Café com Coca-Cola escrita por Lorena Luíza


Capítulo 4
IV. Mikaela


Notas iniciais do capítulo

Eu escrevi e revisei correndo, então me desculpem, por favor. Já são quase onze horas e eu não sei como tô acordada, porque durmo muito cedo. :') Não aguentei a vontade de postar, então sorry! ~ Amanhã verifico a merda que fiz por aqui.
Boa leitura! Amo vocês.
Quero ver quem vai achar a referência pra Ines Brasil por aqui, hein.



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Mikaela via-se num maravilhoso universo alternativo quando um cutucão despertou-a de seu sono profundo. Ela olhou para cima com um olho aberto e outro fechado, comendo cabelo, e se deparou com um corpo seco que parecia querer matá-la por vê-la dormindo na aula.

O professor parecia tão morto de impaciência quanto ela de preguiça.

Enquanto o escutava tagarelar sobre o péssimo comportamento e via muito bem estampada a infelicidade do professor por conta da indiferença dela quanto aos estudos, Mikaela só fazia que sim com a cabeça, concordando com isso, concordando com aquilo. Coçava a raiz dos cabelos e estava toda torta em sua carteira. Nem fazia questão de esconder o tédio.

Quando o sermão acabou, Mikaela arrastou-se sala afora quase como se fosse uma adolescente-cobra-zumbi, com um bilhete grandão para entregar ao pai quando chegasse em casa. Foi um pouco estapeada pelo desrespeito usual de dezenas de alunos, que entupiam os corredores, atropelavam uns aos outros e falavam ininterruptamente.

Era um inferno até para ela, que adorava movimento. Mas não era legal quando o movimento não era por causa dela, para ela ou envolvendo-a. Se a envolvesse, seria apenas para Mika fazer o papel de garota ignorada.

Tentou se recuperar da bagunça do interior do colégio quando saiu de lá. Não houve muito tempo para isso, pois ela acabara de tocar nos cabelos e nem desamassara a saia xadrez quando, de longe, viu seu ônibus amarelo quase indo embora.

Aí foi hora de correr.

E ela não sabia correr, o que transformava sua corrida em algo muito feio de se ver. Mikaela havia se transformado num borrão cambaleante, todo preto e vermelho, que parecia estar fugindo desesperadamente da polícia ou de algum cachorro realmente bravo.

E era muito esquisito, porque ela sabia correr usando saltos, mas coturnos baixos não... Lembrar-se disso transformava a situação em algo um pouco menos patético, já que saber correr usando saltos era algo muito fabuloso.

Só para ela, by the way.

Porque o resto do mundo não sabia disso, então todos olhavam Mikaela apenas vendo-a como a criatura que corria na rua como se corresse no meio de um rodeio, fugindo do boi bravo por tê-lo provocado chacoalhando uma toalha vermelha. Continuava igualmente patético.

Por ter conseguido chegar a tempo, ela subiu no ônibus, quase derrapando no primeiro dos degraus. A corrida a acordara completamente e os olhos dela estavam muito arregalados, assim como o coração parecia prestes a sair pela boca e criar perninhas para fugir de sua dona. Seus cabelos eram, agora, nada mais do que um emaranhado vermelho.

Mandar os alunos darem uma volta na escola daria muito mais certo do que atirar gizes neles, Mikaela constatou. E então ela andou o que faltava para chegar aos bancos, dando uma ignorada de leve no motorista que a encarava da forma mais horrenda possível. Ela sentia que todos a encaravam, na verdade. E encaravam mesmo, pois não devia ser comum uma garota tão estilosa surgir assim, de uma forma ainda mais estilosa do que ela mesma.

Atrasos eram, na verdade, nada mais do que técnicas de sedução. Todos olham mais para uma garota que aparece por último do que para uma das primeiras a dar as caras. Era técnica — ela não era japonesa, mas ainda assim era uma ninja na arte da sedução. Mikaela era uma rainha e ela sabia muito bem como sempre surgir arrasando, mesmo que estivesse com cabelo na boca, arfando e a camiseta enrugada, indo parar quase acima do umbigo.

Ela fechou os olhos e respirou fundo, jogando o cabelo e sorrindo. Focou-se em si. Não era hora de dar uma de garota tímida. Não era isso que ela era.

Era uma rainha.

