NyahN - Meu Herói escrita por Maya


Capítulo 1
Conto de Natal - Meu Herói


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas :) Sejam muito bem vindas a esse conto de Natal. Como disse nas notas da história, o conto está participando de um concurso muito importante para mim, e por isso dediquei todo meu esforço e carinho aqui. Agradeço muito a você que veio ler. Espero que tenha uma boa leitura e que a história te agrade tanto quanto me agradou :)



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24 de dezembro de 2014, 21h00m

Luzes vermelhas? Confere. A família reunida? Confere. Um gorro de Papai Noel? Confere. Sim, é Natal, e posso encontrar vários elementos natalinos aqui. Mas não estou em casa, e muito menos comemorando.

As luzes vermelhas vêm de dentro e de fora: as de dentro são as dos sinalizadores em cima das portas, que indicam que alguém ainda está fazendo raio x ou em cirurgia; as de fora são das ambulâncias que chegam e saem. A família está reunida, mas ninguém está se abraçando ou rindo, e sim chorando em silêncio. A única coisa que não foi afetada aqui é o gorro. Um gorro de Papai Noel sempre será um gorro de Papai Noel.

Hoje é véspera de Natal e estamos num hospital. Não em casa, comendo um peru, abrindo os presentes e fazendo um desafio tosco de karaokê com músicas natalinas. No hospital. Esperando pelo resultado da cirurgia do meu pai. Isso porque, entre tantos dias para o coração dele dar defeito, foi escolher justamente hoje.

– Você não precisava ter vindo, Denis – minha mãe me diz.

– Eu tinha que vir.

É horrível como as horas se arrastam quando estamos num hospital. Os ponteiros do meu relógio parecem nem ter saído do lugar desde que chegamos aqui. É uma tortura sem fim.

Parece demorar horas para a luz vermelha finalmente se apagar. Eu e meus parentes nos levantamos, todos juntos, e ficamos olhando o médico sair da sala. Ele tira a máscara e olha diretamente para mim. Sua cara já diz tudo. Não quero ouvir.

O médico diz que sente muito. Não tanto quanto a gente.

~~~~~~

1 ano depois

~~~~~~

Eu detesto meu despertador. Estava tendo um sonho legal e criativo, e de repente ele é invadido pelo Bon Jovi cantando “It’s My Life” e sou obrigado a acordar para... Espera. Meu alarme não toca essa música.

Pego meu celular. É meu melhor amigo querendo acabar comigo de novo.

– Droga, Denis, sabe que horas são?

Sei. São sete e meia da manhã. Hora do mundo acordar.

– Sério? Respeite os fuso horários.

Isso não faz sentido. Você mora na mesma rua que eu.

– Eu moro no final da rua e você no começo, ou seja, o sol nasce pra você primeiro.

Você sempre foi idiota assim ou só tá de sacanagem?

– Não sou obrigado a ser inteligente quando acabo de acordar. O que você quer?

Vem pra cá. Rápido. Descobri uma coisa muito importante.

– Posso tomar café primeiro?

Meu Deus, Júlio, pegue uma banana e coma no caminho!

– Banana? Mano, algumas pessoas veem isso como racismo.

Então pegue uma maçã, uma pera, um abacaxi, tanto faz! Só vem logo!

Desligo o telefone. Maldito Denis. Às vezes eu realmente não sei como somos amigos há tanto tempo se tantas vezes ele esteve perto de se tornar meu pior inimigo.

. . .

Com uma maçã na boca, toco a campainha da casa dos Monteiros. Ela é aberta quase que imediatamente por um Denis mais agitado que o comum. Alguém aqui deveria maneirar no açúcar.

– Vem, entra logo!

Eu conheço Denis desde os cinco anos e nossa relação sempre foi cheia de altos e baixos – baixos os quais costumam ser provocados pelas piadas do Denis. Mas nós sempre fomos amigos.

– Eu fiz uma descoberta incrível hoje!

– Bom dia pra você também. Fez mesmo, é?

– É! Vem comigo.

Nós passamos pela sala e vamos até as escadas. Acabo vendo os enfeites de Natal no caminho e me surpreendo por eles ainda conseguirem comemorar essa data.

– Você sabe que minha mãe saiu cedo hoje.

– Não sabia, não.

– E você sabe que a Ariane é a criança mais curiosa do mundo.

– Sei, sim.

Ariane é a irmã de sete anos do Denis. Uma graça, embora seja uma grande sapeca. Denis reclama muito dela, mas, sinceramente, ela tem em quem se espelhar.

– Pois bem. – Nós já subimos as escadas e paramos na frente do quarto do garoto. – Como sempre, ela quis achar os presentes de Natal que a mamãe escondeu. E eu, como sempre, fui contra no começo. Mas a Ariane fez alguma magia negra enquanto falava e acabou me convencendo a ir com ela.

– Você? O maior preservador da tradição natalina do mundo?

– Pois é! Estou falando, cara, magia negra. Enfim – ele abre a porta do quarto e vai até a mesa do computador, de onde pega um envelope. – Não achamos os presentes, mas achamos isto aqui.

Ele quase achata meu nariz com o papel para mostrar que está escrito “PARA DENIS”.

– O que é isso? Sua mãe vai ter dar dinheiro esse ano?

– Não! Esta carta é do meu pai!

