Uma Missão De Vida escrita por Joice Santos, Joice Reed Kardashian


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Quero agradecer as lindas leitoras que deixaram um comentário no capítulo anterior. Vocês são ótimas!
Aqui está o segundo capítulo, espero que curtam.



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A vida de Jasper nunca havia sido das mais fáceis. A de ninguém era realmente. Entretanto, não é todo mundo que aos três anos de idade tem de encarar gente morta vagando por aí com se fossem seres humanos normais.

Jasper Hale tinha.

Os pais perceberam que havia algo errado com seu garotinho quando, quase toda noite, o ouviam conversar com alguém. Quando o viam brincar e sorrir para o nada. É só aquela coisa de amigo imaginário que toda criança tem, dissera o pai de Jasper. Vai acabar logo.

Mas não acabou.

Aos 8 anos, Jasper percebeu que ele era o único no colégio que via mais coisas que os demais colegas. Até mesmo sua irmã mais nova, Rosalie, não enxergava aquelas pessoas estranhas que atravessavam paredes e móveis.

– Jazz, está na hora do jantar. – sua mãe entrou no quarto, onde ele jogava bolinhas de gude deitado de barriga sobre o carpete.

– O senhor Maxwell pode ir com a gente, mamãe? – pediu e a mãe fez uma expressão confusa.

– Quem, querido?

– Meu novo amigo, mamãe. – o garoto apontou para a cadeira de balanço em seu quarto, próxima à escrivaninha. Seu olhar seguiu o dedo do filho e ela entendeu.

Sarah, mãe de Jasper, colocou uma mecha do cabelo - loiro e na altura dos ombros - atrás da orelha. Ajoelhou-se, tocando o queixo do filho.

– Não tem ninguém ali, querido. – e sorriu doce, como se pudesse fazê-lo entender.

– Você não pode ver, mamãe. Mas eu estou vendo. Ele pode jantar conosco? – insistiu e a mãe passou a mão por seus cabelos cacheados.

Jasper era mesmo seu anjinho. Sarah havia notado há tempos que não se tratava de amigos imaginários que a mente do filho criava. Ele tinha um dom. Mas o marido nunca acreditou nessas coisas e vez ou outra já mencionara que talvez o garoto precisasse de tratamento médico. Ninguém colocaria seu menino numa clínica para loucos, jamais permitiria.

– Se prometer não dizer nada sobre seu amigo, tudo bem. Sabe que o papai não gosta disso. Não vá perturbá-lo hoje, está certo? Ele teve um dia cheio. – pediu vendo o filho fazer um bico adorável. Jasper queria que os outros acreditassem nele. Que seus pais acreditassem. E, por mais que Sarah acreditasse, não achava certo incentivar o filho a falar sobre isso aos outros. – Agora vamos.

Ela ficou de pé e ele também. Viu o filho olhar para cadeira como que esperando alguém se juntar a eles, mas a expressou do garotinho murchou.

– O que foi, meu bem?

– Meu amigo, o Sr. Maxwell, foi embora.

– Tudo bem, ele pode jantar conosco outro dia. – Sarah sorriu, tentando animá-lo. Curvou-se e beijou os cabelos do filho. Adorava aqueles cachinhos. – Você é um garoto especial, Jazz. E eu te amo, está bem? – ele assentiu, mas ainda não estava feliz. – Agora vá chamar sua irmã. Fiz aquela lasanha que ela adora.

Sarah viu o filho desaparecer, correndo no corredor para o quarto da irmã. Suspirou. Só queria seu garotinho tivesse uma vida normal.

[...]

Jasper acordou novamente por volta do meio-dia. A barriga roncava e ele não poderia mais ignorar o fato. Tomaria um banho e depois sairia para comer em qualquer lugar barato.

O dia lá fora era frio, mesmo que o sol fraco brilhasse entre as nuvens cinzentas. Com certeza nevaria outra vez, lá pelo fim da tarde.

