TODAS AS LUZES - Coletânea de Natal escrita por Serena Bin, Gessikk, Cardamomo, Miss Houston, Maya, Amauri Filho, Lady Gumi, Maxx, Sr Devaneio, Lucas Freitas, Analu, Nanathmk


Capítulo 8
Uma Missão de Natal - Natasha Muzyka


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura!



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A sua mãe estava no piano tocando Sino de Natal, enquanto a Alice cantava e os convidados acompanhavam com palmas. Afastada de todos, sentada na pedra em frente à lareira, Lorena pintava um caderno de desenho que foi presente do pai – que estava em Curitiba.

— O que você está fazendo? — Júlio, seu primo, estava parado em frente a ela.

— Não é da sua conta — respondeu, fria.

— Quero ver — ele disse, indo para frente e arrancando o caderno de suas mãos. — Pintar é coisa de criança.

— Eu sou criança, seu pia pançudo, e você também. Agora me devolve. — Lorena estava de pé, com uma mão no quadril e outra esticada para frente. O primo riu e começou a folhear as páginas do livro. Lorena tentou pegar, mas ele se esquivou e gargalhou.

— Enganei o bobo na casca do ovo — cantarolou.

— Me devolve, Júlio.

— Me devolve, Júlio — falou, com uma voz anasalada e fina. Lorena cruzou os braços.

— Estou falando sério!

— Estou falando sério! – repetiu, fingindo a voz.

— Me dá meu caderno. — Ele olhou para ela, um sorriso malicioso no rosto.

— Vem pegar.

Ela avançou em direção a ele, que se esquivou na primeira vez, mas não na segunda. Lorena segurou o caderno, mas, em vez de soltar, Júlio puxou com força, rasgando a capa e amassando várias páginas.

Ela olhava para o caderno na mão, destruído. As bochechas ficaram vermelhas e os olhos marejaram.

— Você é um idiota! — berrou, com a voz embargada. — Idiota, idiota, idiota! — Avançou e empurrou-o tão forte que ele tropeçou e caiu no chão. Lorena não percebeu, mas as palmas, o piano e a voz da irmã haviam silenciado. — Meu pai me deu de presente e você destruiu!

— Sininho — sua mãe falou suavemente, tentando abraça-la. Chamava-a de Sininho desde sempre, pois a menina a lembrava da fada.

— Meu nome não é Sininho! — falou, livrando-se dos braços da mãe, jogou o caderno no chão. — Você queria tanto, é seu.

Passou pelo primo e saiu correndo em direção às escadas que levavam ao quarto, entrou, bateu a porta com força e deitou-se de bruços na cama.

Lorena não deveria estar ali, em Pato Branco, mas em Curitiba, brincando de esconde-esconde com a prima Larissa e comendo os doces da avó, enquanto esperava ansiosa pelo fim da ceia e o pedido de casamento que o pai faria ao Fábio.

Ouviu o som de batidas na porta, passos graciosos no chão de madeira e uma cadeira sendo arrastada. Sentiu o cheiro do perfume cítrico que a mãe usava e uma mão tirando os fios loiros da frente de seus olhos.

— Lorena — ela suspirou. — Eu sei que você queria estar com o seu pai, mas nós fizemos um acordo.

— Eu sei. — Ela se sentou com as pernas cruzadas e olhou para a mãe.

— Tenho certeza que o Júlio não queria estragar o seu caderno. — Ela sorriu. — Ele fez isso porque ele está a fim de você.

Lorena franziu a testa e cruzou os braços.

— Não, ele fez aquilo porque é uma idiota. Se ele gostasse de mim, não faria.

— Quem está lhe ensinando essas palavras, o amante do seu pai? — Havia um sarcasmo na voz dela, que não passou despercebida por Lorena, que comprimiu os lábios e fuzilou a mãe.

— Por que você fala assim dele?

— Seu pai me trocou por um homem! Isso é horrível. — Os olhos da criança marejaram.

