O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 31
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Alguns pontos que eu, Jack Wolf, quero esclarecer:
1º) não, este AINDA não é o fim de Daniel Boone. Eu vou fazer um episódio especial de agradecimentos no qual vocês vão entender o porquê disso.
2º) sim, tá sem banner porque decidi postar de surpresa e não deu pra fazer.
3º) EU SEI QUE HOJE É QUINTA-FEIRA E NÃO QUARTA! Só quis surpreender vocês um pouquinho, mais do que eu e a Lola já surpreendemos na fic toda.
4º) Procure a playlist da fic no Spotify, dê play em modo aleatório e boa leitura!



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Estado de New York

27 de Janeiro de 2020

Três anos, nove meses e onze dias depois da facada que não me matou

O plano era simples: arrastar meus amigos Peter e Raven para New York — com o consentimento deles, claro — para alugar um apê que coubesse nós e nossas coisas, cada um escolher sua faculdade e se virar nesse quesito. Talvez arranjar um lugar que quisesse três funcionários de uma vez, mas se não, cada um poderia pegar seu próprio emprego e passar horas desabafando sobre as desventuras da cidade grande ao fim do dia. No fim das contas eu daria meu jeito de ter meus trabalhos literários e musicais reconhecidos, ganharia um prêmio e o dedicaria a meus amigos, meu pai, meu tio e ao meu namorado, seja lá quem fosse.

Mas o plano se saiu melhor que o esperado. Eis a razão.

Acordar com o barulho dos carros lá no asfalto da avenida que rodeia o prédio de apartamentos onde você mora e com o sol batendo bem na sua cara com uma ajudinha da “ilha de calor” formada pelos grandes prédios da cidade? Não tem preço. Não mesmo, eu não pago aluguel mensal para receber isso em troca. MAS: acordar com seu namorado em cima de seu corpo, depositando beijos em cada parte de seu peitoral agora definido pelos dois anos de academia que você carrega fisicamente, enquanto repete “bom dia, amor” entre os beijos? Por isso vale a pena sofrer com a ilha de calor chamada New York.

— Bom dia, Klaus — digo em voz baixa, mas o suficiente para que ele ouça.

— Você estava me notando esse tempo todo? — Ele pergunta, me encarando nos olhos.

— Depende de há quanto tempo você está tentando me fazer ter uma ereção a essa hora do dia — respondo na cara dura.

Pois é, o tempo me fez ser mais cara de pau do que antes. Sinceridade em primeiro lugar.

— 20 minutos.

— Então estou prestando atenção em você há 19 minutos — abro um sorriso amarelo, e ele dá um tapa no meu pescoço antes de colar seus lábios na mesma região.

— Não me faça puxar sua cueca para baixo agora mesmo, por favor — Klaus sussurra em meu ouvido, e meus pelos todos eriçam na hora.

— Não se preocupe — o puxo de encontro aos meus lábios, por uns cinco ou seis segundos — eu preciso ir ao estúdio com o Andy. Ele quer usar minhas composições agora que mais pessoas conhecem o trabalho dele.

— Ah, sim. Agora sim ele terá um álbum definitivamente de estreia, não é? Aquela gravadora independente ficou com todo o trabalho do Andrew depois que ele viu que o contrato não daria certo — ele se afasta, dando espaço para que eu me levante da cama.

— Filhos da puta, isso que eles são. Felizmente o meu tio guardou as melhores composições pros álbuns que virão depois — vou direto ao guarda-roupa procurar algo que me faça parecer um Daniel Arthur Boone apresentável aos caras da gravadora nova do meu tio — o que eu visto, amor?

— Usa aquele conjunto que eu amo, ué…

— Você quer dizer, meu pijama dos Minions? — Viro-me para confrontá-lo, e o pego rindo de mim mesmo.

— Eu luto pelo direito de todo mundo sair de casa com pijamas — Klaus se levanta da cama, e eu sei exatamente o que ele está prestes a fazer: amolecer meu coração e não me dizer que roupa eu uso — sim, essa frase é da sua melhor amiga Melanie, e não deixemos a Raven ouvir isso… mas estamos todos conectados agora. Vou usar a frase dela sim e você não vai me impedir — eu abro a boca para contra-argumentar, mas ele põe seu dedo indicador em meus lábios — não fala nada que eu não saiba, por favor. Já cansei de saber que não posso usar meu charme contra você em momentos tão importantes.

