Até que a Morte nos Una escrita por Nuwandah


Capítulo 25
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Notas iniciais do capítulo

Cá está o resto do último capítulo! Espero que gostem do clímax que não tiveram antes haha’ Eu falei que esse seria mais curto, né? Saiu com 1k de palavras a mais que o anterior lalala O lado bom de ter desmembrado esse capítulo foi que pude usar os dois nomes que queria para ele, olha que bacana :D
Ah, feliz Ano Novo atrasado e Feliz Vacina!



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Quais eram as chances de logo aquele depósito ser justamente o alvo daquele piromaníaco? Ok, era um edifício grande e abandonado, se alguém quisesse sanar sua carência de atenção de forma não saudável e não quisesse exatamente pôr a vida de alguém em risco no processo, aquele era um excelente candidato.

Mas puta que pariu, logo ali, onde eu havia confiado de guardar aquela pequena vida até arrumar uma solução mais definitiva. Aquilo era minha culpa, eu havia colocado o filhote lá e agora ele estava preso dentro daquela fornalha gigante.

Sacos pretos recheados no asfalto de uma rua pouco iluminada.

“Seu corpo estava preso às raízes da vegetação da orla, já em avançado estado de decomposição”.

Não. Não dessa vez. Eu não ia deixar.

A mão de Suigetsu já havia se afrouxado, pronta para largar de meu braço, quando disparei em direção ao edifício em chamas.

— Sasuke! Que que cê tá fazendo?! - Suigetsu gritou atrás de mim. Outras vozes estarrecidas o seguiram, mas se sobrepuseram em meio ao novo pânico.

Porém, ninguém me seguiu, ou se sim, não me alcançou até chegar ao raio onde sua autopreservação falou mais alto.

— Sakura, eu preciso de sua ajuda. - Disse a ela, que me acompanhava de perto, quando finalmente alcancei uma lateral do galpão, ainda correndo ao seu redor para encontrar alguma possível entrada não tomada pelo fogo.

— E-eu não acho que seria bom você entrar. - Ela virou o olhar brevemente para as chamas, mordendo o lábio inferior em incerteza antes de voltar a olhar para mim. - Olha, eu posso tentar pegar ele e tirar de lá de dentro de alguma forma…

— Não temos tempo para “tentar”. Se a gente não fizer algo agora, ele vai morrer, e eu não vou deixar isso acontecer de novo.

Sakura pressionou os lábios numa linha fina e sua mandíbula se tensionou, seus olhos estavam pesados sobre mim antes dela direcioná-los uma última vez para o galpão e sumir dentro dele.

Não deve ter dado nem meio minuto para eu tentar achar uma forma de alcançar aquelas janelas altas, Sakura já retornava com os olhos brilhando com lágrimas que estavam prestes a cair.

— Não dá, eu não consigo levantar ele por muito tempo. - Ela esfregava forte o rosto, claramente frustrada.

Consegui gerir para ela um aceno solene em meio a toda urgência que a situação pedia.

— Me ajuda a entrar.

A garota acenou positivo com a cabeça enquanto terminava de enxugar as lágrimas teimosas, seus ombros pareciam tensos muito mais por derrota do que qualquer outra coisa.

— Na outra lateral, tem uma porta dos fundos, mas tá trancada. - Ela apontou para a direção, a poucos metros dali e quase se encontrando com a parede de fundo. - Acho que você pelo menos consegue usar ela pra alcançar uma janela.

Boa! Cruzei o resto da largura do galpão que me faltava. Como dito, lá estava a porta, trancada e resistente o bastante para que eu não conseguisse arrombar sozinho. Mas realmente, a janela não era muito distante, se eu usasse o que tinha como impulso. No entanto, antes, tinha que dar um jeito naquela janela fechada.

Uma breve busca nos arredores e já achava uma pedra de tamanho satisfatório. Como o bom arremessador que era no time de beisebol, na primeira tentativa a janela só apresentava sua estrutura como memória do que já fora. Agora, sim, caminho livre.

— Por favor, tome cuidado. - Sakura pediu aflita.

— Eu vou. - Respondi-a sem tirar o olhar da porta, mas esperava que ela tivesse sentido a confiança que precisava.

Com as mãos apoiadas no portal, pus um dos pés por sobre a maçaneta e, com o que ficou no chão, dei o impulso para cima. Forçando a perna plantada na maçaneta e dando suporte com as mãos pelo portal, consegui me guiar para o alto, até alcançar o parapeito da janela. Quando meus dedos se firmaram na base, com apenas um ou dois gritando devido a um provável contato com os cacos de vidro, chutei a parede e me impulsionei para cima novamente, agora conseguindo me apoiar na janela com os cotovelos também. Senti alguma gratidão por estar usando o uniforme de inverno, que protegeu meus braços das lascas cortantes com seu tecido mais grosso. Daí, foi só me puxar por completo para cima do portal. Se Naruto estivesse ali, provavelmente faria alguma piada sobre ninjas.

Um ar muito mais quente e sufocante me recepcionou antes que pudesse averiguar como estava a situação do interior do edifício. Fumaça negra já se formava e se espalhava para onde o fogo ainda não havia chegado lá dentro. Tinha que agir rápido antes que ela engolisse todo o espaço.

Torcendo para que as caixas abaixo de mim fossem ou muito rígidas para me aguentarem ou muito frágeis para servirem de amortecedor inofensivo, dei meu salto de fé para dentro da imensa fornalha.

Meus pés atravessaram a tampa como se ela fosse feita de papel e mergulhei para dentro das caixas empilhadas. Dois batimentos cardíacos depois e eu estava rolando no chão duro, enroscado em pesados tecidos de cortina. Não foi um final de entrada tão gracioso quanto o início, mas serviu bem.

— Tá tudo bem?! - Sakura já estava agachada na minha frente com seus olhos arregalados em preocupação.

— Tudo. - Grunhi enquanto me livrava das tramas teimosas e as chutava para longe. - Não foi nada de mais. - Acrescentei enquanto levantava.

Só ao me ver totalmente ereto e sem sinal de alguma lesão que Sakura relaxou e concordou com a cabeça. Ela apontou para além das pilhas de caixa que estavam à nossa frente.

— O Shiro tá pra lá.

