Meu natal para você escrita por Ingrid Lins


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/667572/chapter/1

—Por Deus, Emmett, até quando isso vai acontecer?

—Até você entender o quanto é estapafúrdia essa ideia, Santo Céu! Lembra-se do que aconteceu doze anos atrás, Bella? Pois essa lembrança assombra-me toda noite, seus gritos de dor tomam conta dos meus ouvidos toda vez que vem com essas conversas — por mais que eu tentasse esquecer aquele dia maldito, nada fazia com que meu íntimo se aquietasse.

Ela suspirou como se aquele discurso fosse uma repetição que nos acompanhasse há muito tempo. E acompanhava mesmo. Era o ponto que nos separávamos. Isabella não tinha a experiência nem maturidade que eu carregava no alto de meus quarenta e dois anos. Em situações como aquelas, era como se pudesse vê-la com dezesseis anos novamente, intensa e selvagem.

Seus lábios abriram-se para logo depois fechar. O cansaço já tomava conta de nós como se fôssemos um casal de idosos. As articulações do meu coração gemiam, enferrujadas, tomadas pelo vírus cruel que era o medo de perder a mulher que eu amava.

—Oras, não me tome por tola, Emmett, é claro que não o esqueci, apenas escolhi seguir em frente. Nosso filho era para estar conosco nesse momento, porém não é essa a realidade que vivemos. Onde ele está, Emm? Quando finalmente o teremos na nossa vida?

Não respondi, não tinha como. Não existiam respostas para aqueles questionamentos que se tornavam cada vez mais frequentes na nossa vida. Sequei a mão sobre a testa suada, a insegurança batendo sobre meu psicológico. O medo de que minha amada Bella continuasse absorta por aquela vontade, e fosse procurar fora de nossa casa o alento para seu desejo. O filho que eu nunca poderia dá-la. Isabella também fraquejou, o cansaço tomando conta de todas nossas forças.

—Eu não quero continuar com isso. Juro por todo amor que tenho por ti que meu único objetivo com isso tudo é completar nosso amor, meu querido. Não quero terminar como Alice, amargurada pela vida. Dê-me um filho, Emmett.

Num ímpeto desprovido de racionalidade, abracei seu corpo miúdo com toda força que me restava. Não era justo negar um filho à uma mulher de vinte e oito anos; Bella merecia isso, mas eu não poderia dá-la. A prova disso tinha sido o acontecimento de doze anos atrás. Não existiam pedidos suficientes, discussões o bastante para fazer-me mudar de ideia. Dá-la o que queria era sentenciá-la a morte, e isso eu nunca poderia fazer nem se vivesse por mil anos. Mais do que a fraternidade que unia nossos sangues, era o enorme amor que eu carregava em meu coração; toda a adoração que devotava a ela todos os dias desde que nos unimos.

Arfei, soltando o ar com força de meus pulmões. Não era justo com ela, que era apenas uma mulher no auge de sua vida adulta, querendo uma família. A família que eu não daria a ela porque precisava dela em minha vida mais que uma criança. Seus lábios buscaram pelos meus, e por mais que não devesse, cedi. Nunca negaria a ela um beijo, nem que precisasse morrer para isso. Suas mãos pequenas cercaram meu pescoço, e me apertaram enquanto me beijava com a volúpia de uma mulher apaixonada. Toda a discussão já estava sendo esquecida, quando Bella resolveu falar entre o beijo que me acariciava como um gemido.

—Prometa que me dará aquilo que desejo — sua voz era urgente e aflita, e a forma como sua íris brilhavam diante daquele pedido fez meu coração vacilar por um segundo.

Encostei a testa na dela, e respondi:

—Desculpe-me, mas não posso perder-te, meu amor.

Todo amor e paixão que antes tomavam conta de seu corpo, a deixou com a velocidade de um raio. Suas feições endureceram, e num piscar de olhos, as lágrimas enchiam seus globos oculares. Aquilo fez com que meus olhos também umedecessem. Ela nunca me perdoaria e eu sabia daquilo, mas se nunca me deixasse já era o bastante. A forma acusadora com que Bella me encarava tornava tudo ainda pior, como se a estivesse matando aos poucos. Talvez estivesse.