No banheiro, o Hale fez a barba e escovou os dentes. Sua cara estava péssima. Desde a garota baixinha e curiosa havia aparecido, pela madrugada, não conseguiu mais pregar os olhos. Tirou alguns cochilos, mas sempre acordava sobressaltado achando ter ouvido alguém.

Jasper chegou a duvidar que a tal Alice realmente estivera ali. Talvez só tivesse imaginado. Desde que chegara há Forks, há 3 dias, não cruzara com nenhuma alma ambulante por aí. Aqui tinha que ser seu refúgio de paz e nenhum fantasma irritante iria lhe tirar isso.

Despido, Jasper entrou no Box. Girou um dos registros prateados e gemeu alto quando a ducha fria atingiu suas costas. Fria não, completamente gelada! Desligou o chuveiro na hora, achando que pudesse ser um problema na resistência.

– Qual é! A imobiliária disse que essa merda funcionava bem. – resmungou, deixando a água cair outra vez. Tão gelada quanto antes.

Virou-se para buscar o sabonete e quase teve um treco.

– Cacete! – gritou Jasper, espantado. A garota baixinha da noite anterior, a fantasma curiosa, estava ali do outro lado do Box de vidro. Ela também se sobressaltou, mas acabou rindo. – O que está fazendo aqui garota? Achei que tivesse me livrado de você.

– Pois é, peladão. Eu sei ser bem insistente. Imaginei que precisaria de ajuda com o chuveiro. – ela falou, fazendo Jasper se lembrar do estado em que se encontrava. Ele cobriu as partes íntimas com as mãos e Alice fingiu não notar. Agiu como se o conhecesse há anos e desfrutasse de tamanha intimidade. Entrou dentro do Box e tentou girar uma das torneiras prateadas, mas a mão passou direto. – Olha, fecha um pouco dessa e abre aquela até a água ficar quente. – instruiu e Jasper ficou a encarando como se fosse louca. – Tá legal, eu saio, senhor envergonhado. – e saiu, rindo e atravessando o Box.

Jasper demorou a se mexer. Quem aquela louca pensava que era? Quando enfim piscou, desanuviando a visão das gotículas águas presas seus cílios claros, conseguiu girar um dos registros. Abriu de uma vez o da água quente e reclamou quando as costas queimaram.

– Abre devagar. – Alice riu do outro lado, sentada sobre o vaso sanitário. Ainda não entenda como sua mão atravessava as maçanetas, mas seu bumbum se acomodava perfeitamente em superfícies planas.

– Já entendi. Merda. – resmungou baixinho a última palavra enquanto fazia o que ela mandava. A água finalmente adquiriu uma temperatura agradável, quente, mas não escaldante, e ele pode tomar um banho decente.

– Então Jasper, de onde você é? – ela perguntou de repente e Jasper riu desacreditado do outro lado. Pegou o sabonete e passou pelo corpo. Alice teve que conter a vontade de espiar pela fresta do vidro.

Não podia negar que o cara era um gato! Não que estivesse em condições de paquerar alguém no momento, mas não estava morta e muito menos cega. Se pudesse, sentiria um calor enorme agora. Através do vidro embaçado pela fumaça, observou o contorno que as mãos dele fazia pelo corpo e imaginou seus olhos e depois suas mãos fazendo o mesmo caminho. Mordeu o lábio com força, tentando refrear o pensamento.

Lá dentro, Jasper terminou o banho e torceu os cabelos cumpridos. Estava na hora de cortá-los. Gostava dos cachos cumpridos, mas logo teria a aparência desleixada e não queria parecer mais louco do que já se sentia por aí.

Esticou a mão ao abrir a porta de vidro do Box, tentando alcançar a toalha. Alice quis levantar e ajudá-lo, mas sabia que o pano escorreria por seus dedos como fumaça pelos de Jasper. Quando ele finalmente a alcançou, Alice teve um rápido vislumbre de seu traseiro e desviou o olhar.

Com a toalha cinza enrolada na cintura, Jasper deixou o banheiro, seguindo descalço para o quarto. Alice correu atrás dele, passando direto pela parede de azulejos decorados.