Não fosse o incêndio que nos cercava cada vez mais, eu talvez pensaria em apontar que ela própria não estava se decidindo sobre o nome do cachorro. Mas, como essa não era a questão, limitei-me apenas a me apressar para me esgueirar entre as caixas e pulá-las. Maldita tempestade que piorou ainda mais o caos daquele labirinto.

— Shiro! Vem cá, garoto. - Chamava pelo cachorro e torcia para que ele encurtasse minha busca por ele. A cada vez que gritava, sentia o quanto o oxigênio estava diminuindo ali, e rápido, dando espaço à fuligem e causando pequenas crises de tosse ora ou outra.

Tinha que ser mais rápido. Malditas caixas!

Um braço já estava desutilizado para me dar apoio com as caixas e desacelerando a corrida, já que agora tinha que usá-lo para tapar parte do meu rosto e filtrar um pouco do ar que respirava. Uma lamúria se sobrepôs às crepitações do fogo, vindo bem da direção para onde Sakura havia apontado, e a própria logo se pôs a correr na minha frente, atravessando todos os objetos sem qualquer resistência. Nunca achei que fosse sentir inveja de sua condição espectral, mas foi a realidade daquele momento.

Só mais algumas caixas, só continuar seguindo naquela direção para alcançar o cachorro. Daí, era só escalar algumas caixas para sair por uma das janelas daquele lado mesmo e- lá estava Sakura acenando e chamando por mim, com a bolinha branca encolhida ao lado de seus pés.

Já estava com a boca aberta para avisar que a havia visto e estava chegando, quando um estalo acima, na parede à minha frente - atrás de Sakura e do filhote - chamou-me a atenção, onde as prateleiras aéreas superiores já estavam consumidas pelo fogo, e todo o ar que estava guardado em meus pulmões foi para gritar para Sakura outro aviso:

— Em cima! Vai cair!

Vários outros estalos ressoaram enquanto Sakura olhava para o alto, e todo o tempo que ela teve só foi o suficiente para que ela entendesse o que estava acontecendo e se abaixar para usar sua limitada capacidade de materialização para empurrar o cachorrinho para a frente, logo antes dela mesma ser atingida pela cadeia de prateleiras.

Uma onda de fumaça quente e estilhaços tomou tudo ali. Meus olhos e narinas queimaram com a irritação e os pulmões tentaram se livrar da saturação que haviam inalado. Mesmo sem ver quase qualquer coisa e me ocupando muito com a crise de tosse, me forcei a avançar por sobre os obstáculos que ainda me restavam.

Ao finalmente - finalmente! - alcançá-los, a poeira e cinzas já haviam abaixado um pouco, o que me ajudou a encontrar o cachorrinho, que estava tentando se levantar de uma poça de… sangue?!

Ah, não. Não, não, não. Não podia ser! No instante seguinte, estava agachando ao lado do filhote, tentando ver onde que estava a ferida para tentar parar o sangramento, quando fui atingido por um odor tão característico quanto o de fumaça - e ajudou para mais uma rodada de tosse.

Olhei rapidamente para os lados e logo minha suspeita se confirmou quando vi que o cheiro forte de solvente advinha da lata que havia sido aberta e derramada com a queda das prateleiras. Aquele líquido que cobria e cercava o pequeno animal não era sangue - como eu temia -, mas sim tinta vermelha, muito menos letal do que uma perda tão expressiva de sangue (talvez mais tóxica do que me sentiria confortável, mas, ainda assim, muito menos letal).

— Ei, ei, carinha, sou eu. - Levei minha mão para tocar levemente no couro, tentando não alarmar o pobrezinho, que chorava baixinho, encolhido em meio a todo aquele inferno. - Eu vou te ajudar, ok? Vem cá. - Com cuidado, tomei ele nos braços e o trouxe para dentro de minha blusa, numa reprodução quase fiel da vez em que o carreguei clandestinamente no metrô, não fosse pela forma que tentava vedar qualquer fenda no tecido para bloquear todo aquele ar impuro.

— Ah! - Ouvi Sakura se assustar perto de mim.

Ao voltar meus olhos do trabalho com minha roupa para a fonte do som, ela já analisava todo o contexto e relaxava a olhos vistos, provavelmente já entendendo que todo o carmim que estava pelo chão - e, agora, em mim também - não passava de uma inofensiva tinta.

— O Sho...? - Ela perguntou, encarando o volume em minha blusa com nítida apreensão.

— Ele está bem, só se sujou um pouco. - Mostrei sugestivamente minha mão manchada de tinta e Sakura assentiu em entendimento enquanto eu me ocupava com outra crise de tosse. Tinha que sair de lá, e logo.

Apenas por desencargo de consciência, verifiquei a cenário à minha frente e, como esperava, a parede pela qual havia planejado escapar estava agora completamente tomada pela imensa pilha de prateleiras e caixas incandescentes. Tinha que achar outra saída.

— Sakura...

— Já estou procurando! - Ela respondeu já longe, num tom seguro o bastante para ter certeza dela.

Com um braço envelopando o rosto, o outro envolto naquela pequena vida contra meu peito e os dedos selando firme o que podia de brecha no tecido, dei meia-volta para já me livrar do máximo de obstáculo que pudesse: se havia outra saída, só poderia ser para o lado onde o fogo não lambia quase que por completo as paredes.

As tosses já não paravam a essa altura, o que não era nem um pouco amigável para cada centímetro do meu sistema respiratório, que ardia e queimava com tanta fumaça quente, que já estava ridiculamente espessa depois desses mínimos minutos passados, tanto que eu praticamente não conseguia ver sequer um metro à minha frente--

Aonde eu estava? Não conseguia mais saber para onde estava indo, de onde vinha ou sequer qual lado era o lado da entrada. Tudo era só calor, fumaça ardente e escura e, céus, não dava para respirar.

Minhas pernas foram perdendo as forças embaixo de mim, e me permitir agachar em busca de mais oxigênio. Olhava freneticamente para os lados, para cima, procurando qualquer pista de para onde devia ir, mas só via caixas e mais caixas - que, muito em breve, também estariam apenas servindo de combustível, como todo o resto, e eu estaria bem ali no meio, junto com o Sho. Isso era tão injusto.

Depois de tudo, apesar de tudo, era assim que tudo iria acabar?