Tentei me aproximar, porém ela deu um passo para trás assim que avancei. As lágrimas desceram quando ela me negou. Será mesmo que uma criança valia aquele sofrimento todo? Contra minha vontade, as palavras de Alice tomaram conta da minha mente, como se passasse na minha cara que os doze anos de amor ao lado de Bella tinha sido um total engano.

—Isso que está fazendo é completamente insano, Emmett. Não pode tomá-la como esposa, Bella é sua irmã. Isso nunca dará certo, já viste o que acontecerá todas as vezes que o pecado de vocês tentar dar frutos. Bella é uma menina, é responsabilidade sua mantê-la viva. Não poderá levar essa loucura por muito tempo, o sangue falará mais alto, e quando não puder dá-la a família que ela desejará um dia, lembrará do que digo. Não pode amá-la dessa forma, Emmett, e no fundo, sabes disso. Dê a ela a chance de ter uma família, meu irmão.

Eu não ouvi Alice enquanto estava viva, e com certeza não ouviria quando estava morta, mas de alguma forma era como se seu espírito estivesse apontando o dedo na minha direção e falando "Eu não te disse?". Claro que eu sabia que não podia amar minha jovem e atrevida Bella daquela forma, no entanto, era esse o sentimento que enchia meu coração há doze anos. Nunca durante esse tempo todo tentei fazer o que Alice me pedira, nunca ousei pensar em separar-me dela. Isso seria meu fim, e quando Bella me questionava daquela forma, eu pensava — contra todo meu carinho e amor — que se tivesse deixado-a quando ainda havia uma chance, ela seria mais feliz a essa altura.

Sai daquela tortura interna quando Bella bateu a porta com força, deixando-me completamente sozinho no corredor. Àquela altura, já tinha me acostumado com as brigas que assolavam nosso casamento; era o preço que eu tinha que pagar por ter me apaixonado por minha irmã. Segui caminho para o escritório, e acendi um charuto. Na estante vi o livro que havia trazido dos trópicos, o surrado Dom Casmurro. O cômodo estava na penumbra total, e enquanto as lágrimas tomavam conta do meu rosto na mesma intensidade de minhas tragadas, lembrei do fatídico dia em que Bella perdera nossa criança. Isabella não sabia o que acontecia em seu corpo, quando me contara que suas regras estavam atrasadas, porém eu sabia. Tinha conhecimento que se nada acontecesse, uma criança amaldiçoada por nossos atos viria ao mundo. E quando o corpo de Bella rejeitara nossa criança, por mais que eu dissesse a mim mesmo que aquilo era melhor, vivi o luto também. A diferença era que Bella mostrava a todos sua tristeza e eu não.

—Acabou Emmett, e te peço que se realmente a ama, não faça com que ela passe por isso de novo. Por favor, pela nossa mãe.

O pedido que Alice me fizera naquele dia era justo. Bella passara três dias até conseguir que a criança saísse de seu corpo, e naquele processo sua saúde quase foi ceifada. Como ela ainda ansiava por ter que passar por aquilo tudo novamente? Eu não podia.

Meus olhos vagavam pelos objetos que ornamentavam o escritório, mas não viam nada de fato. O gosto margo do uísque e tabaco ainda queimavam na minha língua, quando me deparei com algo que não tinha percebido ainda. Faltava um dia para o Natal. Sorri, pensando em minha mãe Mary Louise que simplesmente amava o Natal, e parecia uma criança em todas as datas que eu lembrava que comemoramos o nascimento de Cristo. Era como se eu pudesse vê-la na minha frente... Cabelos compridos e escuros — iguais os de Alice e Bella —, feições suaves e olhos claros que nenhum dos filhos herdaram. Antes que eu percebesse, minhas lembranças de infância tomando conta da minha mente.

—Não corra, Emmett! Charlie, querido, traga a árvore.

Ela delegava tarefas a meu pai e todos os empregados da casa. Nos Natais da minha infância, Thrushcross Grange estava sempre abarrotada de convidados, mas antes de todos nossos convidados chegarem cabia a nós a decoração da casa. Era serviço das crianças enfeitar a árvore, e naquela época Bella não era nascida. Charlie vivia sempre sorrindo admirando minha mãe, a mulher mais bonita que vivia no Condado.

