Strange escrita por Ananda Ayira


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Bom, como é minha primeira songfic, espero que qualquer erro seja relevado. (Mas me avisem pra que eu corrija.)
Boa leitura, vou deixar o link da música, caso queiram...
https://www.youtube.com/watch?v=BEOXiuFjaN4



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Festas no colegial são quase sinônimo de bebida, casais de “ficantes”, piadas sobre os “ficantes” e sobre os que recusam bebidas. Pelo menos esses são os sinônimos das festas que me obrigam a ir porquê “Vai ser legal.” “Todos os seus amigos vão.” e todas as frases de mesma finalidade: convencer alguém consciente de que não vai se divertir e que todos acham no direito de se colocarem como amigos, quando na verdade, não quiseram falar comigo o ano inteiro.

Meu lugar não é ali e eu nunca vou realmente pertencer a esse grupo de pessoas que se enturma. Nessas festas eu sou aquela pessoa sentada na mesa, sozinha, lamentando as marcas de batom no meu copo de refrigerante.

Eu devia ter ouvido minha intuição diária de não sair da cama no último dia do ano, não vir a essa festa idiota. Mas não, eu tinha que pagar pra ver. Literalmente, a última do ano. É Noite de Ano-Novo, o que poderia dar errado?

Exceto tudo...

Contagem regressiva, 10, 9, 8... Até aí tudo bem. Todos de pé em frente ao relógio, reunidos nos fundos da antiga casa de alguma garota da nossa classe, ninguém se importa se ela tem consentimento dos pais para dar a festa. Copos na mão para brindar o novo ano, a maioria quebrou a tradição do branco na virada, mas com certeza alguém vai me perguntar por que eu escolhi preto (dica: porque eu gosto.), os garotos apagaram as luzes, com a justificativa mentirosa de ver melhor os fogos. Todos eufóricos para “pegar” alguém na contagem de zero.
7, 6, 5... A virada do ano é oportunidade perfeita para quem não conseguiu ficar com ninguém durante o ano, ou está carente, conseguir alguém (pelo menos por uma noite). O que não é o meu caso, poderia dizer que, seria impossível alguém me escolher. A “esquisitona” da classe.

4, 3, 2, 1... Alguém do meu lado segurou a minha mão. E eu gelei por inteira. Zero! A mão de Alguém me puxou para frente. E os lábios de Alguém me beijaram. Óbvio, com o escuro eu não vi quem era. Mas não tinha cheiro de bebida, muito pelo contrário, tinha cheiro de alecrim e madeira molhada depois de dias de chuva. Não me beijava com força, como se quisesse me forçar à algo, mas sim com carinho, com paciência até que eu entendesse o que estava acontecendo.

Bom, nenhum de nós estava bêbado, o copo de refrigerante na minha outra mão e gosto dos lábios dele provavam isso, estava escuro e era Ano-Novo. Por quê, não? Pensei.

Então, fiquei feliz em ter alguém nos primeiros segundos do novo ano. E correspondi contente ao beijo. Enroscando meus braços ao redor de seu pescoço, me posicionei mais perto. Ele percebeu que eu estava mais confortável e envolveu minha cintura com os braços. À medida que nossos lábios se moviam junto ao outro, eu o sentia cada vez mais intenso, mais... Apaixonado. Não sei se seria essa a melhor palavra para um beijo de alguém que eu ainda não sabia quem era. Mas acho que pode ser essa palavra, considerando que essa pessoa me beijava como se tudo em sua vida dependesse disso, mesmo sendo apenas um beijo de Ano-Novo.

Quando ouvi os fogos saí correndo, Alguém tentou me segurar, prendeu minha mão, mas forcei e ele me soltou. Eu queria ver as explosões coloridas no céu escuro, então me distanciei da varanda dos fundos, quase indo pro quintal da frente.

Olhei para trás, enquanto nenhum fogo subia, alguns casais ainda se beijavam, outros brindavam, se abraçavam, gargalhavam, faziam promessas olhando os fogos.

Foi quando reparei, no quão estúpida eu tinha sido por beijar alguém à meia-noite...

