O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 14
Colidiu


Notas iniciais do capítulo

Olá, amores! Depois de duas semanas, estamos aqui com um capítulo escrito tanto por mim quanto pelo Vitor, porque eu sou uma irresponsável que não conseguiu terminar o capítulo a tempo. Mas a gente supera.

Enfim, estamos MUITO felizes pelo resultado que a história está tendo. As visualizações só tem aumentado, embora o pessoal não tenha comentado da mesma maneira, mas faz parte da vida, pois como dizem, "São tempos escuros no Nyah"
Nesse capítulo a música é nacional, no caso, da Sandy, no novo CD dela que está MARAVILHOSO e por favor, ouçam. Deus agradece.

Deixando o papo pra lá, esperamos que vocês gostem desse capítulo. Tem interação do nosso shipp, tem Daniel tomando em certos lugares e mais coisas que eu não lembro. Enfim, boa leitura a todos que gostam de uma ilusão :)



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“Você não era parte dos meus planos, mas eu mudo todos eles por você. E dessa longa biografia de enganos, você é o erro que eu insisto em cometer. A gente colidiu; não pude escolher. Tão raro de encontrar, tão fácil foi me perder. A gente colidiu e o que eu sempre quis já sei onde achar. Já sei quem me faz estranhamente feliz.”

Sandy, “Colidiu”

 

Washington, D.C

27 de Julho de 2015

264 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

 

Batuco com a caneta barata que comprei em uma loja de esquina contra a madeira da mesa que estou sentado. Os ponteiros do relógio diante da cabeça do professor de biologia parecem estar se movendo em câmera lenta, assim como sua voz que diz cada sílaba com uma paciência que faz os alunos das primeiras carteiras soltarem bocejos continuamente.

Pressiono minhas têmporas com pouca força e rezo internamente para que tudo termine de uma vez. Apenas um minuto indicava o relógio, contudo, pareciam horas desde que entrei naquela sala com o intuito de realmente aprender alguma coisa.

Peter está anotando tudo com rapidez, mordendo a tampa da caneta em alguns momentos e em outros batendo com o pé no chão, sua impaciência tão clara como a minha. Raven — ao contrário dos outros alunos — está perdida em seu próprio mundo e rabisca desenhos desconexos no rodapé de seu caderno de girassóis. E bem ao longe consigo notar a cabeleira bagunçada de Kian e os dedos frenéticos remexendo na mola de seu livro didático.

Enquanto Lucian apaga o quadro onde desenhos do corpo humano estavam esboçados e sua voz retumba novamente em meus ouvidos avisando de um próximo exercício valendo 70% da média trimestral, o sino toca com força total. Acordando os dorminhocos e despertando a felicidade alheia aos desesperados.

Mal espero a permissão de Lucian para a retirada de alunos da sala e rumo a passos rápidos dali com o meu lanche em mãos. Não, eu não estava eufórico para sair da sala de aula e ter os meros 15 minutos de intervalo, mas sim em encontrar Shawn Hans descendo as escadas do terceiro piso.

Olho ansioso para os degraus com piso gasto e o corrimão de metal novo, esperando que as pernas cobertas por uma calça jeans escura e casaco branco apareçam ali e deem um sentido ao meu dia totalmente comum.

Não sei quantos minutos eu fico ali, segurando o meu lanche entre os dedos suados e nublando cada pensamento negativo em relação ao meu comportamento mal educado na sala de aula, entretanto, quanto mais tempo passava — e mais pessoas desconhecidas desciam — percebo que Shawn não desceria hoje.

Não por ali, pelo menos.

Elimino um muxoxo angustiado com os lábios quando percebo que hoje não era o meu dia. Talvez Hans estivesse descido por outro lugar, ou talvez nem tivesse descido. E também havia a possibilidade dele nem ter vindo para a escola. O que não seria novidade, já que ele adorava ficar em casa gozando de uma boa folga.

— Boone! — sou interrompido de meus pensamentos mórbidos quando noto de relance Peter e Edward vindo em minha direção a passos rápidos.