— Sakura. - Chamei-a no único momento que ousei destapar o rosto, mas não foi tão forte nem tão alto como fizera poucos instantes antes.

Só aquela curta fala já foi o bastante para engatilhar uma rodada ainda mais intensa de tosse. Aquilo estava perigoso, tinha que fazer algo a respeito logo. Com toda a rapidez que pude, abri minha blusa, rompendo boa parte dos botões no processo, deixando apenas a blusa branca do uniforme que ficava por baixo. Aquilo era, provavelmente, o oposto do que devia fazer ali, mas aquele filhote precisava de mais camadas de proteção daquele ar. Embrulhei-o imediatamente na jaqueta preta, certificando de que ele estaria menos sufocado dentro do que fora dali.

— Sasuke-kun?! - Fogo crepitava e vidro explodia para todos os lados. Finalmente ouvir a voz de Sakura em meio a tudo aquilo era como, bem, era como ser encontrado em meio a um incêndio.

— Aqui! - Respondi-a logo, balançando um braço no ar.

Dentro de pouco tempo, uma silhueta já estava à minha frente, enegrecida pela fumaça que a rodeava e com a qual também dividia espaço.

— Continue abaixado e me siga, por aqui! - Não precisava pedir duas vezes.

Apoiando-me em tudo que podia, fui seguindo Sakura, que fazia o máximo para se manter na minha curta vista, usando apenas o caminho pelo qual eu deveria passar e não atravessando as barreiras que se colocavam diante de nós. Ela não parava de tagarelar, e eu levemente tinha a suspeita de que era proposital.

Quando meu apoio vacilou numa caixa de isopor, notei que estava passando pelo pequeno “acampamento” que Naruto e eu improvisamos para o cachorro. Uma ideia me cruzou o pensamento e tratei de encontrar a recipiente d’água que havia enchido havia poucas horas. Ainda estava bem cheio. Ótimo. Sem mais delongas, derramei todo o conteúdo pelo embrulho de cachorro que carregava.

A essa altura, Sakura já estava andando até mim, provavelmente para me perguntar por que diabos eu havia parado de segui-la no meio daquele ambiente dantesco, mas ela se freou, entendendo minhas intenções. Ela acenou para mim em aprovação.

— Só molhe a sua manga um pouco também, por favor.

Uma maior proteção para a minha própria respiração era um detalhe que eu já estava deixando passar, ainda bem que tinha a Sakura ali para me lembrar que não tinha como salvar o cachorro dali se eu mesmo não me salvasse também.

Acenei para Sakura e já voltava a segui-la antes mesmo de terminar e umedecer minha manga. Não tínhamos mais tempo a perder.

Quente. Era tudo tão quente e sufocante. Tudo era de mais e de menos ao mesmo instante.

De repente, eu estava me apoiando em uma longa superfície de madeira - a porta? Minha mão procurou a maçaneta em reflexo, que não fez nada além de girar inutilmente. Continuava trancada. Não, não! Sem grandes forças para reunir, joguei o ombro contra a porta, tentando forçar a tranca, aparentemente muito mais preservada e resistente do que a do portão da frente.

Inferno!

Sakura me acompanhou na  tentativa de abrir a passagem, mas mal sacudiu a porta, assim como eu. Depois de alguns instantes de esforço desesperado, ela sumiu por detrás do caminho selado. Após poucos instantes de aguardo confuso e levemente traído, a figura de Sakura se projetou de volta para dentro. Não fosse a falta de um corpo físico para cansar, ela provavelmente estaria arfando, dada exaltação em seus olhos.

— O bombeiro está aqui perto, bata palmas ou bata na porta, só tem que mostrar pra ele que você está bem aqui! - Ela disse rápido.

E eu já estava levando o punho cerrado de encontro à madeira, sem poupar esforço.

— Tem alguém aí? - Uma voz veio abafada do outro lado e quase quis chorar. Já estava quase respondendo quando a voz voltou mais próxima. - Se afaste da porta!

Foi o tempo de dar dois passos para trás até o alto barulho de batidas rugir por cima de todo o caos. A porta chacoalhou de leve em cima e embaixo e se seguiram outros sons de ensurdecedoras pancadas metálicas, acompanhadas de rápidos comandos vocais que não conseguia distinguir. A cada estrondo doloroso nos meus tímpanos, mais minha visão se deleitava com a porta movendo-se, cedendo espaço um  pouco mais a cada batida ritmada do outro lado.

E, então, a porta se abriu e duas figuras totalmente irreconhecíveis em seus trajes imensos foram reveladas, iluminadas tanto pela luz natural como pelas chamas. Sem pensar em mais nada, só que ali era o lado de fora, disparei para lá. Antes que eu pudesse tomar a distância desejável da fumaça, mãos me agarraram e me guiaram para outra direção. Faltava presença de espírito para questionar, e apenas confiei naqueles uniformes laranjas enquanto só me preocupava em tossir, respirar ar puro novamente e acompanhar os passos dificultados pela neve fofa que derretia.

Um pouco distante, um alvoroço começava a me chamar a atenção e olhei para cima. Uma verdadeira multidão havia se aglomerado mais à frente, muitos carregavam expressões curiosas e espantadas enquanto seguravam alto seus celulares. Eram tantas vozes soando ao mesmo tempo e nossa, como estava frio.

Fui escoltado até um pouco mais adiante, onde havia o que parecia ser uma ambulância. O bombeiro que me segurava pelos ombros me fez sentar na beirada da traseira aberta do veículo, onde outro bombeiro já aguardava com um cobertor e uma garrafa em mãos. Sakura se inclinou à minha frente, bem ao lado do homem, e passou a me olhar tão analiticamente quanto ele - senão mais.

— Tinha mais alguém com você? - O homem que havia me acompanhado perguntou enquanto recebia uma garrafa transparente do outro e a desrosqueava antes de entregá-la para mim. Água. A essa altura, ao menos tinha energia o bastante para balançar a cabeça negativamente antes de virar quase metade do conteúdo da garrafa de uma vez. Distante, senti o peso de uma manta sendo apoiada sobre meus ombros. - Ok. Qual o seu nome?