Ali, alto, no meio do monte de abraços e brindes, de camisa branca, cabelos pretos bagunçados, sorrindo para todos que cumprimentava, estava Luciano. Esse garoto tem mais garotas aos seus pés do que Apolo descido do Olimpo. A maioria das garotas já ficaram com ele ou estão tentando ficar com ele desde a sétima série. Pode-se dizer que ele é o “cara mais perfeito da escola”. Não posso discordar, ele é mesmo lindo pra caramba. Isso é um fato imutável. Talvez, só talvez eu goste um pouquinho DO SORRISO dele, mas só isso. Mas minha apreciação de vista só durou até que eu notasse manchas vinho-escuro em seus lábios. Por favor, sejam manchas de bebida na boca dele. Sejam manchas de bebida! Gritei em meus pensamentos repreendendo a mim mesma.

Pronto! Estraguei tudo! Eu tinha me tornado apenas mais uma das muitas garotas que já haviam ficado com Luciano. Eu definitivamente, não queria ter começado meu ano assim. Me tornando apenas mais uma na lista de “já beijei” do garoto mais cobiçado da turma e talvez até da escola.

Assim que ele abraçou alguns amigos, começaram a apontar as manchas gargalhar ainda mais alto. A maioria das garotas estava de batom vermelho, rosa ou até mesmo alaranjados. Mas nenhuma de batom vinho. Exceto eu. Me virei de costas antes que reparassem no meu. Mas já era tarde...

Ouvi alguém falar meu nome.

Antes que alguém viesse atrás de mim, dei um jeito de dar a volta na casa entrar na porta da sala e correr para o banheiro.

Tranquei a porta assim que entrei. Olhei para o meu reflexo com batom falhado com repulsa. Como eu pude fazer isso? Eu NÃO sou esse tipo de garota, que fica com qualquer um em uma festa. Eu não bebi, nem um pouco! Como isso foi acontecer? Minha vontade era de socar a mim mesma tão forte que eu quebraria minha própria cara. Me apoiei com as mãos na pia. Garota estúpida, idiota! Idiota, idiota, idiota! Mentalmente, eu estava batendo muito na minha cara.
Espera! Interrompi minha auto flagelação mental. Foi ele quem me beijou! E eu não sabia quem era até olhar para trás.

Por que diabos ele me beijou?! Com tanta garota louca atrás dele, uma mais perfeita do que a outra, lindas, muito mais do que eu. Mais dispostas a ficar com ele do que eu. Tantas coisas mais do que eu... E por que ele me beijou daquele jeito?! Com tanta vontade, ele realmente quis me beijar, ele tinha alguma intenção por trás daquele beijo... E droga, ele beija bem. Odeio ter que ficar com raiva de coisa boa. Me deixa chateada comigo mesma, por achar que é uma coisa boa e ter motivos pra odiar isso.

Olhei de novo no espelho, me sentindo menos mal comigo mesma mas, odiando as falhas no meu batom. Minha bolsa pendia no meu ombro, abri e procurei o batom vinho-escuro que passei antes de sair de casa. Consertei as falhas em meus lábios. Nenhum garoto, vale a pena chorar no banheiro em pleno Ano-Novo, Beatriz. Nem mesmo o Luciano. Aconselhei-me. Tá bom, não é o seu melhor início de ano, mas provavelmente ele vai fingir que você nem existe o resto da festa. (Pelo menos foi isso que ele fez com a Jéssica, a Marcela, a Lívia, a Mariana e mais uma porção de garotas que ela já ficou nas festas da classe). Isso pode ser bom, vai te ajudar a esquecer esse início de ano desastroso. Me encorajei enquanto checava se havia consertado todas as falhas no meu batom.

Aproveitei para arrumar meu cabelo. As mechas azuis na minha franja estavam do lado errado. Precisava desarrumar meu cabelo pra me beijar, Luciano? Acho que não... Pronto. Franja caindo do lado certo, batom sem falhas, não sei que milagre ocorreu que me impediu de chorar, mas agradeço à minha estrela da sorte, minha maquiagem foi poupada.

Abri a porta. Estava tentando sair despercebida pelo corredor, quando uma vozinha irritante e falsa, seguida de um som do salto de alguém que anda com a graça de um pelicano bêbado, me param:

-Bia! – A voz dela muda dois tons mais agudos pra falar comigo, talvez para que eu pense que ela está tentando ser amigável mas eu sei que ela nunca será minha amiga. Fico muito feliz, por isso. Adoro ficar distante dela.

- Ei, Gi. – Respondo dando meu melhor para fingir entusiasmo.

- Tá todo mundo comentando que o Lu começou o ano de boca cheia. – Comentou irônica, senti inveja na voz dela.

Ela já havia ficado com ele uma vez, mas ele deu um gelo tão horrível nela depois que até eu fiquei com pena. Ela ia tentar fazer eu me sentir péssima por ter beijado ele, mas eu não ia deixa-la fazer isso.