E vossa majestade atravessou o ônibus sem ter lá muita ideia de onde diabos encontraria um canto para se sentar, meio manca porque o pé estava doendo.

Riu de si mesma quando já estava sentada no primeiro local encontrado. Desamassou a saia sobre as pernas morenas, respirando pesadamente. Colocou a bolsa estampada de crânios em cima do colo e deu uma empurrada — também era técnica de sedução — no cabelo, prendendo uma mecha cereja atrás da orelha.

Foi virando simpaticamente o rosto para ter uma visão panorâmica do espaço em que sua importantíssima presença se colocava. O silêncio se dissipara e os alunos recomeçavam a falação. Pouca gente ainda a encarava. Era como se ela houvesse perdido a graça de uma hora para outra.

Ficou quieta por alguns segundos, então, e relaxou o corpo no banco. Todo mundo falava atrás e na frente de si e os assuntos deles eram muito mais idiotas do que eles mesmos. De um lado, as patricinhas; de outro, os nerds; lá atrás, os brutamontes (tanto os bonitões quanto os que tinham rostos deformados).

Mikaela torcia em segredo para que todo o pessoal alternativo houvesse resolvido faltar naquele dia.

Era verdade que, àquela altura do campeonato, emos já eram quase extintos, mas... Ela não estava podendo escolher. Se aparecesse um, certeza que Mika iria atrás. Tudo bem se fosse só para serem amiguinhos, mesmo.

Na escola anterior, Mikaela tinha alguns amigos emos — o Collin, a Patricia e o Mateo. Eles eram legais, principalmente quando estavam bêbados e quando ficavam na rua, à noite ou então de madrugada, mesmo. Faziam umas coisas inimagináveis. Mika não conseguia pensar em nada além de "como esses idiotas não foram presos ainda?" quando os via roubando ou se drogando em locais públicos.

Mesmo que os três saíssem juntos às vezes, nenhum nunca demonstrava sentir muita falta dela quando não o faziam. Nem o Collin, que deixava na cara que queria muito pegá-la e até havia feito isso umas vezes. Ele raramente a telefonava ou enviava alguma mensagem e isso a deixava realmente bem brava.

Mikaela nunca entendia o porquê de seus relacionamentos serem assim. Suas amizades eram sempre estranhas, ela achava. Por mais que lutasse para fazê-las serem duradouras, era como se Mika simplesmente acordasse um dia e nada mais existisse. Tudo passava sempre rápido demais, principalmente quando eram amizades reais, com pessoas que já havia visto cara a cara.

É que Mikaela fazia muitas amizades pela internet — e isso não significava que isso fosse melhorar as coisas. Muito pelo contrário, para falar a verdade. Ela literalmente acordava e já havia acabado tudo. Às vezes, ela nem fazia nada. As pessoas simplesmente se esqueciam dela de uma hora para outra e, caso Mikaela tentasse descobrir os motivos das distâncias repentinas, era block para cá, unfollow para lá...

O problema é que as melhores pessoas sempre eram de longe. As mais bonitas, as mais divertidas, as que tinham mais interesses em comum com ela. Era como se Mikaela se sentisse mais em casa conversando com elas, como se elas a vissem de forma diferente e a quisessem por perto.

Mas tudo na internet era rápido demais.

Um "aceitar solicitação de amizade" era tão veloz e simples quanto um "desfazer amizade".

Na vida real, era pior ainda.

Mas ela preferia só pensar que suas amizades iam e vinham rápido demais porque Mikaela era... excêntrica demais para alguém normal aguentar por muito tempo. Você sabe, areia demais para um caminhão e tudo mais. Esses lances aí.

Cansada, ela esfregou os olhos e fechou-os depois, com a cara jogada para trás no banco. A maquiagem estava toda borrada, mas Mikaela não gostava de ter um ar muito certinho, então não estava dando a mínima.

Ela queria muito abrir os olhos de novo e se deparar com a parede logo ao lado da cama de seu quarto, estando jogada no colchão só de camiseta e calcinha, com um cobertor enrolado abraçado pelas pernas. O fato de saber que ainda passaria várias dezenas de minutos trancafiada numa lata velha amarela repleta de adolescentes falhos lhe deixava totalmente desencorajada.

