Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 12
Mais descobertas passadas


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Desculpe ter ficado dois dias sem postar, tenho minhas justificativas e pretendo não deixar isso se repetir. Quero informar que ainda hoje vou corrigir todos os capítulos antigos da história. Não, não vou mudar nada. Será apenas uma revisão rápida de vírgulas e erros de digitação, que às vezes passa despercebido. Espero que estejam gostando. Boa leitura!



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Depois daquela noite eu evitei Serena por alguns dias. É claro, de maneira sutil. Eu ainda sorria para ela, ainda lhe dava atenção nas aulas, e quando ela sugeria um momento a dois eu apenas culpada a semana de prova, afirmando que ela estava se aproximando e que eu precisava me preparar. Serena entendia, é claro, mas não aceitava. Insistia e tentava me beijar às escondidas, mas eu lutava contra isso. Ela é uma garota muito indiscreta – indiscreta a ponto de tentar me beijar ao ar livre, durante um dos intervalos das alunas. Eu tinha certeza de que estavam surgindo boatos sobre nós entre as adolescentes, e tenho medo só de pensar na possibilidade de isso chegar à diretora. Por mais que ela não tenha acreditado nas acusações de Violet, há sempre o risco. Até porque uma pessoa pode se enganar, mas duas mil alunas é muito difícil. Ainda mais estando certas.

Pensei em supostas maneiras de evitar esses boatos: provavelmente viam que a atenção que eu dava a Serena era muito maior que às outras, e isso é algo que posso mudar. E assim fiz. Passei a interagir com todas em sala de aula, dando voz às meninas e me interando com a maioria. Descobri, por exemplo, coisas sobre os novos astros do cinema juvenil; descobri que todos os anos há um passeio onde a Marie Curie e um internato masculino se hospedam no mesmo hotel, e que elas gostam muito disso apesar da pesada marcação; descobri também que a minha turma é muito crítica – julga aquelas que tornam-se lésbicas por ceder à tentação da sexualidade. Ao menos um grupo pensava assim. Havia também aquelas que defendiam outra proposição: diziam que todas ali já tinham beijado garotas nos quartos e banheiros, e que usavam esses argumentos para não serem mal vistas. Foi interessante saber dessas coisas, mas não por conta do motivo convencional. Meu sonho sempre foi ser um escritor, ao invés de professor. Precisava, apenas, de uma história, e quem sabe não a encontrava ali? Interagir com elas foi realmente construtivo, além de que me fez esquecer que estava na mesma sala da Serena durante um tempo. Surpreendentemente, ela não entrou no debate. Apenas observou em silêncio, inclusive quando suas amigas comentavam com ela.

As amigas dela, inclusive, eram sempre as mesmas. As próximas. Havia a Ivy Dickens, uma ruiva com lábios enormes. Essa era a mais comunicativa, vive passando bilhetes, liderando a fofoca e os comentários fora de hora. Tinha, também, Charlotte Archibald. Uma negra alta e com olhos lindos e enormes. Essa estava sempre alisando a Serena. Era uma relação aparentemente estranha, mas eu conseguia ver a veneração que Charlotte tinha por Serena. Nelly Yuki era uma asiática baixa e discreta, silenciosa, mas vivia ajudando as meninas a carregar as coisas, a fazer as atividades, e eu tinha pena dela. Lembro bem que havia muitas Nellys Yuki em minha antiga escola, mas na época elas nunca me comoveram. Hoje, sim.

O quarteto, enfim, era cobiçado. Não apenas sexualmente, apesar de eu ver muito desejo nos olhos das garotas. Mas via, ainda mais, inclusive, inveja. Era um quarteto que vivia andando junto, que era simpático e superior ao mesmo tempo. Muito típico. Clichê, inclusive. Paixão repentina pela garota mais bonita e “popular” do colégio? Essa seria uma história muito clássica de Hollywood se eu não fosse o seu professor. Era, na verdade, algo clássico de Gloomy Sunday.

Bom, nesta semana evitei Serena, mas apesar das tentativas tive Violet sempre muito próxima. Ela dizia querer ajuda com elaboração de avaliações, mas nosso assunto sempre voltava para aquela noite.

– Há quanto tempo você sabe sobre a Doolitle? – perguntou certo dia, referindo-se ao dossiê.

– Descobri na semana em que entrei, quando ela começou a dar problema. Na verdade ainda estou lendo seus documentos, não passei da terceira página. – dei de ombros, continuando o que estava fazendo.

– O quê? Você ainda não sabe o final? – questionou intrigada. Neguei com a cabeça. – Por Deus, Chuck! Termine de ler! Você não deve ter visto nada de ruim ainda.

– Se você chama o assassinato da mãe de coisa boa, aí é com você. – falei.

– Chuck! Você parou aí? Há muito mais! Não sabe com quem está lidando. Leia, estou falando sério. Leia. Vai se surpreender. – ela pegou as suas coisas e foi embora. No dia eu havia decidido voltar a ler, curioso. Mas eu ver o dossiê em cima de minha cama eu não tive coragem. Fiquei imaginando aquela delicadeza de pessoa pode ter vivido, e adiei. Adiei muito até então.