- Não Giovana. O Luciano começou o ano dele me beijando. Mas obrigada pela imagem nojenta, apesar de desnecessária, do fato. – Ela não era tão boa em ironia quanto eu. – E eu não dou a mínima pro que raios o pessoal esteja comentando.

Eu ia me virar para deixa-la pra lá. Mas ela parecia determinada a me tirar do sério.

- O Luciano pode até ter te beijado na virada do ano. Mas ele nunca vai querer nada com você. – O quê?! Ela acha que eu quero alguma coisa com ele? Ai meu Deus.

- Ótimo, eu não suporto a ideia de ele ao meu lado. – Ela me olhou como se eu tivesse dito o delírio mais insano. Como se eu fosse uma louca. – Ah, qual é, Gi. Eu, a líder das alcunhadas de estranhas, e o senhorzinho Perfeito? Faça-me um favor... – Eu nunca sequer pensei nele de outro jeito que não fosse merecedor de pena. - Não transforme um beijo de Ano-Novo em um monstro de sete cabeças na sua cabeça paranoica.

- Eu não sou paranoica. Só acho que ele devia estar com a pessoa certa que, por acaso, sou eu. Ele só não consegue perceber isso... – Coitadinha, tão iludida. Pensei.

- Gi, acorda pra realidade... – Dei as costas, ela ficava ridícula de tanto tentar agradar ele, na esperança inútil de que ele voltasse pra ela. Eu tinha pena dela.

Ela continuou a tentar espernear, e acabar comigo mas comecei a andar e a deixei falando sozinha. Às vezes, acho que essa é minha única habilidade especial.

Minha capacidade de simplesmente me afastar das coisas antes que se transformem em outras ainda maiores e, consequentemente, piores. Foi sempre assim na minha vida inteira. Me afastar é a única coisa que consigo fazer direito.

O Sr. Perfeito, era o que eu gostava de classificar na minha mente como “Perigo - para as idiotas”, afinal, apenas garotas realmente estúpidas quando acabavam ficando com ele, tinham esperanças de serem notadas por ele depois. Ele nunca dava a mínima para as garotas depois de alguns amassos. E essa atitude dele, me fazia ter motivos para odiá-lo. Sr. Perfeito, trata garotas como descartáveis, ele é um completo idiota quando se trata de tratar uma garota de maneira descente.

E se eu soubesse que o beijoqueiro de Ano-Novo era Luciano, eu teria virado um soco na cara dele antes que ele me beijasse. Ele era o último garoto que eu queria minha imagem relacionada. E esperava que eu fosse a última garota que ele iria querer beijar de livre e espontânea vontade. Eu não era nem um pouco parecida com as outras que ele geralmente escolhia. Não apenas porque eu não era louca por ele. Eu tinha opiniões diferentes, me vestia diferente, tinha gostos diferentes. E eram poucos os que me compreendiam, a quem eu realmente chamava de “amigos”. A grande parte apenas revirava os olhos me reprovando. E eu pouco me lixava pra isso.

O som das minhas botas, no piso de madeira, é a única coisa que me mantém na realidade. E meus passos não demoram alcançar a porta. Eu sei que meu plano era voltar para a festa. Mas acho que perdi o pique de comemorar o início do ano. Posso simplesmente ir a pé até minha casa, minha tia ainda estará no trabalho, de qualquer jeito. Então continuo andando, a música alta, as vozes e a diversão nos fundos cobrem a minha ausência, além da minha escapada.

O portão foi deixado aberto, talvez algum dos casais tenham decidido irem ficar sozinhos em algum lugar. Isso facilitava ainda mais eu sair sem ser percebida.

Após passar o portão gradeado e pequena árvore na calçada. Abri a bolsa para procurar meu celular e fones, quando uma voz, me fez pular de susto.

- Bia. - A voz, infelizmente, eu reconhecia, das vezes em que os professores pediam que alguém lesse o texto das apostilas em voz alta.

Luciano estava ali encostado na parede. Mesmo na sombra da árvore, não era difícil enxerga-lo, a camiseta branca mais a pele cera de vela de igreja, não o ajudavam a ficar escondido ali. E mesmo assim, eu não o havia notado.

- Luciano, Quer me matar de susto? – Pus a mão no peito, ainda palpitando o susto. - O que você tá fazendo aqui? De você, eles sentem falta. – Eu queria seguir meu caminho e nunca mais pensar sobre aquela noite de Ano-Novo e o que aconteceu à meia-noite.