Ambos exibem bochechas coradas e respirações ofegantes, como se tivessem corrido uma maratona e finalmente tiveram a chance de chegar à linha de chegada. No caso, eu. Peter não parece contente com o meu comportamento, e Edward está exibindo uma pose semelhante a do meu pai quando vai dar-me a bronca da semana.

Merda.

— Você pisou feio na bola hoje, amigo — Peter diz com desgosto e balança as sobrancelhas em uma demonstração de desafeto — Eu não queria ter o seu traseiro.

— Do que você está falando, Peter? — indago com um vinco presente entre as sobrancelhas.

— Você tomou no orifício anal por ter saído daquele jeito da sala — Edward explica em seu tom másculo e conquistador de vaginas desesperadas — Lucian está uma fera, e acredito que você conseguiu sua primeira suspensão do ano.

Oh! Por mil abelhas sem colmeia, isso não poderia ser possível.

— Ele não teria essa audácia — retruco com um riso envergonhado, como se isso fosse possível mascarar a minha vergonha. Parabéns seu pateta, quer conquistar o menino Hans, mas só tem se ferrado nesse processo — O sino já tinha sido tocado.

— Você conhece as regras — Peter murmura e parece analisar as unhas curtas, parecendo uma Lady do século XIX — Pode tentar reverter a situação, entretanto, eu acredito que suborno não está presente no momento.

— Claro que não, Peter — cuspo as palavras — Não tenho dinheiro nem para bancar minha conta do Netflix, quem dirá para dar de bandeja dinheiro para um professor que exibe testosterona até na sobrancelha.

— Vamos confessar — Edward diz em um tom mais baixo — Ele é um quarentão bonitão.

— E você parece um gay falando assim — digo entre as risadas de Peter.

O moreno diante de mim revira os olhos e leva o braço livre ao meu ombro, fazendo uma leve pressão e direcionando-me uma piscadela.

— O único gay dessa escola é você, Daniel — ele sorri com jeito meigo — Mas eu guardo o seu segredo, desde que guarde o meu.

— E qual seria o seu? — arqueio uma sobrancelha.

— Isso você ainda vai ter que descobrir — ele faz menção de descer as escadas — Mas às coisas rolam rápidas nessa escola, então logo você também terá conhecimento.

De que Diabos ele está falando?

Edward desaparece assim que diz essas palavras e ficamos apenas eu e Peter no corredor onde alguns professores passavam a passos lentos carregando seus cafés e pastas com provas que sempre tinham a intenção de ferrar ainda mais com a vida ruim dos alunos. Dirijo um sorriso amistoso para a professora de álgebra, mas ela não corresponde.

— Parece que hoje não é o seu dia — Peter usa seu tom irônico e aponta para a última porta do corredor — Porém não custa tentar a sorte e falar com Lucian.

Direciono-lhe um aceno e caminho em direção à sala de biologia aplicada. A porta de madeira com um visor de vidro está aberta, as cadeiras agora estão todas arrumadas, as janelas fechadas com as persianas abertas e Lucian está parado em frente a sua mesa arrumando os livros que trouxera logo cedo.

Seu cabelo está mais ajeitado essa manhã e ele exibe seu costumeiro casaco cinza e os sapatos pretos. Ele não parece nada com um pai de família, mas parece se esforçar o máximo para ser um. Procuro uma aliança entre seus dedos, contudo, tudo o que encontro é a marca do que deveria ter sido uma.

Notando minha presença repentina, Furler larga os livros sobre um emaranhado de papéis coloridos e convida-me para entrar. Penso em como começar um pedido de desculpas ou uma cena ridícula onde eu beijaria seus pés e ele perdoaria o meu cruel pecado, todavia, minha imaginação é cortada pelo talo quando ele entrega-me um papel branco com o meu nome escrito e seu carimbo no canto da folha.

— Detenção — ele declara em alto e bom som — Se fosse outro professor teria te dado um dia de suspensão, mas resolvi ser um pouco bondoso com os meus alunos. Mesmo que um deles seja mais desatento que o normal.