O pai do Denis morreu na véspera de Natal do ano passado, e por um momento eu achei que o amor do cara por essa data iria por água abaixo. Mas este ano ele só fala em Natal desde o primeiro dia de dezembro. Eu não sei se é só fachada ou não, porque mesmo que Denis fosse muito chegado ao pai, ele nunca foi do tipo que fica para baixo por muito tempo.

– E o que diz aí?

Ele estende a carta para mim.

– Veja.

Abro o envelope e tiro a folha de papel já meio encardida de dentro.

“Denis,

Decidi escrever esta carta a você porque não sei se vou viver tempo o suficiente para te dizer isso pessoalmente. Queria muito ter essa conversa com você quando fosse mais velho.

Nunca te contei isso, mas minha família tem um histórico de problemas cardíacos que eu espero que não seja passado para você e sua irmã. Eu posso partir a qualquer momento. Se a hora chegar antes de eu poder falar com você sobre isso, sua mãe lhe entregará esta carta. Ela me prometeu que não a abriria. Não deixei uma carta para Ariane porque não queria correr o risco de abalar sua infância. Não que eu não me preocupe com a sua; é só que você sempre foi mais compreensivo.

Denis, antes de mais nada, saiba que eu te amo. Você é meu orgulho e meu grande companheiro. Obrigado por isso. Não sei se fui um pai tão bom quanto quis ser, mas espero que ao menos tenha sido um bom exemplo.

Olhe, Mr. D, acho melhor eu ser direto. Deixei uma coisa pendente na vida. Coisa que, por mais que quisesse, não consegui realizar por falta de coragem. Me envergonho em saber que provavelmente vou embora desse mundo sem ter feito o que queria. Mas estou contando com você para isso. Peço a você, meu filho, que faça isso por mim.

Meu maior arrependimento é nunca ter dito a algumas pessoas que as amo e nunca ter sido presente o bastante. É algo que nunca consegui fazer e que não posso pedir a sua mãe que o faça. Você é a única pessoa a quem posso deixar esse pedido. Peço que me desculpe por isso também.

Com amor,

O Grande Alf.”

– Então seu pai quer que você se declare a algumas pessoas por ele?

– É! – Denis está animado demais. Não é um bom sinal. – E olha aqui no verso. Ele deixou um endereço.

Viro o papel para ver.

– Hm, isso é em outra cidade, Mr. D.

– Pra começo de conversa, Penedo é um distrito, e fica a menos de duas horas daqui de Resende. E só meu pai me chamava de Mr. D.

– E aí você chamava ele de Grande Alf?

– Isso mesmo.

– Nossa. Que fofo. Mas como você espera chegar lá sem que sua mãe saiba dessa história toda?

– Já tenho tudo planejado. – Odeio quando o Denis diz isso. – Tenho dinheiro o suficiente para duas passagens de ônibus. Sei que você também tem suas economias. Posso inventar uma desculpa para minha mãe e seus pais não ficarem preocupados com nossa saída e fazer a Ariane nos cobrir. Tem um ônibus saindo em uma hora. Podemos voltar antes do anoitecer.

Meu Deus. Ele pirou.

– E se nos pegarem, gênio?

– Pode deixar que eu explico tudo pros seus pais também.

– Não, Denis, para. Isso é insano – digo. – Não é possível que você veja alguma possibilidade de isso dar certo.

– Sério, Júlio, onde está seu espírito de Natal?

– Pois é. É Natal. Não é dia de sair numa aventura.

– Ah, é – Denis eleva a voz. – E também não é dia de um garoto de treze anos perder seu pai, mas, adivinha só, eu perdi.

Um silêncio perturbador se instala aqui. O Denis animado e pirado ficou revoltado e magoado num instante. Ou talvez toda a animação com esse plano e com o Natal fosse só fachada, no final das contas.

– Olha... Eu sei que não foi fácil ver seu pai morrendo aos treze anos e sinto muito por isso – falo com o maior cuidado. – Mas você não pode achar que fazer essa maluquice vai compensar alguma coisa. Digo isso como seu amigo, e é também como seu amigo que digo que não posso te ajudar nessa.

Denis bufa com força – algo me diz que ainda não escovou os dentes – e esfrega a cabeça, então seu cabelo preto à lá capacete fica ainda mais bagunçado.

– Se você for comigo, vou te deixar me chamar de Mr. D, e eu até posso te chamar de Mr. J!

– Que droga de chantagem é essa? Não dá pra comprar alguém com isso!

– Tá, então... – Ele pensa mais um pouco. – Ok, não vou te chantagear. Só vou pedir para que venha comigo pela nossa amizade. Sempre estivemos juntos, lembra? Vai mesmo deixar seu mano sozinho agora?

Suspiro.

– Isso é chantagem emocional, a pior de todas as chantagens.

– Ah. Funciona?

– Ela é a pior justamente por ser a mais eficiente.

– Aí! – Denis grita e me dá um abraço de urso. – Valeu, mano!

– Tá, tá, tá. Pode me soltar agora? Não curto abraço de homem.

– Você é que manda. – Ele me solta e me dá uns tapinhas no braço. – Vá pegar seu dinheiro enquanto eu arrumo as coisas por aqui. Vamos inventar que... Que o pessoal da nossa turma decidiu combinar um encontro pra comemorar o Natal e que voltamos antes das festas.

– Acha mesmo que meus pais e sua mãe vão acreditar nisso?

– Tem uma ideia melhor?