- Eu precisava falar com você. – Odeio essa frase. Agora, que a palpitação tinha parado... Olá, infarto!

Ele deu alguns passos pra frente, saindo da sombra da árvore. A única luz era a do poste há alguns metros de distância, uma luz amarelada. Mas que deixava tudo um pouco mais claro. Exceto seus olhos, que deveriam ser castanhos escuros, mas talvez por causa da pouca luz, parecia pretos. E logo abaixo deles, Luciano tinha olheiras, leves, mas olheiras.

- Escuta, sobre... – Ele estava completamente desconcertado. Provavelmente, um teatro que ele devia usar com todas as outras.

- O beijo? – Adiantei. Eu realmente não ligava para todo esse teatro que ele estava prestes a armar. – Não precisa me pedir pra esquecer, será um prazer.

Ele pareceu surpreso com o que eu disse. Acho, que ele não era acostumado, que a garota pulasse a parte do drama. Ele analisou meu rosto sem emoção. Ele parecia querer falar alguma coisa sobre o que eu disse, mas que não queria sair.

- O que? Não era isso que queria me dizer? – Aquele sido meu palpite, eu nunca soube exatamente o que acontecia entre ele e as garotas que ele já havia ficado.

- Não, era isso. – ele piscou duas vezes antes de falar. Como se estivesse guardando de volta o que realmente queria ter dito. Sei disso, porque faço muito isso. Mais até do que deveria. – É exatamente isso que eu queria te falar.

Ele parecia extremamente decepcionado. Por quê? Não era isso o que devia acontecer? Ele deu as costas e caminhou devagar de volta para a festa. Eu me senti horrível, paralisada naquele momento. O desapontamento no rosto dele, eu pude ver tristeza em seus olhos. Não entendi essa situação, do mesmo jeito que não entendo trigonometria. Minha vontade era de fazê-lo voltar, mas ao mesmo tempo, deixa-lo se afastar era mais fácil. E me afastar mais ainda, me tiraria dali.

Então, saí da minha paralisia momentânea, coloquei os fones e liguei a música no meu celular.

Lei da minha mente: Música ligada, problemas e pessoas desligados.

Eu sabia por que eu não queria minha imagem relacionada com a de Luciano, em momento algum. Porque, Sr. Perfeito e a Esquisitona, não eram apenas apelidos eram de fato, a realidade. Luciano tinha tudo para ter a vida mais perfeitamente normal e feliz possível. Enquanto, eu vivia cheia de problemas, onde quer que fosse. Então, eu sabia que qualquer aproximação era um risco, para ambos.

Meus problemas eram algo que eu nunca quis deixar transparecer, não queria ninguém metido neles, por isso me escondia debaixo do delineador preto, das roupas de couro, das mechas azuis no meu cabelo. Afastavam as pessoas. Eram um método eficiente.

E ninguém, muito menos, o Sr. Perfeito, se aproximaria de alguém assim. Bom, era isso o que eu pensava até a meia-noite. Pensei. Ele quis se aproximar de mim, e não podia deixar isso acontecer. Sabia o que acontecia quando se aproximavam de mim.

Percebiam o quão problemática eu era e logo se arrependiam. Iam embora. Me deixavam em pedaços. Não deixo ninguém se aproximar demais. Vai acabar se sentindo culpada pelos meus problemas, tomar minhas dores, se torna alguém tão problemático quanto eu... E isso é um fardo que não quero que ninguém, nunca, seja forçado a carregar.

A casa em que eu morava com a minha tia não era tão longe, e as ruas estavam completamente desertas.

A música alta nos meus fones bloqueou meus pensamentos, antes que eles me aborrecessem demais. Não gostava de ter tempo para pensar, lembrar meus problemas, me derrubava e eu não controlava minhas lágrimas depois de lembra-los. Então, a solução fácil: Esquecer.

Quando cheguei em casa, umas cinco ou seis músicas depois, minha tia ainda estava no trabalho. Eu ia ficar sozinha, o resto da noite. Talvez eu a visse amanhã durante o dia, já que ia ficar em casa. Mas, ignoraríamos uma a outra como o costume.

