As luzes piscavam abaixo de si.

Pessoas felizes e cheias de sacolas transitavam de um lado para o outro, todas imersas em seu próprio mundo e momento de felicidade, proporcinado pelas festividades que se aproximavam. Nenhuma delas reparara no garoto em cima do prédio, beirando seu precipício. Preparando-se para pular.

Enquanto observava aquelas pessoas o garoto, cujo o qual optaremos por chamar de "olhos brilhantes" — uma vez que seus olhos possuiam o mais belo tom de azul, e tanta vida e brilho que poderiam inundar a quem observasse — passou a perceber que, ninguém ali de fato se importava se ele pularia ou não.

Para alguns, esse seria o preciso motivo pelo qual se jogariam do prédio, mas não para olhos brilhantes. Ele queria causar dor e caos quando partisse, queria que todos o assistissem. Desejava uma platéia. Pois, queria que todos se sentissem tão mal e quebrados por dentro quanto ele. Apenas uma imagem terrivel de um garoto morto em suas memórias não seria o suficiente para ele. Não quando eles mais tarde se juntariam as suas familias, compartilhariam sua experiência e, em meio a conversas, consolos e comida, se esqueceriam de tudo, naquela que diziam ser a noite mais mágica do ano.

E enquanto o olhos brilhantes descia do prédio, pensando que faria aquilo outro dia, a alguns quilômetros dali, uma mulher chorava sentada no banco do parque.

A "ruiva", forma como a qual chamaremos essa mulher, já que seus cabelos eram tão alaranjados e vivos quanto o próprio fogo, se acabava em lágrimas em seu pequeno banco no meio do parque.

Assim como o olhos brilhantes, desejava mais que tudo morrer, mas diferentemente dele, não desejava uma platéia, queria morrer em uma canto, fria e sozinha, sumindo da vida daqueles que um dia a cercaram. Sendo lembrada apenas como uma palavra sussurrada ao vento, uma longínqua memória de um verão feliz.

Um pouco mais longe desta vez, um velho senhor — assim mesmo o chamaremos daqui em diante "velho senhor" — caminhava pela rua, imerso em seus próprios pensamentos.

Ao contrario da ruiva ou de olhos brilhantes, desejava mais que tudo viver e temia a morte. Tudo que desejava era a mesma o deixasse por mais algum tempo, "só mais um ano, só mais um ano", orava para quem pudesse ouvi-lo.

Próximo a esse senhor, passou um homem, um homem cujo o qual chamaremos de "risada", pois ele possuia uma risada tão bela e contagiante que, por mais triste que alguém estivesse, poderia facilmente levar qualquer um a rir juntamente a ele.

Risada andava sem rumo pelas ruas, sua mente em outro lugar. Tudo que desejava aquela noite era ser capaz de sentir novamente. Havia se enfiado em uma capsula entopercedora que o havia impossibilitado de sentir qualquer coisa. Estava em luto por seus próprios sentimentos.

Naquela noite mágica, assim como em várias outras, o destino decidiu demonstrar toda sua ironia, quando olhos brilhantes, a ruiva, o velho senhor e o risada cruzaram caminhos no meio de uma praça. Cada um se encontrava em um extremo da mesma, no centro, uma imponente árvore de natal se estendia por metros e metros, até aparentar tocar o céu. Todos os quatro sentiram-se hipnotizados pelas luzes infinitas que piscavam e brilhavam nela sem parar.

Olhos brilhantes, lembrou-se de tudo que o havia levado a subir naquele prédio. "Burro!" "inútil!" "te odeio!". Milhares de frazes e palavras soltas voaram em sua mente, sendo deixadas ali pelo vento que parecia sussurra-lhes ao seu ouvido. Palavras que nunca o definiram e só então, ele enfim, percebera. Não seria sua familia, que o tratava super mal, ou os garotos de sua escola, que o batiam e gritavam lhe palavras de desprezo, que o faria desistir de sua própria vida, não quando isso seria breve e passageiro, ele iria se sobressair. Tornaria-se melhor do que qualquer um deles jamais imaginou ser. Provaria que, apesar do que eles lhe faziam ou diziam, ele era capaz. Esse seria o pior dos castigos para aqueles que um dia olharam-no com desprezo em seus olhos.

A ruiva, percebeu ali, que apesar da vida de seu filho ter acabado a dela continuava. Não poderia desistir de tudo, não quando a vida continuava a andar e as outras pessoas com as quais se importava, a esperavam chegar em casa. Pessoas que a amavam e a ajudariam a superar aquele momento difícil que parecia que jamais acabaria.

O velho senhor por sua vez, sorriu ao observar as luzes de natal, decidira ali que não mais se importaria com a morte, pois a mesma havia de vir em algum momento, ele apenas seria feliz nos próximos meses que lhe restavam, sorriria para seu passado e viveria seu presente com tudo que tinha. Não lhe importava mais o que aquele médico havia dito, apenas receberia a notícia como uma oportunidade de aproveitar os ultimos dias que lhe restavam.

Risada por sua vez, pensou em sua mulher sua filha, as duas pessoas que amava mais que tudo nesse mundo, pessoas que ele amava, mas o haviam abandonado. Viu mais uma vez em sua mente os papéis do divórcio, sua mulher pegando-os e partindo em seguida levando sua filha. "Me desculpe" foi tudo o que ela dissera antes de partir. Naquele momento, banhado pelas luzes de natal, risada percebera que, apesar de ter perdido uma das mulheres que amava, não havia perdido a outra. Poderia ver sua filha sempre que desejasse e, por mais doloroso que fosse o fato de sua mulher o ter deixando, mesmo com ele amando-a tanto, ele ainda poderia vir a encontrar aquela que seria o amor de sua vida.

Aquelas quatro almas perdidas se encontraram ali. Debaixo daquela árvore de natal e suas luzes, encontraram seu caminho de volta, de volta para quem eles realmente eram. A mensagem que as brilhantes luzes de natal deixaram em suas vidas naquele dia fora clara, as luzes poderiam se apagar por um momento, deixando escuridão para trás, mas em breve elas voltariam a brilhar novamente, tão vivas e belas quanto sempre foram e assim era a vida, há momentos em que você acha que tudo acabou e aquele é o fim de tudo, apenas para descobrir que aquele dali é na verdade apenas o começo de algo muito maior e talvez até melhor.

Olhos brilhantes, a ruiva, o velho senhor e risada seguiram seus caminhos com aquela bela mensagem gravada em seus corações. "Me desculpe", sussuraram em uníssono quando se esbarraram na rua.

Olhos brilhantes, a ruiva e o velho senhor possuiam lágrimas em seus olhos, mas um leve sorriso em seus lábios, um sorriso de esperança. E risada, ele havia reencontrado sua velha e brilhante risada que trazia alegria a todos, e foi embora dali enquanto ria consigo mesmo.

Aquelas quatro almas, tão parecidas entre si, se encontraram em uma noite de natal, uma noite que estaria para sempre marcada em suas vidas, em um momento compartilhado em que para sempre acreditariam que, na verdade, estavam sozinhos.