Abaixo a cabeça com vergonha e receio e encará-lo nos olhos. Uma suspensão jamais seria aceita por meus pais, mas uma detenção também era terrível. Eu não sabia qual seria o meu destino, porém tinha conhecimento suficiente que seria uma total porcaria.

Tinha que ser mesmo, pois quem fazia burradas como a minha merecia até uma martelada no cérebro a fim de por todos os parafusos no lugar.

— Lamento em fazer isso, Boone — Lucian abre um sorriso de canto — O seu comportamento não foi o melhor e não pude deixar passar em branco.

— Tudo bem, professor — dou de ombros — Entendo que o meu comportamento não foi digno de seu respeito.

Ele assente e parece pensar se deveria dizer mais alguma coisa. Encaro o papel procurando por meu destino de castigo e elimino um muxoxo quando noto que é a biblioteca.

— Você não parece contente com a minha escolha de detenção — seus olhos analisam minha expressão — Algum motivo em especial?

Nenhum, Lucian, nenhum. Eu só não queria passar os próximos 50 minutos em cima de um livro fingindo que me importo com o mundo sendo que o meu mundo tem sido Shawn Hans. Nossa, isso foi totalmente escroto.

Próximo tópico, por favor.

— Nada mesmo — vou em direção a minha carteira no final da sala e recolho todo o material que eu havia deixado espalhado — Até outro dia, Lucian, e obrigado por ter sido tão hospitaleiro.

Ele responde com um aceno semelhante a um General e fecha a porta assim que me retiro a passos lentos. Solto um suspiro desanimado e deixo o peso da burrice bater sobre mim. Eu tentara ver Shawn Hans por míseros segundos e quem sabe conversar — nem que fossem duas palavras — com ele sem parecer um completo doido por paus, mas ele não apareceu e eu ainda perdi a aula seguinte de biologia. Um conteúdo o qual eu realmente precisava prestar atenção e sair do vermelho.

Perdi dois coelhos com uma cajadada só. Eu nunca fora a favor do ditado popular, mas pela primeira vez ele fizera sentido para mim.

 

[...]

A biblioteca no segundo piso se encontra silenciosa. A secretária que exibe cabelos ruivos e óculos estranhos não parece nada incomodada com a minha presença, já que rabisca uma caderneta a cada toque de seu insistente telefone. Mais próximo das janelas se encontram duas meninas de saias curtas e cabelos semelhantes, elas parecem entretidas em seus aparelhos celulares e entre um momento e outro eliminam risadinhas maliciosas.

Próximo das estantes está um amigo de Shawn Hans. Certeza que o já vi andando com seu bando de seguidores cavalos e machistas até o último pentelho. O desconhecido parece preso em sua própria bolha enquanto xaveca uma menina de cabelos presos em um rabo de cavalo e regata colada no corpo.

Todos iguais no fim de tudo.

Enquanto fixo minha visão nos dois desconhecidos que parecem entretidos em suas passadas de mãos, beijos escondidos atrás do muro da escola e promessas de amor nunca válidas, Shawn Hans vem a minha mente, assim como Jason Ross e minha família.

Eu conversara com Jason sobre meus problemas e tentara encontrar uma solução para eles — mal sabia ele da mensagem e Deus queira que ele nunca saiba —, entretanto, encontrar uma resposta para todos os enigmas que Shawn exibia era complicado demais.

Por meses eu tentara, mas nunca obtive sucesso. Não seria agora que isso iria acontecer, certo? Eu não tinha vivido muitos momentos com ele, mas sentia que iríamos, sim, viver muito mais que segundos dentro de um van sofrendo de olhares suspeitos e julgações.

Eu esperava do fundo do meu coração — se eu tivesse um, afinal — que pudéssemos ir bem além de um veículo repleto de pessoas, escolas fofoqueiras e famílias tradicionais.

Meus pensamentos são soprados para longe quando um livro caiu no chão, o casal a minha frente se separou de supetão e o sino indicando o fim da aula se encerrou. Glorifico a Deus — não de joelhos — e pego minha mochila, rumando para longe daquele local onde os meus pensamentos eram mais turbulentos que qualquer outra coisa já criada pelo ser humano.