Bem, podíamos começar dizendo a verdade, talvez.

– Não, não tenho.

– Então tá decidido. Mãos à obra!

. . .

– Um encontro? Hoje?

– É, mãe. Você sabe como a minha turma decide as coisas de última hora.

Minha mãe assente devagar, analisando meu rosto e tentando descobrir se o que disse é verdade ou não. Não sei se estou convencendo. Já estou até vendo, ela me desmascarando, ligando para a senhora Monteiro...

– Tá bem. Pode ir.

... Hein?

– Posso mesmo?

– Desde que volte antes da ceia, pode. Mas não se atrase, ou ficará sem peru e vou doar seu presente para a caridade.

Uau. Eu não esperava que fosse tão fácil. Deve ser o espírito natalino a amolecendo.

– Valeu mesmo, mãe. Cadê o papai?

– Foi comprar o resto dos presentes. Eu disse a ele que as lojas ficam infernais hoje, mas ele me escuta? Não. Prefere achar que é imune a multidão de gente que deve estar nas lojas agora.

– Ah, é. O mesmo papai de sempre – falo da escada.

Corro para o meu quarto. Minha mãe ainda deve estar falando sobre a quantidade de gente comprando presentes de última hora, só que eu estou mais preocupado com outra coisa no momento.

Vou direto para o armário e me abaixo para vasculhar a última prateleira. Enfio a mão e tiro de lá do fundo a minha caixinha de economias. Ela não ficava aqui antes, e por mim nunca ficaria, mas fui obrigado a isso quando percebi que meus pais tiravam umas notas de vez em quando.

Enfio o dinheiro em um dos bolsos da mochila, pego meu celular e desço para a cozinha. Abro um armário para pegar dois sacos de biscoitos, pego umas latinhas de refrigerante da geladeira – obrigado pelo vício, pai –, embrulho tudo em uma sacola e enfio na mochila. Depois, jogo ela nas costas e vou para a porta.

– Tchau, mãe. Te vejo mais tarde.

– Tchau, Júlio. E tome cuidado. Olhe antes de atravessar, entre num lugar movimentado se vir alguém suspeito, e...

– Mãe? Eu tenho catorze anos, lembra? Já sou grandinho.

Abro a porta, louco para sair daqui antes que o remorso da mentira chegue.

– Um filho nunca está grandinho demais para sua mãe. Está levando casaco?

– Não em pleno verão. – E saio.

. . .

Encontro Denis me esperando perto do bar da esquina no final da rua. Ele também está com uma mochila e, por mais insano que pareça, com um casaco amarrado na cintura. Não falei? Ele é doido.

– Denis, está tão quente que sai vapor da torneira da minha cozinha, e você ainda me aparece com um casaco?

– Primeiro, você é exagerado. Segundo, o tempo muda toda a hora. Mas isso não importa. Temos que ir andando.

– Quer mesmo andar até a rodoviária?

– É bem perto daqui.

– Fica a uns vinte minutos daqui, e vamos lembrar que eu não fico ligado em trinta tomadas ao mesmo tempo que nem você.

– Você prefere ficar vinte minutos esperando um ônibus para pagar passagem e andar cinco minutos?

Odeio quando ele tem razão.

– Tá, então vamos. Só me lembre que passar protetor solar da próxima vez que tiver uma ideia maluca.

Atravessamos a rua, e cruzamos com um homem de aparência bem caída indo para o bar. Damos uma olhada para trás e vemos ele se sentar no balcão e pedir um copo de cerveja.

– Espero nunca me tornar um desses caras – Denis fala.

Nunca contei isso a ele, mas já vi seu pai nesse bar uma vez. Foi no final do ano retrasado. Eu estava indo para o dentista quando o vi entrando, se sentando numa mesa e pedindo uma garrafa de cerveja. Quando voltei, o senhor Alfonso ainda estava lá. Com mais garrafas vazias na mesa e completamente bêbado.

Não quero que o Denis saiba. Seu pai era um herói para ele. Isso ia acabar com o cara.

Ainda fico imaginando o que teria levado o senhor Alfonso a beber daquele jeito. Pelo que eu saiba, ele tinha viajado naquela semana, então devia estar voltando para casa naquele dia. Nunca notei muitos problemas na casa dos Monteiros. Tanto Denis quanto Ariane sempre foram carinhosos com o pai, e sua esposa sempre me pareceu ser amorosa com ele também. Não acredito que tenha sido algo relacionado a sua família. O cara devia ter passando por um momento difícil por alguma outra coisa...

– Alô? Terra para Júlio. Tem alguém aí?

– Hm? Ah. Que foi?

– Eu que te pergunto, mané. Tem certeza de que já acordou?

– Não enche.

. . .

A rodoviária está cheia como se hoje fosse um dia de aula e todos os alunos do colégio aqui perto tivessem resolvido pegar ônibus aqui. A maioria das pessoas está carregando sacolas, pequenas e grandes, e tentando achar um cantinho na parede para se encostar, já que os bancos estão ocupados. O mercado atrás do ponto está decorado com luzes ao seu redor, e o colégio ao lado só tem uma faixa desejando boas festas. Essa parte da cidade realmente não costuma ser muito bem decorada.

– Olha, já tem alguns ônibus ali. – Denis aponta para o outro ponto, na lateral do colégio, onde os ônibus intermunicipais passam.

