alegre novamente — Venha comigo, quero lhe mostrar algo!

Havia um rasgo profundo na palma de sua mão, que logo foi tampado pela de Ib ao entrelaçar seus dedos com cuidado em volta do pulso magro de Garry.

Era como uma pequena vila quadrada dividida em outros quatro quadrados menores. O caminho era rosa e era ladeado ou por algumas árvores ou por uma ou outra casinha. Era possível entrar nas casas, mas não havia muito em seu interior além de outros rabiscos descompromissados. Iza e Galli já haviam dado a volta quase completa no lugar e estavam agora se aproximando do meio de tudo aquilo.

Galli andava sempre na frente e parecia com pressa. Iza, entretanto, parava vez ou outra para olhar algo que chamasse sua atenção. A princípio, isso se resumia às manchas azuis aqui e ali. Marcas de mão, desenhos sem sentido, setas, palavras. A teoria de que aquilo tudo eram sinais ou pistas logo desapareceu da mente da garota ao reparar que o lugar inteiro estava daquele jeito. Nenhum canto fora poupado e tudo levava a nada.

Quando pararam, a adolescente ajeitou melhor a mochila nas costas. Nos últimos momentos quase se esquecera dela, bem como a rosa de pétalas pretas que permanecia amarrada na alça próxima ao coração. Ela esticava suas pétalas quase com petulância, o caule repleto de espinhos verde como se tivessem acabado de retirá-la de seu canteiro. Era quase impossível imaginar que aquela era uma flor de verdade.

— Para onde devemos ir? — perguntou seu pequeno companheiro, quebrando o silêncio de até então.

Iza deu de ombros.

A casinha no centro não parecia ser diferente das outras. Era toda rosa, com portas duplas marrons bem fechadas. Era o único lugar sem uma única mancha azulada em sua superfície. Em vez disso, letras infantis haviam sido rabiscadas na parede e Iza se perguntou se aquilo fora feito por Garry.

— A chave rosa está sempre na caixa de brinquedos — leu Galli.

Os dois se entreolharam. Já imaginavam onde a tal caixa estaria.

Iza começou a subir a rua atrás da casa rosa com passos rápidos. Não entendia o motivo, mas estava sentindo-se quase eufórica.  O coração tornara a batucar insistentemente contra seus pulmões doloridos. Ela estava com pressa de sair dali, o vigor misturado ao pânico renovado desde que entrara naquele lugar. De alguma forma, começava a achar que estava perto de escapar daquele inferno zombeteiro. A casinha erguia-se à sua frente, convidativa. Tinha que ser ali. Iza ergueu a mão, pronta para abrir as portas...

— Iza! Me espere...

A menina virou-se, quase assustada.

Galli estava a vários metros atrás dela, plantado ao chão com determinação, o rosto contrariado. Seus dedos acariciavam a rosa que segurava firmemente nas pequenas mãos. Ele parecia prestes a chorar.

— Desculpe, Galli... — Iza deu alguns passos na direção do amigo — Desculpe... Mas não fique assim! Eu sinto que estamos perto da saída! Você só precisa ser forte mais um pouco e logo eu e você poderemos sair desse lugar!

Aquilo não pareceu produzir o menor efeito no garoto.

— S-se alcançarmos a saída... Você vai me esquecer, Iza. Nós não vamos nos encontrar mais — seus olhos claros se fixaram nos castanhos quase como se implorassem — Eu não quero isso!

Algumas lágrimas brotaram dos cantos dos olhos de Galli, mas ele se escondeu atrás da aba do boné, deixando Iza completamente sem ação. Verdade seja, dita, ela nunca tinha levado muito jeito com crianças e quando elas choravam ela praticamente chorava junto. No entanto, de alguma forma, ela esquecera-se da idade de Galli. Esquecera-se que ele não podia ter mais de dez anos, que era só uma criança e que tinha suas próprias ideias do que era assustador ou não.

— Ei... — a garota chamou-o baixinho, tentando sorrir enquanto levava a mão desajeitadamente ao ombro do menino — Isso não é verdade. Como eu poderia esquecer do meu amigo dessa forma? Depois de ele ter me ajudado tanto?

— Você promete que vamos ficar juntos então? — a vozinha tímida finalmente se fez ouvir após alguns soluços vacilantes — Promete?

— Claro que sim! — respondeu a outra — Agora, vamos! Tenho a impressão de que se ficarmos aqui vamos encontrar pessoas indesejadas!

Ela pegou na mão do menino e puxou-o junto consigo em direção à casa. Sentiu os dedinhos dele se apertarem em volta dos dela e isso a fez sentir-se surpreendentemente feliz e mais animada. Tudo iria dar certo, afinal. Ela tinha certeza.

Abriu a porta.

Dentro, havia os restos destruídos de uma grande caixa azul. Como se alguém tivesse pegado uma marreta gigantesca e descido ela com tudo em cima do objeto. Em seu centro, um retângulo aguardava. Iza procurou examiná-lo, mas não parecia haver nada. Estranhando muito aquilo, achando que talvez se tratasse apenas de um rabisco, estendeu a mão para tocá-lo.

Para sua surpresa, a mão afundou na escuridão. Era um buraco. Algo gelado e mais sólido tocou seus dedos e a menina só teve tempo de soltar um berro antes de ser puxada com violência para dentro, caindo na escuridão como Alice caída na toca do coelho.


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Notas finais do capítulo

Eu não sei se curto fazer tantas analogias com outros livros, me dá a impressão de que isso dá um ar mais... amador? Eu acho. Mas sei lá, foi o que saiu na hora, quem sabe mais tarde eu mude HASUHAUHSAU
Até o próximo capítulo! :3



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