Estava realmente com muita preguiça. Soltou um pouco dela num bocejo colossal e depois ia se espreguiçar quando, por acidente, meteu a mão nos óculos do rosto de seu pobre vizinho.

Não. Não era o virgem infeliz do Miles Angelo.

Até ela achou que fosse.

Mas olhou para o lado e a única coisa que viu foi uma negra de óculos que era uma gracinha, mas que não parecia nem um pouco feliz com a presença da Mikaela.

Os cabelos da garota estavam soltos e eram volumosos, de um castanho bastante escuro. Mikaela teve de encará-la por uns segundos até lembrar-se de quem era — a namoradinha do Miles.

E, caramba, de cabelo solto ela era trinta vezes mais bonita e cinquenta menos nerd. Parecia que havia até passado um batonzinho. Mikaela sentiu vontade de bater palmas e soltar um "uau, alguém está virando uma mocinha", pois a menina estava — ela era — bonita.

Não era exótica, uma joia rara como Mikaela se via sendo, mas... era bonita.

Só que foi apenas olhar para os livros agarrados no peito, o par de óculos quadrados na cara e o rosto inteligente que ela voltava a ser quem Mikaela já achava que era. Uma nerd pé no saco. Bem, andando com Miles, ela não podia mesmo ser alguma outra coisa melhor.

— Você não é a única na droga do ônibus, então respeite o meu espaço — a menina disse esnobe, se afastando de Mikaela a ponto de ficar colada com a janela do ônibus. — Não é tão difícil assim, sua grossa.

Mikaela a encarou por alguns segundos antes de revirar os olhos, aconchegando-se no banco e não dando a mínima. Na verdade, ela esticou os braços o máximo que pôde, deixando um centímetro de espaço entre o cotovelo dela e o da garota.

— Uau. Me desculpe, Tina Turner — ela debochou de volta. — Eu nem te vi aí.

— Eu ainda não sou invisível — a menina respondeu. — É miopia ou você é apenas burra, mesmo, e não olha para os lados?

A garota estreitou os olhos para Mikaela, que ficou surpresa e sorriu de canto, achando a reação interessantíssima. Ela parecia o Miles no quesito nerd–mas-não-medrosa.

— Hoje a TPM está brava — comentou divertida. — Comer chocolate faz bem, sabia? Ou será que esse mau humor é por outro motivo?

A negra ergueu as sobrancelhas e virou a cara, ignorando a pergunta. Mikaela encolheu os ombros, rindo sozinha. Ela respirou fundo, e, se espreguiçando de novo, repetiu uma empurradinha bem proposital no rosto da outra.

Gargalhou com vontade com o olhar fulminante que recebeu da garota, que quase tremeu de ódio.

— Dá para parar de encostar em mim? — ela rosnou como um rottweiler, torcendo as mãos. — Não estou com paciência.

Mikaela sorriu da forma mais fingida possível.

— Você viu que não foi proposital.

As narinas da outra se alargaram de impaciência.

— Eu não estou num dia bom — falou. — Se me atacar, garota, eu vou atacar.

Mikaela não conteve o sorriso. Aquela garota... era muito interessante. Agora teria Miles e ela para perturbar! E nenhum dos dois conseguia ignorá-la totalmente. Isso era maravilhoso!

Mikaela se ajeitou outra vez no banco, sorrindo ainda para a vizinha, que estava — com razão — muito desconfiada.

— Ah, é? — Mika perguntou. — E qual seria o motivo do seu mau humor, princesa Tiana?

A outra olhou-a indignada.

— Eu não te conheço, é problema meu. — Cruzou os braços, fulminante com seu olhar; sorriu de canto de forma irônica, mas nada do olhar forte desaparecer. — Não tenho a obrigação de te dizer coisa alguma sobre a minha vida, princesa Mulan... que passou as férias no Havaí.

Mikaela continuou sorrindo cinicamente, erguendo as sobrancelhas escuras e mordendo o lábio. Adorava o fato de ter descendência asiática e, ainda assim, pele muito morena — e adorava ainda mais o fato de "Tiana" ter entrado na onda, é claro. Ela sabia muito bem como proceder.

— Agora conhece. — Estendeu a mão para a garota. — Mikaela, dezesseis, um metro e uns cinquenta e poucos centímetros de pura maldade. Só Mika, se quiser... Mas eu realmente não me importo de ouvir meu nome inteiro.