— Não é não! — Lorena se ajoelhou na cama, os punhos cerrados. — Você é horrível, Joana!

— Lorena, eu ainda sou sua mãe.

— Preferia que não fosse.

Lorena viu a mãe fechar os olhos e expirar longamente.

— Muito bem. Você está irritada pelo caderno. Quando se acalmar, desça e iremos conversar. — Ela se levantou e deixou a filha sozinha. Lorena esperou os passos se afastarem no corredor e levantou, tirou o vestido que usava, colocou um pijama e deitou em sua cama.

Na sala nada mudou; Joana continuou dedilhando o piano até Alice decidir que iria brincar de pique-esconde com o primo Júlio e as duas crianças de Matilda. Foi só perto da uma da madrugada que os convidados começaram a voltar para suas casas.

Joana subiu as escadas com Alice nos braços, pois ela havia dormido no sofá, e a colocou na cama. Entrou no quarto de Lorena, a luz estava apagada e a menina dormindo tranquilamente. Suspirou, fechou a porta e foi ao seu quarto. Colocou o pijama e desceu as escadas. Arrumou os presentes embaixo da árvore e retornou ao quarto. Em algum momento logo após às duas, adormeceu.

Era passado das três da manhã, quando Lorena despertou, com a boca seca. Levantou e desceu as escadas, sem se preocupar em acender as luzes. Chegando à cozinha, encheu um copo com água e levou aos lábios.

Um estrondo percorreu o silêncio noturno, fazendo a menina se engasgar. Olhou para a janela, um par de chifres passou como um vulto. Fez um careta, deixou o copo em cima da pia e saiu para o quintal. Seu queixo caiu.

— Onde está? Maldição! — O velhinho passava a mão por todo o casaco vermelho. Ele notou a menina embasbacada parada na soleira da porta. — Você viu minha garrafa?

Lorena negou com a cabeça, sem tirar os olhos do homem à sua frente.

­— Esse país é um calor dos infernos! ­— Tossiu e tirou o casaco. ­— Como você sobrevive nesse lugar?

­— Você é o Papai Noel — falou, com uma voz fina e quase inaudível.

­— Como é que é? — ele berrou, fazendo a menina se sobressaltar.

— Você é o Papai Noel.

— Qual a novidade? — Ele meteu a mão em um bolso na calça e tirou de lá uma garrafa retangular de metal. — Até que enfim! — falou, levando o objeto aos lábios. Ele fez uma careta e foi jogando a cabeça para trás. Quando a cabeça ficou imóvel, levantou a garrafa no alto e chacoalhou. — Maldição! Você tem whiskey, criança?

— Não.

— Vinho?

— Não.

— Pelas barbas de Merlin, você não bebe?

— Eu tenho onze anos.

— Qual o problema? — Arremessou a garrafa, que foi parar no meio da horta da mãe. Lorena riu. — O que é engraçado?

— Você acabou de destruir as alfaces da minha mãe.

— E você gostou disso? — Lorena assentiu, o Papai Noel fez uma careta. — Você é uma menina travessa.

— Cadê o saco de presentes?

— Eu não me preocupo mais com isso não. — Ele tirou as botas e jogou dentro do trenó. — Hoje em dia os pais compram os presentes e dão para os filhos. As crianças nem escrevem mais cartas.

— Eu escrevi a minha.

— E provavelmente seus pais a usaram como lista de compras. Viram o que você pediu e foram comprar nas lojas.

— Não — ela disse, negando com a cabeça. — O Fábio não acredita em comprar presentes, por isso ele convenceu meu pai a fazer o dele.

— O que era? Uma boneca de meia? — Ele riu.

— Um caderno para colorir.

— Que tosco. Eu iria chorar se me dessem um presente desses.

— Tem certeza que você é o Papai Noel?

— Absoluta. Por quê? — Ele trançou as pernas e teve que se apoiar no trenó.

— Você não é como eu esperava.