A casa era pequena. Sem nada que convidasse para entrar, nem mesmo um jardim. O portão fechado de ferro, pintado de marrom. Quintal de cimento, completamente vazio, sem o carro da minha tia. A estreita porta pintada de cinza com vidraças. E, por dentro, a casa era decorada apenas o suficiente para que não faltasse nada que precisássemos. A sala só tinha o necessário para ser chamada de sala, um sofá e uma televisão, que raramente assistíamos juntas e sem conversar.

Meu quarto, foi decorado para mim quando eu tinha onze anos, mas minha tia me deixou ditar como eu queria. A única coisa que ela fez por mim para me provar que eu era bem-vinda ali. Paredes roxas, que aos poucos foi cobrindo com pôsteres de filmes e bandas, e as cortinas de tecido azul-marinho, que faziam bem o trabalho de não deixar entrar muita luz, e um escrivaninha com um computador, pouco velho mas dava pro gasto, e minhas coisas da escola e meus livros favoritos.

Me joguei de costas na cama, fitando o teto sem tirar os fones, diminui o volume dos fones e pude ouvir meus pensamentos novamente.

Lembrei da meia-noite, de Luciano, do que senti durante aquele beijo infeliz. Uma mistura de surpresa com um carinho que eu quis dar sem saber. Eu quis aprofundar aquele beijo. Eu quis.

Lembrei da decepção no rosto de Luciano quando disse que seria uma prazer esquecer aquele beijo. Me abriu uma ferida vê-lo daquele jeito, e por minha causa. Aquilo tudo era muito estranho.

Pausei a música, bufei sozinha, puxei os fones. Me sentei na cama e tirei a bolsa do ombro. Enfiei a cara nas mãos. Que droga de ano havia acabado de começar! Pensei enquanto desamarrava os cadarços das minhas botas e as atirava para baixo da cama.

Luciano nunca havia insistido em alguém. Agradecia quando uma garota desencanava, e entendia que nunca mais ia ficar com ele depois de uma ficada. Todas as meninas sabiam disso, e ainda sim se iludiam tentando conquista-lo de um jeito que ele voltasse a querer ficar com elas. Porque ele veio conversar comigo? Aquele “Era exatamente isso que eu queria te falar” foi mais falso que o meu sorriso nas fotos da classe.

Eu não queria Luciano se aproximando de mim, mas queria entender porque ele havia me beijado, porque ele veio conversar comigo sobre aquele beijo, porque ele ficou triste quando eu disse que esqueceria.

Puxei a bolsa e a pendurei em um dos ganchos na porta do guarda roupa. Desabotoei meu pingente de pedra granada vermelha, a pedra do meu signo. Me livrei do colete de couro, da blusa e da saia de tecido preto desfiado. E vesti as primeiras peças que encontrei na minha gaveta de pijamas. Um short verde-escuro e uma blusa branca com estampa de corujas roxas.

Mais confortável, fui para a cozinha atrás de alguma coisa para comer. Já que não consegui terminar de aproveitar a comida boa da festa. A cozinha não passava de uma mesa cercada por armários com desenhos de grãos de café nas portas mais o fogão velho e a geladeira.

Abri um dos armários e peguei um dos pacotes de bolacha recheada de chocolate. E me joguei no sofá da sala. Liguei a tv, enfiei mais uma bolacha na boca, todos os canais ainda estavam transmitindo a explosão de fogos em vários lugares do mundo.

Menos de meia hora depois eu já tinha terminado o pacote inteiro. E ainda estavam mostrando as festas de Ano-Novo em lugares como Londres, Paris e Rio de Janeiro. Bocejo, as festas são todas iguais, gente feliz na meia-noite, mas que quando acaba lembra a vida ruim e – Táh dá – voltam a cara que tem todo dia quando acordam e enfrentam a vida normal. Desligo a tv.

Chega dessa noite, quero acabar logo com isso. Que essa noite termine e que tudo que aconteceu nela seja esquecido. Escovei os dentes, removi toda a maquiagem, incluindo o batom vinho-escuro, e me enfio debaixo do meu lençol, coloco um travesseiro sobre a cabeça e abraço o outro.

Demoro um pouco para dormir, por conta dos pensamentos um tanto agitados, mas adormeço.

Acordei na manhã seguinte completamente esparramada na cama. Devo ter me virado umas setenta vezes. Olhei no relógio do meu celular na mesinha da cabeceira, o que eu achei que era manhã era, na verdade, três e meia da tarde.

Ainda de pijamas eu levanto, ainda meio sonolenta, pego meu celular e me arrasto até a cozinha. Encontro o bule de café na mesa. Minha tia deve ter feito quando chegou de madrugada, a ouço roncar de seu quarto. Ela deve estar exausta.