A negra olhou nos olhos de Mikaela e passou o olhar para a mão estendida, não parecendo nem um pouco disposta a pegá-la para cumprimentar Mika.

Ela era mesmo mais difícil do que a outra imaginara. Mas não era como Miles, que precisava agir como se fosse chamar a mamãe para defendê-lo a cada cinco minutos e não respondia bem à ironias.

— Hey, vamos lá — Mika propôs. — Só um toque, huh? Não tenho nada que seja contagioso.

A garota revirou os olhos e pegou na mão de Mikaela com o indicador e o dedão, dando uma balançadinha e depois recolhendo a mão outra vez. Suas unhas eram enormes, mas não estavam com esmalte e Mika não se surpreenderia caso a visse limpar a mão na calça.

A forma grosseira como havia sido cumprimentada fazia Mikaela se sentir um pouco tentada a meter a mão no rosto da outra — deixando claro isso, uma das pálpebras dela tremeu de nervosismo e a palma da mão coçou de vontade de estapear a menina.

Mas ela aguentaria um pouco.

Só. Um. Pouco.

— Anissa — a garota disse de uma forma que não pareceu uma apresentação. — Só para avisar, estar te dizendo meu nome não significa que estou dando brecha para conversa ou amizade alguma, entendeu?

Mikaela sorriu de canto e arqueou a sobrancelha, não se mostrando intimidada. Anissa não a irritava. Na realidade, ela só sentia uma vontade extrema de estapear quem não tinha reações divertidas quanto às provocações dela, mas Anissa e Miles eram muito cômicos quando ficavam irritadinhos.

— Uhum — ela falou ironicamente. — Também é um prazer te conhecer, linda.

Óbvio que dar uns tapas em Anissa seria muito bom e mais bonito ainda seria ver as bochechas sardentas de Miles ficarem vermelhas de tanto apanharem, mas ela não podia se livrar de seus brinquedos tão repentinamente assim.

As duas, Mika e Anissa, ficaram quietas durante um bom tempo após aquilo e Mikaela teve de se conter para não cutucar Anissa mais. Talvez por isso, a negra ia se despedir dela quando as duas desceram no mesmo ponto. Parecia que moravam na mesma rua.

Mikaela só escutara um "tchau", mas agarrou o suéter rosa de Anissa quando ela lhe virou as costas. Uma de suas unhas, lascada, enroscou no tecido e puxou fora um fio de lã. Mika disfarçou e fingiu que não havia sido ela.

— Não vai ainda não, amiga — numa bela demonstração de falsidade, ela disse e sorriu para a outra. — Me espere que também moro nessa direção... E tenho algo para te dizer, além disso.

Anissa franziu as sobrancelhas e soltou um "hm", olhando Mika de cima a baixo.

Ficara claro que ela não queria andar junto com a garota, mas óbvio que Mikaela não deu a mínima. Ela nunca dava. Ainda mais quando se lembrava de algo tão importante — e divertido — quanto aquilo.

"É aquela bonitinha da outra sala, não é?", Mikaela dissera a Miles um tempo atrás. "Te arrumarei um encontro com ela."

Sorriu maldosa com a lembrança.

Era hora de cumprir a promessa.

— Seu mau humor, querida Tiana... — ela começou, dando um passo e pegando o ritmo de cami — Será que seria porque não vi Miles, da minha sala, lhe dizer um mísero "olá" hoje? Bem... Digamos que eu posso ver que vocês são próximos, não é verdade?

Anissa parou de andar e encarou sua frente por alguns segundos, fechando totalmente a cara. Ela apertou tanto as mãos que os nós de seus dedos esbranquiçaram.

Mikaela riu silenciosamente, logo atrás dela.

— Eu odeio Miles Angelo — Anissa rosnou.

A mestiça ficou surpresa. Deu alguns passos para alcançar a "amiga" e, curiosíssima, pôs a mão no ombro dela. Anissa não a impediu de fazer isso.

— Por quê? — Mikaela perguntou confusa. — Ele gosta tanto de você, não gosta? Carrega suas coisas e tal...

Anissa mordeu com força o próprio lábio, olhando para baixo.

— Ele me odeia...

— Você está louca? É óbvio que não.

— Você não tem argumentos, Mikaela. Ele já me disse isso.