[...]

A aula de álgebra não fora a melhor da semana. Tampouco do mês. A professora Gina com seus saltos vermelhos e o vestido do mesmo tom era perturbante demais para os meus olhos, e ninguém parecia compartilhar do mesmo tormento que o meu. O que — obviamente — apenas aumentou o meu desespero combinado com uma lista de atividades a qual eu não conseguira nem realizar cinco questões.

Maldita seja sua existência.

Quando o último sinal é batido e percorre os diversos cantos do prédio escolar, todos se levantam animados e correm em direção à porta. Faço o mesmo trajeto que eles, mas sem a parte da corredeira. Noto de soslaio Raven guardar seus materiais e lançar-me um sorriso antes de caminharmos para fora da escola e alojarmos nossos bumbuns no banco de madeira a espera da maldita van.

Bato com os pés no chão em um ritmo que retumbava somente em minha mente e meus fones que agora eu decidira colocar em meus ouvidos. Raven não parece se importar já que está de braços cruzados e balança a cabeça como se fosse capaz de ouvir a mesma melodia que a minha.

Fecho os olhos quando um Sol resolve iluminar minha cara pálida e profiro pequenos palavrões enquanto espero uma maldita nuvem cobrir aquela porcaria.

— Para alguém da Igreja, você não é a pessoa mais educada que conheço — dou um pulo no banco assim que um dos meus fones é arrancado e o rosto de Shawn Hans entra em meu campo de visão.

Maldito seja esse fodidor de bocetas.

— E você não é melhor pessoa que eu conheço e nem por isso eu fico jogando na sua cara — profiro em um tom de provocação e um sorriso cresce em seus lábios que eu já quisera ter colado aos meus tantas vezes — Finalmente deu o ar da graça, Shawn.

O moreno coça a nunca parecendo envergonhado com minhas palavras e lança um olhar sugestivo para o celular que eu ainda segurava onde música tocava em apenas um dos meus ouvidos.

Estalo a língua e tombo a cabeça para o lado, observando os seus olhos verdes encontrarem os meus.

Pedaço de mau caminho. Pedaço tentador. Até parece um pedaço de bolo quando uma pessoa está de regime. Maldito seja essa sua existência, Hans, e maldito seja o esperma de seu pai idiota.

E mais maldito seja o meu esperma por querer se juntar ao seu.

— Seu interesse é sempre maior que tudo — reviro os olhos e lhe entrego o outro lado do fone, o qual ele tivera a audácia de arrancar sem qualquer aviso de minha orelha — Aproveita que hoje os meus ouvidos não estão poluídos de música gospel.

Shawn elimina uma doce risada e aproxima ainda mais o seu corpo do meu. As mangas de seu bendito casaco estão arregaçadas, então é quase inevitável que o seu braço não roce com o meu. Sinto os pelos de minha nuca se arrepiar e uma pontada aguda de instalar lá.

— Taylor Swift? — suas sobrancelhas estão arqueadas e sei que ele está prestes a fazer uma brincadeira estúpida — Você me surpreende a cada dia que passa, Danico.

Reprimo a vontade de puxá-lo para um abraço e deixo que a parte do RAP agrade aos meus ouvidos tanto aos de Shawn. Para a minha total surpresa ele parece contente com a minha escolha — Bad Blood, só para constar — e abre um sorriso enigmático quando a música se encerra.

Fecho a pasta de músicas e procuro em minha mente qualquer outra música que valha a pena escutar neste dia estranho demais para ser real.

— Danico? — ele clama por minha atenção e levanto o olhar do celular, encontrando uma expressão divertida contida em seu rosto — Que tal você me deixar te mostrar uma música hoje?

Sinto a boca do meu estômago congelar totalmente, minhas mãos se tornarem trêmulas e lá dentro da minha alma algo se animar com a irrecusável proposta que ele me faz.