Encho minha caneca. Preparo algumas fatias de pão com, muito, requeijão. Checando minhas mensagens e perfis enquanto tomo café. As fotos durante a festa de ontem, foram postadas. E chovem curtidas e comentários.

Abri minhas mensagens. Grupos de bandas, séries e até de livros, pessoas que não conheço mas que considero mais minhas amigas do que qualquer uma que eu vejo. Nenhuma dos meus pais, de certo, estão muito ocupados sendo dois idiotas. Uma mensagem, a mais recente, é do Luciano.

Abri a conversa.

Luciano: Oi Bia, desculpa, foi a Carol me passou número.

Luciano: Eu menti. Ñ era aquilo q eu queria te falar...
Será que a gnt pode se encontrar?

Eu: Claro! Pode ser na pracinha da cruz? É q é perto da minha casa XD

Quase no mesmo minuto veio a resposta.

Luciano: Claro! Chego lá em meia hora e vc?

Eu: 10 min e tô lá.

Três coisas: A Carol ia me pagar caro por isso, eu seria capaz de matá-la, ela era única da classe com meu número e era apenas para ficar mais fácil de pegarmos a tarefa uma da outra. Eu estava com muito medo do que Luciano realmente queria me falar e muito mais de ir me encontrar com ele, sozinha. E me arrependi tanto de ter um encontro perto de casa.

Terminei de tomar o café e comer as fatias de pão. Escovei os dentes e voltei para o quarto. Abri meu guarda roupa e puxei um macacão curto preto, ajustei as alças, franzindo a frente e amarrando na frente do peito. E peguei as botas em baixo da cama e as calcei. Prendi os cabelos numa trança.

Peguei meu pingente de granada, algumas pulseiras de couro com pingentes de coruja, estrelas e luas. Risquei os olhos com o lápis preto, ergui os cílios com rímel e passei brilho violeta. Me orgulhava de ter uma coleção de batons e brilhos em tons de roxo, que iam de lilás até o vinho-escuro, que usei na noite anterior.

Peguei minha bolsa na porta do guarda roupa e peguei as chaves na mesa de centro na sala. Joguei o celular e os fones de volta na bolsa. Me certifiquei que minha tia ainda estava dormindo e tranquei as janelas antes de sair pela porta da sala. Tranquei também o portão.

A pracinha da cruz, não passava de uma praça muito pequena, com apenas três bancos e uma enorme cruz branca no meio. Nunca vi ninguém que parasse naquela praça para ver o tempo passar, como geralmente fazem em qualquer outra praça.

Me sentei no único banco de costas para o sol e perto da cruz. Eu não sabia o que esperar dessa conversa. Luciano e eu nunca tínhamos trocado mais que umas palavras, na sexta série quando fizemos uma prova em dupla de química. E depois nunca mais sequer trocamos olhares. Até ontem.

Fitei do outro lado da praça uma silhueta alta e magrela de camiseta vermelha e jeans escuro, que conforme se aproximava reconheci, era Luciano. Levantei do banco, e fui até o lado da cruz. Olhando enquanto ele se aproximava.

- Achei que você não ia vir. – Comentou ele, sorrindo. De fato, ele tinha um sorriso incrivelmente lindo. Que fazia sumir suas olheiras e iluminavam completamente seu rosto.

- Quando uma pessoa me diz que quer falar algo comigo, o mínimo que posso fazer é escutar o que ela quer falar. – Respondi na educação falsa que uso com qualquer um.

Ele analisou meu rosto como se procurasse algo nele, vasculhando cada milímetro com seus olhos negros. Aquele castanho, quase preto, me fez me sentir mal por gostar tanto de preto. E, por consequência, acabar fixada naqueles olhos.

- O que você quer? – Perguntei mais dura do que queria ser. E meu coração se apertou e se contraiu como quem se prepara para receber uma pancada.

- Eu só queria que você soubesse que - Ele fez uma pausa tomando fôlego. - eu, realmente, quis beijar você. E não foi porquê talvez você seja, na verdade, era – Ele deu um risinho. – a única garota que não esperava por isso, nunca realmente mostrou interesse por mim, nunca quis nada a ver comigo.

- Correção, Luciano. – Interrompi. – Eu ainda sou, talvez, a única garota que não tem interesse por você e não quer ter nada a ver com você. – Tá bom, essa parte podia ser um pouquinho mentira. Mas ele não precisava saber. -. Se eu soubesse, naquele momento, que era você que estava me beijando eu teria virado um tapa, e meu copo de refrigerante, na sua cara. Me desculpe.