Mikaela ficou quieta, fazendo bico de forma pensativa e olhando de canto para a outra. Ela não estava entendendo nada... E como assim Miles havia falado que odiava Anissa? Se ele realmente a odiasse, não teria motivos para ficar agradando-a por aí, teria?

— Não entendi droga nenhuma, Anissa.

— Ele me odeia mesmo. — Anissa não olhava nos olhos dela. — Vamos embora. Não quero falar sobre isso.

Ela começou a andar na frente, segurando com força a alça da mochila no braço. Mikaela correu outra vez para alcançá-la, assustada com a reação.

Ela não queria deixar Anissa brava, na realidade... Só o "brava" que era engraçado, não o "brava" que a fazia sentir-se mal. Achou que fosse só... um mau humorzinho porque o crush havia se esquecido dela, ou coisa assim. Algo que Mikaela pudesse tentar resolver. Mas parecia que era algo antigo, algo problemático...

Aquilo só a fazia querer saber mais — e, droga, ela nem era amiga de verdade de Anissa para poder ouvir alguma coisa! Muito menos do virgem do Miles. Ela era, sim, muito cara de pau, mas eles não eram burros o suficiente para a verem apenas como uma garota extremamente amigável ao invés de uma fofoqueira curiosa.

Isso poderia, uma hora ou outra, ser um problema.

— Ele não te odeia, caramba, Anissa — ela falou. — Quando menino fica se fazendo de empregado, é porque gosta. E o Miles parece um mordomo perto de você.

— Ele faz por obrigação. Você tem ideia do quanto nós temos de agradar todo mundo? Imagine se alguém visse eu precisando de ajuda e Miles me ignorando — a outra respondeu cabisbaixa. — Mikaela.... Ele e eu já brigamos o suficiente para eu saber que não dá, tá bom?

Mikaela suspirou e Anissa parou de andar outra vez em certo ponto.

— Vocês tiveram alguma coisa? Um... relacionamento?

— Não.

— Que seja, mas você ainda gosta dele, não é?

— Quem disse que eu já gostei dele? — Ela pôs as mãos na cintura, erguendo a cabeça. — Você não me conhece, nem o conhece. Pare... de tirar conclusões precipitadas sobre tudo.

Mikaela fechou a boca e franziu os lábios, desviando o olhar. Era uma droga estar curiosa demais sobre aquilo tudo... ou Anissa precisaria de um dentista.

— Não sei se você percebeu — Mikaela disse —, mas, se eu tô interessada em você e no que já aconteceu, é porque eu tenho alguma coisa a fazer. E eu quero ajudar vocês dois babacas a darem um jeito nisso, então preciso entender primeiro. Óbvio que mal conheço você e o Miles, mas vocês são muito tontos, Deus do céu. Por que não se pegam logo?

Anissa encarou a mestiça com um olhar culpado. Ela empurrou os óculos nariz acima e ergueu o queixo, endireitando as costas. Mikaela cruzou os braços e ficou olhando-a, esperando uma resposta.

— Olha, Mikaela, quer saber? — Anissa virou as costas para ela. — Tanto faz se eu gosto ou não dele, porque o Miles me odeia. E é bom que você não se meta nisso, porque ninguém te pediu ajuda, pediu? Esqueça isso tudo.

Mikaela fechou as mãos, forçando as unhas contra elas. Não, ninguém havia pedido. Mas isso não significava que ela tinha de ficar quieta diante disso, ou que teria de admitir isso diante de alguém ignorante como Anissa.

Ela não queria estar errada diante da outra — estaria ajudando-a, afinal; o que ela tinha de fazer era agradecer a calar a boca. Como Mikaela já havia dito, era óbvio que a relação dela com Miles não iria a lugar algum caso Mika não interferisse. Cara, os dois deviam até ser BVs e a Anissa se tremia toda quando o Miles passava perto dela, mesmo que ele sequer a percebesse às vezes.

Alguém tinha de dar um jeito naquilo.

Alguém chamado Mikaela — a salvadora das bocas-virgens da pátria.

Miles e Anissa que a venerassem por isso, droga!

Ela ficou quieta diante do que a outra disse e a negra lhe disse um "tchau" seco, virando-lhe as costas e indo embora em seguida.

A rua de Mikaela era no sentido contrário. Ela esperou Anissa transformar-se numa pessoinha pequena no horizonte antes de mostrar-lhe os dois dedos do meio, xingá-la e ir embora também.