A água desceu pela minha garganta rápido, mas seu efeito era o de como se tivesse vindo da morada dos deuses. A ardência generalizada e incessante, o gosto de cinzas, a sensação esponjosa na língua e o desconforto para respirar minguaram ao ponto que não me atormentavam mais e se tornavam apenas um leve incômodo.

— Uchiha Sasuke.

O bombeiro, que já estava erguendo uma máscara de silicone para o meu rosto, brecou de leve quando respondi, mas logo voltou a avançar para encaixar a máscara e prendê-la lá. Alívio e uma antiga angústia se misturaram dentro de mim. Ao mesmo tempo em que respirar claramente ficou mais fácil, a memória de estar preso a uma cama com uma máscara de oxigênio similar me corroeu.

— Isso em você… - O bombeiro continuou, agora com um olhar fixo na minha blusa branca, que destacava muito bem as grandes manchas vermelhas por ela.

— É só tinta. - Interrompi-o, mas ele só sorriu, provavelmente contente por não ter uma emergência grave para atender. 

— Ótimo. Como está a respiração? - Ele encaixou um pequeno aparelho eletrônico da ponta de meu dedo e manteve os olhos na tela minúscula enquanto recebia uma gaze grande do bombeiro que estava dentro da ambulância e a entregou para mim, gesticulando para que eu a passasse no rosto.

— Melhor agora. - Minha voz soou abafada por causa da máscara e lutei contra uma onda de arrepio que ameaçou se formar. Disfarcei e me distraí pressionando a gaze molhada nos olhos, que agradeceram pelo conforto refrescante, cessando com a ardência que ali persistia.

— Está sentindo alguma dor? - Neguei com a cabeça. - Aconteceu algo lá que possa ter te machucado?

Estava me limitando a dar apenas mais uma silenciosa resposta negativa quando algumas cabeças pontaram atrás do ombro do bombeiro.

— Ele tá bem?! - A voz de Naruto sempre é muito fácil de se distinguir, seja lá qual for a ocasião.

O bombeiro endireitou a postura e deu um passo para trás, ajustando-se para encarar o grupo.

— Provavelmente vamos levar o Uchiha-san pro hospital para alguns exames, mas parece que está tudo bem.

Saco.

— Sasuke, na moral, se você sobreviver a isso, eu mesmo vou garantir que você morra. - Suigetsu não parecia muito atingido pelo mesmo sentimento de alívio que se espalhou pelo rosto dos outros, pelo menos era o que ele demonstrava.

— Não, sério, por que você, tipo, literalmente correu pro fogo? - Kiba acalmou Suigetsu com uma mão em seu ombro, mas ele próprio parecia  estar se controlando por muito pouco. - Aquilo é só um galpão pra guardar coisa velha. Não tem motivo pra você ter feito uma coisa tão burra como... - E foi nesse momento em que o embrulho até então inerte no meu braço resolveu escavar-se para um lugar menos abarrotado, abrindo passagem pelas camadas de tecido até o focinho submergir para lançar um latido no ar, sobressaltando todos. - Isso aí é um cachorro?— E Kiba foi de irritado e preocupado para absurdamente animado de um segundo para outro.

— Oh, parece que alguém aqui tem fraco por bicho. - Sakura comentou divertida ao meu lado, olhando para Kiba enquanto apoiava as mãos na cintura.

No instante em que me distraía com Sakura, Kiba já estava avançando e puxando o animal empacotado de meus braços sem a mínima cerimônia.

— Foi por isso que você entrou lá? Meu herói. Tá perdoado. - Kiba obviamente se direcionou a mim, mas seu olhar não desgrudava da criaturinha em seu colo.

— Por que ele tá vermelho? - Naruto estranhou quando Kiba terminou de desembrulhar o filhote, que já o agradecia com bem-recebidas lambidas no rosto.

Mas não consegui explicar o motivo, estava muito ocupado lidando com o sentimento de que o cachorrinho estava bem, de que eu havia, de fato, conseguido salvá-lo - havia conseguido salvar alguém

— Mó cheiro de tinta. - Kiba constatou, coçando o nariz.

— Foi isso mesmo. - De longe, ouvi a mim mesmo dizendo.

— Ora, o que temos aqui? - O bombeiro voltou-se completamente para Kiba, sua atenção no pequeno animal com ele. - Vamos dar uma olhada nesse rapazinho… É um menino?

— É, sim. - Naruto respondeu antes de mim.

— Tem nome? - O bombeiro perguntou enquanto manejava o filhote, ainda preso nos braços de Kiba.

— Sho…? Shiro, eu acho? - Respondi sem muita certeza.

— Shiro? Mas ele nem é todo branco. - Naruto contestou.

— É verdade, ele é todo vermelho!— Kiba ergueu o filhote alto, bem ao estilo O Rei Leão. - Akamaru combina mais (N/A: Akamaru é a junção de “aka”, vermelho em japonês, e “-maru”, uma terminação comum para nomes masculinos).

— Akamaru, O Vermelho, renascido das chamas! - Suigetsu acrescentou, provavelmente numa animação além do que a situação pedia.

— Não seria melhor “o Não Queimado”? - Shikamaru ergueu uma sobrancelha.

— Não é hora pra ser nerd.

— E vocês tão fazendo o quê?!

— Como estão as coisas por aqui? - O diretor Mirose apareceu por trás dos outros, interrompendo tanto o assunto como o clima mais amistoso. - Meninos, quero explicações sobre o que aconteceu.

— Sasuke-kun! - Sakura chamou de longe (quando foi que ela havia saído?), quase junta à fala do diretor. A cabeleira rosa se movimentava rápido entre e através de cabeças da multidão mantida à distância. - O Toya tá indo embora, acho que ele tá indo se livrar das sobras.

Fazia sentido ter sobra, se o grito que ouvi quando Sakura pulou do prédio era alguma dica do susto que o grupo de Toya tomou. Não seria de se admirar que tivessem debandado depois daquilo. Pus-me de pé logo, não podia desperdiçar aquela chance de ouro.

— O senhor pode começar perguntando ao Toya, antes que ele fuja daqui. - Forcei a voz alta para ter certeza de que seria ouvido, a máscara um pouco puxada para longe do rosto.

A turba se aquietou e todos olharam pontualmente para o único grupo que se retirava de cena, e que pausou de imediato.