— Vai se foder — exclamo veemente, empurrando-o de volta para a cama e voltando as atenções para meu guarda-roupa.

Assim que escolho o traje idealizado na minha mente — uma camisa de mangas longas azul-clara, uma calça jeans mais escura e meu quase surrado All-Star de tanto que uso — sinto dois braços envolverem minha cintura e um nariz tocar meu pescoço.

— Eu queria que você ficasse mais um pouco, amor — é ele mais uma vez tentando me fazer mudar de ideia.

— E eu queria que você não me chamasse de “amor” pra facilitar minha vida — me viro de frente para ele, que me prende contra a porta do armário — Klaus, me deixa ir, por favor. Preciso tomar café da manhã ainda.

— Você sabe que eu posso te deixar lá na maior das velocidades. Por que a pressa?

— Se você continuar fazendo isso que está fazendo agora, nós vamos acabar transando de novo. E eu vou ter que me arrumar de novo. E você vai me puxar pra cama de novo. E por mais que eu ame aquilo maravilhoso que está debaixo da sua cueca, eu também amo o meu trabalho.

— Tudo bem. Você venceu — ele ergue as mãos em sinal de rendição (já devo ter descrito esse movimento umas vinte vezes na história toda, né? Desculpe, leitor) — mas eu posso pelo menos dizer uma coisa antes?

— O que quiser.

— É por coisas assim que eu te amo cada vez mais… Daniel Arthur Boone.

— Ora, ora — dessa vez sou eu quem aproxima os corpos — você fala como se eu não soubesse que você me ama e como se não soubesse que eu também te amo na mesma proporção. Idiota.

— Fico feliz de ser o seu idiota.

 

.::.

 

— Bom dia, dorminhocos que shippo tanto — Raven Fields grita com todo o ar que ela puxa dos pulmões ao adentrar a cozinha. Levo minhas mãos às orelhas por impulso por conta do grito — como passaram a noite? Altas fornicadas?

— Eu ainda não me acostumei com o jeito natural dela de falar em sexo — Klaus sussurra em meu ouvido, mas diferente da forma como ele o fizera minutos atrás, eu começo a rir histericamente.

— Estou acostumado com isso desde que contei a ela que nos beijamos naquela festa. Acontece — dou de ombros, ainda rindo com seu comentário.

Sento-me à mesa para tomar um café da manhã reforçado do tipo que casais preparam quando ninguém está olhando. Imagine quem foi o casal cozinheiro da vez.

— Cadê o Peter? Ainda não acordou? — Pergunto por curiosidade — Ele sempre é o primeiro a se sentar para comer…

— Por incrível que pareça, ele acordou mais cedo hoje e já saiu à procura de um emprego — ela responde, se sentando do outro lado da madeira enquanto meu namorado se localiza ao meu lado — e antes que você pergunte: sim, ele foi demitido da doceria por… bem, ter tido um ataque elétrico por ter tanto contato com o açúcar daquele lugar.

— Por que eu não estou surpreso?

— Me surpreende ainda o fato da Melanie estar surpresa. Sério, eu fui falar com ela hoje mais cedo na hora que ele estava saindo e ela quase deu uma voadora no menino! Nem eu seria capaz disso!

— Eu até entendo o ponto de vista da Mel — o Furler ao meu lado resolve argumentar… mas prepara pra merda — ela deve ter ficado P da vida porque o próprio namorado não sabe manter um emprego.

Garfos caem no chão. Engulo a comida de uma vez só e quase engasgo, precisando de um copo inteiro de suco para desentalar minha garganta. Raven apenas arregala os olhos e começa a olhar para o nada, como se fosse a própria Nazaré Tedesco — a diferença é que Raven não é a vilã da história.

— O QUE FOI QUE VOCÊ ACABOU DE DIZER?

— Puta merda, eu não devia ter aberto a boca — ele tapa os lábios com as duas mãos, se sentindo claramente envergonhado.

— Agora não adianta mais. Abra esse bico ou então eu não te mostro aquilo maravilhoso hoje — aponto meu dedo indicador em seu rosto, fazendo a Fields rir com meu comentário e Klaus se render à minha ameaça.