Agora que ela não queria ajuda, óbvio que Mikaela iria ajudar.

Ela parou em frente à casa e começou a procurar a chave entre os seios, mas logo lembrou-se de que a maçaneta estava destruída por conta de um ataque de raiva de Josh e somente empurrou a porta com o pé. Ela se abriu com um rangido que fez a casa se parecer ainda mais com algum local abandonado.

A sala violeta estava mais linda e organizada do que nunca, tanto que Mikaela teve de entrar abrindo as pernas como se fosse abrir espacate para não tropeçar em tudo. Havia caixas, revistas espalhadas, CDs e mais CDs, roupas e acessórios de Josh e embalagens grandes de eletrodomésticos para todo canto.

Nada ali a incomodava, exceto as embalagens de Doritos, cereal e Pringles, garrafas e garrafas de energético e suplemento alimentar. Bem, se não juntassem formigas, ficariam por ali mesmo, mas... juntavam. Então Mikaela passou pela sala ignorando toda a bagunça, menos esse tipo de embalagem. Recolheu várias e passou na cozinha para jogá-las fora.

Ela berrou pelo irmão enquanto passava pelo corredor, que era uma zona apenas um pouco menor que a sala. As janelas das laterais estavam quebradas e uma parede era cheia de rabiscos e pichações, tudo da época em que a casa estava abandonada e vândalos entravam pela porta dos fundos para ficarem fumando por ali.

Nah, não que isso — a pichação, não os cigarros que estavam pelo chão quando foram se mudar — a incomodasse. Mikaela adorava pichar. Ela só não gostava de ler "bitch", "motherfucker" e ver desenhos horrorosos feitos por mãos de adolescentes metidos a skatistas toda vez que acordava e saía do quarto para tomar banho, comer ou procrastinar em qualquer outro canto. Precisavam muito arrumar dinheiro para comprar tinta e dar um jeito naquilo.

Mikaela empurrou a porta do próprio quarto e atirou a bolsa em cima de Josh, que dormia de cueca em cima de um colchão ao lado da cama dela.

— Hey, bundão — ela disse. — Vaza do meu quarto.

Tecnicamente, aquilo não era um quarto — havia uma porta ao lado do local aonde a cama dela ficava, só para começar. Era como se fosse uma segunda sala da casa, mas, como Mikaela estava de castigo no dia e a casa só tinha dois quartos "de verdade", ela havia sido obrigada a se instalar ali quando se mudaram.

O cômodo era pequeno ao extremo e estava entupido de coisas inúteis (começando pelo irmão dela). Mikaela só usava, realmente, a cama — e, holy shit, como ela usava aquela cama — e o notebook, que estava no chão ao lado do adolescente seminu e desmaiado que Josh era. As caixas com maquiagem, CDs ou os sacos vazios de plástico bolha com coisas que ela encomendava da internet não contavam. Mikaela fuçava-os quase sempre, também.

Ela andou mais um pouco, repetindo os quase-espacates, e Josh só soltou um murmúrio preguiçoso quanto a bolsada que recebera. Mikaela se jogou em cima da cama e começou a tirar os sapatos, que jogou no irmão também. Ele era tão grandão e musculoso que não devia nem sentir coisa alguma.

Josh era da cor de Mikaela, mas muito maior que ela. Ele tinha olhos verdes puxados também, cabelos escuros e andava de boné virado para trás o tempo todo. Ela quase ficava surpresa por ele não dormir de boné também. Era como um rapper.

E ele estava jogado no quarto dela agora, com uma camiseta de um time de basquete e boxer azul escura. Josh vivia dormindo com Mikaela e eles raramente brigavam de verdade, mesmo que as lutinhas de brincadeira fossem mais do que constantes. Quando o pai os via machucados, nem perguntava de onde haviam vindo por conta disso — o que era ótimo para camuflar as origens dos chupões no pescoço do Josh... Era só dizer que Mikaela o esmurrara ali sem querer, pois Mika não desmentia.

Ela o estranhou estando em seu quarto àquela hora do dia. Josh geralmente nem estava em casa tão cedo, sem falar que não era todos os dias que ele arrastava o colchão para o quarto dela e ficava lá, ocupando espaço.