— Decepcionei a princesa. — Ele sorriu, a voz cheia de ironia. — Que dó.

— Já chega! — Ela entrou em casa, colocou uma sandália e saiu. Caminhou com passos largos até onde estava o Papai Noel. — Onde estão suas renas?

— Por que a princesa quer saber?

— Você é o Papai Noel — ela falou, com os braços cruzados. — Você é bêbado, fala palavrão e não acredita no Natal.

— Por aí mesmo.

— Eu sei a sua história. Você era uma pessoa boa uma vez, que colocava moedas de ouro nas chaminés de quem precisava.

— Isso foi há séculos. As pessoas não querem moedas, mas smartphones e esse lenga-lenga. Ninguém mais quer saber de Natal, lindinha.

— Eu vou provar que você está errado. Chame as suas renas.

O velhinho bufou.

— Muito bem. — Ele bateu as palmas e seis renas apareceram no quintal. Ele as prendeu e subiu no trenó, Lorena foi atrás. — Para onde, Majestade?

Lorena ficou em silêncio; não conhecia quase nenhum lugar na cidade em que a mãe morava. Apertou os lábios.

— Curitiba.

— Muito bem. — Com um movimento, as renas começaram a andar e logo estavam voando.

Lorena se debruçou no trenó, abaixo dela os prédios e as ruas se moviam. Passaram pela praça no centro da cidade, os enfeites natalinos brilhando ao lado da igreja e nos postes que seguiam pela avenida principal. Passaram pelo trevo, onde uma enorme árvore de Natal feita de garrafa pets se erguia, e continuaram sempre em frente.

Cidades e cidades, grandes e pequenas, passavam pelos seus olhos. Todas decoradas com o tema de Natal.

— O que tem de tão interessante lá embaixo? — Lorena se virou e encontrou os olhos azuis do Papai Noel.

— Está tudo decorado.

— Realmente. Quanta energia desperdiçada em algo tão banal. — A menina bufou e ficou em silêncio. — Dormiu, princesa? — falou, certo tempo depois.

— Não.

— Estamos chegando a Curitiba, para onde?

— Hospital Pequeno Príncipe. — Ele guiou o trenó pelos céus da cidade. Ao longe, Lorena conseguiu enxergar o hospital. — Coloque o seu caso e a touca. E as botas. E tente ser gentil.

— Você é uma menina mandona, sabe?

— Qual a novidade? — Ele riu. Chegaram em frente ao hospital. — Não estaciona — Lorena disse e guiou o Papai Noel até em frente a uma janela.

— Você consegue abrir a janela?

— Eu entro por chaminés, não janelas. — Fez um movimento com a mão e a janela se abriu, Lorena pulou para dentro.

— Vem, não pode ficar muito tempo aberta. — Ele revirou os olhos e entrou, fez um sinal e as renas saíram dali e pararam no gramado.

— Quem é essa?

— O nome dela é Helena, ela tem seis anos. Ela está aqui porque os médicos dizem que se ela sair, ela não vai sobreviver. Ela quer conhecer você.

— Tocante. Como sabe tanto sobre ela?

— Papai. Ele visita esse hospital de vez em quando, vestido de palhaço. Ele sempre me conta sobre as crianças daqui.

— O que você quer que eu faça?

— Conversa com ela.

Ele obedeceu, sentou-se na cadeira ao lado da cama e gentilmente balançou a menina. Ela abriu os olhos, sonolenta.

— Papai Noel! — falou, com uma voz estridente. — Você veio, eu sabia que você iria vir! — Ela se sentou na cama, com cuidado.

— É claro que eu vim.

— Madalena disse que você não viria.

— Madalena estava bem errada. — A menina riu e preservou o sorriso no rosto. — O que quer de presente?

— Uma história.

— Uma história?

— Sim!

Ele contou: uma história sobre uma menina com poderes mágicos que derrotava todos os tipos de vilões. A certa altura, uma enfermeira entrou no quarto e sorriu.

