Júpiter escrita por Izabell Hiddlesworth


Capítulo 8
Tempestades solares


Notas iniciais do capítulo

Eu gosto do espaço. Não tem problemas no espaço.

— Anônimo



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– Ele acordou? – A voz de Loren era ansiosa.

Alguém tinha pendurado um móbile de estrelas de papel colorido sobre a cama. As estrelas balançavam suavemente, tristes e conformadas, assim como os olhos de Júpiter, que se abriam vagarosamente para nós. Ele parecia cansado, apesar de estar dormindo a dezesseis horas – como a prancheta no criado-mudo ao lado de sua cama mostrava.

– Acordou – sorri.

– Vou chamar a mãe dele – Igor se levantou num pulo, escorregando para fora do quarto.

– Dormiu bem, Júpiter? – Loren sorriu, apanhando a caixa de bombons diet e se aproximando da cama. Estava melindrosa, falando baixo desde que colocamos os pés no hospital.

Júpiter disse que não podia comer antes de tomar seus remédios, mas quis saber que gosto os bombons tinham. Loren retirou o lacre da caixa e desembalou um. O cheiro de cacau e avelã surgiu tênue sob a indiscutível fragrância de esterilizantes e remédios de gosto ruim.

– Licor de menta – revelamos em uníssono, sorrindo e mostrando os dentes sujos de chocolate.

Igor voltou com a mãe de Júpiter, trazendo as mãos nos bolsos de trás do jeans. Loren ofereceu a caixa de bombons para os dois, porém, a mãe passou direto para o lado da cama.

– Oi, querido – ela era Europa, de cabelos ruivos tingidos. – Precisa de alguma coisa?

Era nítido que Júpiter precisava de um grande esforço até mesmo para balançar a cabeça. A combinação de três semanas enfurnado numa cama de hospital, mais a doença e o interminável tédio estava mostrando seus efeitos. Agora a morte se escrevia em suas feições numa caligrafia caprichosa – me dava vontade de gritar, de sacudi-lo até que reagisse a tudo aquilo.

Ele aceitou os carinhos da mãe em seus cabelos ressecados – a única cor na cama monocromática e doentia –, frágil e debilitado demais para dizer muita coisa. Sua mãe nos contou como ele estava sendo forte e corajoso, sofrendo picadas de agulha e recebendo entorpecentes direto na veia para a dor no olho cinza-gelo. O castanho corria o risco de perder a visão também, por isso o quarto ficava numa penumbra, poupando-o de todos os jeitos possíveis.

Júpiter cochilou algumas vezes durante a conversa, ainda sob o efeito da maratona de remédios, como se estivesse boiando numa piscina.

– Preciso voltar para a clínica agora, meu amor. Seu pai vai dar um pulinho aqui mais tarde, tudo bem? – Europa o deixou com um beijo na testa e abraços gratos no resto de nós.

– Clínica do quê? – Igor quis saber, enfiando outro bombom para dentro da boca quando a mãe de Júpiter se foi. Ele e Loren se jogaram no sofá de visitantes, empenhados em acabar com o resto dos bombons.

– Veterinária. Meus pais são os donos, então ficam lá durante todo o expediente.

– Entendi.

Atualizamos Júpiter sobre o namoro de Loren com o Lucas do time de vôlei, e depois sobre a mudança de escola da garota de Igor – o namoro deles não vingaria. Mostrei o vídeo da apresentação do Renato da nossa turma no trabalho de Biologia da semana passada. Júpiter comentou qualquer coisa sobre o modo engraçado com o qual Renato falava “Insetos são incríveis!” – por cinco vezes em apenas dois minutos de vídeo.

Rimos e conversamos sobre as festas idiotas nas quais iríamos e sobre as “noites de pijama” que faríamos quando Júpiter tivesse alta.

A verdade era que ele não receberia alta – nunca. Estava além de qualquer milagre, como ele gostava de me lembrar sempre que ia visitá-lo.

No entanto, ignorar os fatos e persistir na esperança vazia e juvenil vinha sendo nossa morfina. Talvez Júpiter chorasse com suas máquinas de cama de hospital à noite, ou Loren sufocasse seus gritos indignados, ou Igor socasse sua raiva em seus sacos de boxer. Eu estava matando minhas vespas brilhantes e irritadas com a solidão de Kodaline e Ed Sheeran. Cada um lidava com a dor e a morte inevitável como podia.

Quando estávamos frente a frente, o figurino era outro. Fingíamos ser mais maduros do que realmente éramos. As conversas iam e vinham para sufocar os suspiros maquinários, pois o silêncio nos afogaria. Adolescentes maduros e despreocupados, desperdiçando um pouco de saliva sem medo do amanhã.

– Eu estou com medo – Júpiter me confessou num dia ensolarado.

Fui visitá-lo sozinho depois da escola – Loren tinha um jogo do namorado e Igor também iria para torcer pela escola.

– Eu disse que a morte era só uma fenda no espaço-tempo, mas estou com medo – sua voz era chorosa. – Meus pais tem se derramado em lágrimas todos os dias quando saem daqui, as enfermeiras me contaram. Estou tentando ser forte por mim e por eles... É tão difícil, Henrique.

Arrastei um banco para me sentar ao lado de sua cama, tomando sua mão – mais pálida do que o normal e com canos de soro – gelada entre as minhas. Eu queria segurá-lo ali comigo para sempre, mas o tempo estava acabando e as estrelas o chamavam.

– Ainda assim... Está tudo bem – as pálpebras de Júpiter estavam sucumbindo ao sono –, não está?

– Posso? – Ignorei sua conformidade.

Ele assentiu fracamente.

Eu o beijei como se tivéssemos um dia em Júpiter inteiro para ficar ali. Sua respiração era arrastada e fatigada, mas ainda continha toda a ternura do mundo.

Em meu âmago, pontadas de incômodo me diziam que uma tempestade solar estava prestes a estourar. De repente, eu não aguentava ficar nem mais um minuto naquele quarto odiosamente branco. Não havia nada que eu pudesse fazer além de me segurar a uma casaca vazia.

– Adeus, Júpiter – sussurrei, sentindo o peso doloroso de cada palavra.

Suas narinas se dilatavam tranquilamente, enquanto ele mergulhava em seu universo particular mais uma vez.

Levei sua mão à minha testa, absorvendo seu cheiro de hospital e tempero de universo. Pensei em portões azuis, pães de queijo e chuvas fortes. Havia estrelas na parte interna de minhas pálpebras, pinicando, provocando um choro silencioso. As lágrimas vieram fácil para minhas bochechas, pingando no lençol fino da cama.

Ele continuava belo e catastrófico, como no primeiro dia em que o vi.


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Notas finais do capítulo

Em seus olhos, eu encontrei a gravidade.

— Timothy Joshua