Retiro o plugue do meu celular e lhe entrego, o qual ele insere no seu e procura a maldita música na pasta. Mas enquanto ele parece entretido demais em suas escolhas de músicas ruins, me atento ao garoto parado ao meu lado que exibia um sorriso maravilhoso.

Shawn Hans era a personificação da tentação. Só poderia ser. Em todos os meus — poucos — anos de vidas eu jamais havia vislumbrado um ser humano como ele. Tudo bem que ele não era uma flor que se cheirasse, mas era uma pessoa incrível quando queria.

Os cabelos eram quase negros, e por conta disso os olhos verdes ganhavam mais destaque. O corpo esculpido na medica certa, o timbre de voz capaz de enlouquecer qualquer garota desesperada por testosterona e a risada contagiante que era capaz de arrepiar cada fio de cabelo. E mesmo que eu não tivesse nenhum em algum momento da vida, eu sabia que ele causaria a mim uma sensação muito semelhante.

Hans finalmente encontra o que procurava com tanto fervor e o dedão toca suavemente a tela e um ritmo desconhecido invade meus ouvidos. Eu jamais ouviria aquele negócio em minha vida se não fosse o garoto de olhos verdes a me mostrar.

A letra era obscena. O ritmo era apavorante. E nem era possível cantar isso em uma turnê na hora do banho. Aquilo era tão perturbador como a presença de Shawn Hans em meus sonhos como em minha vida.

— E então? — Shawn pergunta com um sorriso bobo de orelha a orelha, parecendo quase emocionado com sua escolha de música quando ela se encerra e algo semelhante começa a tocar novamente em meus ouvidos.

Reprimo um gemido e correspondo ao seu sorriso.

— Eu diria que foi algo que fez os meus ouvidos dançarem — contorço os lábios para evitar qualquer arquejo de repulsa.

— Sabe dançar forró, Danico?

Ah, então essa coisa se chamava forró.

— Não mesmo — nego com um balançar de cabeça — E você?

— Claro — ele levanta o queixo em um sinal de orgulho de seus conhecimentos — Se quiser, posso te ensinar um dia desses.

Deus.

Google, onde está você essas horas para eu saber como se dança forró? Só esperava que não fosse algo para os meus pais criticarem.

— E não é nada comportado — Shawn sussurra como se lesse os meus pensamentos — Ninguém da sua Igreja iria gostar disso.

Socorro. Mãe Diná, me ajuda.

Quando abro a boca para responder a sua tentadora proposta, — a qual eu nem sabia se tinha de fato uma resposta — a van estaciona próxima de nós e a motorista buzina no mesmo instante em que acena amistosa para o garoto sentado ao meu lado.

Shawn Hans e sua simpatia que agradava até uma tartaruga grávida.

E como se nossas vidas dependessem de entrar naquele carro, eu, Shawn, Raven e Kian — coitado, vai ficar no banco atrás do nosso, com certeza — corremos para dentro daquela coisa móvel antes que ela fosse embora e nos deixasse por aqui nessa prisão acadêmica.

Acomodo-me no banco do meio de uma fileira, com Raven ao meu lado direito e Shawn sentado ao meu lado esquerdo — o famigerado lado da janelinha. Filho de uma égua, ele roubou meu lugar pra ouvir músicas sem ser incomodado!

Tento focar em escolher outra música para ouvir, depois de ter mostrado Bad Blood para o crush ao lado e ouvir um forró meio estranho e meio explícito. Mas antes que ecoe o primeiro segundo de “Run Away With Me”, de Carly Rae Jepsen, meu braço esquerdo sente uma cutucada.

E não é aquela do Facebook que irrita pra chuchu.

— Danico, você pode me ajudar aqui com o casaco?

— Como assim? — Minha lerdeza me faz explanar essa pergunta idiota.

— Preciso tirá-lo, mas não consigo sozinho porque ele é um pouco… apertado — ele faz uma careta — pode me ajudar?

— Ah, sim, posso — respondo educadamente (pra fingir que eu não vou surtar por isso, claro).

Deixo meu celular e meus fones dentro da bolsa, jogo-a em meus pés e me viro para a esquerda, onde me deparo com os braços de Shawn já estendidos para cima.