Depois dos enfeites, era a vez do jantar ser preparado. Carneiros enormes eram preparados para alimentar todos que viriam para celebrar na casa do Conde Swan de York. Quando tudo estava pronto, minha mãe cuidava da vestimenta de todos. Meu pai estava sempre trajando seu fraque bem-acabado, e seu fiel charuto acompanhando-o. Eu e Alice usávamos roupas feitas sob medida para aquele dia, e quanto à Condessa Mary Louise estava sempre deslumbrante. Minha mãe era como um anjo maravilhosamente bela e graciosa.

Não demorava muito até que algumas das famílias convidadas chegassem em Thrushcross Grange, e nós íamos recebê-los com sorrisos e abraços. Mamãe sempre dizia que devíamos tratar os convidados como gostaríamos de sermos tratados, e era com essa filosofia que ela lidava com cada um deles como se fossem amigos íntimos da família. Tem uma natureza selvagemente encantadora, dizia meu pai sempre que ela o obrigava a fazer algo que não queria.

—Conde — as mulheres faziam reverencia, e os homens apenas faziam um cumprimento com a cabeça — Condessa Mary Louise.

Minha mãe não aceitava que a chamassem de Condessa, exigia que acompanhassem seu nome, ou seria considerado non-grata em seu teto, era o que ela dizia a todos. Minha mãe nunca deixaria sua alma benevolente e jeito simples e carismático serem engolidos pelos hábitos da nobreza.

Com os hábitos natalinos de Mary Louise na cabeça, que decidi que deveria honrar sua memória e reviver um de seus jantares. Animado com esse pensamento, senti-me culpado por fazer isso sem Alice. Ela era uma das que mais aproveitava os jantares de mamãe, mas naquele ano ela não estaria. Minha querida irmã compartilharia do feriado ao lado de nossa mãe. Por um segundo, um pensamento me ocorreu e sufocou.

—Não importa pelo que esteja passando, agradeça Emmett. Momentos felizes trazem alegrias, mas são os momentos difíceis que fornecem conhecimento e força.

Pela primeira vez em anos, segui o conselho de minha mãe, e agradeci. Por tudo. Por Alice finalmente estar em paz no paraíso, por Bella estar viva ao meu lado, por nossa criança estar ao lado de sua avó. Eu tinha certeza que Deus não puniria nossa criança por nossos pecados, a Bíblia — talvez fosse até pecado usá-la como argumento — dizia que as crianças são anjos sem pecado algum, e por isso são acolhidas nos Reinos dos Céus.

Depois de um trago, tentei entrar no quarto. Testei a maçaneta, e destranquei a porta, mas quando abri a porta era preferível não ter entrado. Isabella parecia-me uma bagunça. Seus olhos estavam vermelhos e inchados, eu sabia que era pelo luto de nossa criança. Era um sofrimento causado por mim. Com muita cautela, aproximei-me da poltrona onde ela sentava.

Passei a mão por seu cabelo desengranhado, e beijei sua face. Nós éramos casados, seu sofrimento era meu sofrimento. Puxei-a para um abraço apertado, onde eu tentava passar todo meu carinho e amor, esperando que apenas isso pudesse curar sua ferida mais profunda. Não podia e eu sabia bem disso. Passei o dedo sobre sua bochecha rosada que eu amava tanto, e a vi chegando os olhos para sentir minha carícia cálida.

—Não me odeie, por favor. Eu jamais poderia suportar tal sentimento.

Bella suspirou e me encarou.

—Não odeio, nunca poderia odiar-te. Amo teu coração mais que amo o meu. Apenas quero que entenda que não posso viver sem uma criança tua — suas lágrimas voltaram a descer, magoando meu coração. — Todos os dias, penso naquela madrugada maldita, e a única coisa que penso que poderia mudar em toda minha vida, é aquele dia. Apesar de serem jovens e inexperientes minhas entranhas, eu desejava tanto aquela criança e ela simplesmente... foi tirada de nós.

—Bella, por favor, entenda.

—Entenda você, por favor, Emm. É a última vez que vou tocar nesse assunto, juro por Deus! Eu cansei de chorar... eu só... cansei...! Abençoe a nós, meu amor, nos dê um filho.

Não respondi nada. Não tinha mais o que dizer, eu não poderia magoá-la mais do que já tinha feito. Embrulhei seu corpo no meu, e esperei até que Bella finalmente descansasse. A noite seguinte teria que ser perfeita, ou eu não tinha certeza do futuro que teríamos.