Atravessamos a rua e chegamos à parada. Denis vê o ônibus que vai para Penedo e nós atravessamos a multidão de gente para chegar à fila. A porta do ônibus ainda está fechada, embora o motorista já esteja lá dentro.

– Que horas são? – Pergunto.

– Deve faltar uns vinte minutos.

Olho para seu pulso. O relógio que ganhou do pai no ano passado continua ali, como sempre esteve desde que o senhor Alfonso morreu. Falando sério, nunca vi o Denis sem isso no pulso desde que perdeu o pai.

– Não pode ver as horas?

– O relógio não funciona.

– E você nunca o levou pro conserto?

– Não. Você sabe, último presente do meu pai e tals. Quis preservá-lo do jeito que o ganhei.

– Certo...

Olho ao redor. Tem espaço livre nos bancos, mas se sairmos da fila agora, provavelmente não vamos conseguir nos sentar no ônibus. Vinte longos minutos de pé numa fila... Exatamente a diversão que procuro para uma dia como esse.

– Júlio?

– Que foi?

– Valeu mesmo, cara. Não ia ter coragem de ir sozinho.

Nem precisava dizer. Denis pode parecer durão, maduro e até indiferente, e tem vezes em que ele é mesmo, mas por baixo desse cabelo de emo tem um cara muito sensível e dependente do apoio de seu irmão aqui. E eu só sei disso porque o conheço há anos. Denis é um livro muito bem fechado.

– Sem problemas.

Nós ficamos calados pelo resto do tempo. Não sei no que ele está pensando, só sei que eu não consigo parar de pensar no senhor Alfonso bêbado. Por mais que eu tente ignorar, isso volta para mim o tempo todo, como se uma força superior estivesse me obrigando a entender o porquê de ele ter se embebedado naquele dia.

Os vinte minutos se passam e o motorista abre a porta. As pessoas a nossa frente entram rápido, e quando chega a nossa vez, um cara esbarra na gente e entra primeiro.

– Ei! – Reclamo.

– Tem fila! – Denis protesta.

O homem se vira para a gente e nos olha de baixo a cima.

– Não são um pouco novos para viajarem sozinhos?

– Não é como se estivéssemos indo para outro estado – meu amigo responde.

O grandão olha diretamente para o Denis e franze as sobrancelhas.

– Ei, eu te conheço.

– Senhor, faça o favor de entrar ou sair do caminho – pede o cobrador. O pessoal atrás da gente deve estar de saco cheio também. – Temos um horário para sair.

O homem se desculpa, olha para o Denis de novo e sobe no ônibus. Eu e Denis nos olhamos, damos de ombros, e vamos atrás.

– Ei, garotos – o homem nos chama quando passamos pela roleta. – Sentem-se aqui.

O cara dá um tapinha no banco vago ao seu lado. Empurro Denis para frente e ele me olha de cara feia. O que posso fazer? É puro instinto de autodefesa; o homem tem cara de cachorro mal, e o cabelo preto cheio de gel a e a jaqueta preta o deixam com pinta de mafioso. Não tô a fim de sentar ali.

Denis acaba se sentado no lado dele e eu me sento atrás, inclinando-me para frente para poder participar da conversa.

– Você é filho do Alfonso Monteiro, não é? – O homem pergunta a Denis.

– Sou. Conhecia meu pai?

– E como! Nós estudamos e trabalhamos juntos quando ele morava em Penedo.

– Meu pai morava em Penedo?

– Ele e sua mãe. Só foram para Resende depois do primeiro ano de casamento.

– Por quê? – Eu pergunto.

O homem se remexe na cadeira e começa a mexer na barba rala. O que deu nele?

– Ah... Empregos melhores. – Por que será que eu não acredito nele? – Mas por que você estão indo para Penedo hoje?

– Temos que visitar uma pessoa – o Denis diz. – Conhece esse endereço?

Denis abre um bolso da mochila e tira o envelope da carta de seu pai. Mostra só o verso para o estranho, e este lê o endereço.

– Conheço...

– Pode nos levar até lá?

Não acredito que o Denis não está achando o comportamento dele estranho. O cara não pareceu muito feliz em ver o endereço. Isso sem falar que ele conhece o senhor e a senhora Monteiro e o Denis, mas até agora não se apresentou.

– Hm... Posso apontar onde é a casa. Era só isso que eu queria falar com vocês. Podem se sentar onde quiserem agora – o homem fala bem rápido, como se quisesse nos dispensar mesmo. – E sinto muito pelo seu pai, Denis.

– É. – Denis se levanta. – Todo mundo sente.

Meu amigo faz um sinal para mim e vai procurar outro banco. Ah, não. Não vou sair daqui enquanto não souber o nome do sujeito.

– E você, qual seu nome? – Eu pergunto.

– Meu nome? É Marcelo.

–... Não tem sobrenome?

– Drummond – o tal Marcelo diz. – Mais alguma pergunta?

– Não. Só achei que era justo você também se apresentar. A propósito – estendo a mão –, me chamo Júlio Tavares. Melhor amigo do garoto ali.

Marcelo aperta a minha mão com firmeza. Parece não ter ido com a minha cara também. Fazer o quê?

– Prazer.

Continuo o encarando por mais algum tempo – para parecer macho, sabe? – até me levantar e ir me sentar com Denis.

– Não gostei desse cara – desembucho.

– Por que não?