— Então, o Papai Noel veio.

— Veio sim. Você estava bem errada, Madalena.

— Posso ver. — Ela andou calmamente até a maca da menina. — Senhor Papai Noel, agradeço muito a sua visita. Mas é tarde da madrugada e tem uma garotinha que precisa descansar.

— Mas ele não terminou a história — a criança falou, em protesto. — Como termina?

— Não termina. — Ele se levantou na cadeira e beijou-lhe a testa. — A menina e seus poderes vivem por muitos e muitos anos, sempre enfrentando o mal.

— E vencendo?

— Claro. — Ele sorriu. — Mas agora é hora de dormir.

Ele despediu-se e saiu do quarto, Lorena o seguiu. Mesmo após fechar o quarto, conseguiam ouvir Helena tagarelando sobre o Papai Noel e super-heróis.

— Eu sabia que você ainda era uma boa pessoa.

— Impressão sua. Hora de voltar à bebedeira.

— Nem pensar, há outras crianças.

Ele bufou, Lorena o puxou pelos corredores. Ele acordava as crianças, conversava, se despedia e Lorena o arrastava para outro quarto. Após visitarem todas elas, saíram do hospital e subiram ao trenó.

— Até que enfim! Agora você vai para casa e eu vou beber.

— Nem pensar.

— Maldição, menina! É passado das quatro horas da madrugada. Crianças estão dormindo a essas horas.

— Você acha que eu tomo whiskey, porque dormir tarde é um problema?

— Porque afeta a mim. — Bufou. — Muito bem, princesa, para onde vamos agora?

— Você tem presentes, não tem?

— Smartphones e essa coisa toda? Não. — Lorena revirou os olhos.

— Cobertores, roupas. Esse tipo de coisa. — Ele olhou para a menina longamente, fez um careta.

— Não, não tenho princesinha. Onde podemos bater um rango? — Ela o fuzilou com o olhar. — Vai ficar olhando para a minha cara, ou vai dar uma sugestão?

— É madrugada de Natal. Se tiver algo aberto, vamos demorar um bom tempo para achar.

— Seus pais não moram por aqui?

Lorena o olhou, com o queixo caído. Bufou.

— Meu pai. Ele mora em frente à Praça do Japão.

— Fantástico. — Papai Noel bateu palmas e balançou as cordas, fazendo as renas levantarem voo. Lá do alto, reconheceu as ruas que costumava passar. A rua da sua escola e aquela outra onde o Fábio trabalhava. — Você gosta de olhar pra baixo, não fica enjoada não?

— Qual é a chance de eu sair em um trenó com o Papai Noel novamente?

— Nenhuma. Você é insuportável.

— Você também.

— Em algo nós concordamos. — Lorena riu. — Qual dos prédios? — O Papai Noel perguntou, a menina apontou o que estava logo em frente ao monumento.

— Nono andar.

O Papai Noel colocou o trenó em frente à sacada. Quando ambos estavam em terra firme, o homem falou algo para a rena, que saiu voando dali.

— Vou ter que arrombar aqui também? — Lorena revirou os olhos.

— Não. Papai sempre deixa a sacada aberta. — Ela andou até a porta e a fez deslizar. — Viu?

Entraram no espaçoso apartamento. Logo em frente a eles, uma mesa de madeira com centro de vidro de dez lugares. Mais adiante, um vidro transparente separava a cozinha do resto da casa. Eles foram até lá e fecharam a porta.

O Papai Noel sentou em uma banqueta, em frente à bancada, enquanto Lorena abria a geladeira e tentava encontrar algo para comer.

— Tem peru e lentilha da ceia.

— Tem vinho?

— Não vou abrir os vinhos do meu pai — falou, ríspida.

— Então vamos de peru e lentilha. E refrigerante.

Lorena colocou o peru esquentar no micro-ondas enquanto pegava os pratos e copos no armário e os depositava na bancada. Quando a lentilha foi esquentada, o Papai Noel já devorava o peru.