O dia começou a todo vapor, e fiz questão de relembrar todos os pratos que Mary Louise mandava fazer em nossos jantares de Natal. Os empregados trabalhavam ferozmente na cozinha, tudo na tentativa desesperada de desviar a atenção de Bella daquele desejo não pensado. Quando minha querida esposa acordou estranhou a movimentação em Thrushcross Grange. Eu esperava que todos os meus esforços dessem algum resultado, ou dia menos dia Bella me deixaria.

—O que está acontecendo aqui?

Ela olhava para todos os lados, tentando entender o porquê de tanta animação em Thrushcross Grange. Há muitos anos o casarão parecia abandonado, os empregados mal eram vistos pelos cômodos, então não era errado que Bella estranhasse tanta movimentação. Alguns empregados trabalhavam enfeitando as paredes com luzes, e outras ornamentavam um enorme pinheiro. Os olhos de Isabella ganharam vida novamente.

—Hoje é noite de Natal — respondi simplesmente. Puxei a cadeira para que minha amada esposa se sentasse. Ainda confusa, porém com um sorriso, Bella sentou-se e admirou a mesa farta, posta — provavelmente — pela primeira vez naquele ano.

Minha — eterna — menina mordeu um pedaço de pão de milho, e sorveu um pouco do suco de maracujá de forma suave. Eu podia ver a alegria brilhando em seus olhos castanhos, tão quentes e intimidadores quanto ela. Tem uma natureza selvagemente encantadora, pensei sorrindo. Fiquei admirando-a por mais alguns estantes, até que ela percebeu. Vi algo reluzindo em seu olhar e senti-me confuso. Será que era a movimentação na casa que a alegrava?

—O que há de errado? — Perguntou, parecendo encabulada.

—Absolutamente nada, minha querida.

O silêncio durou pouco, logo ouvi o suspirar vindo de Bella, e percebi que algo a perturbava. Claro que eu sabia o que era, mas ainda tinha alguma esperança que a causa de seu tormento não fosse eu.

Logo ela tomou coragem, e deixou o pão de lado. Respirou fundo e colocou a mão sobre os olhos. Sorri, era o sinal explicito de que algo a deixara nervosa.

—Olhe, Emm, sobre ontem...

—Bella, por favor...

—Não, escute-me querido, por favor. Queria desculpar-me — suspirou. — Talvez eu esteja ficando louca. Sei dos medos que o afligem e mesmo assim, atormento-o com esses assuntos que sei que só o ferem. Juro nunca mais tocar nesse assunto novamente.

Havia, talvez, um toque de tristeza em sua voz, mas não arrependimento. Eu tinha medo que um dia, Bella quisesse voltar atrás em suas palavras e largar-me. Tinha total conhecimento do que custava a ela dizer aquilo para mim com tanta convicção, e orgulhava-me disso. Bella era a mulher mais forte que conhecia na minha vida. Herdara a força de Mary Louise.

Fitei-a tentando entender o que aquelas palavras significavam na nossa vida. Seria o fim das discussões? Iríamos entrar em sintonia novamente e esquecer nossos pontos de ruptura? A ansiedade para que fosse sim a resposta de todos os meus medos, roía meus nervos. E então tudo passou, pois vi na minha frente, o sorriso mais lindo do mundo. O sorriso que fazia o ar entrar e sair dos meus pulmões todos os dias.

—Sei o quanto isso lhe custa, minha amada, eu juro, mas tente compreender. Não posso dar chances ao destino para tirá-la de mim. Não posso viver sem você, Bella.

—Entendo-te perfeitamente. Não posso passar um minuto da minha vida sem amar-te, Emmett.

Eu podia ler a verdade em suas palavras. Era a mesma verdade que habitava em mim em cada segundo da minha vida. Ela sorriu, e continuou a tomar seu café da manhã, com meus olhos sobre ela como os espectadores mais fiéis que eram.