Deus me oriente.

Levo minhas duas mãos à barra do casaco na cintura do menino Hans, puxando o tecido de cor branca para cima e revelando a camiseta do uniforme do colégio, que tem a mesma cor, aparecendo por baixo do casaco. Meus dedos involuntariamente — JURO, INVOLUNTARIAMENTE — tocam cada centímetro dos braços firmes do moreno à minha frente; desde os ombros arqueados para cima até os pulsos que determinam a divisão entre o braço e a mão da pessoa.

O que eu não daria para tirar uma peça de roupa de Shawn Hans em uma situação menos pública?

PUTA MERDA, POR QUE EU PENSEI NISSO?

Chega, Daniel. Você precisa focar no único movimento, que não é sexy pra ninguém a não ser que olhem pra situação com segundas intenções. Afinal, qualquer engraçadinho poderia pensar coisas erradíssimas ao ver você tirando o casaco do crush, certo? Certo.

Oh, espera.

Eu sou esse engraçadinho pensando coisas erradas.

CHEGA.

— Gostou do que sentiu? — De repente, é o que eu ouço a voz de Shawn dizer.

Analiso o momento e me dou conta de que: o casaco dele está em minhas mãos, e seus olhos, que antes focavam a janela enquanto eu tirava sua vestimenta, agora me encaram com um sentido explícito demais para o meu gosto.

— Não sei do que você está falando — jogo a roupa em seu rosto e volto minhas atenções para o celular, onde a música da Jepsen ainda espera para ser reproduzida.

Só que a vida não me deixa realizar meus sonhos tão fácil assim, não é mesmo?

— Obrigado pela ajuda, viu? — E sorri de lado. Por que você não vai se foder com esse sorriso de lado que me mata internamente? — Tem algo que posso fazer para retribuir?

Se, segundo Taylor Swift em “State of Grace”, o amor é um jogo sem regras, então a minha função aqui é jogar bem e estrategicamente. Vamos jogar, Shawn Hans.

— O que você sugere? — Ergo a sobrancelha esquerda, do jeito mais sensual que eu consigo erguê-la.

— Hum, safado — seu sorriso de lado se mantém, porém seus olhos se estreitam mais e focam mais intensamente na minha cara de quem tem segundas intenções por fora, mas que morre de medo de ser beijado dentro de uma van — eu tenho uma ideia. Dê-me sua mão.

Em cinco segundos, eu 1) arregalo os olhos, 2) encaro o garoto como quem acabou de ouvir a maior baboseira já dita na face da Terra e 3) estendo minha mão direita para ele fazer o que bem entendesse. Eu só esperava que não fosse nada para maiores de dezoito anos. É aí que noto Shawn baixar a cabeça e… colar seus lábios nas costas da minha mão, depositando um terno beijo ali.

ZEREI A VIDA! Isso é real? O garoto de quem eu gosto, o fodedor de bocetas, o cara que agrada até uma tartaruga grávida… ele realmente fez isso?

Consigo ouvir até um “oh” de Raven ao meu lado, e eu entendo perfeitamente o porquê da reação dela. Afinal, não é todo dia que você recebe um beijo na não, não é mesmo?

Recobro minha consciência ao passo que ele volta à posição de antes, me encara uma última vez e dirige sua atenção para a paisagem que passa pela janela. Não cobro uma explicação para o que ele fez; em vez disso, apenas aperto o play e deixo minhas emoções dançarem ao ritmo da música de Carly Rae Jepsen e passando por “Sing” de Ed Sheeran.

Nesse momento, Raven põe a mão no meu ombro direito.

— Daniel, você sabe me dizer se tem alguém me observando aí atrás?

— De onde você tirou essa ideia? — Retruco, após tirar meu fone direito do ouvido.

— É que às vezes eu sinto como se alguma pessoa estivesse fazendo isso..

— Eu, hein, Deus te livre e guarde — faço o sinal da cruz na sua frente — vai que é coisa ruim querendo te perseguir!