– Ei, sua mãe não te ensinou que sair de pés descalços depois de um banho quente é perigoso? – questionou ela, o seguindo pelo pequeno corredor.

Jasper ignorou como se ela não fosse nada mais que uma sombra irritante colada a seus pés. Entrou no quarto e abriu uma das malas que deixara sobre a cama. Enquanto escolhia uma roupa pôde ver pelo canto do olho a morena se derramar sobre um puff amarelo no canto do quarto.

– Nossa isso ainda está aqui. E tem o cheiro da Petchs! Espero que ela jamais tenha feito xixi aqui. – torceu o nariz e Jasper fingiu não notar. Existiam almas penadas malucas? Essa daí com certeza morreu num manicômio.

Só pensamento da palavra o fez tremer. Manicômio. Ninguém era feliz num lugar daqueles e essa garota parecia animada demais pra quem estava descansando a sete palmos abaixo da terra. Com certeza não teria passado por um lugar assombroso como aquele.

Balançou a cabeça, afastando as lembranças.

– Ei, veste aquela ali. – Alice apontou com o queixo uma camisa branca listrada de verde jogada perto do travesseiro. O loiro a olhou como se perguntasse por que ela está se metendo. – Vai por mim, eu entendo de estilo. Aquela ali realça seus olhos.

Ele olhou dela para camisa, depois para ela novamente. Achando que ela poderia deixá-lo em paz se fizesse o que queria, arrastou os pés até o ouro lado da cama enquanto retirava a camiseta azul que vestira segundos antes.

– Pode me dizer por que ainda está aqui? – perguntou, dando atenção os botões da camisa.

– Gosto desse lugar. Só isso. – respondeu, se esparramando mais sobre o puff. Os pés pequenos e parte das pernas tocavam o carpete.

Jasper Hale olhou bem para ela. Era magra, mas tinha curvas na medida certa. A pele era completamente branca e ele não soube afirmar se devido ao falto dela ser um espírito ou se sempre foi assim. Os cabelos repicados e curtos eram brilhantes e pareciam cheirosos. Alice estava de olhos fechados e sorrindo, mas lembrava de ter dado de cara com um par de ameixas vivas e com lábios avermelhados como morango. Ela era quase a Branca de Neve em pessoa.

Há muito tempo teria ficado com as pernas bambas só de olhar para ela. Mas, depois de tudo que passou, uma garota não o intimidava mais. Se ela fosse de carne e osso, poderia levá-la para cama agora mesmo. Quantas vezes não tinha feito isso – pegado a primeira mulher gostosa que encontrara – a noite toda só para não ter que dormir sozinho e lidar com as vozes que atormentavam seu subconsciente?!

Entretanto, Alice não era humanamente tocável. E, mesmo que fosse, ela aparentava tanta doçura e inocência que se sentiu um crápula só pensar em dormir com ela.

Alice discordaria se pudesse adivinhar o que ele pensava.

Pelas frestas dos olhos notara o loiro a observando. Estava ciente de sua blusa erguida mostrando parte da barriga e de seu sorriso triunfante, mas o rapaz a sua frente jamais entenderia o significado disso. “Acontece quando se tem carinha da fada”, sua amiga Jessica sempre dizia. “Os caras nunca acham que você pode ser sexy quando tem essa carinha inocente, Alie”, comentava a amiga e Alice refutava, dizendo que podia ser sexy sim. No final, saía sozinha da balada.

Não que estivesse sempre sozinha. Lembrava-se claramente de James Dewyer, o loiro com pinta de marrento que pilotava uma moto barulhenta pelas ruas de Forks, e que era seu namorado. Isso até o dia do acidente. Quando chegou a casa dele e o encontrou com uma ruiva, ambos nus na cozinha, ela sentiu tanto nojo que teve que pegar o carro e dar o fora dali o mais rápido possível. A mágoa era tanta que Alice não viu o bendito cervo no meio da estrada. Derrapou sob a chuva e acordou cinco anos mais tarde, transparente e incomunicável.