Hoje estava um dia particularmente chuvoso. Uma das maiores tempestades da temporada, então todos fomos instruídos a ficar no quarto até o dia seguinte. E fiquei só pela internet, até perceber estar sendo encarado. Era como se o dossiê olhasse para mim e sugerisse o que há lá dentro. Tentei reler O Médico e o Monstro, mas até mesmo Mr. Hyde me incentivava a buscar a obscuridade da vida de Serena. E assim foi feito. Peguei aquele grande classificador e comecei a ler.

Depois da morte de sua mãe ela foi obrigada a viver com a sua avó até o dia de sua morte, quando ela tinha sete anos de idade. Já nessa época ela havia desenvolvido grande maturidade, que incluía saber fazer sua própria comida, sair sozinha pela rua, policiar os remédios da avó e outros. Em seguida foi mandada para morar com seu pai, o qual ela não sabia que havia se casado. Foi um choque para ela! Para ela, “pai e mãe” era para ser um eterno casal. E a sua madrasta... Tão jovem, uma Barbie da vida real, sempre muito simpática.

Porém, houve alguma coisa durante sua infância: seu pai desapareceu. Mas não como a sua mãe – ele havia viajado, usou seu cartão e telefonou por um tempo, mas um dia simplesmente parou de se comunicar. Quando começaram a investigar a polícia declarou que ele era um político corrupto e que, provavelmente, havia sumido de alguns inimigos que formou com um tempo. Poderia ou não voltar, mas não era um desaparecimento de maneira alguma. Para mim isso foi muito mal contado... E, pelo visto, para Serena também. Ela acusava a sua madrasta durante a vida inteira de ter se livrado dele. Ela defende abruptamente que ela viu que, se demorasse, a herança viria para a filha, e não para a atual esposa, e teve que agir rapidamente. Ela disse que tinha certeza, mas não havia provas, e que sua madrasta havia pagado aos policiais para cessar busca. É claro que ela não foi ouvida, ainda mais após ter sido diagnosticada com esquizofrenia. Aos oito anos passou a viver em clínicas psiquiátricas durante quatro anos, até passar a de fato tomar seus remédios, ao invés de cuspi-los. Em seguida foi mandada de volta para casa: lugar que foi expulsa e mandada para o internato feminino Marie Curie. Todas as suas contas são pagas mensalmente, inclusive despesas de vandalismo e farmácia, mas nunca receberam sequer uma ligação da madrasta, que a manteve ali durante todos esses anos como em uma prisão domiciliar.

Fechei o dossiê novamente. Esse foi o resumo de tudo o que passei os olhos, porque quando vi toda essa situação eu me neguei a ler os papéis detalhados. Não queria saber como era sua vida em um hospício, ou se ela era maltratada, ou sobre os vandalismos que cometeu, ou as surras que levou, a injustiça que já engoliu e tudo o que sua mente já projetou. Ela era realmente doente. Esquizofrênica. Criava situações em sua cabeça com muita facilidade, o que me levava a questionar se essa afeição por mim era realmente uma tentativa de refugiar-se ou um fetiche psicótico que tem com um professor. Era tão difícil entendê-la!

A sua voz era petiz, o que carregava em si um estado de espírito infantil e divertido. Seus olhos eram como um fardo: pesados e maliciosos. Seus lábios convidativos, seus cabelos me enlaçavam em abraços e suas pernas me convidavam à perdição. Todo o seu físico era uma camisa de força que prendia a sua loucura ali dentro – de maneira que eu jamais desconfiaria. Mas como não? Era insano vê-la de tal maneira. Nenhuma garota de quinze anos tinha um psicológico tão bem trabalhado e extravagante. Ela era completamente ampliada e, talvez seja, também, insanidade de minha parte, mas eu me atraia até mesmo por seu passado. Sentia mais afeto por essa garota ao saber tudo o que passou. Eu sentia de fato amor.

Amor. Estranho admitir isso para mim. Para Violet assumi muito mais rapidamente – me apaixonei quase tão rápido quanto desapaixonei. Mas Serena sempre foi vista como um objeto inalcançável para mim. Desde o momento que a vi na sala de aula com seus casacos alternativos pude perceber que era algo a mais. Eu entendi ali mesmo o significado das musas artísticas. Ela era algo quase extraterrestre e desumano com tamanha perfeição. Não tinha como não me entorpecer com ela.

Foi então que fui surpreendido com alguém batendo à porta. Com o susto, joguei o dossiê debaixo de meus livros em cima da escrivaninha e fui abrir a porta. Respirei fundo e vi uma imagem completamente adorável – Serena completamente encharcada em minha frente. Sua blusa branca estava transparente, seus braços cobriam o que mostraria seu sutiã roxo. Os cabelos, caindo no rosto, estavam grudados por conta da água em suas bochechas e queixo. Suas pernas estavam à mostra, com uma saia mais curta do que a permitida no colégio. Seus olhos pareciam desesperados, o que rapidamente me preocupou.

– Serena... – comecei.

– Me desculpe. Sei que está ocupado, mas fui coagida a vir. Posso entrar? – sua voz estava um misto de constipada e afobada. Algo tinha acontecido. A mandei entrar, curioso com o que iria ouvir.


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