Talvez tivesse falado um pouco alto demais, mas serviu bem. O diretor me olhou do alto de sua postura perfeitamente ereta.

— Fugir? - Seu questionamento não soou como a busca de uma explicação, mas como a sugestão para que outro termo fosse adotado, ou melhor, que contestava a veracidade do que havia sido dito.

Desde que me levantei, meu olhar não havia passado pelo meu grupo, num receio de encontrar hesitação em algum deles. Não era hora de vacilar, era agora ou nunca. Infelizmente, teríamos que nos expor nesse processo de emancipação da tirania. Era um preço a pagar.

— Pergunte a ele o que ele e seus amigos sabem desse fogo. - Busquei me manter firme, até notar que havia sido um tanto petulante. - … senhor.

— Pois bem. E o que você sabe sobre o fogo? Por que o senhor estava lá no horário de aula? E justo quando ocorreu o incêndio?

Aquilo soou bem incriminador ou só eu tive essa impressão?

A verdade era o único caminho a ser seguido para que as coisas dessem certo, não tinha por que esconder algo.

— Naruto havia sumido durante o intervalo e ficamos preocupados. Por coincidência, vimos o Toya e os amigos dele ateando fogo ao depósito onde eu mantinha o Shi… Akamaru.

— Está me dizendo que esse incêndio foi criminoso? E que Toya é responsável por isso?

O silêncio que se sucedeu foi intenso, quase ensurdecedor.

— Foi o que vimos com nossos próprios olhos.

— E espera que eu acredite em um absurdo como esse simplesmente porque você diz que viu?  - Sem “senhor”, era um sintoma da irritação dele. - Você mesmo disse que vocês todos fugiram da aula. Como vou saber que não foram só ajudar o Naruto?

Ele realmente iria jogar essa? Já de cara, ele atirava a culpa nos inocentes? Éramos tão indignos assim para, não só termos a palavra desconsiderada, mas também para sermos quase que acusados? Não vai acontecer.

— Bem, a gente nem teria que ir atrás dele em primeiro lugar se o Toya não tivesse essa obsessão por impor dominância sobre todos os alunos através de violência e terrorismo.

— Como é?! - Toya chegava com suas sombras ao lado do pai naquele exato momento. Talvez não tenha sido o melhor timing, mas teria que trabalhar com o que tinha, nem que fosse expor Toya com ele a um pouco mais do que um braço de distância de mim.

— Uchiha, tem noção da complicação que uma brincadeira de mau gosto como esta pode causar? - Diretor Mirose não disse a quem.

Tal pai, tal filho.

— Não tem muitos dias, aposto que Naruto ainda tem as marcas para provar. - Que Naruto me perdoasse pela exposição. - Ele foi espancado por Toya e os amigos dele e foi largado inconsciente na neve à própria sorte.

Enquanto as pessoas naquele círculo formaram um silêncio de cemitério, o aglomerado de gente emitiu sons de surpresa e horror. Vários cochichos se misturaram e passaram a ser só um zumbido de fundo.

— Isso obviamente é mentira! Não é possível que alguém acredite… - Toya esbravejou, mas foi interrompido por um pequeno levantar de mão do diretor.

— Esta é uma acusação muito grave, rapaz. - O diretor agora parecia furioso, mas sua compostura continuava cuidadosamente mantida. Seu filho seguia um caminho semelhante, mas forçava parecer ofendido. - Inventar uma história baixa assim só para gerar escândalo lhe trariam graves…

— Mas é a verdade! - Interrompi-o no calor da indignação. Não era possível que o diretor estivesse fazendo tão pouco de uma acusação sem nem uma apuração ou sequer questionamento pela verdade. - E isso não é de hoje. - Passei os dedos pela testa até que minha franja estivesse destapando-a, revelando a cicatriz ali escondida, ainda avermelhada devido aos seus poucos meses de existência. - No meu primeiro dia de aula, Toya me deu isso aqui por nada. E poderia ter sido pior se eles não tivessem interferido. - Apontei para o meu grupo, sem olhar diretamente para os seus rostos. Seria difícil continuar se visse reprovação em seus olhos. - Com o Naruto, foi a mesma coisa. Não consigo nem pensar no que poderia ter acontecido se ele não estivesse falando comigo no telefone quando topou com Toya na rua.

O diretor Mirose parecia um pouco fora de eixo, talvez pego de surpresa com as histórias, porém, ele logo recompôs sua pose séria, firme e julgadora. Ele estava abrindo a boca para me rebater quando Neji o parou:

— É verdade, senhor diretor. - Neji deu um respeitoso passo à frente. - Como membro do Conselho Estudantil, me envergonho de testemunhar por isso, mas principalmente por me pronunciar a respeito só agora.

A gratidão que senti por Neji - por finalmente alguém estar me apoiando - foi imensa, e abalo domou o diretor mais uma vez por um breve instante. Mas só um instante.

— Mas como você me prova que Toya fez tudo isso?

O Hyuuga abaixou um pouco a cabeça, tentando mostrar respeito e humildade diante de todo aquele emprazamento do mais velho. Aquela pergunta me deu um estalo e imediatamente procurei Sakura com o olhar. Ela estava ali no meio da roda também, me encarando diretamente, como se a mesma ideia tivesse passado pela cabeça dela. Ela me deu um aceno de cabeça, e isso era tudo que eu precisava.

— Eu sinceramente não sei que provas além de nossos relatos e talvez de alguns outros alunos… - Neji tentava falar, até que me pronunciei por cima.

— Eu tenho provas de que foi ele quem causou o incêndio.

O olhar de todos os presentes caíram sobre mim. Incredulidade, apreensão, curiosidade, medo e raiva perfuraram minha pele até a alma. Lutei contra um arrepio e o peso de tanta emoção alheia. Engoli quase que em seco, tentando me preparar para o que faria.

Era agora ou nunca. Agora ou nunca.

— É fácil ter provas pra incriminar se foi você mesmo quem começou o incêndio. - Toya cruzou os braços.

— É um ponto válido. - O diretor concordou. - Vocês estavam aqui fora antes de todo mundo quando começou o incêndio.

— Ele mais ainda! - Afirmei, quase alterado. - Aposto que, se falar com o professor conselheiro da turma dele, vai ter a confirmação disso.