— Desde quando você resolveu voltar às raízes cristãs?

— Desde que eu resolvi tentar não pensar no que o garoto aqui do lado fez comigo hoje — sussurro a última parte, para que o Hans não me ouvisse.

— Falando nisso… vamos conversar sobre esse papo depois, não é? — Raven franze as sobrancelhas.

— Você está muito louca do juízo hoje, menina — comento, dando um breve riso em seguida — mas tudo bem. Mais tarde falaremos sobre o dia sob a perspectiva individual da gente. Mas agora não.

— Tá, agora não — com uma piscadela, ela encerra o assunto.

Dou de ombros e baixo minha cabeça para escolher a próxima música da lista. Qual eu ouço agora? Flawless? Welcome to New York, mesmo não estando em New York? São tantas canções ideais para o clima de meus pensamentos que quase decido tirar o plugue dos fones e passar o resto da viagem ouvindo apenas os cochichos do banco de trás. Mas, quando me dou conta, meus dedos escolhem “No Angel”, de Beyoncé; o que me faz menear a cabeça para trás e relaxar ouvindo tais falsetes poderosíssimos — e melhores que os da Melody, ou ainda duvidam? — dizer coisas do tipo “querido, ponha seus braços em volta de mim, diga que eu sou um problema”, “se houver velas ao redor de sua cama, não há a necessidade de um feitiço” e frases peculiares que somente Beyoncé Giselle Knowles-Carter diria em seu quinto álbum.

Com meus olhos fechados e minha imaginação voando para longe de onde estou, é óbvio que eu quase tenho uma taquicardia quando os pelos de meu braço esquerdo se eriçam e algo toca minha mão. Como num reflexo, abro minhas pálpebras e viro-me para descobrir o que está tocando meus dedos neste momento. E qual não é a minha reação ao ver que é Shawn entrelaçando sua mão direita na minha palma esquerda?

E qual não é minha segunda reação ao elevar meu campo de visão e notar que ele está olhando para mim da mesma forma que olho para ele todos os dias?

E qual não é minha terceira reação quando eu não consigo soltar minha mão do aperto aconchegante da sua?

E qual não é minha quarta reação quando ele também não faz questão de soltar meus dedos?

Chega de reações enumeradas, Daniel. Eles querem focar na fofura e não na parte de exatas da porra toda, tá?

Dane-se você, consciência!

Voltando.

Vamos direto à parte onde eu admito que nossas mãos ficam entrelaçadas pelo resto da viagem — o que dura na verdade menos de 20 segundos, porque logo ao fim desse tempo a motorista anuncia que parou na fachada do meu lar, estranho lar — e no final eu largo sua mão com muita dor no coração… porque eu não quero que este momento acabe. Poxa, quando eu finalmente consigo alguma interação relevante com o senpai, o universo me joga uma coisa muito legal chamada “tempo esgotado”? Sério mesmo?

Continuo seguindo essa linha de pensamento quando entro em casa sem a menor cerimônia, — mamãe Ellis ainda está indo deixar Justin na escola a essa hora — pego uma banana na fruteira e me tranco no quarto. Sento-me na cama, e com uma mão tiro os sapatos, comendo a fruta com a outra mão; tiro as meias e termino de comer; deixo a casca numa lixeira improvisada que meu tio fez questão de instalar no meu quarto, sabendo que eu quase não saio destas quatro paredes azuis em dois terços de um dia; e finalmente me permito derrubar o resto de meu corpo na cama de uma vez.

Encaro o teto, em específico, um pontinho preto que quase ninguém notaria se eu não falasse… mas somente eu sei da existência daquele ponto. Aquele pontinho, na verdade, é a letra S escrita no gesso da parede do teto. OK, eu fiz isso quando realmente não tinha porra nenhuma para fazer e nem energia elétrica tinha na hora, mas aquele símbolo acabou ficando por ali mesmo. Eu não fazia questão de apagá-lo, e até hoje não sinto vontade de fazer isso. O “S” fica ali para eu lembrar todos os dias do único motivo pelo qual eu me mantenho calado nessa casa todos os dias; o único motivo pelo qual eu continuo vivendo a minha vida bem bosta: a esperança de que um dia tudo pode mudar e eu poderei ser feliz sem ser refém, sem precisar de mais ninguém além das pessoas que amo. Não que eu não ame meus pais — eu faço isso com todas as forças — mas sei que no final eles não apoiarão minha orientação sexual. Que é indefinida, por acaso.