O pensamento a fez despertar depressa. Jasper percebeu que a expressão dela mudara, mas não ousou perguntar nada. Tornou a concentrar-se nos próprios pés, calçando as botas pesadas e marrons.

Quando notou o rapaz deixar o quarto, a morena se apressou em segui-lo. Por estar atrás dele, não o notou revirar os olhos. Jasper realmente não precisava de mais essa alma perturbada o seguindo, já bastava sua própria.

Ele pegou o cachecol vermelho e o casaco cinza pesado, vestiu ambos e checou se a carteira estava no bolso da calça jeans.

– Onde estamos indo? – Alice perguntou quando o viu abrir a porta da frente.

Eu estou indo comer. Não venha atrás de mim. – foi tudo que ele disse antes de fechar a porta e deixá-la para trás.

Alice poderia atravessar madeira e segui-lo facilmente até o elevador, mesmo que as portas de metal pesado já estivessem fechadas. Entretanto ficou lá, desfrutando de seu apartamento, imaginando quando poderia voltar para lá com Petchs e suas tralhas.

[...]

Alice estava de volta ao hospital. Quando voltara do apartamento ontem e chegara aqui, nenhum de seus familiares veio lhe visitar. Nem hoje.

Passava das 23h e ela não esperava ver mais ninguém além da enfermeira de olhos castanhos em seu quarto, mas se surpreendeu ao ver Edward entrar de cabeça baixa. Levantou-se do chão como que para recebê-lo, mesmo sabendo que ele não poderia vê-la.

– Ei Lice. – o irmão suspirou. Parecia cansado. Edward jamais lhe parecera tão cansada quando agora, ela notou.

Observou o irmão mais velho se aproximar da cama, colando as pernas cumpridas na beirada do colchão, e estendendo a mão para tocar a sua inerte. Queria poder sentir aquele toque de novo. Edward tinha calos nos dedos por causa do vilão e ela desejou absurdamente sentir aquelas bolotinhas sobre sua pele macia.

De repente o silêncio do quarto, com exceção das máquinas que a mantinham viva, foi interrompido pelo choro cortante e sofrido. Alice se espantou achando que aquilo poderia ter vindo dela. E, embora Edward nunca chorasse na frente dos outros, era dele que saiam as lágrimas e os suspiros de dor.

Ela quis abraça-lo. Abraçar o irmão com tanta força que a circulação de ambos fosse interrompida e os corpos de fundissem. Entretanto, a única coisa que pôde fazer foi se aproximar, sentindo o choro que não veio preso em sua garganta, e tocar o ombro dele, sentindo a mão atravessar pela jaqueta jeans da qual ele nunca se desfazia.

– Sinto muito, Lice. Eu sinto muito. – chorou ele, desesperadamente, se curvando para colar a testa na mão dela.

Ela não entendeu. Pelo que ele sentia? Pelo acidente? Que bobagem, Edward não tinha nada a ver com o que a deixara naquele estado. Sentia muito por não ter vindo visitá-la desde ontem? Outra bobagem, ninguém tinha que passar todos os dias com ela naquele lugar mórbido.

Foi então que ela pensou em como sua família deve ter parado seus afazeres para acompanhá-la durante esses últimos 5 anos. Instantaneamente sentiu-se culpada. Quis pôr Edward para fora e mandá-lo se divertir – como se o irmão realmente fizesse isso da forma que ela queria.

Edward ergueu a cabeça, fitando a irmã entre as lágrimas. Os olhos azuis, não tão claros quanto os do pai, com relances de castanho, estavam anuviados pelas lágrimas. Ele os secou com a mão fechada em punho, a outra permanecia segurando a de Alice como se ela fosse desaparecer a qualquer momento. Como se ela fosse ser arrancada dali a qualquer instante.

– Você precisa acordar, baixinha. Por favor, Alice. Acorde. – implorou e outra vez a dor foi insuportável, fazendo com que repetisse o gesto de colar a testa na mão da irmã.