— Deus me livre de não te ter hoje de novo… por isso eu vou falar logo antes que eu morra — faço minha melhor expressão facial de vitória — desde que a Melanie se mudou pro apartamento da frente de propósito, o Peter estava indo ajudá-la a se estabilizar na cidade, já que a Ravs tava ocupada com os trabalhos da faculdade e nós dois estávamos naquele curso intensivo na academia de artes… e há umas duas ou três semanas, eu tava chegando em casa e vi os dois se beijando na porta da casa dela.

— Não sabem nem ser discretos — a ruiva comenta.

— Deixa ele terminar, menina — interrompo-a — continue, amor.

— Eles me fizeram prometer segredo sobre o namoro dos dois até que eles se sentissem confortáveis para contar a verdade. Eu basicamente havia flagrado o primeiro beijo do casal…

— Ora, ora, se não é o Klaus Donald Furler inconveniente que conheço — bagunço seus cabelos com minha mão livre (ou seja, aquela que não está segurando um pão com presunto e queijo) — mas tudo bem. Entendo a razão de você ter escondido essa história, até porque, no lugar deles, eu faria o mesmo.

— Danico, você fez exatamente isso pra esconder do Lucian e da Ellis que você tava namorando. Para de ser falso — Raven me faz lembrar da parte mais desafiadora da minha vida desde que eu havia sofrido uma facada nas costas.

Filha de uma meretriz.

Forço um pigarro, termino de comer rapidamente e me levanto da mesa na mesma velocidade.

— Eu vou botar o lixo pra fora antes que vocês esqueçam — disfarço meu nervosismo quanto ao argumento jogado pela minha amiga anteriormente.

— Não finja que não me ouviu, bonitinho — ela resmunga, voltando a comer.

Amarro o saco de lixo no topo e me encaminho ao depósito do prédio, para deixar os restos ali e voltar correndo ao apê para dar tempo de chegar ao encontro com meu tio. Faço o que tem de ser feito e resolvo pegar o elevador de volta ao andar onde moro com meu namorado e meus amigos. Assim que as portas de ferro se abrem, me arrependo de ter apertado o maldito botão para acioná-las… porque a pior figura que já apareceu na minha vida resolve aparecer novamente.

Meus olhos congelam e deixam de piscar por alguns segundos. Meus pés parecem criar raízes no chão, mesmo sabendo que não deveriam. Abro os lábios várias vezes para dizer alguma coisa, mas palavra alguma escapa. Eu não consigo acreditar que a simples visão de Shawn Graham Hans à minha frente, com seu típico sorriso sarcástico, seu relógio de ouro e roupas que o identificariam a 15km de distância como um riquinho filho de uma égua… enfim, eu não consigo acreditar que a simples visão deste homem ainda me desestabiliza, mesmo quando eu tenho total consciência de que não sinto nada por ele agora.

— Não vai entrar? — Ele pergunta, de uma forma tão casual que até me tira do transe mental.

Adentro o elevador sem falar uma única letra. Apenas me encosto no fundo da caixa de ferro, cruzo meus braços na altura do tórax e espero que as portas se fechem e eu possa chegar no meu lar, doce lar. Sem falar com Shawn. Porque eu não preciso disso.

Mas, é claro, ele não ficou calado.

E nem tão cedo vocês saberão a merda que ele falou.

O motivo? Simples: não faz diferença na vida de ninguém. Shawn Hans não é mais relevante. Eu tenho tudo o que preciso bem perto de mim agora: a parte da família que me apoia, meus amigos, meu namorado, futuro marido e pai dos meus filhos, meu emprego — o melhor que posso ter dada a minha compatibilidade com o mundo artístico — e FINALMENTE um celular que presta.

Mentira. Eu darei a vocês o gostinho do que ele falou.

— Sabe… eu pensei que nosso reencontro seria mais dramático e cheio de gritos.

— Veio aqui de propósito? — Não consigo conter minha surpresa.

— É bom te ver também, Danico — ele resolve parar bem do meu lado, enquanto começamos a subir de andar — feliz em me ver?

— Você sabe que não. Filho da puta.

— Minha mãe não é uma puta.

— Tem razão. Eu tenho é pena dela por ter dado à luz um babaca que nem você.

— Ui, que palavras ácidas…

— Ácido vai ser o cheiro do necrotério quando eu te colocar lá mortinho — provoco, sem pensar nas minhas atitudes.

Vai dar merda.

— Como vai Kian?

— Eu não sei como ele ficou, só sei que minha vida foi da água para o vinho depois que ele foi pra cadeia e me deixou livre e solto por aqui — Shawn se vira para me encarar nos olhos — eu ainda consigo o que quero.