— Morto de fome.

— Fui mal-educado, princesa? — falou, colocando um pedaço do animal na boca.

A menina suspirou e sentou-se ao seu lado, se servindo com lentilha e um pedaço do peru. Comeram em silêncio.

— Qual é a sua história? — Lorena falou, após um longo tempo.

— Você disse que conhecia.

— Conheço o que todos conhecem: Nicolau Ta-alguma-coisa, colocava um saco de moedas de ouro nas chaminés daqueles que precisavam na época de Natal. Virou lenda e todo mundo conheceu ele.

— Acabou de recitar minha história.

— Não. Quero saber a história de porque você perdeu o espírito de Natal.

— Porque não existe mais espírito de Natal. — Ele suspirou. — Eu dava aqueles sacos de moedas àqueles que mais precisavam. Hoje em dia, os que menos precisam usam minha imagem e meu nome para lucrar. O Natal virou um comércio.

— Mas e aquelas crianças no hospital?

— São crianças.

— Nicolau, a noite ainda não acabou. Você ainda vai mudar de ideia.

— Você é bem obstinada, princesa.

— Vamos. — Ela se levantou, abriu a porta e foi a passos largos para a sacada, deixando os pratos e a comida onde estava. — Onde está seu trenó?

— Está vindo. — Quando o trenó chegou, Lorena notou o enorme saco vermelho atrás do banco. Olhou para o Papai Noel, franzindo a testa. — Está me olhando assim por que, princesa? Você queria presentes, aí estão os presentes.

— Bravo! — Lorena falou, batendo palmas, e entrou no trenó.

— Para onde vamos?

— É um abrigo de sem tetos, por ali — falou, apontando. Papai Noel seguiu a direção mostrada, percorrendo a cidade.

— Deixe-me ver, eu entro e deixo os presentes embaixo da árvore.

— Isso mesmo.

Sem tirar os olhos do horizonte, ele remexeu em volta do saco de presente e tirou dali um macacão e uma touca verde. Estendeu para Lorena.

— Veste.

— Como é que é?

— Ora, todos sabem que o Papai Noel tem seus duendes ajudantes. — Lorena bufou, pegou o macacão e vestiu por cima do pijama. Quando ele viu, gargalhou alto. — Você está uma gracinha.

— Você é chato. — Ela fechou a cara e cruzou os braços, Papai Noel riu novamente.

— Vai querer que eu desça pela chaminé?

— Você entala. — Ele gargalhou, fazendo o trenó chacoalhar de um lado para o outro e as renas balançarem a cabeça e relincharem em protesto.

Quando chegaram ao local, Papai Noel entrou pela porta com o saco nas costas e Lorena foi atrás. Andaram pelos corredores do local até encontrarem a sala, onde havia uma singela árvore de Natal. Ele abriu o saco e, junto de Lorena, começaram a depositar os presentes embaixo e ao lado da árvore.

Ouviram uma risada. Parado a porta, um homem muito magro estava olhando ambos.

— Com certeza não é algo que se vê todos os dias.

— Mas hoje não é todos os dias, é Natal. — O homem sorriu.

— Verdade, verdade. — Ele andou em direção aos dois. — Deixe-me ajudar. — Lorena assentiu e ele começou a pegar os presentes e empilha-los. — Todos ficarão felizes, realmente.

— Como se chama? — Papai Noel perguntou.

— João.

— Como veio parar aqui?

— Ah, essa é uma longa e triste história. Não é feita para um dia como esse. Não acha? — perguntou, olhando para Lorena. Ela deu de ombros e ele sorriu. — Apenas não tive uma vida boa, mas sempre gostei do Natal. Normalmente, era quando eu conseguia comida. As pessoas ficam boas nessa época, sabe?

— Mesmo?

— Claro. Não há quem não compartilhe da fantasia e da magia do Natal. Que criança nunca ficou acordada até tarde da noite para ver o Papai Noel?