O professor estava ali, claro, a escola toda estava.

— Esse era o horário de autoestudo deles, senhor. - Um homem à frente da multidão disse. - Não tenho como confirmar se alguém estava fora.

— E nem negar. Além do mais, - Estendi os braços com as palmas voltadas para cima, evidenciando, com indignação, meu corpo completamente sujo de fuligem. - eu estava usando aquele depósito para cuidar daquele cachorro, Naruto também sabia dele. Qual o sentido de incendiar um local que estava usando e ainda me prender dentro dele logo depois?

O diretor demorou um pouco além do normal para responder.

— Talvez tenham incendiado sem querer e agora querem jogar a culpa em outra pessoa.

— Coquetéis Molotov, foi isso que o Toya usou. Não teve nenhum acidente aqui. - Rebati imediatamente.

Depois de calcular um pouco os derredores, removi minha máscara de oxigênio, apesar do pequeno protesto dos bombeiros, e caminhei para um local próximo dali, um pouco mais à frente do galpão. Como esperado, lá ainda estava o frasco que havia sido quebrado quando Sakura assustou um dos membros da gangue do Toya ao pular na frente dele. Olhei sugestivamente para aquilo e as pessoas que me acompanharam - todos que estavam na roda de discussão.

— O que tem isso? - O diretor perguntou desinteressado.

— É elementar. Tenho certeza de que uma simples perícia dos bombeiros pode confirmar isso depois. Mas até lá, Senhor diretor. - Chamei-o num tom calmo e esperei até que sua atenção estivesse completamente voltada para mim. - Quando vandalizaram o seu carro?

O homem levantou uma sobrancelha em estranhamento, mas acabou me respondendo.

— Na noite de quinta para sexta e de ontem para hoje.

— E o que mexeram no seu carro? - A cabeça dele recuou um  pouco, estranhando mais ainda minha indagação.

— Isso é… - Ele começou, mas interrompi sua enrolação.

— Por favor, só diga.

— No cárter do motor. Esvaziaram todo o óleo e também boa parte da gasolina do tanque. - Ele disse, claramente a contragosto.

— Ingredientes básicos para se montar um Molotov, certo?

Diretor Mirose me encarou intensamente - durante o que ele queria que fossem desconfortáveis segundos - antes de cautelosamente abrir a boca novamente para me questionar:

— Está dizendo que quem vandalizou o meu carro também é responsável pelo incêndio do galpão?

— Acho que é uma grande possibilidade. - Respondi simplesmente. - Onde estava o seu carro nesses momentos?

Mais uma vez, ele hesitou, mas acabou por entrar no jogo.

— Na minha garagem.

— Sua garagem. Na sua casa. Não na rua ou em um estacionamento, correto? - Era importante especificar muito bem cada detalhe.

— Eu não estou entendendo o que isso tem a ver...

— E você tem um cachorro. Então não é como se qualquer um conseguisse entrar no seu quintal sem alertar meia vizinhança e ainda sair todo mastigado. - Esperava alguma confirmação das minhas afirmações, nem que fosse alguma reação, mas tudo que recebi foi apenas silêncio. - Nessas condições, quem teria acesso ao seu carro?

O silêncio pesado - um silêncio de entendimento - continuou a pairar no ar mais um pouco, até o diretor se pronunciar novamente.

— Isso é um assunto particular, não vejo por que me expor por causa de meras especulações de um aluno.

— Por que me daria o trabalho de mexer no carro duas vezes? - Toya inquiriu, ainda ao lado do pai. Seus braços continuavam cruzados e o queixo erguido alto em superioridade e desafio ameaçador.

— Porque a primeira não deu certo, foi o dia da nevasca. - Repliquei sem mínimo abalo, devolvendo com cinismo toda aquela arrogância jogada a mim. - Não dá para usar coquetéis Molotov no meio de uma tempestade. 

— … Oh. - Alguém do grupo soltou e a mandíbula de Toya tensionou quando ele trincou os dentes.

— Falando na casa do senhor diretor... - Usei a pequena máquina que estava encaixada no meu dedo para mover um lenço que estava ainda encaixado na boca do recipiente de vidro estilhaçado no chão. Movi o pequeno pedaço de tecido até que ele estivesse esticado o bastante para evidenciar o bordado de uma logomarca em seu canto. - Reconhece essa loja? Ela foi inaugurada há poucos dias a alguns metros de sua casa. - Eu mesmo reconhecia muito bem aquele lenço, afinal, foi isso que quase me delatou para o Toya e sua gangue quando eu os estava seguindo. - Estavam distribuindo esses lenços na frente pra fazer divulgação. - Tinha um idêntico no meu bolso, caso quisesse confirmar, mas achei melhor não comentar essa parte.

O diretor olhou curioso e descrente ao mesmo tempo, até que, após seus olhos percorrerem um pouco o seu alvo, seus olhos se arregalaram em reconhecimento, e um pouco de medo passou a desenhar suas feições.

— Como você sabe disso? - Sua voz saiu bem mais baixa do que o normal.

— E realmente importa? - Apenas dei de ombros.

Ele provavelmente estava prestes a me responder que sim, importava e muito, mas logo voltei a falar, a atenção já voltada para o chão novamente.

— E esse vidro aqui. Não parece uma garrafa comum. - Novamente, usei o clipe adjunto à ponta do meu dedo, mas dessa vez para empurrar os pedaços grandes de caco de vidro para mais perto, até que uma espécie de quebra-cabeça 3D incompleto começasse a fazer sentido. - Aposto que vão notar a falta de um balão de Erlenmeyer, e provavelmente outros tipos de frascos, no laboratório de química. O Clube de Química tem acesso livre ao laboratório, não é? Seria fácil pegar uma coisa ou outra sem que um professor notasse.

Eu nem precisava citar ou lembrar que Toya fazia parte desse clube, a expressão do diretor já denunciava tudo - compreensão, tensão, apreensão.

— Ainda não entendo por que você acha que Toya se daria todo esse trabalho para fazer algo tão indigno. - Diretor Mirose voltou a falar, um filete de esperança e convicção se mantinha frágil no seu olhar e voz.