Alguns minutos se passaram até que Edward conseguisse parar de chorar desesperado e de tremer. Beijou a mão da irmã e fungou em seguida, secando o rosto avermelhado. Ele estava péssimo e Alice não entendia o que o deixara assim.

– Ei, você precisa ir agora. – uma voz suave soou da porta. Alice e Edward viraram a cabeça naquela direção. Era Isabella, a enfermeira gentil da moça.

Edward assentiu e ficou de pé. Havia caído de joelhos ao lado da cama hospitalar e nem se dera conta. Deu um beijo demorado na testa da caçula dos Cullen. Alice, encolhida do outro lado do quarto, quase pôde sentir o sofrimento e o amor através daquele beijo.

Notou que Isabella olhava para Edward solidariamente. A enfermeira teve que virar o rosto quando o rapaz a encarou. Agora ela tinha as bochechas vermelhas e olhos marejados.

– Você vai ficar bem, okay? Eu te amo, Alice. – ele se despediu da irmã, lhe apertando a mão uma última vez. Inconscientemente, esperava que ela apertasse de volta. – Desculpe se te fiz entrar em problemas. – pediu ao parar na porta, olhando para Isabella que segurava a maçaneta brilhante.

– Não, está tudo bem, Edward. – a moça de rabo de cavalo e olhos chocolates intensos sorriu meio sem jeito. Alice viu o irmão assentir e os dois saírem dali, deixando o quarto à meia luz.

A enfermeira deveria tê-lo ajudado a entrar, já que, com certeza, passava muito do horário de visitas - pensou Alice. Sentiu-se grata por ter aquela doce morena responsável por si.

Também percebeu que a tal Isabella gostava do irmão tanto quanto ele dela.

[...]

Chovia muito naquela tarde de quarta-feira.

Alice acabara de sair do trabalho, passado numa cafeteria e comprado dois cappuccinos, um deles com menta. Era assim que seu namorado gostava.

Era quase cinco da tarde e ela teria a noite toda para ficar com James na casa minúscula e velha dele. Amanhã era seu dia de folga e estava pensando em ir escolher as cores de tinta para o apartamento. James não curtia esse tipo de programa, mas se ela o agradasse muito bem hoje, quem sabe conseguiria arrastá-lo até a Casa de Reformas da família Newton?

Alice estacionou o carro na porta da casa. A garagem ao lado -onde funcionava a oficina do namorado- estava fechada, sinal que ele deveria estar lá dentro a esperando.

Não precisou bater na porta. Sempre ficava aberta e Alice achava isso perigoso, mesmo que jamais tivesse presenciado ou escutado qualquer coisa sobre um assalto ali. James sabia ser intimidador e, por mais que Alice achasse isso sexy, os outros vizinhos ficavam sempre distantes.

Calçando suas botinhas de saltos grossos e curtos, Alice pulou uma poça de água na entrada e empurrou a porta cinzenta. Equilibrando a bandejinha com os cafés fumegantes percorreu o corredor, rumo à cozinha. Foi quando ouviu um grunhido – o mesmo que já ouvira tantas vezes próximo a seu pescoço-, seguido do gemido de uma mulher.

– Não, isso não está acontecendo. – sussurrou para si mesma. Não sabia mais se queria chegar à cozinha. Era possível que não fosse seu namorado e sim o barulho da TV?

Ela não era fraca. Respirou fundo e, determinada, cruzou a entrada da cozinha, estacando no instante que viu a cena. Os copos caíram de sua mão, molhando o chão e respingando em seu casaco cumprido. O barulho chamou a atenção do casal, que olharam no mesmo instante para a morena paralisada.

– Alice? Merda, o que está fazendo aqui? – James indagou e não era isso que a baixinha esperava ouvir.

James estava nu, com as calças arriadas nos pés, parado entre pernas de uma ruiva. Alice nunca a vira na vida e agradeceu por não ser alguém que teria que ver de novo. A ruiva não escondeu a cara de susto enquanto encarava Alice, tão pouco a nudez exposta colada ao corpo do loiro.