Eu ainda não sei exatamente quem sou e o que represento para o mundo.

Queria saber.

Mas por enquanto ainda é uma incógnita.

Meus pensamentos são interrompidos por uma vibração no bolso esquerdo da minha calça. Tiro meu celular dali e observo uma notificação de Raven Fields. Oh, espera. É uma ligação.

— Fala, porreada do cacete!

— Só não te dou um tapa por esse apelido porque estamos distantes um do outro — posso ouvir sua bufante respiração do outro lado da linha — podemos conversar?

— Já estamos conversando — respondo com a melhor das educações: a ironia.

— Foda-se… você não sabe o que aconteceu quando você saiu da van!

— O povo parou de conversar? Mentira que eu perdi esse milagre, não é?

— Nada disso. É melhor — tento pensar em 500 coisas que possam ser o que ela dirá, mas não chego ao fim da imaginação recente — tem a ver com Shawn.

— Estou sentado — e eu realmente me sento — pode falar!

— Quando você saiu e rumou para dentro de casa, ele ficou te seguindo com os olhos. Até você fechar a porta!

— O QUÊ? — Grito, mesmo sabendo que minha mãe pode chegar a qualquer momento.

— Não estou brincando. Será que isso é algum tipo de sinal?

— Eu não sei — coço a cabeça com a mão livre — e não sei se quero descobrir.

— Ué, por que não?

— Por causa da suspensão de hoje, Raven — respiro fundo antes de voltar a falar — não fazia parte dos meus planos pegar detenção de 50 minutos hoje, mas aparentemente a simples existência de Shawn Hans me fez mudar o roteiro do dia. Mesmo com todos os pontos positivos de ter contado para ele sobre meus sentimentos, Shawn continua sendo um erro e parte de minha consciência me alerta disso todos os dias.

— Você tem razão, se pensarmos por esse lado mesmo… mas, e agora? Com todas as bombas do dia, o que você vai fazer, Daniel?

— O mesmo que eu tenho feito nos últimos tempos — dou de ombros, embora saiba que ela não verá esse movimento — aceitar que este foi apenas um dia bom. Amanhã ele pode me ignorar, você sabe disso.

— Mas amanhã ele também pode fazer coisas como as de hoje.

— Vou fazer uma ponte com a literatura e te fazer uma pergunta: no que você prefere acreditar, Raven? No realismo ou no romantismo?

— Eu não sei, Dan… mas de uma coisa eu tenho certeza: vocês colidiram nessa vida e não foi por acaso. Nada é. Então eu vou responder sua pergunta com outra pergunta: ele te faz feliz?

Penso por alguns segundos antes de responder, por puro impulso.

Ou não.

Será que respondo do fundo do meu coração mesmo?

Dane-se.

No momento…

— Sim. Ele me faz estranhamente feliz.

 


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Notas finais do capítulo

*BERRO* E então, pessoas lindas, como foi a leitura desse capítulo? Gostaram? Ou sentiram que faltou algo? Por que o Hans está agindo assim e no outro dia nem olhava na cara do Daniel? Duvidas que não querem calar, claro KKKKK

Esperamos que vocês tenham gostado, fizemos com muito amor e o próximo vem dia 27. Que acredito eu, será tão lacrador como esse.

Não se esqueçam de dizer o que acharam. Pode ter tanto por aqui ou podem nos mandar uma mensagem via Twitter! As informações a respeito se encontram nas notas da história.


Um beijo, gente!

P.S. do Jack Wolf: Gente, a Lola esqueceu de informar, mas pra quem quiser saber: nessa história, o Kian é interpretado por Tyler Posey ;) Nos vemos no dia 27!



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