– Caramba, Denis, jura que você não achou nem um pouquinho estranha a atitude dele? Foi só você mostrar o endereço que ele ficou todo nervoso!

– Cara, ele vai nos levar até lá, e é isso o que importa. Vamos só relaxar, ok?

Já mencionei que o Denis é meio ingênuo às vezes? Pois é, ele é. Mas acho que está certo dessa vez; talvez seja melhor só relaxar por enquanto.

. . .

Assim que descemos do ônibus, Denis corre até Marcelo. Acho que pensou que ele ia fugir da gente. Eu também pensei.

– Calma, garoto. Eu vou levá-los até lá.

O homem nos guia e eu não consigo deixar de admirar Penedo durante o caminho. Eu gosto dessa colônia finlandesa. Todas as casas e estabelecimentos comerciais têm um estilo rústico que faz qualquer bem se sentir bem, tranquilo, em paz.

Marcelo para numa esquina e aponta para uma casa no outro lado da rua.

– É ali.

– Obrigado – o Denis fala. – Foi bom conhecer um amigo do meu pai.

– Também foi bom conhecer o famoso Denis. Seu pai falava muito de você e de Ariane, sempre com muito amor. Não se esqueça disso.

Meu parceiro sorri.

– Nunca.

O cara-de-mafioso acena com a cabeça e vai embora. Eu e Denis nos entreolhamos, assentimos ao mesmo tempo, e vamos até nosso destino.

Denis toma logo a iniciativa de tocar a campainha. A porta é aberta segundos depois, por uma mulher alta, loira e, vale dizer, muito bonita.

– Olá... – Ela começa a dizer, mas seu olhar trava em Denis. – Quem são vocês?

– Meu nome é Denis e este aqui é Júlio. Meu pai me mandou aqui. O nome dele é Alfonso...

– Monteiro?

– Isso! Vim trazer um recado dele.

O belo rosto da mulher se contorce numa careta. Não faz isso com seu rosto, não, moça.

– Podem engolir esse recado. Não quero ouvir uma palavra vinda de Alfonso Monteiro.

E ela bate a porta na nossa cara. O pessoal de Penedo é meio estranho.

– Mas que... Moça! – Denis bate na porta de novo, dessa vez com mais força. – Eu tenho mesmo que falar com você!

Pouco depois, ela abre a porta de novo, ainda com a carranca.

– Garoto, você se parece demais com seu pai, e isso me dá muita vontade de te mandar ir embora daqui.

– Por quê? O que meu pai fez pra você?

– Seu pai é o pior homem que eu já conheci na vida – ela fala quase gritando. – Não sei nem como Patrícia pode continuar casada com ele!

– Minha mãe é viúva agora.

O rosto da loira se suaviza e ela olha com mais pena para Denis. Boto uma mão em seu ombro e assumo o diálogo:

– Olha, moça, não sei o que o senhor Alfonso fez pra você, mas seu último pedido foi para o Denis aqui te trazer esse recado. Pode ouvir pelo menos por consideração ao falecido?

–... Certo. Qual o recado?

– Papai queria dizer a você e a outra pessoa que mora aqui que as ama – meu amigo conta. – Disse que seu único arrependimento era nunca ter dito isso e nunca ter sido presente.

A mulher fica só olhando para nós dois por algum tempo, e ninguém diz mais nada. Então, ela dá uma risada curta e sarcástica que me faz criar uma antipatia súbita.

– Ele nos ama, é? Pra mim isso é só uma última tentativa dele de ir pro céu.

– Fala sério! – Denis grita. – O que você tem contra ele?! Meu pai era um homem bom!

Bom? Você acha bom um homem que engravida uma mulher e a abandona?

Eu paraliso. Denis também. Mas o senhor Alfonso sempre foi o bom samaritano...

– É mentira – meu mano fala. – Não acredito em você.

– Sinto muito por isso, garoto, mas seu pai não era nenhum santo. Pelo contrário: ele me seduziu em seu primeiro ano de casamento e tivemos uma noite de amor. No dia seguinte, ele me disse que não tinha usado camisinha. Enquanto eu fiquei preocupada, Alfonso não se importou. Disse que não fazia diferença. E ainda teve a ousadia de me mandar esconder isso de Patrícia. Sua mãe era a minha melhor amiga, garoto; nós morávamos juntas aqui antes de seu casamento. Fiz isso em consideração a ela. Porém, um mês depois, soube que estava grávida. E sabe o que seu pai fez?

Denis não responde, mas sei que ele sabe a resposta tanto quanto eu. “Empregos melhores”, foi o que Marcelo disse. Parece que não é bem por aí.

– Fugiu para Resende. Só me deixou um dinheiro, dizendo que era para ajudar na criação do bebê, mas era óbvio que ele estava comprando meu silêncio. Eu estava desempregada na época; como poderia recusar? Aceitei, e disse para ele nunca mais me procurar. Nunca precisei dele nem na certidão de nascimento da minha filha.

– Meu pai não faria isso!

– Não só faria como fez! E trate de contar isso à sua mãe quando chegar em casa. Patrícia merece saber com quem se casou.

E a mulher fecha a porta de novo, deixando eu e Denis sozinhos com a verdade.

. . .

Estamos sentados num ponto de ônibus. Ninguém conseguiu falar nada desde que saímos daquela casa. Denis está péssimo. A última vez que o vi desse jeito foi quando seu pai morreu. E talvez agora o que morreu tenha sido a imagem de herói que Denis ainda tinha do pai. Não faço a menor ideia do que dizer.