— Não sei porque ainda me surpreendo com isso — reviro os olhos, sem encará-lo de volta.

— Não sei como você ainda não foi visitá-lo e pedir desculpas pela injustiça que você me ajudou a cometer.

Puta que pariu. Esquina que te viu. Porra. Merda. Cacete. Caralho. Todos os palavrões do mundo. Por favor, Deus, não deixa ele tocar naquele assunto que eu tratei de enterrar desde que percebi que era uma cilada. Por favor, Deus.

— Se não quiser falar disso, tudo bem. Eu até agradeço — ele continua a falar, sem saber se eu me importo ou não — mas geralmente é bom colocar tudo em pratos limpos.

— A minha vontade é de quebrar esses pratos no chão e me cortar com eles desde que menti para a polícia.

Washington, D.C.

16 de Abril de 2016

A hora da facada que não me matou

 

— Eu sei que vou me arrepender bastante disso depois, porque as pessoas vão falar disso eu vou negar porque essa é a natureza de um enrustido. Mas neste momento aqui, eu estou pouco me lixando pra essas pessoas e apenas sinto que preciso fazer isso.

Normalmente, quando esse tipo de coisa é dita, logo pensamos que vai rolar um beijo apaixonado pra depois ambos fugirem da própria responsabilidade de assumirem os sentimentos de uma vez por todas... certo? É o que todos pensam, e é o que também estou pensando. Mas a vida tem essa Lei Oculta das Decepções: nada, absolutamente nada – nem mesmo os mais perfeitos sonhos sendo realizados – acontece como queremos que aconteça.

E algo que eu nunca pensei que veria tão cedo acabou ocorrendo diante de meus olhos. Shawn Hans, o segundo cara mais durão que eu já conheci – porque ninguém supera meu pai – começou a chorar. Vi uma lágrima teimosa sair de seu olho esquerdo, e não muito tempo depois ele pusera o rosto escondido entre suas mãos unidas, como se tentasse impedir que eu o visse daquela maneira.

— Não precisa esconder seu rosto. Todos choram. — Finalmente tive a coragem de dizer algo.

— Acredite, não é o que você está pensando — ergueu a cabeça para me encarar — não estou chorando por toda essa história... mas por algo que vai acontecer.

— Do que você está falando?

Num intervalo de três ou quatro segundos — não sou maníaco a ponto de contar o tempo dessa forma — Shawn Hans se aproximou de mim, pousou suas mãos em minha cintura e me beijou. Pude sentir o hálito de álcool em sua boca, misturado com as lágrimas respingadas em seus lábios e que agora estavam em contato com os meus. Arregalo os olhos num primeiro instante, mas quando me dou conta de que estou beijando alguém mais uma vez essa noite — e, principalmente, quem estou beijando — apenas me rendo à sensação de realizar o sonho. Meus pensamentos vão da terra às nuvens em pouquíssimo tempo. Rendo-me ao seu gosto tão facilmente quanto me rendi a Klaus mais cedo — e me senti culpado depois, mas aqui é outro caso. Aqui eu não sinto arrependimento. Pelo menos não enquanto estamos nos beijando sem ninguém nos interromper.

Até que alguém nos interrompe.

Não disse Kian Gray.

— Agora, Shawn — ele grita, sua respiração esbaforida como se tivesse corrido até aqui.

— Do que você está falando? — São minhas últimas palavras.

E no segundo seguinte, senti uma pontada forte invadir minhas costas e causar uma dor tão terrível quanto a de ter seu coração quebrado por alguém que não parecia te amar. Mas essa pontada era diferente... não parecia interna.

Só tive tempo de ver uma figura masculina se formar à minha esquerda... e essa figura segurava uma faca ensanguentada numa das mãos. Não consigo focar meus olhos no rosto porque o ser humano está bem à frente do poste que poderia iluminar sua cara, mas tenho duas constatações:

Aquele sangue era meu.

E aquela dor era resultado de uma facada brutal em mim.

A princípio apenas caio nos braços de Shawn, urrando de dor — obviamente, seria estranho se eu não gritasse com o impacto daquela facada — e sinto que a mesma faca que entrou em minhas costas acaba de sair na mesma direção. Ainda ajoelhado, consigo erguer a cabeça para encarar Shawn, que me solta, se afasta de mim e apresenta uma expressão meio indecifrável em seu rosto.