Me doeu dizer aquilo, no fundo de mim uma voz gritava que não era aquilo que eu queria dizer para ele. Mas eu sabia que não dizer era dar uma chance para uma aproximação que eu não me permitia. Nós nunca daríamos certo. Era perda de tempo tentar. Era perda de tempo até mesmo dar margem a um sentimento como esse entre nós.

As pessoas já eram cruéis comigo, meu jeito de me vestir e de falar com elas, e muito menos eram compreensivas com quem me suportava – perdi as contas de quantas vezes Carol foi alvo de piadas por minha causa -.

- Eu não ligo. Sabe, - Ele me olhou nos olhos. Embora, não havia nada de interessante para se olhar neles. Eram pequenos e castanhos. – na hora que o Rafa apagou as luzes ele brincou: “Escolham suas garotas da meia-noite!”. Eu disse que você seria a minha e todos caíram na gargalhada e me empurraram pra cima da Giovana, mas eu escapei dela antes que ela percebesse que eu estava do lado dela. Eu cambaleei no escuro até encontrar uma mão, particularmente fria. – Droga. Pensei. Essa historinha não pode me comover. Não pode. E não vai. – Tive que adivinhar que fosse a sua.

- Por favor, não me diga que... – Ele também não sabia? Não sabia que era eu? Fiquei pasma, provavelmente gelei mais do que o normal. Sempre tive problemas com minhas mãos e pés sempre frios.

- Eu também não sabia que tinha te beijado. Pelo menos, não até o Rafa apontar pra todo mundo que a única garota de batom escuro era você. – Ele riu de novo. Vou ter problemas de concentração se ele ficar rindo... – Era você.

Ele se aproximou até que nossos narizes batessem e colássemos as testas. Ainda sorrindo hipnoticamente para mim. Impulsivamente, fechei os olhos, quebrando meu transe por aquele sorriso. Ele segurou meu rosto em suas mãos.

- Era você. – Repetiu ele, num sussurro quase inaudível.

- Luciano, eu não posso fazer isso... - Abri meus olhos e me afastei, tirando as mãos dele do meu rosto. – Eu não posso ficar com você. Nós não... – engoli em seco – Não daríamos certo.

- Por que não? Por que, se você não deixa nem tentar? – Questionou ele.

- Pra quê tentar? Dá pra saber muito bem como vai terminar. – Minha voz soou alterada. – Você nunca fica com uma garota só. Vai cansar de mim amanhã cedo e procurar outra.

- Não. Eu não me cansaria de você. Eu te conheço, tenho observado você de longe, todo esse tempo. E sei que nunca me cansaria de você. – Ele estava tentando me comover. E. Droga, ele estava conseguindo. Meu coração sacudiu ao ouvir aquilo. Ele, queria insistir. Ele, realmente, queria ficar comigo. E não apenas por um dia.

Aquilo não podia estar acontecendo de verdade... Eu tinha que ter uma reação, Eu tinha que afastá-lo.

- Francamente, Luciano. Você tem qualquer garota aos seus pés. Todas completamente loucas por você, desde a sétima série, e todas, sem exceção alguma, tão perfeitas quanto você. Mais lindas e deslumbrantes que eu em qualquer sentido. Por que raios você acha que EU seja uma boa pessoa, pra você?

- Bia, essas garotas podem até ser “perfeitas” – Ele revirou os olhos. - e, realmente, serem apaixonadas por mim. - Ele fez uma pausa – Mas eu sou apaixonado por você. – O olhar profundo dele nos meus olhos me puxou a olhá-lo. - E nenhuma dessas garotas muda isso.

Droga. Ele não podia ter feito isso. Eu não queria magoá-lo. Mas eu não podia deixar o que eu senti ao ouvir tomasse conta de mim. E me fizesse esquecer tudo que aconteceria se ficássemos juntos.

Eu não suportaria, vê-lo carregando os meus fardos junto comigo. Era exigir demais, era peso demais. Eu não tinha esse direito, deixa-lo sofrer comigo. Não seria justo. Corações partidos, se curam, param de doer mais rápido do que dezesseis anos de angústia e auto desapontamento.