— Essa daqui — Papai Noel falou, apontando para Lorena. — É uma peste, me assaria para o jantar se pudesse.

O homem riu.

— Pronto. Todos os presentes estão aqui.

— Vamos então. — Papai Noel pegou o saco e dobrou de qualquer jeito. — Até mais! — falou e saiu pisando firme, deixando Lorena para trás.

— Tchau, João.

— Tchau.

Lorena saiu correndo; o Papai Noel já esperava lá fora.

— Mais um pouco e eu te deixaria.

— Não deixaria não. — Ela subiu no trenó, o céu começava a deixar a escuridão para trás. Devia ser passado de cinco horas.

— Está na hora de você voltar para casa. — Ele contornou o trenó e saiu pelo céu estrelado.

— Viu? O Natal ainda tem significado.

— Para alguns, não para todos.

— Tudo bem. Antes de me deixar em casa, vamos a um último lugar.

— Onde?

— É em Pato Branco. Precisamos de salgados.

— Está bem.

Quando chegaram ao asilo, após passar em uma panificadora, o céu já estava pincelado por amarelo, rosa e azul. Eles bateram na porta e uma mulher de cabelo cacheado abriu e olhou embasbacada para ambos.

— Pois não?

— Feliz Natal! Trouxemos salgados para o café da manhã.

— E bolinhos. — Papai Noel falou.

— Muito bem, entrem.

Os idosos foram levantando aos poucos e ficaram bastante surpresos com a cena que viram na cozinha. Eles se sentaram na sala de estar, enquanto Lorena e o Papai Noel distribuíam os salgados.

— Você tem um teclado?

— Maldição! Mais um pouco e você vai pedir que eu tire um tigre dos meus bolsos!

— Você é o Papai Noel, não o Mágico de Oz.

— Espertinha. — Ele tossiu. — Para que você quer um teclado, princesa?

— Tocar.

— E você toca?

— Minha mãe é pianista. — Deu de ombros. — Me colocou para tocar quando eu ainda era um bebê.

— Entendi porque você gostou de eu ter destruído as alfaces dela— ele falou, rindo. — Vou ver se acho um. — Atravessou a sala e saiu. Quando voltou, tinha um teclado nas mãos. Ligou em uma tomada e colocou uma cadeira em frente ao instrumento.

— Pessoal — ela chamou, todos os olhares se voltaram a ela. — Quem souber cantar, me acompanha. Ela pressionou as teclas e começou a cantar, a maioria a acompanhou.

Bate o sino pequenino, sino de Belém...

Papai Noel analisava Lorena, silencioso. Nos rostos daqueles idosos, ele via uma alegria de criança que ganha um presente que não esperava. No sétimo verso, se juntou a cantoria.

Quando uma acabou, Lorena começou outra, Pinheirinho de Natal.

— Como sabe essas músicas de cor?

Lorena hesitou por um momento.

— Eu fiquei ensaiando nas últimas duas semanas. Eu queria estar preparada para tocar para os convidados, depois da ceia. — Ela se virou para ele, a música havia chego ao fim. — Mas por causa do idiota do meu primo, eu não toquei.

— Bom, graças a mim, você pode ter o seu pequeno espetáculo. Não precisa agradecer, princesa. — Fez uma mesura, Lorena bufou.

— Essa é a última e minha preferida. — Sorriu, inspirou profundamente e começou a dedilhar o teclado. — Deixei meu sapatinho.

— Na janela do quintal. Papai Noel deixou meu presente de Natal. — Todos cantavam em coro, enquanto Papai Noel observava. — Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém? Seja rico ou seja pobre o velhinho sempre vem...

Após terminar a música, Lorena se levantou e todos aplaudiram.

— Obrigada.

— Foi lindo, menina. — A mulher que abriu a porta para eles estava logo ao lado do Papai Noel, com um sorriso no rosto. — Você me faria a gentileza de me ajudar a arrumar a cozinha?