— P-por quê? — Balbucio repetidas vezes, enquanto a dor toma conta da minha consciência e eu me remexo cada vez mais no chão.

Tudo o que ele faz é apenas se abaixar, chegar perto do meu ouvido e dizer as palavras que definiriam a maior mentira que eu teria de contar na minha vida para o mundo inteiro.

— Absolutamente ninguém pode saber que fui eu, tá, seu trouxa? Kian vai assumir a culpa por mim e você vai colaborar com isso. A facada foi de leve, mas se você não nos ajudar, eu termino o que comecei. E termino direito.

— Mas por quê?

— Porque você já atrapalhou demais a minha vida. E eu não podia te matar de vez.

Meu rosto expressa uma mistura de dor física e raiva. Consigo levantar meu dedo médio direito bem na sua fuça, para deixar claro que não concordo com isso.

— Não perguntei sua opinião, Danico. Se você me ama, vai me obedecer.

E eu, infelizmente, ainda o amava o suficiente para ficar calado quanto a quem havia me esfaqueado.

Calado para sempre.

 

Agora insira aqui um minuto de silêncio, no estilo daquele que houve após a exibição do final da série The Sopranos na HBO. Sim, aquele minuto de silêncio. Eu poderia falar daquele que houve no final de Todo Mundo Odeia o Chris, mas não quero. Porque eu amo referenciar um negócio tenso antes de quebrar essa tensão com um comentário bem chocante — chocante no estilo “vocês vão me matar por eu ter sido um filho da puta nesse alcance”. Chocante no estilo “você me enganou por dez minutos, seu danadinho! VAI SE FODER, SEU FILHO DA PUTA DO CARALHO”. Chocante a ponto de você querer desistir de ler o resto dessa história.

EU TAVA MENTINDO, SEUS TROUXAS! MUAHAHAHAHA!

Não rolou esse plot twist na minha vida. Estou fazendo piada da minha própria desgraça ao inventar uma cena inteira falando que Shawn Hans meteu a faca nas minhas costas? Sim. Agora o universo vai querer se vingar da minha brincadeirinha me matando de verdade? Muito provavelmente. Mas pelo menos morrerei feliz, com um contrato com a gravadora nova do meu tio — assinando e produzindo músicas não só para ele como para qualquer outro artista do selo — um namorado que não desistiu de mim nem quando eu pedi, com a força do meu ser, para que ele desistisse — essa é uma longa história, meus queridos. Quem sabe eu não conto futuramente? — além dos melhores amigos que eu posso ter daqui pro fim da vida, um pai que finalmente está feliz consigo mesmo e comigo por ser quem sou… e, claro, morrerei feliz porque eu estou feliz no momento. E pretendo continuar assim.

Agora vamos voltar um pouquinho no tempo? Vamos.

Estado de New York

27 de Janeiro de 2020

Três anos, nove meses e onze dias depois da facada que não me matou

Meus olhos congelam e deixam de piscar por alguns segundos. Meus pés parecem criar raízes no chão, mesmo sabendo que não deveriam. Abro os lábios várias vezes para dizer alguma coisa, mas palavra alguma escapa. Eu não consigo acreditar que a simples visão de Shawn Graham Hans à minha frente, com seu típico sorriso sarcástico, seu relógio de ouro e roupas que o identificariam a 15km de distância como um riquinho filho de uma égua… enfim, eu não consigo acreditar que a simples visão deste homem ainda me desestabiliza, mesmo quando eu tenho total consciência de que não sinto nada por ele agora.

— Não vai entrar? — Ele pergunta, de uma forma tão casual que até me tira do transe mental.

Adentro o elevador sem falar uma única letra. Apenas me encosto no fundo da caixa de ferro, cruzo meus braços na altura do tórax e espero que as portas se fechem e eu possa chegar no meu lar, doce lar. Sem falar com Shawn. Porque eu não preciso disso.

Mas, é claro, ele não ficou calado.

— Sabe… eu pensei que nosso reencontro seria mais dramático e cheio de gritos.

— Veio aqui de propósito? — Não consigo conter minha surpresa.

— É bom te ver também, Danico — ele resolve parar bem do meu lado, enquanto começamos a subir de andar — feliz em me ver?

— Você sabe que não. Filho da puta.

— Minha mãe não é uma puta.