Assim que acabara de comer, Bella limpou os cantos da boca com um guardanapo de linho. Ela admirava os movimentos dos empregados, empenhados em suas funções, seus olhos castanhos de uma intensidade diferente de marrom, como um chocolate derretido, acompanhando cada ação como se fosse uma história envolvente. Nem ao menos sabia que haviam tantos enfeites em Thrushcross Grange! Não se lembrava de nenhum Natal alegre no casarão desde que era uma menina, nem ao menos lembrava-se da figura de sua mãe. Não haviam retratos expostos da Condessa Mary Louise em lugar algum do casarão, Charlie ficara muito deprimido quando a esposa morreu, e então tirou todos os retratos, quadros, qualquer item que meramente representasse sua amada. Lembro-me de, na época, irritar-me com a atitude de meu pai, mas depois de tudo que acontecera, achava que se algo assim acontecesse a Bella, eu também me afundaria da tristeza e apagaria de nossa casa qualquer lembrança que pudesse me maltratar, como um oficial maltratava um bandido. Com isso, minha irmã caçula — minha esposa — nunca teve as mesmas memórias natalinas que habitavam a minha memória e a de Alice quando ainda era viva.

Todos os enfeites já estavam presos à parede, quando a encontrei na sala de leitura. Uma música melódica tocava no rádio, fazendo o corpo magro de Bella balançar em seu ritmo. Observei-a com verdadeira admiração e alegria, pois pela primeira vez em muitos anos, ela finalmente parecia uma mulher da sua idade. O sorriso que lhe brincava nos lábios, — ah! —, esse era de uma criança. Caminhei à passos silenciosos até ela, e peguei sua mão, num convite explicito de que fosse minha parceira de dança. Valsamos por todo cômodo, o sorriso mais lindo e gentil ainda em seus lábios, e em seus olhos a mais bela e intensa alegria. Esse sentimento aquietou meu coração, pois meu único objetivo durante doze anos era fazê-la feliz; dar-lhe o mundo para que não lembrasse de tudo que estavam perdendo ao meu lado.

Seus dedos finos acariciaram-me a bochecha, fazendo-me sorrir. Minha menina refletiu minha ação e também sorriu, e desta vez, um sorriso verdadeiro. Olhos e lábios. Obrigado, Santo Deus, por essa benção! — pensei realmente agradecido. Há doze anos, eu acreditava que Deus havia fechado os olhos para mim, negando-se a abençoar um pecador, no entanto, com aqueles gestos tão singelos, estava fazendo de mim um filho genuinamente feliz. Aquele dia estava realmente sendo um dia maravilhoso de Natal.

Lábios doces pousaram sobre os meus, suaves e cautelosos. Por que ainda temia minha reação? Oh Céus, essa mulher ainda seria minha perdição! Deslizei vagarosamente a língua, sentindo seu gosto doce impregnando minha boca, e mesmo que não quisesse estragar aquele momento tão íntimo e romântico ao mesmo tempo, deixei que um gemido escapasse da minha boca. Paramos de bailar, e senti sua mãozinha pequena serpenteando meu corpo até chegar ao meu pescoço. Suspirei, sentindo meus cabelos serem puxados ao pé da nuca, fazendo um arrepio subir por minha coluna.

—Acalme-se, por favor — sibilei, arfando. Os lábios de Bella estavam levemente avermelhados, diferente de quando acabávamos de fazer amor, que pareciam cerejas pintadas.

Bella olhou-me indignada. Uma pergunta piscava em seu semblante, uma sombra cobria seus olhos de forma enigmática e misteriosa, e eu conhecia bem tal característica. Queria dizer que ela estava brava.

—Está mesmo negando-me tuas habilidades de marido?

—Oh, não mesmo! De forma alguma poderia negar-te algo que já é teu, formosa.

Um cintilar piscou em seu corpo, e então sorri satisfeito. Formosa era o adjetivo que melhor descrevia-lhe, e tinha tornado-se seu apelido quando fomos ao balé certa vez e o protagonista chamava a sua amante desta forma. Desde então, formosa era como ela gostava de ser chamada. Bella abriu um sorriso sedutor, o que me transformava em um escravo a seus pés em segundos, e envolveu os braços macios ao redor do meu pescoço.

—Acho que não é prudente deitar-me contigo na noite de Natal. Em algum lugar há de estar escrito que não se pode fazer isto.

Uma risada de sino tomou conta do ambiente. As faces naturalmente coradas de Isabella, adquiriram um tom ainda mais carmesim, enquanto dobrava-se de rir. Oras, isto era um absurdo! Soltou um muxoxo insatisfeito por ela estar tomando-me por bobo.