— Vingança? Autoafirmação? - Dei de ombros novamente. As opções eram quase que infinitas. - Ele queimou o depósito onde estão as coisas do Festival de Outono. Fiquei sabendo que ele perdeu uma grana numa aposta de qual seria a escola vencedora. Não que ele precise de desculpa para fazer alguma coisa ruim, ele sempre perseguiu e agrediu outros alunos por nada, então não vejo por que esquentar a ca…

— Cuidado! - A voz de Sakura me alertou bem a tempo de ver Toya praticamente voando em minha direção, mas tarde demais para reagir.

Ao menos consegui me preparar para o impacto, mas ele nunca chegou. No instante seguinte ao aviso de Sakura, Naruto estava na minha frente, e era o seu punho que estava se conectando com o rosto do Toya num estalo alto e ressonante. Ele foi diretamente ao chão descongelado pelo calor do incêndio, caindo de qualquer jeito e levantando água e lama.

Fiquei parado em choque, indeciso se olhava para Toya espatifado no chão ou para as costas de Naruto, que continuava bem firme na minha frente.

Ao fundo, a turba largava o silêncio que havia feito para nos ouvir e foi à completa loucura. Com uma mão sobre a bochecha atingida e coberto de lama, Toya mostrou os dentes perigosamente para Naruto e eu, colocando-se de pé logo para voltar ao ataque, mas Neji e Suigetsu já estavam um em cada lado seu, agarrando seus braços e puxando-o para trás. Shikamaru e Kiba se posicionaram flanqueando Naruto, levemente à sua frente, e plantaram os pés firmes onde estavam. Ainda no colo de Kiba, Akamaru latia com todo seu vigor para o delinquente à sua frente.

Por um momento, tive a sensação de que, não importa quem ou quantos fossem para cima de nós naquele instante, permaneceríamos intocáveis.

— Eu vou acabar com vocês, seus merdas! - Toya esbravejou enquanto chutava o ar e se chacoalhava para se livrar do agarre de Suigetsu e Neji. - Me ajudem aqui!

Engraçado que sequer um dos amigos dele moveu um dedo.

— Toya! - Diretor Mirose chamou em tom de comando, sua voz triplamente mais grave.

Imediatamente, Toya parou de se debater e seus olhos se arregalaram, provavelmente se tocando do que estava fazendo, completamente cegado pela raiva. Ele pôs uma expressão piedosa no rosto, totalmente aquém de sua real personalidade. Ele se soltou das mãos que o seguravam - haviam se afrouxado quando ele parou de tentar avançar para cima de Naruto e eu - e se voltou para o pai com uma atuação digna de TV.

— Você viu as coisas que ele disse de mim… - Suas mentiras foram cortadas imediatamente quando o diretor lhe desferiu um tapa no rosto.

— Nem mais uma palavra. - Ele rangeu entre os dentes, a postura extremamente reta e o olhar do alto agora eram exclusivos para Toya. - Uchiha-san, - Ele voltou um olhar mais ameno para mim, quase que clemente. - peço perdão em nome de meu filho por esse comportamento lastimável. A escola entrará em contato com o seu irmão para relatar o ocorrido e informá-lo de que o senhor estará no hospital para uma checagem mais minuciosa.

Um pouco atordoado, olhei para os outros. Todos estavam com expressões satisfeitas, até mesmo um pouco abobalhadas.

Nós… conseguimos?

Estava sentado em uma maca, no meio da limpeza dos meus dedos (esquecidos por mim e com os cortes mascarados pela tinta vermelha), quando Itachi chegou ao hospital.

— Sasuke. - Ele suspirou aliviado, seu olhar selvagem de um irmão que já havia passado por algo assim se atenuou. Meu irmão me envolveu num abraço firme, mas com cautela, sem se preocupar muito com o médico que me atendia. Ele se afastou, desculpando-se com o profissional com um pequeno curvar do pescoço. - O que aconteceu? - Ele perguntou a mim.

— Uchiha-san, já falamos sobre isso ao telefone. - O diretor Mirose deu um passo ao nosso encontro. Até o momento, ele era apenas uma sombra silenciosa me acompanhando. - Seria melhor não incomodar…

— Quero ouvir a versão do meu irmão. - Itachi o cortou de repente, firme e seco o bastante para fazê-lo recuar fisicamente. - Agradeço pela assistência e cuidado, Mirose-san, mas queira me perdoar, a história que ouvi do senhor me pareceu incompleta.

— Eita. - Fez Sakura, que estava ao lado do médico responsável por mim desde que chegamos.

Ignorando as desculpas do diretor, Itachi voltou sua atenção para mim, incentivando-me a falar. E foi o que fiz: desde o Akamaru até o terror que passávamos na escola sob o comando autodeclarado de Toya. Contei do real porquê de eu parar nos trilhos do metrô meses antes, de quando encontrei Naruto na neve e de como descobrimos sobre o incêndio a tempo de agir porque Naruto havia suspeitado de Toya. Repeti todo o discurso dito ao diretor enquanto o fogo ainda ardia atrás de nós. Quando, inocentemente, usei novamente o exemplo da cicatriz na minha testa, Itachi agarrou o meu pulso, mantendo a mão que segurava minha franja para cima bem parada onde estava.

— Espera, o que foi isso?

— Hm. - Não esperava por essa. - Ele bateu minha cabeça contra a torneira do banheiro. - Resumi.

— Vocês estavam brigando? Ele estava se defendendo de você? - Ok, talvez ele precisasse de algo não tão resumido.

— Não, eu só estava usando a pia mesmo. Ele chegou todo cheio de marra e fez isso depois que ele tentou mexer comigo e não dei atenção.

Apesar de Itachi ser bom em manter uma expressão estóica, pude ver seu rosto começar a desenhar uma irritação profunda.

— E quando foi isso? - Seu tom ficou extremamente sério. Hesitei, incerto com o que ele queria com aquilo.

— Tem uns meses já, foi no meu primeiro dia de aula.

— Ele sabia quem você era?

— Hm… - Tentei lembrar bem de cada pormenor daquele estranho primeiro dia de aula. - Sim? Ele até me chamou de órfão. Mas o que isso tem a ver?

Sakura arregalou os olhos. O rosto de Itachi escureceu, a única pista de que seu humor estava num nível perigoso. Ele se endireitou para uma postura absolutamente perfeita e voltou-se para encarar o diretor de frente. O homem visivelmente encolheu sob o olhar de Itachi.