— Tem razão. Eu tenho é pena dela por ter dado à luz um babaca que nem você.

— Ui, que palavras ácidas…

— Ácido vai ser o cheiro do necrotério quando eu te colocar lá mortinho — provoco, sem pensar nas minhas atitudes.

— Como vai Kian?

— Foi solto por bom comportamento um dia desses — Shawn passa os dedos entre seus fios capilares, como se aquilo fosse um mero jogo de sedução — doutor Patrick Hans o recebeu com mais glória do que quando eu me formei no colégio. Como sempre.

— É, eu soube da sua história de vida… senti pena por alguns minutos.

— Só por alguns minutos?

— Admita, Hans, você mereceu cada pingo de sofrimento a partir do momento em que decidiu ser um babaca — viro-me para olhá-lo nos olhos pela primeira vez em muito tempo — entendo que todo o contexto da sua família te mudou por dentro… mas você tinha escolha. Não minta para mim e muito menos para si mesmo, porque você sabe que, no fundo, podia escolher seu destino. Você podia escolher não ser como seu pai ou como sua madrasta. Você podia. Olha eu aqui… tive um péssimo exemplo de mãe a minha vida toda, um mau exemplo de família materna, e só descobri a essência do meu pai depois que fiz a escolha mais difícil da minha vida, que foi assumir minha homossexualidade. Mas eu não sou como nenhum deles hoje. Eu sou eu.

O dono dos meus pensamentos na minha adolescência permanece mudo por alguns segundos, tentando formular suas próximas palavras. Aquele elevador estava me dando agonia nos neurônios porque o destino parecia nunca chegar. Estaria o universo conspirando a nosso favor justo agora que não quero isso?

— Bom… pelo menos eu não dou meu traseiro para um outro pênis, o que é enojante.

É a gota d’água. Ele finalmente acabou de revelar seu maior preconceito, sua ignorância mais bruta — aquela que eu sempre soube que existia, mas não sabia descrever. E quando dou por mim, já estou o prendendo contra a parede de metal do elevador, com meu braço direito apertando seu pescoço e o braço esquerdo segurando-o para que ele não se solte do meu aperto.

— Antes de me chamar de putinho por preferir um pau, pense no dia em que você me deixou tocar no seu. Vá se foder sozinho no banheiro quando ninguém estiver com pena da sua sofrência. Mude-se para a puta que pariu, pro Kansas, pro Alasca, pra Rússia… dane-se para onde você vai. Eu não quero, nunca mais na minha vida todinha, ouvir falar da sua existência. Se você veio até aqui por minha causa, dê meia volta e vá embora. Viva a sua vida sem se meter na minha vida, porque eu a vivi muito bem, obrigado.

Finalmente — FINALMENTE! — o elevador se abre, representando a deixa para que eu saia dali. Não só de um cubículo, não só de uma conversa tensa. Mas é a deixa para que eu deixe de vez o meu passado sofredor como um simples garoto da capital apaixonado por um babaca machista. Nunca mereci esse passado, mas precisei dele para ser quem sou hoje. Agora que me estabilizei, acredito que seja a tão esperada hora de apenas ser Daniel Arthur Boone, um compositor e escritor literário com um potencial de sucesso no futuro.

É a hora de deixar meu caso curioso com Shawn para trás.


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Notas finais do capítulo

4 mil palavras feitas com carinho e maldade na cabeça pra enrolar vocês mais um pouquinho até mostrar que, no fim das contas, Shawn foi apenas uma fase da vida do nosso queridíssimo Daniel Arthur Boone. A passagem dele acaba aqui.
Daniel e companhia, não.
VAMOS TER UMA LEVA DE EPISÓDIOS BÔNUS! YAY! Explicarei melhor nos agradecimentos, que não serão narrados por mim ou pela Lola, e sim pelo PRÓPRIO DANNY que vos falou a fic toda - exceto em "Heathens". Pensa num episódio criativo que será! Espero que todos tenham gostado desse final, que encerra a parte Shawniel da coisa toda, e deixem seus comentários, favoritos ou recomendações se tiverem amado MUITO.
E pra quem não entendeu os rolos que o Danico deu nesse epílogo: gente, ele é assim. Ele gosta de ser sarcástico. Vocês não podiam esperar que ele entregasse tudo de bandeja, certo? Certo.
Até os agradecimentos, booners! E obrigado por nos acompanharem até aqui ;)



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