Alice quis socá-lo. Estava na cara que a garota era uma vadia. E uma vadia burra! Se quisesse traí-la, não poderia ter se dado ao trabalho de escolher alguém que fosse, ao menos, no mesmo nível que ela? Pensando melhor, alguém do nível dela não se prestaria a tamanho papelão.

– Olha Alice, eu posso explicar. – ele saiu de dentro da ruiva, virando-se para ir atrás dela enquanto puxava a calça jeans arregaçada. Alice gemeu de frustração e asco. – Vamos conversar, ok? – tentou, erguendo as mãos para alcançá-la.

– Não me toque, seu imbecil. Quem você pensa que eu sou? Acabou James, me erra! – gritou a morena, virando-se para ir embora.

A mão dele a alcançou antes que a sua, pequena e enluvada, tocasse a maçaneta. Segurando Alice pelos cotovelos, James pedia que ela se acalmasse. Na verdade ele quase ordenava, o que deixou Alice ainda mais irritada.

– Você não manda em mim, seu canalha!- gritou de volta e o loiro a largou bruscamente.

– Então pare de agir feito criança, porra!

Agora ela chorava. Seu rosto estava vermelho de raiva, mas também se notava as lágrimas.

Alice ajeitou o casaco, abriu a porta e saiu dali. Dentro do carro, ligou o motor, mas não conseguiu dar a partida. Apertou tanto o volante que se fosse possível ver os nós dos dedos tinha certeza que estariam brancos como osso. Encostou a cabeça no volante e chorou de olhos fechados. Chorou tanto que achou que o peito fosse explodir.

Estava com raiva de James e da mulher ruiva. Com raiva de si mesma por não ter percebido que canalha era o namorado. Com raiva por não ter escutado quando Edward disse que já ouvira falar coisas nada boas de James.

Quando sentiu que poderia ter o controle de si mesma outra vez, que não voltaria a chorar compulsivamente, ela deu partida no carro e foi embora cantando pneus. A chuva fina de antes agora era forte. Despencava uma verdadeira tempestade e Alice sentia-se assim por dentro. Escorrendo, ventando, chiando e sofrendo.

Ligou o limpador dos para-brisas no máximo, tentando enxergar a estrada a sua frente. Seus olhos estavam tão embaçados quanto o vidro do carro. Seu nariz estava vermelho e tinha certeza que o rosto estava inchado. Só queria chegar a seu apartamento quentinho, abraçar Petchs e chorar com a cabeça no travesseiro e o rosto na gata gorda peluda.

Foi de repente e Alice se deu conta, tarde demais, do cervo no meio da estrada. O animal saíra do meio do mato e parara bem no meio da faixa. Alice quis desviar para esquerda, mas um caminhão de madeira vinha na direção contrária. Não dava mais tempo, mataria o pobre bichinho.

O impacto foi forte e ela pisou no freio com tudo. O carro derrapou, o som foi estridente, e por meros segundos Alice largou o volante e tentou proteger a cabeça. Tarde demais também percebera estar sem o cinto. O veículo capotou uma, duas, três vezes, até deslizar de cabeça para baixo pela colina. A lateral bateu numa árvore.

A última coisa que Alice se recordava era do barulho distante de uma sirene e várias buzinas. Alguém estava gritando que havia acontecido um acidente. Então não viu mais nada por cinco anos.

[...]

Pela manhã, bem cedo, seus pais estavam no hospital. Alice havia andando por horas pelos corredores e seguido um cara estranho até o estacionamento achando que fosse Jasper. Visitou também a aula infantil e quis muito poder ser de carne e osso outra vez para poder abraçar aquelas crianças doentes.

Carlisle não ficou muito tempo no quarto, apenas beijou a testa da filha e foi atrás do doutor Eleazar. Alice assistiu a mãe sentar na beirada da cama e segurar sua mão imóvel. Viu Esme chorar tão ou mais angustiada que da outra vez. O mesmo motivo que a afligia, afligira Edward noite passada.