– Eu devo ser uma pessoa horrível por estar acreditando no que ela disse.

– Não viaja, Denis.

– É sério. Admirei meu pai a vida inteira e tudo isso acabou por causa de uma estranha. Mas é que soa tanto como verdade, sabe?

– Não precisa explicar.

– Só escuta, caramba. Se o meu pai foi mesmo um cafajeste como ela falou, por que estamos aqui? Por que ele quis que eu viesse aqui para dizer que a amava?

Denis pega o envelope, o abre e relê a carta.

– Ele pediu desculpas por ter deixado me pedido isso. Faz sentido agora.

Ele guarda o papel de novo e o solta o envelope no banco.

– Preciso dar um volta.

Não o impeço. Só o acompanho com olhar até onde consigo, para saber ao menos em que direção ir se precisar encontrá-lo. Depois, baixo o olhar para o envelope. É estranho como um pedaço de papel nos colocou nessa situação. Será mesmo que a senhora Monteiro ficou todos esses anos sem saber que foi traída no começo do casamento? Essa história está tão estranha... Senhor Alfonso a amava, qualquer um percebia. Acredito que não tenha lhe contado por medo de perdê-la. Mas assim ele perdeu a loira e sua filha, que, segundo ele, também amava. Ele abandonaria uma família para ficar com outra? Era esse tipo de pessoa? Não. O Alfonso que conheci não era assim.

Pego o envelope e passo a mão por ele. Tem que ter alguma coisa a mais nessa história que ainda não descobrimos. Alguma coisa escondida...

Espera. Tem um volume a mais no cantinho do envelope. O abro e enfio a mão nesse ponto, e sinto um bloquinho de papel. Tiro ele de lá e o desdobro.

De início, penso ser outro bilhete. Mas então eu o leio e vejo que é uma lista de coisas compradas e seus determinados preços. Roupas, brinquedos, comida, material escolar... Tem muita coisa aqui.

– Não acredito que ele deixou essa lista para o filho.

Dou um pulo de susto. Olhando para trás, vejo a cara de pitbull de Marcelo e fico estranhamente aliviado.

– Que lista é essa? – Pergunto.

– Uma lista com tudo o que Alfonso comprou para a filha.

– Ele comprou tudo isso?

– Ah, não. Isso é só metade. Alfonso só começou a listar o que comprava depois de alguns anos.

Olho de novo para a lista. Essa é a maior metade que já vi na vida.

– Mas se ele comprou tudo isso, porque aquela mulher o odeia? – Então, reparo em outra coisa. – Você sabe dessa história?

– Eu era o melhor amigo daquele homem, garoto. Ele só contou isso para mim. E Marlene o odeia porque não sabe que foi ele quem a ajudou por todos esses anos.

– Por que não?

– Alfonso sabia que, se ela soubesse, rejeitaria tudo. – Marcelo se senta no banco e eu volto para lá também. – Então me pedia para entregar. Conheço Marlene há tanto tempo quanto ele e Patrícia. Estudamos todos juntos. Então, quando toda essa bagunça aconteceu, foi fácil eu me aproximar dela. Prometi ao meu amigo que cuidaria dela e de sua filha, e sempre que ele comprava algo para elas, eu entregava como se fosse um presente meu.

– Você devia ter contado a verdade. Marlene já teria perdoado o Alfonso se soubesse disso.

– Não ouviu o que eu disse? Marlene o odeia, e ainda por cima fica indomável quando está com raiva. Se eu contasse a verdade, ela jogaria tudo o que Alfonso lhe deu no lixo e ainda me odiaria também. E Marlene e Samara, sua filha, também são especiais para mim. Acabaram se tornando minha família também. Não posso perdê-las. – Marcelo solta um longo e cansado suspiro. – Essa história é mais complicada do que pensa.

– Percebi. – Histórias de adultos são sempre mais complicadas do que eu penso. – Mas você podia ter pelo menos nos contado isso antes.

– Se o pai de Denis queria que ele fosse até lá, então ele tinha que ir. Eu não podia interferir. – Ele dá uma risadinha. – Se vocês ficassem perto de mim naquele ônibus por mais cinco minutos, não ia conseguir segurar a língua por mais tempo. Estava doido para contar a alguém.

– E agora precisamos contar ao Denis. Antes que ele perca a imagem que tem do pai.

– Estou atrás de você – ele diz. E nós vamos.

. . .

Encontramos Denis sentado num banco ao lado de uma barraquinha, comendo um churros que deve ter comprado nela. Me sento ao seu lado.

– Churros! O melhor remédio que a ciência já inventou – Brinco.

– Não dessa vez. – Denis levanta a cabeça e vê Marcelo. – O que está fazendo aqui?

– Soube que você descobriu a história de seu pai.

– É. Tô sabendo.

– Mas você só ouviu um lado dela. – Marcelo se senta do outro lado de Denis. – Vou te contar agora o outro lado, o lado do seu pai.

Denis para de comer o churros e presta atenção. Deixo Marcelo contar tudo. Até que ele é um cara legal. Vejo na cara do Denis que, assim como eu, não está desconfiando da história. Deve ser porque nós queríamos algo que salvasse a imagem do bom Alfonso que conhecemos, e o lado que Marcelo mostrou fez isso. Recuperou nossa esperança. Cara, esse homem é tipo o Papai Noel da máfia!