Soltei-me de seus braços, e virei para a janela. Por que ela ria tanto de meus temores e crenças religiosas? Aos olhos da Igreja eu poderia ser um maldito pecador, mas ainda assim, queria o perdão de Deus. Fiquei irritado por servir de chacota para o divertimento sarcástico da minha pequena.

—Não se irrite, eu apenas ri de uma bobagem, como fiz muitas vezes antes. Não seja tão sensível.

—Não estou sendo sensível, apenas respeitoso.

Continuei encarando a paisagem através da janela. Não demorou muito para sentir seus braços rodeando-me a cintura. Claro que o calor de seu corpo despertava meu desejo, mas de algum jeito, parecia muito errado desejá-la quando o menino Jesus estava aniversariando. Simplesmente era algo que não deveria ser feito.

—Vamos, não fique assim. Perdoe-me.

Fizemos as pazes com um beijo casto, pois a raiva ainda pulsava em mim. Bella recolheu-se para começar a arrumar-se com as criadas, e o dia passou em meios aos preparativos de nossa festividade.

Já era noite quando fui até a cozinha e dispensei os empregados. Da janela do escritório dava para ver que o armazém tinha sido decorado para a festa de Natal deles, então num ato de solidariedade natalina, mandei que levassem metade de ceia para o armazém e comemorassem.

—Mas... senhor! Nós fizemos para que o senhor e a senhorita tua irmã pudessem ceiar. Não é justo.

A menção da expressão "tua irmã" fez meu estômago embrulhar. Teresa era a empregada mais antiga de Thrushcross Grange e sabia muito bem que Bella não era apenas minha irmã, mas sua boa educação nunca a permitiria admitir. Descrição e obediência em primeiro lugar, era o que pregava a velha escola para moças. Era tão errado mentir para Teresa, a mulher praticamente me criara junto com a Condessa!

—Não discuta comigo, Teresa. Se estou dizendo para levar, é para levar, ora bolas!

—O senhor está certo disto? Não queremos que lhes falte alimento.

Dei um meio sorriso, Teresa sempre estaria preocupada se faltaria comida ou não. Velhas preocupações nunca mudariam.

—Não seja tola, minha querida e doce Teresa. Leve, por favor. Sabes que Bella e eu não comeremos isso tudo, e ao fim da noite, parte dessa ceia estará no lixo — peguei suas mãos gorduchas e beijei cada uma, separadamente. — A Condessa Mary Louise nunca deixou que nada faltasse a ti e tua família, e eu não perdoar-me-ia se algo lhe faltasse. Leve e comemore com todos que a esperam.

O dedo fofo de Teresa acariciou-me a face com dificuldade. A baixa estatura dificultava seu mimo, mas mesmo assim, não foi um empecilho. Um sorriso doce atravessou seu rosto, fazendo seus olhos amendoados ficarem ainda mais espremidos. Retribui-lhe o gesto, depois de abraçar seu corpo pequeno.

—Tenha um feliz natal, meu menino. Que Deus lhe abençoe, e dê-lhe sabedoria. Era isso que madame Louise mais ansiava para o senhor e a senhorita Isabella.

Deixei a cozinha e segui para o quarto. Depois do banho, vesti meu fraque mais elegante, com sapatos combinando. Examinei minha figura refletida no espelho, e gostei do que vi. Estava bonito o bastante para confraternizar com minha pequena. Meu maior desejo era sempre estar à sua altura, ser bom o suficiente para ela; tudo por ela. Tudo para minha Bella.

Segui pelo imenso corredor e encarei a porta do antigo quarto de Alice. Nunca, desde sua morte, tivera curiosidade de entrar naquele cômodo, aos meus olhos, era como se não existisse. A alma de minha irmã ainda habitava naquele lugar, eu podia sentir isso em meu íntimo, e talvez fosse por isso que a vontade não impulsionava meus atos. Os julgamentos de Alice ainda ecoando no fundo de minha consciência, enganava-se ela se realmente acreditava que um dia suas palavras deixariam que eu poderia viver sem sua influência. Ela condenava-me por amar intensamente, e por certo, seu maior erro foi não ter amado suficiente na vida, e era com essa verdade que Alice morrera lutando contra. Minha irmã ressentia-se de não ter tido chances para amar suficientemente, e construir uma família. Suspirei, sacudindo a cabeça para espantar qualquer medo que perturbasse minha alma naquele momento, e bati na porta, sentindo o impacto da madeira sobre os nós dos meus dedos.