— Claro. — Virou-se para o Papai Noel. — Depois que eu ajuda-la, vamos para casa.

— Finalmente! — ele falou e bateu palmas, Lorena rolou os olhos.

A menina e a mulher sumiram por um corredor, enquanto Papai Noel se sentava no sofá, ao lado de uma senhora.

— Ela me lembra de minha neta.

— Mesmo? Meus pêsames.

A mulher olhava para o chão, para os pés com pantufas.

— Eu não vejo minha neta há anos.

— Sinto muito.

— É. — A senhora assentiu. — Quando seus próprios filhos te abandonam, o Natal vira uma época de dores. Aquela menina lá, vestida de duende, cantando músicas natalinas da nossa infância e com um Papai Noel a tiracolo, foi uma surpresa. Uma das boas. — Em seu rosto, cintilou um sorriso. — Você tem sorte.

O Papai Noel, sem palavras, se calou. Em pouco tempo, Lorena apareceu do corredor.

— Vamos?

— Com certeza. — Ele se levantou, acenou para a senhora. — Até mais. — Eles se despediram dos idosos, que agradeceram a visita. Após a porta se fechar às suas costas, andaram alguns metros e subiram no trenó. — Para casa, princesa?

— Tente pousar de maneira mais suave, dessa vez.

— Sim, claro, claro. — Fez um movimento e logo estavam nos ares. Lorena sorriu.

— Eu estava certa, não estava? Ainda existe espírito de Natal.

— Em um bando de crianças com câncer, um sem-teto e velhinhos em um asilo. São exceções, criança.

— Você sabe que não. Sabe que está errado e que eu estou certa, mas não quer admitir isso.

— Eu sei que você é uma criança que se acha esperta demais, mas é só uma tolinha que não vê a realidade como ela é. Quando você crescer, vai mudar — a voz dele aumentava em cada palavra dita. — Vai parar de acreditar em magia, fantasia e sonhos. Vai começar a pensar em dinheiro e trabalho.

— Então eu não quero crescer!

— Mas você vai. — Ele olhava para ela. — E talvez quando isso acontecer você deixe de ser metida, chata e teimosa feito uma mula chucra.

— Por que você está falando isso? — Os olhos dela começavam a marejar.

— Porque é a verdade! Acontece com todos.

Ela virou de costas para ele, as lágrimas pingando lá do alto nas ruas da cidade. Os enfeites na praça e os postes de luz começavam a se apagar. Alguns poucos carros perambulavam como fantasmas.

Quando chegaram a casa, o Papai Noel parou calmamente no quintal.

— Adeus — Lorena falou, ríspida.

— Adeus me parece definitivo demais.

— Mas é definitivo. Você é um idiota, pior que o Júlio ou minha mãe. — Ela apontou o dedo para ele. — Passei a noite tentando provar que você estava errado, mas você me provou que eu estava.

— Como é que é?

— Você é o Papai Noel, você não acredita no Natal. Por que eu vou acreditar? — Ele olhava pasmo para a menina a sua frente. — Vá beber seu whiskey, eu vou dormir. Adeus — falou, virou as costas e saiu pisando firme para dentro de casa. Não olhou para trás e o Papai Noel não a chamou.

Lorena bateu a porta atrás de si e subiu as escadas correndo. Da janela do seu quarto, a menina viu quando o Papai Noel assentiu e subiu no trenó. Quando ele sumiu no céu, Lorena tirou o macacão e o jogou dentro do armário. Pouco tempo depois, adormeceu.

Acordou com Alice a chacoalhando.

— Lorena, Lorena, acorda!

— O que foi? — falou, com a voz sonolenta.

— O Papai Noel veio aqui! Ele deixou presentes!

— Não os abra, então.

— O que está acontecendo? — uma voz feminina falou.

— A Lorena não quer acordar.

Passos se aproximaram da cama.