– Mas isso ainda não explica tudo. Por que o papai mandou eu dar o recado diretamente à Marlene? Se você já sabia de tudo desde o começo, ele podia ter muito bem lhe pedido isso. Seria mais fácil e nenhum filho ficaria arrasado.

– Talvez ele soubesse que você conseguiria se aproximar daquelas duas mais do que ele.

– Pensou errado. Eu não consegui. – Denis balança um pouco o churros e eu não consigo parar de pensar se ele vai terminar de comer isso. – Mas obrigado por explicar tudo, senhor Marcelo. Eu já estava pensando que meu pai era uma grande farsa.

– É. O grande senhor Alfonso ainda é o cara do bem que conhecemos. Mas e agora?

– Agora... Eu não tô a fim de voltar pra casa sem ter esclarecido essa história. – Denis torna a olhar para Marcelo e o maldito churros continua intocado. – Tem certeza de que não tem mais nada que possa nos ajudar?

– Eu não sei se... Espera. O que é isso no seu pulso?

– Isso? – Denis balança o pulso com o relógio. – É o relógio que meu pai me deu de Natal, logo antes de morrer. Mas ele nunca funcionou.

– Posso vê-lo?

Denis dá de ombros e tira o relógio do pulso para entregar ao Marcelo. O homem o examina de perto e começa a rir.

– Ah, já funcionou, sim! Este era o relógio de estimação de seu pai!

– De estimação?

– Sim. Alfonso ficou triste quando ele quebrou. Parece que os ponteiros nunca mais saíram do lugar mesmo...

– Mas por que o papai me daria um relógio quebrado? Deve ser mais do que uma herança.

– Bem... Ele foi quebrado na última vez que seu pai visitou Marlene. – Marcelo devolve o relógio para Denis e começa outra história. – Alfonso já sabia de seu diagnóstico. Me ligou desesperado, dizendo que não podia morrer sem se redimir com Marlene e Samara, e que iria para Penedo. Eu me encontrei com ele e fomos até a casa das duas juntos. Mas assim que viu a cara de seu pai, Marlene saiu do sério. Começou a gritar. A gritaria chamou a atenção da Samara, e quando Alfonso a viu, ofereceu-lhe seu estimado relógio. Mas Marlene não deixou. Pegou o relógio de sua mão, o tacou na rua e bateu a porta. Os ponteiros nunca mais se moveram desde então. Seu pai voltou arrasado para casa.

Deve ter sido no dia em que eu o vi bêbado no bar. Quer dizer que o senhor Monteiro passou os últimos dias de sua vida se lamentando por algo que fez quinze anos atrás... Penso que ele se tornou um cara bondoso para tentar compensar seu maior erro, mas o passado nunca saiu de perto dele.

– Não foi só o relógio que quebrou naquele momento, como também a esperança que meu amigo tinha de consertar sua relação com Marlene. Mas ele viu uma segunda chance, que dessa vez não cabia a ele de tentar. Esse relógio... Acredito que seja uma prova de que ele confiava essa tarefa somente a você, Denis.

– E o que eu faço com isso? Entrego à Samara?

– Acho que devemos explicar a coisa toda para Marlene, pra começar – sugiro.

– Estou de acordo – diz Marcelo.

Denis concorda, devora o resto do churros – poxa... – e marchamos de volta para o endereço da carta.

. . .

Marlene abre a porta de novo com uma careta. Mas assim que ela vê Marcelo, fica mais tranquila e até sorri.

– Marcelo, querido! O que faz com esses garotos?

– Deixe-nos entrar, Marlene. Precisamos contar-lhe algo.

A mulher olha para mim e para Denis, ainda desconfiada, mas acaba nos deixando entrar mesmo assim. Ela aponta para o sofá e nós nos sentamos depois de Marcelo. Marlene se acomoda na poltrona a nossa frente.

Eu, Denis e Marcelo contamos tudo, desde o acordo entre Marcelo e Alfonso até como o pai de Denis se sentiu quando a visitou pela última vez.

Ao final, a loira está claramente espantada, além de calada. Qual é, agora não vai falar nada?

– E como eu posso saber se isso é verdade?

Denis estende o pulso onde seu relógio está.

– Papai continuou guardando esse relógio mesmo depois de quebrado. E foi a última coisa que me deu antes de morrer. Eu não sei no que ele estava pensando, mas acho que queria dizer algo sobre isso. E meu pai também me deixou a carta pedindo para que eu viesse até você, então...

– É claro que o senhor Alfonso nunca se esqueceu de você e Samara – eu falo.

Marlene balança levemente a cabeça e olha para Marcelo.

– Tudo aquilo que você trouxe para cá, que nos ajudou por tantos anos...

– Eu só entregava. Alfonso comprou tudo aquilo. Ele nunca deixou de se preocupar com vocês.

– Isso não muda o fato do que ele fez comigo naquela noite!

– Querida. – Marcelo estende a mão para ela. – Me dê sua mão.

Marlene o faz sem pestanejar. Esse Marcelo... Quando foi que se tornou essa fonte de confiança?

– O que Alfonso fez foi errado e todos nós sabemos disso. Ele também sabia. Estive ao seu lado por todos esses anos e posso afirmar que não houve um dia em que Alfonso não pensou no que fez. Ele não teria feito o trato comigo se não pensasse. É preciso perdoá-lo e agradecê-lo.