Não demorou muito para que Isabella abrisse a porta e presentear-me com sua imagem. Não pude conter o sorriso ao vê-la, a figura de minha adoração bem diante de mim. Um vestido branco de tecido leve — o mesmo que eu fantasiava vê-la usando se pudéssemos casarmos numa Igreja, como mandava os costumes — abraçava seu corpo magro, cobrindo a quantidade certa de pele. Seus cabelos estavam soltos de forma natural, com uma coroa de flores silvestres ornamentando sua cabeça, consagrando-a Rainha. A soberana que reinava com mãos de ferro meu coração. Bella girou em volta de seu próprio eixo, dando-me a visão completa de seu corpo. Era como se pudesse ver diante de mim uma das filhas de Afrodite, para meu total deleite! Meus olhos brilhavam de emoção e satisfação — eu podia sentir — apenas por poder admirá-la tão bela e encantadora.

Aproximei-me, pegando suas mãos, e beijando logo em seguida. Uma reverencia a Rainha da minha vida. Suas bochechas enrubesceram no mesmo instante, fazendo sua pele ganhar um tom muito bonito de rosa. Bella sorriu para mim, fazendo-me sorrir também.

—Creio que posso morrer agora, e levarei comigo na memória a imagem de uma deusa.

—Pois não diga uma bobagem dessas nem por brincadeiras! O que seria de minha vida sem tua presença? — A declaração de Bella fez meu coração disparar.

—Então seria o mesmo que a minha, pequena, porque também não poderia viver sem ti.

Guiei-a até a sala de jantar, assistindo sua reação ao vê-la admirando o ambiente. Haviam luzes iluminando todos os cantos da sala, o pinheiro completamente enfeitado, dando certo ar de infância. Mas foi quando fitara a parede, que pude ver a surpresa tomar conta de seu semblante. Bella tornou-se séria, encarando pela primeira vez, o retrato da Condessa Mary Louise. Mandei que pendurassem o quadro novamente, quando decidi que minha mãe deveria ser admirada por todos os visitantes e moradores de Thrushcross Grange.

Bella aproximou-se do retrato, tocando a ponta dos dedos sobre as faces pintadas de nossa mãe. Talvez estivesse se reconhecendo nas feições de nossa mãe, tão bela e elegante. Os olhos de minha pequena tinham a força e a vitalidade dos olhos de Mary Louise, ninguém poderia negar isso. Quando me fitou de volta, seus olhos pareciam a ponto de desmanchar-se em lágrima.

—Quem é esta? — Bella sussurrou com a voz embargada, sua emoção a ponto de lhe abater.

—É a Condessa Mary Louise Swan de York — respondi com orgulho, para logo emendar: — Nossa mãe.

Ela ofegou, surpresa. Por complicações no parto, minha mãe morrera dando à luz a sua última filha, e depois das atitudes estúpidas do Conde, Bella não conhecia a face de nossa mãe. E quando se reconhecera nos traços delicados e firmes de Mary Louise, ela sentira-se finalmente parte da família. Apesar de Charlie sempre ter cuidado de sua filha caçula como um bibelô, em uma ocasião desses dozes anos, ela me confidenciara que, no fundo de sua alma, nunca se sentira como uma Swan legitima. Nosso pai não permitia que Bella conhecesse nossa própria mãe, Santo Deus! Agora eu tinha dado-lhe a chance de finalmente completar a peça que faltava em sua vida. E não pude evitar o orgulho por isso.

Bella virou-se para mim, e antes que pudesse ver, jogara-se nos meus braços. O abraço mais sincero e apertado que já senti na vida.

—Obrigada por isto. Obrigada por tudo.

Beije-lhe a face, e a guiei para a mesa. Ceiamos um de frente para o outro, deliciando-nos com a presença um do outro e agradeci novamente. A vida até poderia ser mais complicada do que agradar-me-ia, mas era feita sob medida para mim. Fitei Bella mais uma vez, e sorri, sabendo que eu seria feliz até quando a tivesse do meu lado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Meu natal para você" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.