— Está morto, Josh? — Mikaela perguntou, puxando as meias três quartos, fazendo bolinhas com elas e jogando nele também. — Jooosh!

Mika se levantou e cutucou o irmão com o pé.

— Josh.

— Hmmm.

— Me escuta.

O irmão soltou um muxoxo.

— Estou escutando.

Mikaela jogou-se preguiçosamente no colchão, fazendo as molas rangerem. Ficou de torso deitado e pernas esticadas, olhando as fotos e os pôsteres nas paredes enquanto percebia que se esquecera de pegar o celular na bolsa e ver o que havia de novo. Quando o fez, voltou a deitar-se e começou a tagarelar enquanto via as atualizações das redes sociais nele.

Ela falou de seu dia para o Josh e ele não ficou nem aí, então Mikaela tirou a saia, virou para o lado e dormiu sem dar a mínima para coisa nenhuma, porque ela também já vira a bunda do Josh mil vezes e ele não estava nem aí para a dela.

Quando acordou, era noite. Olhou para o lado e nada de Josh de cueca dormindo lá no colchão. Ela se levantou, tomou banho e deu uma arrumada extremamente chula na casa, só porque o pai ficaria bem bravo caso se deparasse com a pia cheia de louça ou o caminho obstruído demais para ele passar.

O pai de Mikaela era um homem razoável e, para ele, a casa podia estar caindo aos pedaços, mas ele precisava ter os cômodos ao menos um pouco limpos para caminhar e uma xícara limpa para tomar suco de laranja no jantar e café no outro dia.

Mikaela morava com ele havia uns bons anos e havia se tornado uma garota meio... fora dos padrões — ao menos na visão dela — por conta disso. Quando a mãe precisara sair do país e a deixara com o pai e Josh, ela não queria de modo algum e, desde então, vinha fazendo de tudo para desagradar todo mundo e demonstrar sua revolta.

Mas, quando começou a viver com o pai e Josh, ela se sentia muito melhor do que quando morava apenas com a mãe. Ela não a deixava fazer absolutamente nada e, para dizer a verdade, Mikaela sempre tinha o sentimento de que ela o fazia apenas para contrariá-la, para demonstrar que não gostava dela.

Agora o pai... Bem, ele deixava.

Comprava o que ela queria, mesmo que Mikaela não merecesse — e também cobrava muito dela, mas cobrava da forma que claramente não era como o "cobrar" da mãe dela. Pois a mãe não podia ver Mikaela parada ou fazendo qualquer coisa que a agradasse; só sabia depreciá-la, tratá-la mal e valorizar os defeitos dela, mas não dava a mínima para nenhuma das qualidades.

Mas o pai gostava dela. Ele preocupava-se com ela e sabia tratá-la bem quando Mikaela agia como uma boa garota, ainda que isso fosse beeem raro. E também sabia deixar ela se divertir.

Tudo bem, ela se divertia o tempo todo — de sua forma, é claro — e não fazia muito bem o que devia ser sua obrigação... Mas Mikaela via esse tempo sendo "livre" como uma recompensa pelos anos que passara trancafiada em casa, sem poder sequer abrir a boca para dar uma opinião ou fazer amigos de alguma forma.

Era isso. Ela adorava o pai e o Josh, que era um cara muito chato às vezes, mas que era um bom irmão — e cúmplice — para a Mika.

Ela jantou pensando nisso e só se lembrou do bilhete do professor quando já havia se passado várias horas, inclusive estava deitada quando isso lhe veio à cabeça. Pouco antes, havia saído para espairecer. Andara para lá e para cá e pensara em tudo, mesmo Anissa, Miles e seu colégio horrendo, enquanto passeava pelas redondezas; mas não se lembrara da droga do bilhete em momento algum.

Resolveu não falar nada sobre ele, mesmo. Capaz que o professor nem se lembrasse de perguntar sobre isso no outro dia.

Aí Mikaela relaxou e dormiu feito uma pedra, nem se incomodando com a chuva forte que começou a cair e bater barulhentamente no metal da porta logo ao lado de sua cama.

No outro dia, quando ela foi ao colégio e passou direto pela classe para perturbar o Miles, o professor se lembrou de perguntar sobre o bilhete.

Droga.

Alguém precisava dar uns chutes no traseiro daquele cara.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Beijos!

PS: Ana é Anissa.