— Vamos, filha. Você vai ficar surpresa com o que ganhou. — Lorena bufou e se sentou na cama.

— Tudo bem.

Desceram as escadas, Alice correu abrir os presentes. Lorena apenas observava.

— Você não vai abrir seus presentes?

Lorena deu de ombros e se aproximou da árvore. Os presentes dela estavam embrulhados com um papel vermelho, enquanto os da irmã eram rosa. Abriu um por um; ganhou roupas, sapatos e três bonecas.

— Ainda tem um presente especial — a mãe falou e lhe entregou uma pequena caixa. Dentro dela, uma pulseira com pingentes de estrela. — É linda, não é?

— É sim.

— De quem é aquele presente? — Alice perguntou. Lorena se virou e viu, escondida embaixo da árvore, uma caixa pequena embrulhada com papel amarelo.

— Abra você, Lorena.

Ela andou até o local, se abaixou, pegou o presente na mão e rasgou o embrulho amarelo, dentro uma caixa de papelão. Ao abri-la, seu queixo caiu; em suas mãos estava um belíssimo globo de Natal. Dentro dele, via-se um trenó sem renas, um Papai Noel sem casaco e uma menina de pijamas ao seu lado, com os braços cruzados. A base era de um azul bem escuro com uma frase contornando-a:

“Me faça um favor, princesa, nunca cresça”

Lorena sorriu. Viu uma chave e a rodou três vezes, o globo começou e emitir a música Sapatinho de Natal.

— Quem lhe deu isso?

— Acho que foi o Papai Noel. — Deu de ombros, sua mãe contraiu as sobrancelhas. Ao longe, um telefone tocou. — Eu atendo! — falou e saiu correndo para a copa. — Alô?

— Oi filha.

— Papai! — O homem do outro lado da linha riu.

— Como foi essa noite?

— Normal, jantamos e depois eu fui dormir. — Lorena arregalou os olhos e deu um pulinho. — Você pediu o Fábio em casamento?

— Sim.

— Ele aceitou?

— Aceitou. — Lorena riu alto e quase derrubou o globo. — Filha.

— O que foi?

— Aconteceu algo estranho hoje. Eu levantei e encontrei uma bagunça na cozinha — Lorena mordeu o lábio inferior. —e o hospital Pequeno Príncipe me ligou agradecendo minha visita surpresa no meio da madrugada.

— É mesmo?

— Tem alguma ideia do que pode ter acontecido?

— Acho que foi o Papai Noel.

— Ufa, pensei que poderia ter sido o Darth Vader. — Lorena riu, junto com o pai. — Lorena, eu tenho que ir. Aparentemente, sua tia encontrou uma barata no banheiro. Ou o Godzilla. Fique bem.

— Ok, tchau.

— Tchau, querida. Mande abraços para sua irmã.

— Seu pai pediu o amante dele em casamento? — Lorena bufou e rolou os olhos.

— Pediu e o Fábio aceitou.

— Isso é errado, sabe?

— Não. Você está errada e eu sou provar isso.

— Meus pêsames. — Uma voz masculina grossa falou, fazendo Lorena se sobressaltar. — Você acabou de se meter em uma bela encrenca.

— Perdão?

— Pa-Nicolau? O que você está fazendo aqui? — Lorena estava com os olhos tão arregalados quanto a mãe.

— Sua irmã me deixou entrar, posso ficar para o almoço? Estou morto de fome. — Joana olhou para a filha, que deu de ombros.

— Ele pode?

— Tudo bem.

Lorena sorriu. Após o almoço, enquanto o Papai Noel ajudava a menina a arrumar a cozinha, se ajoelhou ao lado dela.

— Acho que lhe devo um pedido de desculpas, princesa.

— Você é um chato — ela falou, batendo com o pano da cozinha. — Mas eu gosto de você.

— Desculpado?

— Sim.

Quando se abraçaram, Papai Noel sussurrou em seu ouvido.

— Obrigado.


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Notas finais do capítulo

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