- Luciano, eu não posso ficar com você. Não tem nada de errado com você, sou eu. Eu não vou suportar te ver passar tudo o que vai acontecer se você ficar comigo. Eu, - Um soluço se formou na minha garganta. – eu também sou apaixonada por você. E é por isso que não posso ficar com você. Eu não quero te ver sofrer. Do jeito, que eu sofro. Você merece bem mais do que o sofrimento que eu posso oferecer.

Não consegui lutar as lágrimas que começaram a escorrer no meu rosto. Limpei minhas lágrimas com as mãos, com certeza borrei o delineador e agora devo estar parecendo um panda, só que sem ser fofo. Luciano pegou minhas mãos antes que eu as abaixasse. E entrelaçou nossos dedos.

- Você não vai me fazer sofrer. – Disse ele levantando minha cabeça.

- Eu vou sim, eu faço isso com todo mundo. Fiz isso com meus pais e eles se separaram por que eu não era a filhinha dos sonhos deles. Eu sempre fui uma decepção pra eles. – Eu não sabia porque estava falando isso na frente dele. Talvez fosse porque me abri e agora tudo que estava dentro de mim estava saindo em disparada, sem filtro algum. – E eles nem se preocuparam em lutar por mim. Pela minha guarda. Foi um alívio me despacharem pra minha tia.

- Ei, - Ele enxugou com o polegar uma das minhas lágrimas. – Eu não vou me decepcionar com você. Eu não vou deixar de lutar por você. Você é meu alívio.

Ergui os olhos até encontrar os dele. Vi lágrimas nos olhos dele também.

- Minha vida tem sido um inferno também. Eu ficava com uma garota por semana, pra tentar esquecer toda essa porcaria de vida que tenho. Mas eu estava apenas me enganando. Me mantendo longe de quem eu mais queria estar junto. Você. – Uma das lágrimas dele rolou no canto de sua bochecha. - Você nunca deu bola pra minhas burradas. Nunca se importou o quão estúpida e vazia era a minha vida. Você era única pessoa, realmente, no meu coração esse tempo todo. A única coisa que me fazia suportar todas as asneiras que eu fazia era pensar em você. Que você não se importava. E isso me dava coragem pra continuar fazendo minhas burradas até um dia conseguir te falar tudo que eu sempre quis dizer.

Ele me puxou perto, até nossos lábios se encontrarem. E passou meus braços envolta de seu pescoço, me enroscando nele, e me envolveu pela cintura. Eu me deixei levar. Me agarrei à ele como uma criança em desespero se agarra a quem a dá segurança no fim de tudo. Puxando-o para mim, com as mãos em sua nuca e seus cabelos. Meu coração derramava tudo que eu escondi desde aquela prova de química na sexta série.

Pelo menos, cinco anos de sentimentos contidos. E só agora, tudo vinha à tona. Depois de termos nos encontrado e sem saber nos declarado um ao outro na meia-noite do 31 de dezembro.

Nos primeiros segundos do novo ano, e quando não sabíamos quem éramos. Sem querer, sem verdadeiros planejamentos, sem promessas, sem saber. Sem razão. Nós nos encontramos.

No momento certo de nossas vidas. Quando ele estava no inferno, ele me achava um alívio. Apesar dos meus pesares e da minha teimosia. Das minhas esquisitices e do meu passado. Do meu estilo e do meu cabelo azul. Das minhas dores e das dele.

Naquele beijo, na claridade das quatro da tarde, toda a escuridão das nossas vidas desaparecia. E se abria um céu claro. Espantava meus medos e acalmava o coração dele, que batia de encontro ao meu. O que eu sentia era estranho. Muito estranho.

Era como se eu não fosse mais tão estranha, nos braços dele. Eu era apenas eu. Eu não queria mudar e não queria muda-lo. Podíamos ser o que éramos. Juntos.

Talvez algum dia acabássemos percebendo. Que, realmente, seria estranho o Sr. Perfeito e Esquisitona andando de mãos dadas. Mas o que é estranho é sempre, na verdade, o mais perfeito e mais incrível sentimento.

O amor sempre foi, sempre será, o mais estranho sentimento que se pode sentir. E nunca será completamente perfeito. Pois é o que o torna estranho que o torna tão belo. E o que nos uniu, foi o fato de esse sentimento estranho ter uma queda pelo que parece impossível e sempre. Sempre. Se prova possível.

No final das contas, perfeição e estranheza realmente combinavam...


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Me deixem saber, estou curiosa!
Espero, que tenham gostado, e se não gostaram me deixem saber também. Quero entender vocês.
Então, obrigada por lerem. Eu realmente agradeço!
Um enorme beijo! :*



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