A noite era calma e serena. Virgem Maria. Me assustei ao ver a mulher de cabelos negros passar com pressa em direção a torre. Sai do meu posto e a segui com passos silenciosos. Quando finalmente me deparei com a mulher de vestido longo e claro que estava na sacada. O vento frio castigava o lado de fora.

—Rainha?- Meu queixo vacilou com o frio.

—Ah, olá.- Respondeu pensativa. Eu fazia parte de uma das guardas mais baixas do castelo, no período noturno. Não me surpreenderia se ela se quer me conhecesse. A Rainha. Que até algumas semanas atrás era apenas a pequena e indefesa princesa Lucie.

Ela não tinha culpa, na verdade ninguém tinha, a chuva era intensa aquela noite, as trovoadas os relâmpagos iluminavam o céu, o rio estava cheio e as águas estavam ferozes, a carruagem... graças a Virgem Maria Lucie havia sobrevivido. Minha família era agradecida e devota aos reis, as três gerações, bem, agora quatro, a quase um século o Rei havia acolhido meu bisavô.

—A senhora deveria entrar, pode pegar um resfriado ou algo pior. - Continuei com minha postura séria.

Em se quer um momento ela virou em minha direção, parecia fixar o olhar no céu estrelado. A garota estava perdida, mas ainda a reconhecia. Era a mesma menina que ia ao lago que ficava quase no meio da floresta, passava horas a observando falar sozinha, enquanto meu irmão o chefe dos guardas, a procurava incessantemente.

—Ah Charlotte- Suspirou. Senti minhas mãos soarem frio.

—Senhora.

—Você sabia? Há uma lenda que ronda uma ilha no Sul da França. Córsega. De uma garota chamada Lucie. Sua mãe estava morrendo, então as duas foram ao túmulo de Santa Águeda e com a força de suas orações conseguiram a cura. Em retribuição a garota doou todos os seus bens aos pobres, mas por algum motivo, um dia, ela foi acusada de violar as leis do Cristianismo. E para provar sua fé, Lucie arrancou os seus olhos e jogou ao mar, porém Virgem Maria em favor a sua devoção devolveu olhos ainda mais belos. Você acha que orações poderiam devolver a vida a alguém?- O Rei deveria contar a lenda para ela assim como meu pai. Ela parecia frágil demais.

—Eu seria a primeira no túmulo de Santa Águeda- Me desencostei da parede e fui até a mureta.

—Seu irmão... eu sinto muito.

—Você sabe quem eu sou.- Retruquei me sentindo mal educada por tal ato. Ela me olhou nos olhos, os quais eram claros e penetrantes como o de Lucie na lenda.

—Claro que sei, seu irmão... Morreu junto com meus pais, sua família acompanhou a minha durante todo o reinado, e você, sempre me observava quando eu ia ao lago.

Corei e desviei o olhar.

—Você acha que elas estão lá?

—Elas?

—Carmen e Lucie.

—Carmen?

—Irá repetir tudo o que eu disser? - Talvez minha expressão de dúvida me entregasse enquanto a sua era de divertimento - Sua avó nos contava uma versão mais completa da lenda- Ela sorriu. Claro.

— Carmen e Lucie. -Dissemos juntas, talvez sua avó tenha percebido o meus sentimentos após chorar rios e orar sem cessar ao saber que a colega estava com febre, mas na época não sabia o que isso significava. A antiga colega era Lucie. A Rainha.

—Definitivamente não lembrava. -As garotas estavam rindo. Era isso, a garota ruiva, havia se tornado guarda, não por querer ser como o seu irmão, mas sim porque jurou para a antiga melhor amiga que sempre iria proteger e ajudar quem precisava. Jurou sempre estar ao lado da morena. Jurou sempre ama-la, mesmo na época não entendendo muito o que era amor. Jurou mesmo que tivesse que violar as leis como Carmen e Lucie. Jurou sempre estar ali. Porque no fundo sabia que os olhos de Lucie só apareciam para os amores verdadeiros.