A loira continua quieta. Então, passa a mão no cabelo, suspira e se levanta.

– Vou pegar algo para beberem.

E ela segue para outra sala. Marcelo dá uma breve risada.

– O que isso significa? – Pergunto.

– Significa que ela é orgulhosa demais para chorar na frente de alguém.

– O que significa que...

– Que ela está pensando. Pode levar algum tempo para ela perdoar seu pai, Denis, mas ao menos fizemos ela dar o primeiro passo.

Denis suspira de alívio e – graças à Deus – volta a sorrir.

– Então meu pai não é um grande canalha. Obrigado, Marcelo.

– Qualquer coisa por um pequeno Monteiro. – O cara se levanta. – Esperem aqui. Eu já volto.

Assim que ele sai da sala, nossos celulares tocam. Ao mesmo tempo. Nos entreolhamos e cada um pega seu celular para ver o número.

– Mamãe – dizemos.

– Que tal se um atender a do outro? – Denis propõe. – Elas não vão poder dar bronca no filho de outra pessoa.

– Tô contigo.

Trocamos os celulares e nos afastamos. Depois, contamos até três e atendemos.

Denis?

– Oi, senhora Patrícia! Como vai?

Júlio? Onde está Denis?

– No banheiro – invento. – Me pediu para te atender. Algum problema?

Sim. Ariane me disse que você e Denis foram num encontro da turma. Mas sua mãe acabou de me contar que seu pai falou com a mãe de uma amiga sua no shopping, e ela disse que queria que a filha tivesse um último momento com a turma antes de se mudar. O que é estranho sabendo que ela poderia ter ido no encontro, não acha? A menos que esse encontro não tenha existido.

– Bem...

Onde vocês estão, Júlio?

– Olha, está tudo bem, sério. Estamos com um velho amigo seu da escola. O senhor Marcelo Drummond. Lembra dele?

A senhora Monteiro fica calada por uns breves segundos.

Não conheço ninguém com esse nome.

– Ele era o melhor amigo do seu marido...

Estou dizendo que não conheço nenhum Marcelo.

Mas... Hein?

– Ah... Também estamos com a Marlene. Lembra dela?

Da Marlene eu lembro. Mas ela não mora em Penedo?

– Nós voltamos logo, senhora. Prometo.

Eu desligo antes que ela possa descontar a bronca em mim. Vejo que Denis também terminou a conversa com minha mãe e vou até ele.

– E aí? – Pergunto.

– Ela disse que seu pai viu a mãe de uma amiga nossa no shopping. Disse a ela que estávamos bem, que já estávamos voltando e que você explicará tudo quando chegar em casa.

Sério que ele passou essa bola para mim enquanto eu limpei seu nome? É para isso que os amigos servem...

– E como foi com a minha mãe?

– Ah... Bem...

– Denis – Marcelo nos interrompe. – Quero que conheça alguém.

Uma garota vem atrás dele. Loira, embora num tom mais escuro que o de Marlene, e olhos castanhos. Os mesmos olhos meio puxados para os lados e com um ar de bondade que os de Alfonso.

– Denis, esta é Samara; Samara, este é o Denis. Acho que vocês dois tem muito o que conversar.

Denis abre um sorriso e esquece na hora o nosso assunto. Adoraria participar de sua confraternização com a outra irmã, mas não posso deixar de observar o senhor Marcelo agora. Ele me cumprimenta com um aceno de cabeça e sai da casa, e eu corro atrás.

– Espera! Você também deve uma verdade!

Marcelo para de andar e se vira para mim com o sorriso mais gentil de todos no rosto. Cara, quando foi que sua barba branca ficou tão visível? Espera aí, branca? Mas o cabelo dele é... Branco?

– Darei ela de presente, garoto. Feliz Natal.

Ele continua andando e se mistura no meio de outras pessoas. Vou atrás, mas ele já sumiu de vista.

– Que...

– Júlio! – Denis chega correndo. – O que houve?

– Eu... Não faço a menor ideia. Como foi com Samara?

– Maneiro. Ela é legal. E a Marlene ainda tá abalada, mas até que foi gentil comigo. Já é um Natal melhor do que o do ano passado.

– É, pelo menos ninguém morreu.

– Pois é. Cadê o Marcelo?

Olho novamente na direção que ele seguiu.

– Eu acho que não o veremos até o próximo Natal.

– Hm. Aquele cara é estranho mesmo. Tá a fim de ir pra casa?

– Minha mãe vai me dar um belo tapa... Mas é isso ou perder meu presente pra caridade.

– Beleza. Eu chamei a Samara e a Marlene também. E sua família também podia se juntar a nossa, pra fazermos uma festa cheia de gente.

Esse é o Denis que eu conheço: um amante declarado do Natal e do que ele significa. Isso quase foi abalado no ano passado, junto com o símbolo da família, mas a paixão do meu mano voltou.

Seu pai também voltou. Eu vejo nos olhos do cara, aquele brilho que ele só tinha quando via seu pai, seu ícone, seu herói. Parece que o senhor Alfonso também ressuscitou para seu filho, embora tenha corrido o risco de morrer de vez.

– Denis?

– O quê?

– Feliz Natal, carinha.

Denis abre um sorriso largo. Seu sorriso de Natal.

– Sempre é.


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Notas finais do capítulo

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