– Meu bebê... – Esme falou com a voz embargada, estendendo a mão para tocar o rosto da filha. A pele tão branca quanto a sua, o rosto em forma de coração e os cabelos castanhos exatamente como os da mãe. – Me desculpe. Me perdoe, filha. – pediu, deixando mais lágrimas obstruírem a fala.

Alice, que observava de pé do outro lado, contorceu o rosto numa careta confusa. Pelo que a mãe estava pedindo desculpa? Pelo acidente? Não tinha chance alguma de isso ser culpa de Esme.

Esme passou longos minutos chorando e mesmo que não pudesse tocá-la de verdade, Alice deixou a mão atravessar suas costas e ombros, afagando a mãe e buscando cessar aquela angustia.

– Ah mamãe, a senhora precisa me dizer o que está acontecendo.

Embora a matriarca dos Cullen não a tenha escutado, parou de chorar por um instante, secou as lágrimas que rolavam pelas bochechas e sorriu emocionada para filha adormecida. Alice conhecia muito bem aquele sorriso. Era o sorriso de orgulho de sua mãe. Quantas vezes Alice desejara e recebera aquele gesto gentil, brilhante e aquecedor?

– Estou muito orgulhosa de você, docinho. – Alice, em toda sua invisibilidade momentânea, sorriu de volta. – Você lutou bastante até aqui. Todos nós estamos. Sei que demorei a tomar essa decisão e, embora não aceite isso, sei que é o melhor para você. Você já lutou demais, Alice. – a mãe acariciou seu rosto, afagando com o polegar os pequenos fios de cabelo perto da face e as bochechas. – Está mesmo na hora de deixar você descansar. Não pense que não tentei de todas as maneiras te trazer de volta. Talvez você não queira mais voltar. Eu vou te deixar ir, Alice, mas só porque sei que um dia vamos nos encontrar outra vez. Seu pai está certo. O tempo que passou conosco, já foi mais que o suficiente para deixar nossas vidas melhor. Eu só não quero que você sofra mais...

Outra crise de choro interrompeu Esme, mas o espírito de Alice estava chocado demais para tentar fazer qualquer coisa.

Como assim eles iriam deixá-la descansar? Agora entendia porque Edward estava tão estranho em sua última visita. Sua família tinha mesmo desistido dela? Iriam desligar os aparelhos que a mantinham viva. Isso era um absurdo! Ele não queria descansar. Iria acordar, tinha certeza disso.

Tempo. Alice precisava de tempo.

– Não mamãe, a senhora não pode fazer isso. – ela tentou segurar a mão da mãe, mas foi em vão. Tentou acenar, gritar, até mesmo mexer em si própria. Fez um esforço enorme concentrando seus pensamentos em mexer alguma parte do corpo deitado na cama de hospital, mas de nada adiantou. Que droga! – Não, mãe. Eu vou acordar, eu sei que vou! – ela quis sacudir Esme e nunca se sentiu tão inútil na vida quanto agora.

– Jasper!

Alice lembrou-se do loiro em seu apartamento. O loiro que a via, ouvia e poderia ajudá-la. Tinha que pedir a Jasper que falasse com seus pais. Que dissessem que ela estava bem e que iria acordar, só não sabia quando. Que eles jamais, em hipótese alguma, poderiam desistir dela dessa maneira. Dane-se o descanso eterno! Ela queria descansar ali enquanto ainda não podia realmente voltar a viver.

Então Alice atravessou direto a porta, com a cabeça a mil, para ir atrás do rapaz ranzinza e solitário que vivia agora em seu apartamento. Se não fosse um fantasma praticamente, teria dado de cara com enfermeira bonitinha que gostava de seu irmão.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? A situação da Alice está apertada! Será que ela vai conseguir encontrar o Jasper e convencê-lo a ajudá-la? Ele tem um passado sofrido.
Vou aguardar os comentários de vocês.
Beijinhos!