— Mirose-san, eu espero que o senhor esteja entendendo a gravidade da situação. - Sua voz era fria, até profissional, mas com um fundo sinsitro. Nunca havia visto meu irmão assim. O que estava acontecendo ali?

— Uchiha-san, não vamos nos precipitar. - O diretor ergueu as mãos em pedido.

— Se seu filho sabia quem o Sasuke era, então ele tinha plena noção de que, se agravasse o trauma dele, poderia causar sérios danos a ele, até mesmo matar.

Oh.

— Por favor, Uchiha-san...

— Estamos aqui falando de tentativa de homicídio, senhor! - Itachi incidiu, sua voz mais pesada e ligeiramente mais alta sobressaltou o diretor. - E seu filho deve ter a mesma idade do meu irmão, se não mais. Ele já pode ser condenado perante a Lei, tenho certeza de que o senhor entende isso (N/A: no Japão, a maioridade para se encarcerar um jovem é de quatorze anos).

— Tenho certeza de que podemos chegar a um acordo a respeito disso…

— A vida de meu irmão não está aberta a negociações. Imaginei que isso já fosse mais do que óbvio.

Como eu queria poder filmar aquilo para mostrar para o pessoal depois. O esculacho do ano, e feito pelo meu irmão. Ou o melhor seria o que o Toya sofreu há pouco?

— Sério, Sasuke. - Itachi suspirou cansado, depois de muita conversa e cinco expulsões garantidas. Isso sem contar as ações legais que inevitavelmente virão, principalmente devido ao incêndio. - Um problema desses acontecendo e você não diz nada? Se você tivesse sido mais aberto comigo, poderíamos já ter resolvido isso há muito tempo, e sem precisar de você passando no meio do fogo, literalmente.

Encarei o chão da calçada, agora tão familiar por já estarmos chegando em casa.

— É complicado. - Ofereci num tom de desculpa.

— Imagino que sim, mas isso não é desculpa para… - Itachi se freou no meio da fala quando notou um homem correndo em nossa direção.

— Uchiha Sasuke-san! - Ele erguia para a frente o celular, apontando uma extremidade para mim. - Um comentário, por favor.

Itachi parou de andar de imediato e segurou o meu braço para que eu o acompanhasse. Ele desviou nossa rota para a beirada da calçada e apertou o passo, tentando contornar o homem e as outras pessoas de microfone na mão que se apressavam até nós. Sem muitas opções, segui o ritmo dele, porém, mantinha um olhar curioso e desentendido para aquele monte de gente, que devia ser repórter.

— O que você acha do caso da sua família estar sendo arquivado?

O quê?! Arquivado?

— O quê?! - Expressei, ainda mais confuso.

Vão parar de investigar quem matou os meus pais?!

Itachi puxou o meu braço, e foi aí que notei que quase havia parado de andar. Parecia que minha mente havia travado.

— Vem, Sasuke. - Ele me chamou baixo.

Mas tentei puxar o meu braço de volta, resistindo ao seu comando.

— Itachi, o que ele quis dizer com isso? - Minha própria voz soava distante de meus ouvidos, era como se ela não me pertencesse e estivesse sendo usada por um outro alguém.

— É um furo? - Alguém soltou naquele montueiro de pessoas.

— Temos um furo!

— Você não estava sabendo da decisão da Justiça de determinar o arquivamento? - Uma mulher se apressou em me perguntar, esticando seu microfone para cima de mim.

Itachi voltou a me guiar rápido. Era até difícil ver onde estava a entrada do prédio com tanta gente ao nosso redor.

— Era mesmo você o garoto envolvido com o incêndio no Colégio Senka hoje de manhã? - Isso já era notícia?

— Sem comentários. - Itachi soltou seco, tentando abrir passagem para alcançar o portão. Nesse instante, um forte flash me cegou por um segundo. Enquanto eu piscava para recuperar a visão, Itachi já me segurava atrás dele, cada mão fechada firme em cada braço meu, mantendo-me pressionado contra suas costas. - Creio que todos aqui estão plenamente cientes da idade do meu irmão e do caso com o qual ele está envolvido. - Ele falou alto e com clareza, dando uma pausa para que os repórteres parassem de lançar perguntas simultaneamente e o deixassem falar direito. - Pois acho que devo lembrá-los de que, segundo a Lei, o uso da imagem dele sem a devida autorização está vedado. Portanto, e eu vir o rosto do meu irmão sendo exposto em qualquer lugar, os responsáveis serão rastreados e todas as medidas cabíveis serão tomadas.

Eu mal conseguia prestar atenção nas palavras do meu irmão. Uma estática alta demais fazia sua sinfonia dentro da minha cabeça, anestesiando todo o meu derredor. Quando o zumbido já se desfazia e o mundo parecia mais real, estávamos dentro do prédio, esperando o elevador chegar. Itachi mantinha uma mão tensa em minhas costas, não sabia dizer desde quando.

— É verdade isso? - Minha voz saiu fraca, um tanto rouca, sem muita coragem de dizer as palavras que realmente deveria. Eles vão arquivar o caso de nossos pais? Os assassinos vão permanecer impunes? Você sabia? Não conseguia tirar os olhos dos pés.

Itachi permaneceu em silêncio por um instante. Ele ergueu a sua mão até o meu ombro e o apertou de leve. O elevador tocou sua campainha e sua porta se abriu para nós.

— Conversamos sobre isso lá em cima.

 E era ele quem estava me falando sobre ser mais aberto. Que irônico.


Continua...


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Notas finais do capítulo

Eu tenho uma promessa de muitos anos que finalmente posso cumprir! Uns capítulos atrás, que postei há muitos anos, eu comentei sobre uns livros que havia começado a ler para me ajudar a escrever uma certa parte da história, mas que não ia mencionar ainda para evitar spoilers. Pois bem, a parte era esta aqui que vocês acabaram de ler e os livros são da série de Sherlock Holmes. Eu meio que deixei isso meio óbvio com a pequena homenagem, né? haha
A propósito, já tenho o rascunho do próximo capítulo pronto (e o seguinte a ele também, quarentenei bonito um dia desses) e acho que vocês vão gostar do que tenho preparado pra vocês hohoho



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