Sarah chorou muito naquela noite. Chorou até sentir que suas forças haviam se esgotado e que a dor havia amenizado. Apenas amenizado, porque a dor do abandono era uma dor que nunca passava.

A senhora se sentia abandonada pelos filhos e pelos netos. Esse abandono se fazia presente em sua vida desde o dia em foi deixada naquele asilo por aqueles que eram para cuidar dela. Nos dias comuns ela sabia suportar o abandono, mesmo sofrendo, conseguia segurar as lágrimas e seguir sua rotina de atividades. Mas no dia de seu aniversário era uma história completamente diferente. Naquele dia ela desmoronava.

Nesse ano foi ainda pior porque era seu aniversário de 75 anos. Era muito tempo de vida. Se seus filhos fossem gratos teriam vindo pelo menos a visitar. Dona Sarah não queria presente, queria apenas a presença dos que amava. Todavia isso não ocorreu naquele ano assim como não ocorreu nos anteriores.

Seu filho Gustavo lhe mandou um cartão de feliz aniversário cheio de palavras vazias que tentavam, ao mesmo tempo, tentar justificar a ausência e tentar convencer a idosa de que era amada. Gustavo falhou nas duas tentativas. Dona Sarah nem terminou de ler o cartão. As lágrimas não deixaram... O presente que veio junto com o cartão também foi ignorado. Ela queria os filhos e os netos, não presentes caros.

Seu outro filho Rodrigo nem se preocupou em justificar sua ausência. De todos os filhos Rodrigo era o melhor de situação. O que tinha mais dinheiro. Era ele que pagava o asilo, talvez por fazer isso ele achasse que não tinha a obrigação de justificar nada para a mãe.

Além de sentir falta dos filhos ela sentia falta dos netos. Da pequena Marina, filha de Rodrigo, e dos gêmeos Bruno e Bianca filhos de Gustavo. Ela gostaria tanto de ver os netos crescerem. Devido ao abandono dos filhos ela também sofria com o abandono dos netos, pois os três eram crianças e não podiam sair sem os pais.

Ao pensar nos netos se sentiu mais triste. Principalmente por causa da mais nova, Marina, que tinha apenas 7 anos. Ela sabia que a neta também sofria com o abandono de Rodrigo. Seu filho depois de adulto se tornou muito egoísta e parece ter perdido a capacidade de amar.

Depois de pensar tanto tempo nos filhos seus pensamentos foram levados automaticamente para seu falecido marido. Mauro, que morreu há muito tempo atrás. Ela ainda sentia muita falta do marido. Seu coração dizia que se ele estivesse vivo tudo seria diferente. Ele nunca teria permitido que a abandonassem. Ele nunca a abandonaria naquele lugar.

A senhora Sarah suspirou triste e sentiu quando outra lágrima gelada escorreu por seu rosto. Uma lágrima de saudade do seu marido. Mas essa lágrima foi menos amarga que as anteriores, pois o abandono dos mortos machuca menos que o abandono dos vivos.